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Princípio da proporcionalidade e sua aplicação no direito penal brasileiro

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01/02/2016 às 13:38
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Verifica-se uma tentativa jurisdicional de atenuar as inúmeras disparidades legislativas ocasionadas pela heterogeneidade de valores criminais na elaboração das penas do Código Penal e legislações afins.

RESUMO

Este trabalho monográfico aborda o Princípio da Proporcionalidade na aplicação da lei penal, iniciando com a evolução histórica e a sua conceituação geral, até chegar à sua aplicabilidade prática no ordenamento jurídico brasileiro.

A abordagem principal se dá no estudo dos aspectos práticos de sua aplicação, exemplificando na jurisprudência e nas decisões dos tribunais pátrios.

Parte-se do pressuposto de que o Direito Penal é uma das áreas que mais dá ostentação ao uso dos princípios, pelo motivo do grande valor dos bens jurídicos por ele protegidos. É esse aspecto que dá essência à proporcionalidade, pois, se afrontado, pode ocasionar ofensa ao princípio da legalidade e, consequentemente, ao sistema de direitos e garantias desenhado pela Constituição Federal de 1988.


INTRODUÇÃO

Em uma sociedade organizada, o ordenamento jurídico pode ser considerado um aparelho estruturado de normas. Decorre disso que uma norma para ter validade deve buscar sua fundamentação em preceito superior. Podem, no entanto, existir aspectos controvertidos no entendimento entre estes princípios, exigindo desta forma instrumentos que medeiem os conflitos entre eles. Um destes instrumentos, objeto deste trabalho, é o princípio da proporcionalidade.

No Direito Penal e Processual Penal, o princípio da proporcionalidade é deveras importante e balizador, pois se mostra como uma pauta orientadora da norma jurídica e das decisões judiciais. É um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais, uma vez que oferece uma alternativa de atuação construtiva do Judiciário, resultando em julgamentos mais justos.

O objetivo, com este estudo, é pesquisar e investigar acerca das funções do princípio da proporcionalidade com ênfase na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Tal propositura será delineada através de um estudo sistematizado do histórico dos princípios, bem como demonstrando a estruturação do princípio da proporcionalidade, culminando com a análise da fixação do citado princípio na esfera penal e jurisprudências afins.

Princípios são mandamentos nucleares de um sistema e norteadores da base jurídica de qualquer sociedade. Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 incrustou em seu arcabouço legal a ideia de princípios constitucionais, fundados entre o conjunto de norma e princípio, tornando tais concepções como fontes do direito.


CAPÍTULO I-PRINCÍPIOS JURÍDICOS

1 CONCEITUAÇÃO GERAL DE PRINCÍPIO

Toda e qualquer forma de edificação deve iniciar na base. A base no mundo jurídico são os princípios, do latim principium, que significa começo, origem de qualquer coisa. Desta feita, seguem determinados conceitos e lições de autores acerca do tema em discussão.

Neste contexto, Silva (1993), aborda os princípios de forma genérica sendo que para ele tais institutos significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de qualquer coisa.

Conforme ensinamento de Gomes (2005), princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver colisão, não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como mandados de otimização que são, sempre podem ter incidência em casos concretos e, às vezes, concomitantemente dois ou mais deles.

Também segundo o dicionário Houaiss (2001), princípio traduz a ideia de início, começo, de noções básicas. Neste sentido princípio seria o primeiro momento de existência de algo, ação ou processo.

A palavra, desse modo, carrega consigo a força do significado de proposição fundamental. E é nessa acepção que ela foi incorporada por distintas formas de produção cultural dos seres humanos, inclusive o Direito. Assim, princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade (DELGADO, 2004).

Podemos observar através das palavras de Delgado (2004) que a palavra princípio contempla a ideia de raiz ou razão de ser. Em sentido figurado podemos afirmar que os princípios seriam as colunas de sustentação da construção jurídica, base sobre qual é construída e são interpretadas as normas jurídicas.

Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa; Conforme Silva (2001), eles revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica; exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica; mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas; significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.

