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Da prescrição virtual no Direito Penal

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26/01/2015 às 08:49
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O presente artigo pretende analisar a chamada prescrição virtual. A questão que se coloca é, diante do princípio da economia processual e da dignidade da pessoa humana, é devido o oferecimento de denúncia ou queixa?

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende abordar uma relevante questão na prática dos operadores do direito, especialmente daqueles afetos ao direito penal. A questão torna-se relevante, uma vez que é de ocorrência frequente em diversas comarcas do país.

Trata-se da análise da aplicação da chamada prescrição virtual (antecipada, ou em perspectiva) que, com fundamento na pena provavelmente aplicada ao indiciado caso exista processo e condenação, reconhece a impossibilidade da instauração da relação processual.

É verdade que o STJ possui súmula (438) tratando do tema e afirmando que não é possível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, com fundamento na pena hipotética (prescrição virtual).

A questão que se coloca é: a Súmula do STJ representa o melhor direito? Vale dizer, a sorte do processo penal é, como afirma o STJ, indiferente para avaliar a possibilidade de aplicação da prescrição virtual?

É preciso responder aos questionamentos com vistas, especialmente, ao princípio da economia processual e dignidade da pessoa humana. Afinal, é preciso definir se é constitucional a manutenção e desenvolvimento de processo penal que, de início, já se sabe destinado à inutilidade.

Seria possível falar em interesse de agir do Estado-acusação na persecução criminal? A Súmula 438 do STJ, apesar de tratar do tema, não é clara quanto ao aspecto da falta de interesse de agir. Trata, somente, da extinção da punibilidade.

Há mais. Qual a influência da Lei Federal nº 12.234/2010 para o tema em questão? Trata-se da revogação da prescrição retroativa e, consequentemente, da prescrição virtual?

São essas as questões relevantes no presente artigo, sendo certo que a análise será feita, sobretudo, diante dos princípios da economia processual, dignidade da pessoa humana e proporcionalidade.


1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A maior importância dos enunciados construídos a partir da Constituição Federal decorre do fato de que referidos enunciados veiculam verdadeiros princípios, que orientam a interpretação dos demais, bem como orientam a construção, pelo intérprete, das normas jurídicas.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo:

O princípio é, por definição, mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico[1].

A Constituição Federal, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, estabelece diversos princípios implícitos e expressos. Diversos deles estipulam garantias do cidadão frente ao Estado-acusação.

Para fins do presente artigo, é necessário um estudo mais aprofundado do Princípio da Economia Processual, Proporcionalidade e, ainda, da Dignidade da Pessoa Humana.

A Dignidade da Pessoa Humana é um princípio da Constituição Federal que garante, no aspecto objetivo, um mínimo existencial ao ser humano, atendendo a suas necessidades básicas, como moradia, saúde, etc. No aspecto subjetivo, trata-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano.

Sobre a dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet afirma:

Qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co–responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida[2].

Verifica-se que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana constitui verdadeira limitação ao legislador ordinário e ao intérprete do direito. Vale dizer, nenhuma norma ou interpretação terá validade se contrariar o princípio em questão.

Na mesma linha de orientação, é preciso citar o princípio da Proporcionalidade. Referido princípio pode ser compreendido como o dever da Administração Pública de repelir atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais. Vale dizer, a prática de qualquer ato pela administração deve ser inspirada pelo binômio utilidade e necessidade.

Para Juarez Freitas "o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos"[3].  Ou seja, não devem ser praticados atos cuja prática não se revelar eficaz e produtiva na busca do resultado almejado.

Quanto à economia processual, referido princípio decorre do artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Referido princípio possui ampla aplicação no processo penal. Isso porque, apesar da validade da premissa de que o processo é, na verdade, uma garantia do inocente, tal afirmação sofreu restrições com a evolução da sociedade.

De fato, já não se pode mais aceitar a afirmação de que, por se tratar de garantia do inocente, o processo penal não gera qualquer prejuízo ou dano ao acusado.

