Muito se tem comentado a respeito do e-social, uma ferramenta de controle criada para unificar o envio de informações pelo empregador aos órgãos fiscalizadores através de uma plataforma online.
O e-social, na verdade, vem integrar todos os órgãos no maior sistema de controle de renda e fiscalização social já existente. Por esta razão, é importante que o primeiro passo dos empresários seja a medição dos seus impactos sob um ponto de vista claro, prático e objetivo, avaliando-o de acordo com a finalidade da sua existência.
Obviamente, o sistema tem seus benefícios, já que obrigará as empresas a se organizarem internamente e o fato de as sanções legais serem de aplicação imediata tornará mais efetiva a busca pelas ações preventivas.
Além disso, a total impossibilidade de burlar a legislação reduzirá o dumping social consideravelmente, pois todas as empresas atuantes no Brasil estarão submetidas a idêntico sistema de controle, diminuindo, portanto, a informalidade e a sonegação que antes tornavam desleal a concorrência.
Porém, ao avaliarmos as benesses do novo sistema é preciso que o analisemos também com relação aos pontos que dificultarão a sua aplicação, já que totalmente falho em alguns aspectos.
Não há com mensurarmos o aumento do custo do negócio para as micro e pequenas empresas que não possuem um setor de recursos humanos. Elas certamente serão as mais afetadas, pois não há como sabermos quantos profissionais serão necessários para que todas as centenas de informações diárias sejam lançadas ao sistema.
Fato é que os escritórios de contabilidade não farão esse trabalho de lançamento. Ao menos não pelo mesmo valor outrora cobrado.
Outrossim, muitas rotinas internas precisarão ser alteradas, exigindo treinamento, organização de dados e a aquisição de novos softwares para adaptação, lembrando que não falamos apenas de empresas, mas também das pessoas físicas que empregam funcionários e, portanto, são empregadores sujeitos ao e-social.
Devemos partir do pressuposto de que todos os dados lançados no sistema do e-social se tornam públicos em um único clique, aos quais possuem acesso os órgãos fiscalizadores do país. Um lançamento errado será passível de multa e necessitará de uma autorização para alteração.
As informações prestadas ao e-social terão valor fiscal, não havendo tolerância para erros cadastrais, já que a previsão é de que a burocracia para retificação de dados seja muito grande.
Tais correções não serão automáticas e, portanto, podem não ser contabilizadas na folha de pagamento gerada pelo sistema. O empregador será visto como devedor, terá que fazer um pagamento retroativo e, consequentemente, poderá incorrer em mais uma multa.
Vejamos o exemplo de lançamento de um benefício previdenciário:
Quando um trabalhador apresenta um atestado médico de mais de 15 dias é imediatamente encaminhado ao INSS para que seja realizada uma perícia. Para cumprir com as normas do e-social, esse acontecimento já deve ser lançado no sistema. Não havendo campo específico para lançamento do período em que se aguarda o resultado da perícia, a empresa deverá, obrigatoriamente, lançar no sistema um benefício de auxílio-doença simples (o chamado B31).
Sendo esse benefício negado, a empresa terá que retificar a informação antes prestada, procedimento este que, como já mencionamos, dependerá de autorização, retificação e tempo, podendo incorrer em multa.
Deferido o benefício, mas em espécie diversa, como é o caso do acidente de trabalho (B91), a empresa passará a ter mais problemas: deverá retificar a informação quanto à espécie de benefício concedido e ainda precisará entender-se com o sistema do Fundo de Garantia, que imediatamente tomará conhecimento da ausência de pagamento do FGTS devido (desnecessário em caso de auxílio-doença simples).
Nesse caso, irrelevante será que a empresa se defenda informando desconhecimento de qual benefício seria concedido, pois o e-social, a princípio, não traz campo específico para que exerçamos o direito de defesa.
Ressaltamos, ainda, a ausência de campos específicos para cadastramento de trabalhadores autônomos, para a digitação dos lançamentos do ponto eletrônico e inclusão de decisões liminares, bem como a inexistência de local para lançamento de determinados direitos criados a partir de negociações coletivas.
Aliás, a ausência de flexibilidade do sistema gerará insegurança jurídica, uma vez que inviabilizará a negociação coletiva por completo: haverá a negociação, criando direitos e obrigações, mas ela não poderá ser aplicada quanto ao que se diferencie da legislação, mesmo que seja para a ampliação de direitos do trabalhador.
Como vemos, o sistema é falho em muitos pontos e é provável que assim continue, já que a nova cartilha de aplicação, prevista para agosto deste ano, até o momento não foi publicada.
Não há receita específica para evitar os problemas provenientes do novo sistema, mas a organização interna de dados poderá atenuá-los.
A empresa deve, em um primeiro momento, focar na revisão cadastral, fazendo a conferência dos números de RG de cada um dos funcionários, a anotação do correto órgão emissor do documento, o número do PIS, verificando se todos os documentos trazem o mesmo nome, como no caso de pessoas que possuem um documento com nome de casado e outro com nome de solteiro, etc. Qualquer erro de cadastro irá “barrar” o lançamento do trabalhador no sistema.
O mesmo se diz com relação aos CPFs irregulares. Pessoas que hoje não detêm conhecimento sobre quando declarar-se isento no imposto de renda. Estes profissionais cairão na “malha fina” do e-social, que não permitirá o seu registro. Como não há contratação com data retroativa, esta pessoa terá que aguardar a regularização para poder começar a trabalhar.
Fato importante a ser observado é que, com relação às empresas terceirizadas, o sistema do e-social solicitará uma infinidade de dados da empresa prestadora de serviço e também dos profissionais envolvidos, exigindo atenção redobrada.
A próxima cartilha do e-social, ainda não publicada, trará a possibilidade de fracionamento das férias na forma da lei. Porém, o aviso de férias terá de ser comunicado com exatos 30 dias de antecedência, pois o sistema não permite lançamentos retroativos.
Além disso, a admissão deverá ser feita no exato momento do início das atividades. As CAT’s deverão ser emitidas no primeiro dia útil subsequente ao acidente. A morte do funcionário precisará ser informada imediatamente (inclusive se ocorrer em finais de semana ou feriados). A prorrogação do contrato de experiência deverá ser lançada na data exata do último dia do contrato anterior.
As rubricas dos contracheques hoje são criadas de forma que gere melhor compreensão dos empregados e empregadores. Com o e-social, porém, somente poderão ser lançadas as rubricas permitidas pelo sistema.
A empresa também precisará ter as funções de seus trabalhadores corretamente enquadradas no CBO correspondente. Isso porque ele gerará a base para o cálculo para o percentual de aprendizagem e a empresa não será previamente avisada da alteração de percentual antes da aplicação da multa respectiva.
Da análise acima podemos observar que ajustar-se ao sistema do e-social será muito mais difícil do que se imagina. A grande quantidade de dados exigida, a complexidade do sistema, as suas falhas iniciais e a imediatidade dos lançamentos devem ser fatores considerados pela empresa ao traçar as diretrizes de preparação para o início da utilização do e-social.
Somente uma estrutura de governança interna bem gerenciada poderá garantir a correção das informações e o cumprimento das normas trabalhistas capazes de evitar punições graves. Por todos os ângulos que se analise, é imprescindível que o setor empresarial esteja atento para a implementação destas diretrizes o mais rapidamente possível, a fim de que possa transpor os obstáculos que certamente surgirão.