1. INTRODUÇÃO
De início, faz-se necessário esclarecer a natureza tributária das Custas Judiciais. São verdadeiras taxas (Art. 77 a 80 do CTN), pois consistem em contraprestação a ser paga pelo contribuinte (Litigante) por serviço específico e divisível prestado pelo Estado (No caso, o Judiciário), conforme entendimento já pacificado no Supremo Tribunal Federal. Senão, vejamos:
DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda Constitucional nº 1/69, julgando a Representação nº 1.094- SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que"as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais", por não serem preços públicos, "mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa" (RTJ 141/430, julgamento ocorrido a 08/08/1984). 2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do RE nº 116.208-MG. (...) (STF - ADI: 1444 PR, Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento: 11/02/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 11-04-2003 PP- 00025 EMENT VOL-02106-01 PP-00046) (Grifos Nossos)
Consistem tais taxas, assim, em forma de tributo vinculado, pois diretamente relacionadas à atuação estatal. Sobre o tema, cabível destacar excerto doutrinário do Prof. Paulo de Barros Carvalho:
“Taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificadamente dirigida ao contribuinte.”
As custas judiciais foram instituídas, portanto, com o propósito de o contribuinte, que deseja levar sua pretensão ao Judiciário, pagar pelos custos decorrentes da tramitação do seu processo.
2. COMPETÊNCIA PARA TRIBUTAR - TAXAS – CUSTAS JUDICIAIS DO TJPE – LEI ESTADUAL DE CUSTAS E EMOLUMENTOS (Lei nº 11.404/96)
A Constituição Federal, juntamente ao Código Tributário Nacional, quando do momento de atribuições de competências para tributar, não definiu como privativa da União a instituição de taxas. Nesse diapasão, basta notar as redações claras e indubitáveis dos arts. 145, II da CF c/c Art. 80 do CTN:
Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
Art. 80 - Para efeito de instituição e cobrança de Taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.
Então, no exercício pleno de suas atribuições e competências, o Estado de Pernambuco editou a Lei das Custas e Emolumentos (Lei nº 11.404/96), instituindo a cobrança destas taxas nas hipóteses e liames explicitados, inclusive no que se refere aos processos de tramitação nos Juizados Especiais Cíveis.
Nesta lei ficou claro que há duas espécies de Custas Judiciais: as Custas Iniciais e as Custas Recursais; ou seja, duas taxas diferentes. A primeira tem por fato gerador a tramitação processual em 1º grau enquanto a segunda tem como fato gerador a tramitação processual em 2º grau.
Logo, observa-se que o legislador tributário tinha em mente instituir dois tributos diversos para duas situações divergentes. Tanto é que na própria tabela de custas e emolumentos do TJPE há o tipo “A” para as taxas destinadas ao Tribunal e ao Colégio Recursal, e o tipo “B” aos Cartórios de primeira instância.
Assim, a cobrança de qualquer uma das custas só pode ser feita na hipótese que motivou a sua instituição, posto que referidas taxas consistem em pagamento pelos atos prestados pelo Estado com o processo no seu respectivo grau jurisdicional.
Depreende-se, portanto, que as Custas Iniciais são devidas para o custeio do processo em 1º grau e as Recursais para o suporte financeiro da ação em 2ª instância.
Senão, vejamos o §1º do art. 8º da Lei de Custas/PE:
§ 1º - As custas remuneram todos os atos do processo, no grau de jurisdição em que tramita (Grifos Nossos)
3. O CASO DO TJPE – APLICAÇÃO DA LEI ESTADUAL DE CUSTAS E NÃO DA LEI FEDERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
a. CRITÉRIOS DE ESPECIALIDADE E COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Pois bem. Feita esta explanação conceitual, deve-se adentrar no caso concreto dos Juizados Especiais Cíveis.
Como se sabe, não há ônus para a promoção de ação no JEC; as custas iniciais são dispensadas ao autor.
Essa isenção, apesar de estabelecida no art. 54 da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais), somente pode ser aplicada porque também foi dada pelo Estado através do disposto no art. 3º da Lei de Custas/PE:
Art. 3º - Não haverá incidência de custas, taxas ou despesas para o acesso em primeiro grau de jurisdição aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Afinal, é vedado à União isentar tributos de competência estadual, conforme prevê o art. 151, III da CF.
Art. 151 - É vedado à União:
(...)
III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Ora, como foi dito anteriormente, as Custas Judiciais (Iniciais e Recursais) têm natureza jurídico-tributária de taxa. Logo, consistem em contraprestação a serviço público específico e divisível, o qual, no caso, é prestado pelo TJPE, que está dentro do âmbito do Estado de Pernambuco.
Portanto, na condição de fornecedor, é o Estado o único detentor de legitimidade para criar exação sobre tal serviço. Ele é, exclusivamente, o ente tributante. Foi o Estado quem instituiu a cobrança das Custas Judiciais, então, somente ele pode isentá-las, como ressalta o doutrinador Kiyoshi Harada:
“(...) é sabido que só pode isentar determinado tributo quem tem o poder de instituir aquele tributo.”
Em suma, apenas o Estado de Pernambuco detém competência para tributar e isentar os serviços que presta, permitindo afirmar ser cabível unicamente ao poder estadual a criação e isenção, v. G., das custas judiciais. O que, inclusive, já foi feito, reitere-se, através da Lei nº 11.404/96.
Neste contexto, tudo que for atinente às custas judiciais nos processos de tramitação nos Juizados Especiais Cíveis sob a jurisdição do TJPE tem de estar respaldado na Lei de Custas e Emolumentos/PE.