Assim todo e qualquer saber filosófico ou científico implica na existência de princípios. A base de qualquer ramo do direito são os princípios, funcionando como base na construção doutrinária, influindo tanto em sua formação como aplicação. Os princípios integram o ordenamento jurídico. Em função destes princípios que a ordem jurídica é um sistema que possui uma vinculação lógica, harmônica e racional. Não se tratam os princípios de meras premissas científicas, mas de autênticas normas jurídicas, sendo, pois, aplicáveis na solução de problemas jurídicos da vida real. Os princípios compõem adequada base imutável de uma ciência, atuando de como informadora da organização jurídica.

Nota-se, que os princípios por serem o alicerce, auferem de maior importância do que a própria norma jurídica. Os princípios por serem mais gerais do que as normas têm por objetivo inspirá-las, valendo-se dizer que isso se aplica em quaisquer circunstâncias.

Reale (apud MAIOR, 2000) trata dos princípios como sendo as “verdades fundantes” de um sistema. Vejamos:

São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da práxis.

Os princípios, ainda segundo Reale (apud MAIOR, 2000), seriam enunciados genéricos que ajudam na compreensão, na elaboração de novas normas bem como, na aplicação e integração das normas jurídicas:

Os princípios do Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas sendo assim as razões lógicas do ordenamento jurídico.

Segundo Silva (1993), os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica. De outra parte, para Beviláqua (1980), os princípios são elementos fundamentais da cultura jurídica humana.

Conforme ensinamento de Mello (1981) princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, alicerce dele, alinhamento fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Da mesma forma podemos observar a conceituação similar de Sussekind (1995, p.42):

Princípios são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões.

Desta maneira, pode-se constatar a partir das definições apresentadas pelos inúmeros autores citados que princípio é em suma uma verdade fundante, tendo por escopo servir de gênero para a elaboração de outros mecanismos/estruturas. Desta feita, estes institutos possuem a função de informar, agindo como fundamento de determinado ordenamento jurídico, servindo até como função normativa atuando de forma supletiva em caso de ausência de lei.

Assim se faz revelada a gigantesca importância dos princípios no ordenamento jurídico, de maneira que ao referirmos uma norma estamos referindo-se a um princípio, eis que tal norma, direta ou indiretamente, está encravada em sua essência um princípio.

Por conseguinte, Nunes (2004), afirma que os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados não só pelo aplicador do direito, mas por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam. Sendo assim, ressalta a importância em sua essência e como elemento harmonizador, integrador e de mecanismo de garantia de eficácia da norma jurídica.

Borges (2010) leciona que é inegável, atualmente, a importância dos direitos fundamentais na busca da Constitucionalização do Direito, haja vista a especial previsibilidade de aplicação imediata de suas normas (§ 1º, art. 5º da CF/88), com a imediata irradiação dos seus efeitos para todo o ordenamento jurídico através da inserção de regras e, principalmente, dos princípios, vinculando a atuação de todos os Poderes do Estado, seja na criação de normas infraconstitucionais, na aplicação aos casos concretos pelo magistrado ou na atuação do administrador público.

O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, normatiza a aplicação dos princípios no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Dec. Lei nº 4.707/1942): Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Nesse sentido, podemos observar a importâncias dos princípios, visto que podem ser considerados delineadores do arcabouço jurídico de determinado povo, pois é a partir deles que se desenvolvem as demais normas norteadoras da estrutura de uma sociedade.

Assim sendo, depois de analisados tais premissas, interessante destacar que os princípios servem de base para inúmeras áreas, e, nesse contexto, especialmente à ciência jurídica. Destarte, considera-se imprescindível o doutrinador, ou até mesmo o operador do direito, quando do uso deste conceito observar que ele pode ser considerado elemento essencial de um determinado sistema - verdadeiro alicerce às normas jurídicas.

1.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Fruto da contraposição de determinados governos ao absolutismo, a origem das constituições faz referência ao passado. Por assim dizer, o nascimento das constituições, fundamento almejado pela busca de uma vida mais digna, oposta aos regimes individualistas, pode ser considerado um marco fundamental no desenvolvimento da humanidade, circunda por diversas peculiaridades.

