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O controle judicial do mérito dos atos administrativos discricionários

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É raro a lei possuir densidade conceitual totalmente fechada ou totalmente aberta de seus termos, de forma a tornar a ação administrativa exclusivamente vinculada ou exclusivamente discricionária.

1. INTRODUÇÃO

Por decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ficar isenta da apreciação do Poder Judiciário. Por outro lado, o princípio da independência dos poderes influencia a limitação da interferência do Poder Judiciário no mérito administrativo.

O escopo do presente trabalho é estudar a atuação do Poder Judiciário no controle dos atos administrativos, observando a doutrina e a jurisprudência atual, especialmente quanto aos atos discricionários, foco do presente estudo.

É possível afirmar, com base na doutrina e jurisprudência e a título de regra geral, que o controle judicial dos atos administrativos é irrestrito. Há, no entanto, peculiaridades que o presente trabalho busca esmiuçar, entre as quais a principal delas: os limites do controle judicial dos atos administrativos discricionários.

Enfoque determinante é a ponderação dos princípios da separação de poderes e da inafastabilidade da jurisdição para mensurar o controle judicial sobre o mérito administrativo.


2. Atos administrativos discricionários

A classificação dos atos administrativos pode variar de acordo com o foco sobre o qual se direciona o objeto. Pode derivar do destinatário do ato, dos efeitos, da estrutura, entre outras possibilidades.

O foco do qual se origina a classificação dos atos administrativos como discricionários é quanto ao grau de liberdade de atuação da Administração. Daí decorre a clássica diferenciação entre atos administrativos vinculados e discricionários.

O que define se um ato administrativo é discricionário ou vinculado é a margem de subjetivismo frente as opções de escolha que a norma legal estabelece.

Poder-se-ia sugerir que o fato de o agente administrativo ter essa margem discricionária implicaria exceção ao princípio da legalidade, mas não prospera tal raciocínio.

O princípio da legalidade no direito administrativo impõe ao administrador que ele somente possa agir de acordo com a lei. Ao contrário da lógica do direito civil, portanto, em que o destinatário da norma pode fazer tudo o que a lei não proíbe, o agente público somente pode fazer o que o ordenamento jurídico administrativo permite.

Em razão disso, o ato administrativo discricionário não excepciona o princípio da legalidade. Muito pelo contrário, dele decorre. Somente há margem discricionária porque a norma assim prevê e, não obstante o grau de liberdade maior do administrador, a finalidade (consubstanciar o interesse público) do ato administrativo e a observância aos princípios basilares do direito administrativo devem ser respeitadas.

Estabelecida essa breve posição contextual dos atos discricionários, convém iniciar sua conceituação por sua antítese: os atos vinculados.

Sobre os atos administrativos denominados vinculados não há maiores digressões sobre sua sujeição plena à revisão judicial. O ato administrativo vinculado pode ser definido como aquele que a lei impõe ao administrador uma determinada conduta e dela não há como se abster ou se desviar.

Todos aqueles que operam o direito administrativo acabam se deparando com a identificação dos tipos de ato administrativo na prática. Uma vez estabelecidas as raízes fáticas, e aqui nesse ponto aprofundaremos adiante, a norma administrativa estabelecerá a margem de atuação do agente público.

Como já frisado, o ato vinculado é aquele em que não há alternativa de atuação. É o caso, por exemplo, de uma hipótese de inexigibilidade de licitação, da aplicação da pena de demissão, o dever do servidor reportar irregularidades a seu superior, etc.

Esse é o campo teórico do tema, mas a prática demonstra que se não existem, são raros os atos totalmente vinculados ou totalmente discricionários. Como assinala Alexandre Santos de Aragão[1]:

Na verdade, o que está em xeque são as próprias categorias de discricionariedade e vinculação, que seriam em boa hora substituídas pela ideia de graus de vinculação da Administração Pública ao ordenamento jurídico, já que não existe ato, em tese, totalmente discricionário, nem totalmente vinculado.

Com efeito, a decisão administrativa oscila entre dois extremos representados por ações plenamente discricionárias e por ações plenamente vinculadas pela lei. Na prática é raro a lei possuir densidade conceitual totalmente fechada ou totalmente aberta de seus termos, de forma a tornar a ação administrativa exclusivamente vinculada ou exclusivamente discricionária.

De qualquer sorte, vale mencionar nesse registro introdutório que se o legislador impõe ao administrador uma única opção de atuação, não é dado ao juiz se distanciar dessa determinação legal para substituir a ação administrativa por outra que entende melhor.


