INTRODUÇÃO
As situações que dão ensejo à concessão de auxílio-acidente muitas vezes geram debates nos processos judiciais. Não é incomum a discussão acerca da possibilidade de estarem incluídas no conceito de acidente de qualquer natureza as doenças em geral, ainda que não ligadas ao trabalho do segurado.
Pretende-se, neste artigo, delimitar, com clareza, quais situações se enquadrariam no conceito de acidente de qualquer natureza, buscando, para tanto, sustentação na legislação previdenciária.
ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA
Para fazer jus ao auxílio-acidente, deve o segurado da Previdência Social experimentar uma redução da sua capacidade laborativa em virtude da consolidação das sequelas provenientes de acidente de qualquer natureza. Trata-se de benefício de natureza indenizatória, que dispensa cumprimento de carência mínima. Assim dispõe o art. 86 da Lei 8.213/91:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
No que tange às situações ensejadoras do beneficio, o dispositivo legal citado faz referência a “acidente de qualquer natureza”, não se limitando, pois, aos acidentes do trabalho.
Nesta toada, o conceito de acidente deve ser tomado em sua concepção ampla. O Regulamento da Previdência Social (Dec. nº. 3.048/99) cuidou de conceituar, pormenorizadamente, o termo acidente:
Art. 30. (...)Parágrafo único. Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
A Instrução Normativa INSS/PRES nº 45 dispõe de modo semelhante:
Art. 152.(...)Parágrafo único. Entende-se como acidente de qualquer natureza aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos ou biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
DOENÇAS NÃO LIGADAS AO TRABALHO:
Importante mencionar que o leque de situações contidos no conceito de acidente de qualquer natureza não envolve as doenças – com exceção das doenças profissionais e laborais, conforme será visto.
Limitado inicialmente para os casos de acidente do trabalho (redação original do art. 86 da Lei nº. 8.213/91), o alcance da norma previdenciária foi estendido para abranger as demais espécies de acidentes, ainda que sem qualquer relação com o labor habitual do segurado.
Portanto, a partir da edição da Lei nº 9.528/97 (que alterou a redação do art. 86 da Lei de Benefícios), o auxílio-acidente passa a ser concedido quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
Destaque-se que, muito embora a novel legislação tenha ampliado as hipóteses de concessão do benefício para além dos acidentes de trabalho, não houve qualquer menção por parte do legislador no tocante às doenças, ainda que suas sequelas possam levar à redução da capacidade para o trabalho.
No magistério de Fábio Zambitte (Ibrahim, Fábio Zambitte, Curso de Direito Previdenciário, 15.ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 691.): “Deve-se ter em mente o preenchimento dos requisitos necessários ao benefício, e o primeiro deles é o acidente (e não a doença). Assim, se o segurado é acometido de doença, mesmo sequelado com redução da capacidade laborativa, não fará jus ao benefício. A única ressalva é justamente a doença relacionada ao trabalho, que é equiparada, para fins legais, a acidente do trabalho (art. 20 da Lei nº 8.213/91)”.
E ainda, na jurisprudência:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE OU aposentadoria POR INVALIDEZ. LIMITAÇÃO NÃO DECORRENTE DE ACIDENTE. INEXISTÊNCIA DE INCAPACIDADE. AGRICULTOR. PEDIDO IMPROCEDENTE. CUSTAS. HONORÁRIOS. 1. Tendo o laudo atestado a capacidade laborativa do autor, não cabe a concessão de aposentadoria por invalidez, uma vez que ainda pode trabalhar na agricultura, ainda que necessite ele empregar maior esforço para a realização de suas atividades habituais. 2. O auxílio-acidente é devido quando comprovada a existência de seqüela decorrente de acidente de qualquer natureza, bem como a redução da capacidade laborativa do segurado, que lhe dificulta a realização do trabalho. 3. Sendo a limitação de que sofre o autor decorrente de doença, mas não de acidente, é indevida a concessão do auxílio-acidente. 4. Havendo reforma da sentença concessória, a parte autora deve arcar com os honorários advocatícios do procurador do INSS, os quais restam fixados em R$ 465,00, suspensa a exigibilidade em razão da concessão da Gratuidade Judiciária. 5. As custas processuais devem ser arcadas pela parte autora, suspensa a exigibilidade em razão da concessão da Gratuidade Judiciária. (TRF4, AC 2009.71.99.004324-8, Turma Suplementar, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 05/10/2009)
Ante o exposto, ainda que acometido de doença que gere sequela redutora da capacidade para o labor habitual, o segurado não fará jus ao auxílio-acidente.
Sempre é bom ressaltar que, em se tratando de benefício previdenciário, qualquer interpretação extensiva da norma que o institui, com o fito de ampliar sua cobertura, ofenderá o art.195, §5º da Constituição Federal, que exige a preexistência de custeio para a criação, ampliação ou extensão daquele.
EXCEÇÃO: DOENÇAS LABORAIS E PROFISSIONAIS
Conforme dito anteriormente, não obstante a ampliação das situações ensejadoras do auxílio-acidente promovida pela Lei nº. 9.528/97, ficaram de fora, de forma geral, as doenças, ainda que geradoras de sequelas que reduzam a capacidade para o trabalho.
Entretanto, as doenças profissionais e as doenças do trabalho, por serem legalmente equiparadas aos acidentes do trabalho, estão incluídas no conceito de “acidente de qualquer natureza”.
Conforme define a Lei de Benefícios:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
(...)
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:a) a doença degenerativa;b) a inerente a grupo etário;c) a que não produza incapacidade laborativa;d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que o acometimento de doenças, de uma maneira geral, não assegura o direito à percepção do auxílio-acidente. Apenas as doenças profissionais e as doenças do trabalho, por serem equiparadas a acidentes do trabalho pela legislação, constituem exceção.