Ao contrário, a sociologia jurídica já provou que, muitas vezes, o dano decorrente da simples instauração de um processo criminal (dano marginal) pode gerar prejuízos de ordem psicológica e material, especialmente àquelas pessoas que não são afetas ao direito e nunca tiveram qualquer contato com o direito penal.

Sobre o tema, Cabral afirma:

Assim, enquanto o processo não é decidido em termos definitivos, as partes continuam com suas vidas dominadas por um estado de incerteza pernicioso, que as impede de programarem suas atividades, projetando os efeitos que a derrota ou vitória na lide proporciona, algo que nem mesmo pela previsão das tutelas de urgência é solucionado.

[...]

Em verdade, a demora na solução do litígio impõe a todos os litigantes um prejuízo: autor e réu perdem simultaneamente em razão do prolongamento injustificado da lide. Trata-se de um dano que não decorre da derrota em relação à pretensão deduzida, mas um `dano marginal’, na feliz expressão que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi. O dano marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiência na tramitação dos processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido[4].

É por isso que a celeridade processual e duração razoável do processo foram, corretamente, inseridos no texto constitucional como direitos individuais.


2 DO INTERESSE DE AGIR

O processo, seja cível ou penal, não é um fim em si mesmo. Vale dizer, em qualquer caso, o processo é um instrumento para aplicação, no caso concreto, do direito controvertido.

Diante dessa premissa, uma condição básica do processo cível e penal é a existência do chamado interesse de agir. O interesse de agir é fixado pela necessidade, utilidade e adequação.

A adequação, em apertada síntese, seria a utilização do rito e instrumento processual correto para o provimento jurisdicional pleiteado. Assim, somente pode ser instaurada a relação processual se estiver presente a necessidade, a utilidade e a adequação do provimento jurisdicional.

Sobre o interesse de agir, Guilherme de Souza Nucci afirma:

Detecta-se o interesse de agir do órgão acusatório quando houver necessidade, adequação e utilidade para a ação penal. A necessidade de existência do devido Processo legal para haver condenação e consequente submissão de alguém à sanção penal é condição inerente a toda ação penal. Logo, pode-se dizer que é presumido esse aspecto do interesse de agir. Quanto à adequação, deve-se destacar que o órgão acusatório precisa promover a ação penal nos moldes procedimentais eleitos pelo Código de Processo Penal, bem como com supedâneo em prova pré-constituída. Sem o respeito a tais elementos, embora a narrativa feita na denúncia ou na queixa possa ser considerada juridicamente possível, não haverá interesse de agir, tendo em vista ter sido desrespeitado o interesse-adequação.

Quanto ao interesse-utilidade, significa que a ação penal precisa apresentar-se útil para a realização da pretensão punitiva do Estado. Vislumbrando-se, por exemplo, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, é natural que o processo deixe de interessar ao Estado, que não mais possui pretensão de punir o autor da infração penal[5].

Assim, é possível fixar a premissa no sentido de que o processo que não gere resultado útil não deve ter seguimento.


3 DA PRESCRIÇÃO PENAL

O Estado, mais precisamente o Estado-acusação, possui o monopólio do direito de punir. Esse direito-dever abstrato se concretiza diante da prática da infração penal.

Mas é importante destacar que, com somente duas exceções previstas na Constituição Federal (racismo e crimes de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito), o Estado-acusação possui um lapso temporal definido para a prática do direito de punir.

Trata-se do instituto da prescrição no direito penal. Segundo Cleber Masson, “prescrição é a perda da pretensão punitiva ou da pretensão executória em face da inércia do Estado durante determinado tempo legalmente previsto”[6].

Há alguns fundamentos de índole sócio-política para fundamentar o instituto da prescrição. O primeiro deles seria a segurança jurídica do responsável pelo crime. Na verdade, em função do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, não seria viável, fora das exceções da Constituição Federal, estabelecer crimes imprescritíveis.

Não seria razoável impor ao acusado/indiciado, por toda sua vida, a ameaça do processo e da condenação criminal. Ressalte-se, mais uma vez, que as exceções à prescrição somente podem ser previstas no texto magno e não podem ser incluídas por Emenda à Constituição, pois reduziriam direito fundamental (liberdade).