3. Sistema de controle administrativo jurisdicional brasileiro

O sistema brasileiro administrativo seguiu o modelo do Direito Norte-Americano, de forma que aqui vigora o sistema da jurisdição única, não obstante sofrermos influência doutrinária do direito francês, que adota o sistema do contencioso administrativo.

Com efeito, não há vinculação do Poder Judiciário e o Poder Executivo quanto às decisões administrativas, de forma que os atos administrativos sujeitam-se à jurisdição definitiva e exclusiva do Poder Judiciário. Este Poder tem, como regra, o pleno exercício de revisão dos atos administrativos e emana a palavra final sobre a legalidade deles.

Dessa premissa poder-se-ia sustentar então que a resposta à dúvida acerca da margem de controle judicial dos atos administrativos, discricionários ou vinculados, é pela sua ilimitação.

Sem dúvida não há condição prejudicial para a atuação judicial, mas sem dúvida, como adiante veremos, é possível desde já afirmar, com base na doutrina e jurisprudência e como regra geral, que quanto maior a margem discricionária do administrador, menor será o grau de ingerência revisional material do juiz.


4. Controle judicial do mérito do ato administrativo discricionário

Como ponto de partida, impossível não mencionar o postulado constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída à apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF).

Contra esse pilar do estado democrático de direito se contrapõe o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF), segundo o qual o Poder Judiciário não poderia invadir a atuação tipicamente administrativa, especialmente para substituir a legítima escolha administrativa dentro da margem legal de possibilidades, ainda que para substituir por outra escolha também legítima.

O que é vedado, pois, é o Poder Judiciário proferir juízo de conveniência e oportunidade imputável somente ao Poder Executivo.

Marçal Justen Filho assevera que “não é possível o órgão fiscalizador substituir-se ao titular da competência para realizar avaliações e estimativas no tocante à oportunidade, à consistência ou à finalidade de providências de natureza discricionária”[2].

Por outro lado, é possível o controle judicial quando os limites da margem discricionária foram extrapolados, o que em outras palavras traduz o controle de legalidade. Nesse aspecto não é o mérito administrativo que está sob análise, mas o caráter vinculado da margem discricionária.

O que se denota da doutrina e da jurisprudência é que até esse ponto não há relevantes dissonâncias.

Identificamos que a origem de interpretações destoantes e diversificadas sobre o tema emana do caráter abstrato dos postulados de que é possível o controle de legalidade dos atos discricionários e de que o mérito do ato administrativo não pode ser invadido pelo Poder Judiciário.

Com efeito, é assente na jurisprudência do STJ o pressuposto de que os atos administrativos discricionários estão sujeitos ao controle da legalidade:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DE POLÍCIA. REMOÇÃO EX OFFICIO. ATO ADMINISTRATIVO SEM QUALQUER REFERÊNCIA AOS MOTIVOS QUE LHE DERAM ENSEJO. ILEGALIDADE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 50, I, DA LEI 9.784/99. MOTIVAÇÃO APRESENTADA SOMENTE NAS INFORMAÇÕES EM QUE NÃO HÁ CONGRUÊNCIA ENTRE O MOTIVO E A FINALIDADE DO ATO, ALÉM DE EVIDENCIAR ELEVADO GRAU DE SUBJETIVISMO À REVELIA DE CONCRETA DEMONSTRAÇÃO DE QUE A TRANSFERÊNCIA ATENDE A ALGUMA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 26, II, DA LEI ESTADUAL 4.122/99. ATO ADMINISTRATIVO QUE, APESAR DE DISCRICIONÁRIO, SUJEITA-SE AO CONTROLE DE JURIDICIDADE. PRECEDENTES.

(...)

6. O ato administrativo discricionário sujeita-se à sindicabilidade jurisdicional de sua juridicidade. Não invade o mérito administrativo - que diz com razões de conveniência e oportunidade - a verificação judicial dos aspectos de legalidade do ato praticado. Precedentes.

7. Recurso Ordinário provido.

(RMS 37.327/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 12/09/2013)

Celso Antônio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho comungam da ideia de que o controle externo do mérito dos atos administrativos é possível quanto à causa, motivo e finalidade. Ausentes, ofendem o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.

A atuação jurisdicional, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, estabelece o confronto entre o ato administrativo e as imposições que lhe incumbiria atender. E sintetiza[3]:

Para tanto coteja os fatos do mundo real, em que se pretende estribada a Administração, com a previsão hipotética deles, a ver se os primeiros realmente se subsumem ao enunciado normativo. Além disto, perquire o móvel, a intenção do agente, para aferir seu ajuste à finalidade da lei, porque que a norma não prestigia comportamentos produzidos em desarmonia com os objetivos públicos em geral e com o objetivo público específico correspondente à tipologia do ato exarado.