Como dito anteriormente, não há cobrança de custas iniciais aos promoventes de ações no JEC em primeira instância. De tal maneira, o custeio desses processos em primeiro grau é feito de outra maneira pelo Judiciário, sem ser necessário o pagamento de taxas pelo contribuinte. O serviço já foi arcado, portanto.
Ademais, as custas iniciais e recursais são tributos vinculados, cada um, a respectivo serviço público, específico e divisível. Logo, só podem ser cobradas em decorrência do seu fato gerador, o qual para as iniciais consiste na tramitação processual em primeira instância e para as recursais na tramitação em segundo grau.
Por conseguinte, a hipótese de cobrança de custas iniciais em fase recursal deturpa o caráter vinculado deste tributo. Ora, uma taxa somente pode ser exigida quando for servir como contraprestação ao serviço que motivou a sua criação.
Admitir cobrança das custas iniciais em segundo grau (Colégio Recursal), então, é vincular tributo à atividade diversa da que justificou sua instituição. Neste sentido, têm-se diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal, dentre os quais se escolheu o abaixo colacionado:
4. A vinculação das taxas judiciárias e dos emolumentos a entidades privadas ou mesmo a serviços públicos diversos daqueles a que tais recursos se destinam subverte a finalidade institucional do tributo. (STF - ADI: 2040 PR, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 15/12/1999, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 25-02-2000 PP-00051 EMENT VOL-01980-02 PP-00240) (Grifos Nossos)
Outrossim, o arrecadado com referida taxa tem, necessariamente, de ser destinado ao custeio do serviço que a originou. Logo, o valor obtido com o pagamento de Custas Iniciais somente pode ser utilizado para custear a atividade definida por seu fato gerador, qual seja, o sustento do processo do contribuinte em primeira instância. Acerca do tema, faz-se mister demonstrar a opinião do doutrinador Prof. Leandro Paulsen:
“Nas taxas, pois, há dupla vinculação: o fato gerador é vinculado à atividade estatal e, também, necessariamente, o produto da arrecadação terá de ser vinculado à atividade que justifica a instituição do tributo.”
Não bastasse a vedação expressa à subversão da finalidade institucional da taxa a serviço diverso do que motivou a sua instituição, insta destacar o fato de a Lei das Custas e Emolumentos/PE em momento algum determinar suposta necessidade de pagamento das Custas Iniciais junto às Turmas Recursais em sede de Colégio Recursal (segunda instância).
Observando-se o texto da Lei nº 11.404/96, em seu art. 4º, resta evidente que o legislador, ao definir quais as taxas a serem pagas pelo recorrente, não fez referência à qualquer obrigação de se efetuar o depósito das Custas Iniciais junto às Recursais em 2º grau.
Aliás, o § 2º do referido artigo faz menção às Custas Recursais, apenas. Do contrário, vejamos:
Art. 4º - A interposição de qualquer recurso nos Juizados Especiais,dependerá da efetivação de depósito recursal, custas e taxas, conforme determinado no capítulo II desta Lei.
§ 1º - No ato de interposição do recurso o recorrente comprovará quando devido, o respectivo preparo nos termos do caput deste artigo sob pena de deserção.
§ 2º - O recorrente depositará o valor das custas recursais em conta aberta para este fim junto ao BANDEPE, convertendo-se estas em receita própria do Poder Judiciário, na hipótese de ser julgado improcedente o recurso.
§ 3º - Julgado procedente o recurso, o valor das custas será devolvido ao recorrente, mediante alvará, juntamente com os acréscimos da conta vinculada.
Evidente, então, a determinação da Lei de nº 11.404/96 de ser preciso somente o pagamento das Custas Recursais (somadas à taxa judiciária e à eventual depósito), sem a necessidade de se pagar também as Custas Iniciais para interposição do recurso.
O preparo recursal, segundo a referida lei, é composto exclusivamente por Custas Recursais, Taxa Judiciária e eventual Depósito. Este rol é taxativo, e não exemplificativo, devendo ser cumprido apenas o por ele definido.
Em virtude das questões apresentadas de especificidade e competência para legislar sobre tributação e isenção, entende-se que a lei a ser aplicada ao caso das Custas Judiciais nos processos de tramitação no JEC e Colégio Recursal em Pernambuco é a Lei de Custas e Emolumentos/PE.
Por conseguinte, eventual argumento de aplicação da Lei 9099/95 à contenda, no tocante às Custas Judiciais, não poderia subsistir. Não se pode optar pelo disposto no art. 54, parágrafo único, da referida lei.
Assim, a interpretação adequada para se vislumbrar qual a norma a incidir na situação litigiosa deve ser pautada no critério da especialidade, além, é claro, na observância dos ditames constitucionais de competência tributária.
4. CONCLUSÃO
Em suma, têm-se o entendimento, embasado no exposto, de que por questões de competência para tributação de taxas, delimitadas pela Constituição Federal e reguladas pelo Código Tributário Nacional, bem como pelos aspectos minuciosos relativos à espécie tributária em questão, a prática observada de cobrança de Custas Iniciais em fase Recursal confronta os ditames legais.
Cobrança, esta, justificada pela aplicação do art. 54, parágrafo único da Lei Federal nº 9099/95, no entanto inaplicável, pois a única norma incidente no caso das Custas Judiciais dos Juizados Especiais Cíveis do TJPE deve ser a Lei Estadual nº 11.404/96.
Portanto, inadmissível a exação de Custas Iniciais em fase recursal nos processos dos Juizados Especiais Cíveis do TJPE.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ed. São Paulo: Saraiva, pp. 38-40
HARADA, Kiyoshi. Isenção de tributos decorrente de tratado ou convenção internacional. Teresina: Jus Navigandi, ano 16, n. 2789, 19 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18536>.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário: completo. 4 ed. Ver. Atual e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. Capítulo 2 – Espécies Tributárias; Ponto nº 13 – Taxas.