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Proporcionando seguir tal acepção, faz-se interessante destacar que com o passar do tempo as constituições foram evoluindo, estruturando-se e ampliando organismos para melhor agregar as ideias e imperativos dos indivíduos. Destarte, e são neste contexto que surgem os princípios constitucionais, considerados balizadores de um organismo político-constitucional.

Gomes (2005) esclarece que os princípios constitucionais, entre todos os princípios, gozam de supremacia incontestável. Exemplos: princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV), do contraditório (CF, art. 5º, inc. LV), da presunção de inocência (CF, art. 5º, inc. LVII) etc. Mas isso não significa que não existam princípios infraconstitucionais (leia-se: emanados de regras legais),como por exemplo: princípio do tantum devolutum quantum apellatum, que está contemplado no art. 599 do CPP.

Os princípios constitucionais contam com maior valor e eficácia e são vinculantes para o intérprete, para o juiz e para o legislador. Também existem princípios que derivam de regras internacionais. Exemplificando, Gomes (2005),aponta o princípio do duplo grau de jurisdição, que está contemplado na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), art. 8º, II, "h". Todo o direito internacional posto em vigência no Direito interno é fonte do Direito e deve ser considerado para a solução de conflitos.

Nesse sentido Bastos (1995) explana: os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico.

Não obstante tal definição, Bastos (1995), complementa informando que os princípios constitucionais alcançam esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz todo o fundamento base do ordenamento jurídico pátrio.Influi-se que a constituição brasileira está incrustada de inúmeros princípios esquemáticos da organização legal elaborada pelos constituintes originários, sendo que seus comandos normativos são postos em princípios, que podem estar expressamente enunciados ou implícitos, sem alterar sua força normativa disposta.

Faz-se interessante aqui, antes de abordar os princípios constitucionais, transcrever o pensamento de Canotilho (apud ESPÍNDOLA, 2002, p.100):

[...] a Constituição é, [...] uma lei, configurando a forma típica de qualquer lei, compartilhando com as leis em geral um certo número de características (forma escrita, redação articulada, publicação oficial etc). Mas também, é uma lei diferente das outras: é uma lei específica, já que o poder que a gera e o processo que a veicula são tidos como constituintes, assim como o poder e os processos que a reformam são tidos como constituídos, por ela mesma; é uma lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada ou revogada, mas apenas modificada; é uma lei hierarquicamente superior – a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se; é uma lei constitucional, pois, em princípio, ela detém o monopólio das normas constitucionais.

Pode-se considerar que a constituição é uma lei distinta das outras, até pelo fato de que possui uma existência e formulação mais rígida. Assim sendo, para que haja modificações em seu corpo é necessário um trâmite mais elaborado e conciso, sendo que ela não pode ser dispensada ou revogada, mas apenas alterada.

Nesse sentido, tal característica é efetiva para destacar a importância da constituição em detrimento às demais normas infraconstitucionais, que apesar de também estarem baseadas em princípios, não possuem o mesmo corpo vinculador. Assim sendo, os princípios compõem a base de um aparelho jurídico, verdadeiras proposições lógicas que motivam e amparam, também regram.

Na concepção de Miranda apud Ferreira (2004), os princípios constitucionais são substantivos e adjetivos ou instrumentais, sendo que podem ser subdivididos em: Princípios axiológicos fundamentais - são os limites transcendentais do poder constituinte, via de positivação do Direito natural. Ex: o direito de defesa; Princípios políticos-constitucionais - são os limites inerentes do Poder Constituinte, os signos específicos de cada Constituição material diante das demais, refletindo as opções de cada regime. Ex: o princípio democrático; Princípios constitucionais instrumentais - constituem a estruturação do sistema constitucional quanto à sua racionalidade e operacionalidade.

Os princípios possuem um grau de abstração elevado, de acordo com Espíndola (2002). Observa, ainda, que é uma tendência predominante no Direito Constitucional brasileiro, e, ao que parece, no Direito Constitucional contemporâneo também: falar de princípios em termos estruturantes – dos princípios mais abertos aos mais densos, chegando-se ao patamar normativo das regras, reconduzindo-se, em via de retorno destas, progressiva e sucessivamente, até os princípios mais abstratos (de maior estrutura e de menos densidade). Essa concepção reforça, como se pode deduzir, a ideia de normatividade dos princípios constitucionais, ao emprestar-lhe um sentido articulado-estruturante, já que torna mais plausível a compreensão, a interpretação e a aplicação dos princípios de maior abertura pelos princípios de maior densidade e pelas regras constitucionais.