Por derradeiro: se a lei não expressou o motivo legal justificador do ato, cabe, ainda, ao Judiciário investigar se há ou não correlação lógica entre os suportes materiais do ato e o conteúdo idôneo para o atendimento dos fins que a lei elegeu como perseguíveis no caso.

O entendimento esposado pelo STJ no julgado abaixo se coaduna com a lição do festejado doutrinador:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. TRANSFERÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. NÃO COMPROVAÇÃO. MOTIVAÇÃO. AUSÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. DECRETO Nº 591/80 DO ESTADO DO MATO GROSSO. NECESSIDADE DO SERVIÇO. EFETIVO MILITAR. DÉFICIT. DEMONSTRAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.

I - O Decreto nº 591/80 do Estado do Mato Grosso prevê expressamente a hipótese de movimentação do policial militar para o atendimento de necessidade do serviço.

II - Na espécie, as justificativas para a transferência do recorrente se fizeram acompanhar de dados que denotam o déficit de efetivo em certas regiões do Estado, como aquela para qual o militar fora removido.

III - Havendo anteparo fático e inexistindo, por outro lado, indícios de eventual desvio de finalidade, a movimentação determinada pela autoridade dita coatora traduz-se em exercício regular do poder discricionário da Administração Pública. Recurso ordinário desprovido.

(RMS 30.987/MT, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 07/06/2010)

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[4] defendem que não é possível o controle jurisdicional da escolha pelo administrador, no juízo de conveniência e oportunidade, dos elementos motivo e objeto, que constituem o mérito administrativo. Por outro lado, os elementos vinculados (competência, finalidade e forma) podem ser revisados judicialmente.

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Para Marçal Justen Filho ao assentar o pressuposto da impossibilidade de invasão do mérito administrativo, pontua que é possível a invalidação do ato por defeitos formais, de forma que não é possível invocar a competência discricionária para defender ato produzido com infração ao devido processo legal. O mencionado doutrinador defende que os elementos considerados para a decisão administrativa devem ser os contemporâneos à prolação do ato, sendo vedada a utilização de situações supervenientes.

O consagrado Hely Lopes Meirelles pontuava que o mérito do ato administrativo consubstancia-se na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato e assim finaliza a análise do tema em seu Curso de Direito Administrativo[5]:

Em tais atos (discricionários), desde que a lei confia à Administração a escolha e valoração dos motivos e do objeto, não cabe ao Judiciário rever os critérios adotados pelo administrador, porque não há padrões de legalidade para aferir essa atuação.

(...) No mais, ainda que se trate de poder discricionário da Administração, o ato pode ser revisto e anulado pelo Judiciário, desde que, sob o rótulo de mérito administrativo, se aninhe qualquer ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder.

A saudosa Prof.ª. Lúcia Valle Figueiredo[6], por sua vez, defendia um controle irrestrito sobre o ato administrativo discricionário. A mencionada jurista partia da análise da Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965) que em seu art. 1º estabelece que “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal (...)”. Vale destacar o seguinte trecho da referida doutrina:

Ora, o conceito de lesividade, conceito pragmático ou indeterminado, só poderá ser aferível, no caso concreto, mediante exame amplo do ato emanado, envolvendo também o comumente denominado de mérito.

Mais adiante a citada jurista[7] estabelece a possibilidade de revisão da motivação do ato e delineia alguns escopos de exame do mérito administrativo que, por fim, acabam seguindo a linha doutrinária antes fixada:

É por meio da motivação que será possível verificar-se a razoabilidade, a congruência lógica entre o ato emanado e seu motivo (pressuposto de fato), a boa-fé da Administração, etc.

Alexandre Santos de Aragão[8] critica a falta de diferenciação prática entre vinculação e discricionariedade e mitiga a máxima da vedação de invasão do mérito administrativo pelo Poder Judiciário que deve observar o que chama de “índices de capacidade institucional”. Aponta o autor exemplificativamente:

Capacidade institucional do órgão emissor do ato (capacidade técnica, independência, etc.); baixa densidade normativa da norma a ser aplicada; consequências gerais e futuras (prospectivas), para quem não é parte naquele específico processo, da decisão que vier a ser tomada; caráter técnico do ato sob controle; natureza colegiada abstratamente prevista na lei; a pouca magnitude dos direitos restringidos pela Administração (por exemplo, se não forem ligados à dignidade da pessoa humana); a higidez do processo administrativo que o precedeu, inclusive se teve audiências ou consultas públicas, se estas tiveram participação significativa, se foram devidamente respondidas etc.