Há, ainda, alegações de que a prescrição afastaria a ineficiência do Estado (obrigando mudanças e aparelhamento para cumprimento dos prazos peremptórios), bem como afastaria a impertinência social da aplicação de sanção após longo lapso temporal desde a prática do crime.

Sobre o tema, cabe destacar a lição de Bento de Faria:

Decorrido certo lapso de tempo, desde a prática do crime, sem que se tenha instaurado procedimento criminal contra o delinquente, e, se instaurado, sem que se tenha prosseguido nesse procedimento, ou desde a sentença condenatória, sem que se tenha feito executar a pena, a memória do fato punível apagou-se e a necessidade do exemplo desaparece.

[...]

E seria repugnante aos princípios da equidade e de justiça que ficasse perpetuamente suspensa sobre a cabeça do criminoso a ameaça do procedimento criminal[7].

No que tange à técnica de direito penal, a prescrição, como dito, é uma causa de extinção da punibilidade elencada no artigo 107 do Código Penal. Note-se que a prescrição da pretensão punitiva exclui a punibilidade, ou seja, a possibilidade de apenar o autor de determinado ilícito penal.

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Há uma importante divisão da prescrição. Trata-se da divisão em prescrição da pretensão punitiva e da prescrição da pretensão executória. Sobre o tema, vale a transcrição da lição de Cleber Masson:

O Código Penal apresenta dois grandes grupos de prescrição: (1) da pretensão punitiva e (2) da pretensão executória. De seu turno, a prescrição da pretensão punitiva é subdividida em outras três modalidades: (1) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita ou prescrição da ação penal, (2) prescrição intercorrente e (3) prescrição retroativa.

[...]

A linha divisória entre os dois grandes grupos é o trânsito em julgado da condenação: na prescrição da pretensão punitiva, não há trânsito em julgado para ambas as partes (acusação e defesa), ao contrário do que se dá na prescrição da pretensão executória, na qual a sentença penal condenatória já transitou em julgado para o Ministério Público ou para o querelante, e também para a defesa.

Pelo fato, porém, de a prescrição intercorrente e a prescrição retroativa estarem situadas no §1º do artigo 110 do Código Penal, é comum fazer-se inaceitável confusão. Diz-se que somente na prescrição da pretensão punitiva propriamente dita ou prescrição da ação não existe trânsito em julgado, ao contrário das demais espécies, mormente por tratar o caput do art. 110 do Estatuto Repressivo da ‘prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória’.

Essa conclusão é equivocada. A prescrição intercorrente e a prescrição retroativa pertencem ao grupo da prescrição da pretensão punitiva. Só há prescrição da pretensão executória depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para ambas as partes do processo penal. E na prescrição intercorrente e na prescrição retroativa há trânsito em julgado da condenação, mas apenas para a acusação.

Destarte, andou mal o legislador ao inserir no art. 110 do Código Penal a prescrição intercorrente e a prescrição retroativa. Em verdade, deveria ter delas tratado em dispositivo à parte, principalmente em razão da relevância dos institutos[8].

Realizados os destaques, é importante afirmar que a prescrição da pretensão punitiva obsta o exercício da ação penal. Vale dizer, não há interesse legítimo para andamento do processo penal, sendo de rigor a rejeição da denúncia ou queixa. Caso já tenha sido iniciado o processo, é de rigor a declaração da extinção da punibilidade.

A prescrição da pretensão punitiva retira todos os efeitos da sentença condenatória já proferida, principal ou acessório, penais ou extrapenais.

Contudo, para fins do presente artigo, é importante destacar a prescrição retroativa.

Sobre a prescrição retroativa, Damásio E. de Jesus afirma:

Se o art. 109, depois de assentar o princípio de que a prescrição da ação é a que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença final, admite uma exceção, a do parágrafo único do art. 110 [...] parece claro que a exceção se refere à prescrição do procedimento penal. A razão do dispositivo legal é óbvia: se pelo recurso do réu não seria possível uma reformatio in pejus, a fixação da pena se torna definitiva, como se fora a pena cominada na lei[9].