Nesse sentido, os princípios constituem a base, o alicerce de um sistema jurídico, essencialmente os princípios constitucionais, até por serem consideradas proposições lógicas que baseiam e amparam um sistema. Assim sendo, os princípios constitucionais têm uma função estruturante dentro do sistema jurídico, como na carta magna brasileira. Destaca-se que nos princípios jurídicos fundamentais, que motivam o Estado Democrático de Direito, encontram-se ferramentas para a interpretação, consistência e aplicação do direito positivo constitucional e infraconstitucional do país.

1.2 CONSIDERAÇÕES ENTRE PRINCÍPIO E NORMA

É essencial destacar de início que a discussão acerca de princípio e norma tem por escopo valorar estes dois importantes integradores do sistema jurídico pátrio. Assim sendo, infere-se que não existem princípios absolutos e nem normas invencíveis, de tal maneira que toda consideração deve ser feita à luz do princípio da proporcionalidade sobre o caso concreto para que possibilite a solução diante da situação concreta.

Inúmeras são os entendimentos que diferenciam normas e princípios. No entanto, tem-se que os critérios diferenciadores, de acordo com inúmeros juristas, são variados. Por conseguinte, aponta-se que há tempos os sistemas jurídicos buscam regrar a coexistência em sociedade, proporcionando, assim, segurança jurídica aos indivíduos. Desta feita, aí surgem às normas e princípios, até como fonte primeira da organização de uma sociedade.

À sua vez, Costa (2006), garante o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas, quais sejam: as normas-princípios e as normas-disposição. Assim, as normas-disposição têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem, ao passo que as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.

Os princípios gerais são apenas normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípio leva a engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. Conforme Bobbio (1996) não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso.

Desta feita, pode-se compreender que Bobbio contrapõe a dogmática provocada por Costa, que afirma que norma e princípio são diferentes, visto que a primeira é mais específica ao passo que o segundo possui uma carga jurídica mais ampla.Assim, Bobbio contraria tal declaração enfatizando que princípios são normas como todas as outras, pois, se são normas aquelas das quais os princípios são retirados, através de uma metodologia de generalização, não se vê por que não devam ser normas também eles, pois são oriundos, em certa parte, delas.

Na lição de Guerra Filho (1997), as normas possuem a estrutura lógica que tradicionalmente se atribui a estrutura básica do Direito, com a descrição (ou tipificação) de um fato, ao que se acrescenta a sua qualificação prescritiva, amparada em uma sanção (ou na ausência dela, no caso da qualificação como fato permitido). Já os princípios fundamentais, igualmente dotados de validade positiva e de um modo geral estabelecidos na constituição, não se reportam a um fato específico, que se possa precisar com facilidade a ocorrência, extraindo a consequência prevista normativamente. Eles devem ser entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis, juntamente com outras tantas opções dessas.

Os princípios não necessitam estar categoricamente expressos num verificado texto legal para possuir alento vinculante, basta estarem incrustados no sistema legal que os rodeia. Observa-se deste modo norma e princípio estariam unidos, não apresentando diferenças. Por outro lado, há doutrinadores que ensinam que os princípios têm um maior teor de abstração e um desígnio mais destacado dentro do ordenamento jurídico.

Consoante Alexy (apud ABOUD, 2008) princípios são normas que ordenam algo que, relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas, seja realizado em medida tão alta quanto possível. Princípios são, segundo isso, mandamentos de otimização, assim caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas.

Conforme os estudos de Dworkin (apud ÁVILA, 2009), no caso de colisão entre normas, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das normas, possuem uma dimensão de peso, demonstrável na hipótese de colisão entre princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade.