Quanto mais os citados índices, completa o jurista, estiverem presentes, maior deferência ao mérito administrativo deverá ser conferida pelo Poder Judiciário no exercício do seu poder fiscalizatório.

Interessante e moderna análise faz José dos Santos Carvalho Filho[9] que, embora ressalte a diferença entre os institutos, aponta que a discricionariedade administrativa e os conceitos jurídicos indeterminados constantes na lei são passíveis de controle jurisdicional através da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista a ausência de standards de objetividade no mencionados institutos.

A jurisprudência, por sua vez, mantém-se fiel ao postulado geral da vedação de invasão do mérito administrativo, mas ressalva amplos campos de exceção.

O STF decidiu recentemente no RE 636.686[10] que não é possível a ingerência do Poder Judiciário no mérito administrativo se não constatada ilegalidade ou abuso de poder, o que abre um grande leque de atuação.

Em hipótese que tratava de direito de servidor público, o STJ[11] assentou que “constatado que a recusa da Administração Pública em deferir o pedido de remoção formulado pela primeira agravante se deu dentro dos parâmetros de legalidade, mostra-se inviável o acolhimento da pretensão deduzida na presente ação ordinária, sob pena de indevida invasão do mérito administrativo.”

No campo do direito sancionador, o STJ[12] entende que “não cabe ao Poder Judiciário o exame do mérito administrativo motivador do ato administrativo, restringindo seu exame à aferição da regularidade do procedimento e da legalidade da pena aplicada”.

Também em direito sancionador já se decidiu no Tribunal da cidadania[13] que “a atuação do Poder Judiciário no controle do processo administrativo circunscreve-se ao campo da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato demissionário, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo. Assim, mostra-se inviável a análise e valoração das provas constantes no processo administrativo”.

Em sentido contrário, é frequente na jurisprudência do STJ casos em que aquela Corte adentra no exame e valoração das provas produzidas em processo administrativo disciplinar:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. ENTREVISTAS À IMPRENSA. DIVULGAÇÃO DE ÁUDIO FORNECIDO COM AUTORIZAÇÃO DO MINISTRO DE ESTADO. REVELAÇÃO DE SEGREDOS FUNCIONAIS - ART. 132, IX DA LEI 8.112/90. DESCARACTERIZAÇÃO. ATUAÇÃO COMO DIRIGENTE DE ASSOCIAÇÃO DE SERVIDORES. DIVERGÊNCIA COM OS DIRIGENTES DO ÓRGÃO. FATOS NÃO CONSIDERADOS APTOS PARA TIPIFICAR O CRIME PREVISTO NO ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PARALELISMO COM O ART. 132, IX DA LEI 8.112/90. CONDUTAS ADMINISTRATIVAS QUE NÃO SE ENQUADRAM NA INFRAÇÃO IMPUTADA.

1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado em face do julgamento de processo administrativo disciplinar e contra a publicação de portaria de demissão de servidor público federal por Ministro de Estado com fundamento na revelação de segredos funcionais (art. 132, IX da Lei n. 8.112/90). O impetrante alega que as condutas imputadas não configurariam a referida tipificação, alegando, ainda, que concedeu entrevistas à imprensa na condição de dirigente de associações de servidores e, portanto, com base em mandato sindical.

2. Estando a pretensão do impetrante relacionada com os fatos que estão descritos no processo administrativo disciplinar n. 013/2009 (processo 011800.01988/2009-62), que se encontra integralmente acostado aos autos (fls. 269-1200), Não há razão em acolher a preliminar de inadequação da via eleita por alegada necessidade de dilação probatória, pois evidenciado que o mandamus possui todas as provas necessárias à sua cognição. Preliminar rejeitada. Precedente: MS 14.504/DF, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 20.8.2013.

3. A petição inicial descreve os fatos com suficiência, esclarece o pedido do impetrante em prol da anulação da Portaria de demissão, bem como do julgamento pela autoridade. É evidente que há interesse de agir, ainda que o impetrante tenha sido demitido em outros processos administrativos, é demonstrado que estão sendo impugnados judicialmente, como está evidente pelo julgamento monocrático - que lhe deu provimento - havido no RMS 30.809/DF (julgado em 18.9.2012, publicado no DJe em 21.9.2012). Preliminar rejeitada.