A prescrição retroativa é calculada pela pena concreta aplicada. Depende do trânsito em julgado da sentença condenatória. A prescrição retroativa começa a correr a partir da publicação (transitado em julgado para a acusação). A contagem se dá da sentença ou acórdão para trás, tendo como termo final a data do recebimento da denúncia ou queixa.

Vale dizer, não há mais que se falar em prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. A Lei Federal nº 12.234/2010 procedeu à extinção parcial da prescrição retroativa.

Referida modalidade de prescrição, após a Lei Federal nº 12.234/2010, somente tem aplicação na fase processual, não sendo aplicada na fase de investigação.

Após a breve análise sobre o instituto da prescrição no direito penal, é preciso analisar a prescrição virtual e seus efeitos no processo penal.


4 DA PRESCRIÇÃO VIRTUAL

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

Denomina-se prescrição virtual (antecipada, ou em perspectiva) aquela que se baseia na pena provavelmente aplicada ao indiciado, caso haja processo e ocorra condenação. Levando-se em conta os requisitos pessoais do agente e também as circunstâncias componentes da infração penal, tem o juiz, por sua experiência e pelos inúmeros julgados semelhantes, a noção de que será produzida uma instrução inútil, visto que, ainda que seja o acusado condenado, pela pena concretamente fixada, no futuro, terá ocorrido a prescrição retroativa[10].

Diante da definição fornecida por Guilherme de Souza Nucci, verifica-se que é fundamental para a prescrição virtual a prescrição retroativa e a utilidade do processo penal.

É verdade que a Lei Federal nº 12.234/2010, ao afastar a aplicação da prescrição retroativa entre a data do fato e do recebimento da denúncia ou queixa, reduziu substancialmente a utilidade da aplicação do instituto da prescrição virtual.

Inexistindo prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa, torna-se impossível impedir a instauração de processo criminal, se não houver sido consumada a prescrição em abstrato. Afinal, não se pode, de início, afirmar que a instrução não será cumprida em prazo hábil para evitar a prescrição retroativa.

Apesar da validade dos argumentos acima, o estudo do instituto ainda se mantém relevante. Isso porque, em todos os crimes praticados até o início da vigência da Lei Federal nº 12.234/2010, o indiciado tem o direito ao reconhecimento da prescrição retroativa entre a data do fato e recebimento da denúncia ou queixa.

A Lei Federal nº 12.234/2010, ao reduzir, o âmbito de aplicação da prescrição retroativa, reduziu direito do acusado/indiciado e, dessa forma, não pode ser aplicada para crimes praticados em data anterior ao início da vigência.

Assim, mesmo com a vigência da Lei Federal nº 12.234/2010, o tema em análise demanda estudo mais detalhado.

O Superior Tribunal de Justiça tratou do tema na Súmula 438, ao afirmar: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

O Supremo Tribunal Federal também segue a mesma linha:

O Plenário [...], na Repercussão Geral por Questão de Ordem no RE n. 602.527/RS, de Relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJe de 18/12/09), reafirmou a jurisprudência no sentido da impossibilidade de aplicação da chamada prescrição antecipada, ou em perspectiva por ausência de previsão legal[11].

AÇÃO PENAL. Extinção da punibilidade. Prescrição da pretensão punitiva ‘em perspectiva, projetada ou antecipada’. Ausência de previsão legal. Inadmissibilidade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada, independentemente da existência ou sorte do processo criminal[12].

O estudo dos precedentes que geraram a Súmula 438 do STJ e dos julgados do STF revela que prevalece a tese no sentido de que a prescrição antecipada é indevida, na medida em que não prevista no Código Penal como causa de exclusão da punibilidade, bem como violaria o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena (a análise parte da premissa de que o indiciado seria condenado).

Percebe-se que todos os precedentes não analisam com muita profundidade outro aspecto que seria fundamental para o deslinde da causa. Trata-se do interesse de agir e da economia processual.

Nesse contexto, importante destacar a lição de Fábio Ataíde:

Milhares dos processos criminais demandados no Judiciário até 2005 já estão fadados à prescrição retroativa, a tomar como referência a possível pena a ser aplicada no caso concreto. Por isso, muitos magistrados reconhecem antecipadamente a prescrição retroativa.