Por conseguinte, Ávila (2009), expõe que as normas são imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Já os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Nesse sentido, seguindo o entendimento de vários autores, princípio e norma não possuem uma conceituação definida ou área de alcance restrita, visto que não ocorre uma padronização de apreciações. A parte disso, destaca-se que os mesmos podem ser considerados elementos fundamentais de um determinado sistema jurídico, pois servem de base. Esta verificação procede do juízo de que todo arcabouço lícito advém de ideias inaugurais, e é neste ponto que coincidem tais pressupostos, por serem considerados entes primeiros de um sistema.

1.3 PRINCÍPIOS COMO FONTE DO DIREITO

A análise do termo fonte do direito, como sendo a criação, início de determinado ordenamento jurídico, é baseada em pressupostos iniciais. Entende-se que toda premissa advém de conceitos inaugurais e integradores. Assim sendo, os princípios se relevam medidas eficazes para suprir essa necessidade, devido ao fato de ser um mecanismo essencial nesse sentido.

Cumpre instar que o olho-d'água do Direito nada mais é do que o nascedouro do fenômeno jurídico. Desta feita, partindo do pressuposto de que quaisquer ordenamentos são oriundos de construção humana, é evidente que não haja uma doutrina uniforme com relação às fontes constituintes do Direito.

Segundo Gusmão (2002), as fontes estatais do direito são constituídas de normas escritas, vigentes no território do Estado, por ele promulgadas, no qual têm validade e no qual são aplicadas pelas autoridades administrativas ou judiciárias. Assim sendo, as fontes estatais têm sua aplicação notoriamente precisa, partindo-se do pressuposto de que, por ser criada e exercida pelo Estado, ou seja, seus representantes, à conduta contraria ao que a legislação prevê, associar-se-á uma sanção.

À sua vez, Ferraz Júnior (2003) aduz que observamos a chamada hierarquia das fontes, não obstante ocultar uma relação de poder e de exercício de poder, num âmbito circunscrito, tecnicamente é um instrumento importante para o mapeamento formal das competências estatais. O ponto de partida é a Constituição, que, por pressuposto analítico, determina todas as competências normativas do Estado.

Pode-se considerar que são fontes do direito as origens do direito, ou seja, o lugar ou a matéria prima pela qual o mesmo nasce. Por conseguinte, estas fontes podem ser materiais ou formais. E é neste ponto que se encaixam os princípios, como fontes formais mediatas, juntamente com os costumes, a jurisprudência e a doutrina. Inclusive, preleciona o 4º da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

A fonte de uma coisa é o lugar de onde surge, o lugar de onde ela nasce. Com estas palavras Machado (2000) diz que para que se possa dizer o que é fonte do Direito é necessário que se saiba de qual direito. Se cogitarmos do direito natural, devemos admitir que sua fonte é a natureza humana. Aliás, vale dizer, é a fonte primeira do Direito sob vários aspectos.

Os princípios são fontes do direito. Com esta afirmação Gomes (2010) dá ênfase ao tema destacando que os princípios, normalmente, são mais difusos, vagos e indeterminados (que as regras). De qualquer maneira, não compete ao juiz Hércules (criado por Dworkin), que não existe, delimitar (descobrir) o conteúdo de cada um deles. Essa é uma tarefa da qual devem se encarregar os juízes de carne e osso, que devem se esforçar para descobrir quais regras se vinculam (e quais são contraditórias) com cada um dos princípios, procedendo a juízos de ponderação (não de mera subsunção, que é típica das regras).

Complementando, Gomes (2010) enfatiza que os princípios exigem mais dos operadores jurídicos, mesmo porque eles jogam um papel muito relevante na atividade argumentativa (demonstração da sua existência, do seu peso, das suas razões éticas ou morais, dos valores que ele congrega etc.), mas isso não os invalida, porque são normas jurídicas tanto quanto as regras. Fazem parte, por isso mesmo, das fontes do direito (cuja teoria, dessa forma, deve ser totalmente revisada).

Os princípios gerais do direito surgem como elemento integrador do ordenamento jurídico, até por serem ideias jurídicas abrangentes que sustentam, e não necessariamente precisam estar escritas para serem válidas. Não contrariando tal acepção Gabriel (2004) sustenta que os princípios gerais de direito normalmente não estão declarados nas normas jurídicas, por estarem, muitas vezes, implícitos, compondo determinado o ordenamento.