4. Do exame das provas juntadas, especialmente as matérias jornalísticas nas quais houve a concessão de entrevistas por parte do impetrante, se infere que não houve a revelação de segredos funcionais e, sim, a exposição - por parte de dirigente de associação de servidores - de pontos de vista contrários à gestão do órgão que integrava; no caso mais grave, que foi a oferta de áudio de reunião com o Ministro de Estado, havida no auditório do órgão, cabe frisar que foi fornecida com autorização da autoridade e encaminhado à Comissão Parlamentar de Inquérito por meio de ofício no qual o impetrante se identificou de forma clara.

5. Apesar da independência entre a esfera criminal e administrativa, deve ser considerado que os fatos que ensejaram a demissão, no processo administrativo disciplinar sob exame, foram desconsiderados aptos à tipificar a conduta imputada como adstrita ao art. 325 do Código Penal, descrita como "revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo", o que demonstra seu evidente paralelismo com o inciso IX do art. 132 da Lei n. 8.112/90.

6. Figurando como atípica a conduta imputada ao servidor, a jurisprudência indica que a solução judicial é a anulação do ato reputado coator. Precedente: MS 14.703/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 3.5.2012. Segurança concedida.

(MS 19.734/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013)

Esse entendimento parece se coadunar com o estudo aqui realizado, pois está dentro da função jurisdicional realizar o exame do motivo do ato administrativo, à luz do princípio da legalidade, o que inclui a análise da congruência entre os fatos utilizados como pressuposto pela Administração e a verdade real.

Por outro lado, há discussões sobre a limitação procedimental, como nos casos de Mandado de Segurança. Esta via não seria adequada para reanálise probatória, segundo alguns julgamento do STJ:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.  SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO DISCIPLINAR. RECEBIMENTO DE PROPINA. PENA DE DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVA E INDÍCIOS DA MATERIALIDADE DA CONDUTA E DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1. Busca-se com a presente impetração anular ato do Sr. Ministro de Estado da Justiça consubstanciado na edição da Portaria n. 2.140, de 22 de setembro de 2011, que demitiu o impetrante do cargo de Policial Rodoviário Federal, após regular processo administrativo instaurado para se apurar a prática de infrações disciplinares previstas nos arts. 116, III, 117, IX e XII, e 132, IV e XI, todos da Lei n. 8.112/90.

2. A pretensão do impetrante funda-se nas alegações de inexistência de provas ou indícios de materialidade quanto à conduta criminosa que lhe é imputada, bem como na obtenção de depoimentos de testemunhas mediante coação e na ausência de apreciação pela Comissão Processante das alegações apresentadas pela defesa.

3. A Comissão Processante, em seu relatório final, sugeriu a aplicação da pena de demissão por recebimento de vantagem econômica indevida, devidamente respaldada nas provas documentais e testemunhais produzidas no Processo Administrativo, sob o crivo do contraditório. Não há, portanto, falar em precariedade das provas que demonstram a natureza e a gravidade da infração disciplinar cometida pelo impetrante.

4. Ademais, o mandado de segurança não comporta dilação probatória, uma vez que pressupõe a existência de direito líquido e certo aferível por prova pré-constituída, a qual é condição da ação mandamental, haja vista ser ela imprescindível para verificar a existência e delimitar a extensão do direito líquido e certo afrontado ou ameaçado por ato da autoridade impetrada.

5. Na hipótese em exame, o acolhimento da pretensão do impetrante no sentido da inexistência de prova da materialidade da ação delitiva e da coação das testemunhas requer o revolvimento dos elementos fáticos-probatórios, o que somente é possível na via ordinária, em que poderão ser produzidas provas periciais, testemunhas, assim como poderá ser realizada qualquer tipo de reanálise das provas colhidas no PAD.

6. Tampouco prospera o argumento de que, na análise do processo administrativo que culminou demissão do impetrante, não foi devidamente apreciada a tese levantada pela defesa, pois importa, além de revisão do mérito do ato administrativo, insindicável pelo Poder Judiciário, ingressar na seara fático-probatória dos autos, exame vedado em sede de mandado de segurança.

7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado.

(MS 18.106/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2012, DJe 04/05/2012)

Vislumbra-se, pois, restrição procedimental nas ações em que há limitação da instrução probatória, como na hipótese acima de Mandado de Segurança.

Por derradeiro, abstrai-se do contexto jurisprudencial e doutrinário acima que o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, em síntese, é possível em relação aos elementos e aspectos de natureza vinculada (pela lei), notadamente o controle de legalidade. Excepciona-se a atuação judicial material, todavia, nos casos em que o ato administrativo válido adotou uma das opções da margem discricionária legal, e o juiz pretende impor outra ação administrativa que entende mais adequada.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Renato Ismael Ferreira. O controle judicial do mérito dos atos administrativos discricionários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4540, 6 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33660. Acesso em: 22 dez. 2024.

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