[...]

Neste particular, ao contrário da tendência do processo penal moderno, tanto o STF (cf. HC 94.757-3/08), como também o STJ (cf. HC 111.330, DJe 09.02.09), parecem seguir em um campo meramente burocrático, sem identificar as razões práticas que levam os juízes a encontrar na prescrição antecipada uma saída para a retomada da efetividade do sistema punitivo.

[...]

Dessa forma, muitos processos continuam tramitando sem que seja possível tirar deles qualquer efeito na proteção de bens jurídicos. São ações que, quando resultam em condenação, acabam atingidas pela prescrição retroativa, perdendo o Estado o poder de aplicar qualquer sanção. Reforça o aspecto alegórico da lei penal a crença num Judiciário preso à lei e incapaz de inovar, principalmente no campo penal. A derrocada do Direito Penal começa com seu simbolismo. Pode parecer contraditório, mas a lei penal encontra adversários também dentre seus árduos defensores, que acreditam poder defendê-la por inteiro, sem ter de extirpar uma parte para salvar o todo. O simbolismo penal vincula-se, primitivamente, à ideia de criminalização como fator de dissipação do medo social.

[...]

O simbolismo penal acontece de maneira generalizada no sistema punitivo, desde institutos como a fiança até o momento da ressocialização do sentenciado. Fazendo uma análise do instituto em estudo à luz do princípio da proibição da proteção deficiente, cabe esclarecer que a questão da prescrição antecipada não é meramente formal, mas abrange aspectos para a real proteção dos direitos fundamentais[13].

Realmente, a solução vislumbrada pelo STF e STJ quanto à prescrição virtual não parece ser a melhor. Até a entrada em vigor da Lei Federal nº 12.234/2010, não se vislumbra razão para não aplicação do instituto, mesmo diante da ausência de norma legal expressa.

Os Princípios da Economia Processual, Proporcionalidade e, ainda, da Dignidade da Pessoa Humana implicam a ampla utilização do instituto da prescrição virtual.

Ofende aos mencionados princípios constitucionais impor ao acusado um dano marginal desnecessário quando, com segurança, sabe-se que haverá a incidência da prescrição retroativa.

Não se pode afastar a prescrição virtual com a alegação de que haveria violação aos princípios da presunção de inocência e individualização da pena. A prescrição virtual apenas beneficia o indiciado. Logo, não se vislumbra nenhuma violação ao princípio da presunção de inocência. Afinal, não se aplica sanção ou se agrava a situação do indiciado sem o devido processo legal.

Quanto à individualização da pena, a prescrição virtual trata, apenas, de um juízo hipotético, construído diante dos antecedentes e circunstâncias do fato típico praticado. Logo, por não implicar efetiva restrição da liberdade, mas somente juízo hipotético, não há qualquer vício. A jurisprudência pátria (sobretudo a cultura da pena mínima) está consolidada e permite, com segurança, uma projeção do magistrado sobre a pena concreta que seria aplicada.

É claro que, se houver dúvida, deve prevalecer o interesse da sociedade, com o afastamento da prescrição virtual. Mas, note-se que essa dúvida precisa ser objetiva e não pode ser invocada para afastar a aplicação do instituto quando é inegável a incidência da prescrição retroativa.

Todos esses argumentos fundamentam a ideia no sentido de que o foco principal para o acolhimento da prescrição virtual é, além do respeito aos princípios constitucionais acima citados, a falta de interesse de agir.

Não há necessidade e utilidade em um processo penal que, ao final, trará como resultado, somente, a morosidade da justiça e o dano marginal ao acusado.

Assim, julga-se que, para os crimes praticados até a entrada em vigor da Lei 12.234/2010, é de rigor a aplicação da prescrição virtual, sob pena de violação a diversos princípios constitucionais.

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Sobre o autor
Marcelo Carita Correra

Procurador Federal,<br>exerceu a advocacia privada em São Paulo/SP<br>Bacharel em Direito pela PUC-SP<br>Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRERA, Marcelo Carita. Da prescrição virtual no Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4226, 26 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33460. Acesso em: 22 nov. 2024.

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