A ideia de princípio como fonte do Direito é materializada quando da análise da essência da Constituição da República Federativa do Brasil, até pelo fato de que há inúmeros deles no texto legal, sejam explícitos ou implícitos. Assim sendo, corrobora-se que a fonte matriz de um ordenamento jurídico parte de princípios inaugurais.

1.4 ESSÊNCIA DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

Em várias áreas da informação que envolve princípios pode ser verificada a incidência dos princípios, bem assim ocorre na área jurídica, tema ênfase deste estudo. Pode-se observar que os princípios gerais do direito estão dispersos por todas as normas jurídicas, não ficando limitados apenas a um ramo específico. Tais mandamentos inaugurais facilitam a integração das normas aplicadas em sociedade.

Os princípios, conforme Gomes (2010), como normas que revelam as diretrizes do ordenamento jurídico, possuem valor qualificado e funções muito importantes. Apesar de toda essa força, no entanto, em certos âmbitos eles se deparam com barreiras insuperáveis. É o caso do âmbito da tipicidade (restrita, fechada) no Direito penal, da comprovação típica de um fato, da demonstração da esfera do proibido e do castigo etc. Tudo isso, no campo penal, está regido pela legalidade estrita. Essa barreira da legalidade estrita não pode ser transposta por nenhum princípio, por mais relevantes que sejam as suas implicações.

À sua vez, Bevilácqua apud Pessoa (2009), observa que devido ao caráter essencialmente amplo dos princípios gerais do direito, o aplicador, bem como o legislador, que neles se baseiam, devem ter cautela e limites para a atuação, sob pena busca incoerente a solução para uma determinada situação. Ainda, que para utilizar os princípios gerais de direito, há de existir uma perfeita identidade, entre a situação e o princípio utilizado, sob o aspecto da coerência e harmonia.

O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LINDB) permite ao juiz, quando a lei for omissa, decidir o caso concreto que lhe foi submetido de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Castro (2013) acrescenta que o artigo 126 do CPC dispõe que o juiz não se exima de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

É inegável que os princípios gerais do direito não somente servem de orientação ao juiz, no momento de proferir a sua decisão, mas também constituem um limite ao seu arbítrio, garantindo que a decisão não está em desacordo com o espírito do ordenamento jurídico, e que suas resoluções não violam a consciência social. Bechara (2005) complementa esta afirmação aduzindo que são mais do que um elemento da insegurança jurídica, na medida em que contribuem para dotar o ordenamento jurídico em seu conjunto de seguridade, tanto no sentido de assegurar que condutas que se ajustem à justiça não se vejam reprovadas pela norma positiva, como permitindo resolver situações não contempladas em norma alguma positiva, mas que tenham relevância jurídica.

Guimarães (2003) anota que os princípios gerais do direito se diferenciam dos princípios constitucionais propriamente ditos, porque aqueles dizem respeito a todo ordenamento jurídico, enquanto estes denotam clara conotação com um determinado ramo do Direito, não sendo facilmente aplicados.

Independente da corrente jurídica que se adote, parece acertado que entre as funções possíveis e imagináveis, talvez nos dias atuais, em que o direito privado precisa ser repensado, principalmente após a Constituição Federal de 1988, os princípios surgem como elemento integrador do ordenamento jurídico. Com estas palavras Gabriel (200?) reverencia a importância dos princípios gerais do direito.

Intui-se, dessa maneira, que a conceituação dos princípios gerais do direito tem relevância fundamental na integração das normas jurídicas do ordenamento brasileiro. Assim sendo, para valer-se destes princípios é necessário e possível fundamentar as decisões judiciais de acordo com os mesmos, considerados cernes da cultura jurídica humana. Por conseguinte, vamos analisar a aplicação do princípio da proporcionalidade no direito penal, bem como suas minúcias.

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Sobre o autor
Gelson Tomiello

Advogado OAB/SC 45.295, ex-Analista Jurídico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina; especialista em Direito pela FIE/Esmesc (Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina); especialista em Direito Processual Civil pela Uninter e Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMIELLO, Gelson. Princípio da proporcionalidade e sua aplicação no direito penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4597, 1 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34030. Acesso em: 22 dez. 2024.

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