4. JUSTIFICATIVAS PRAGMÁTICAS, ECONÔMICAS E JURÍDICAS
Imbuído pelo afã de aprimorar a eficiência das contratações públicas, o Legislador de 2011 optou por consagrar no RDC a contratação integrada, prevista na regulamentação da Petrobras. Entretanto, não se pode perder de vista que o Decreto Federal 2.745/97 é norma infralegal por demais controversa, cujos méritos e constitucionalidades são alvos de fortes críticas, sobretudo da doutrina e do Tribunal de Contas da União[16]. Assim, a conveniência da sua previsão na Lei 12.462/2011 merece certo debruçar.
Trata-se de regime de execução que promete maior celeridade, menores custos e mais segurança às contratações públicas.
Como visto, os projetos básico e executivo exigidos para os serviços e obras de engenharia devem conter o detalhamento preciso do objeto contratado e de sua execução. Sendo esses documentos preparados de forma deficiente, há prejuízos para a licitação, para a contratação e para o controle da execução, há maiores gastos em correções, problemas com os órgãos de controle, além de aumentar as possibilidades de não haver satisfação do interesse público.
O mau planejamento tem sido um grande problema nas contratações públicas. A Administração, por vezes, não possui, em sua estrutura, profissionais com a expertise necessária para elaboração desses projetos. É impossível exigir que haja no Estado profissionais especializados, experientes e atualizados nas mais diversas áreas da engenharia. É por isso que Guilherme Fredherico Dias Reisdorfer constata que “é recorrente que os contratantes deparem-se com algum aspecto defasados ou, mesmo, com algum erro ou imprecisão no projeto originalmente licitado. Isso acaba por impor a revisão do contrato e a ampliação dos custos inicialmente previstos”[17].
É comum, portanto, que, nas contratações de obras e serviços de engenharia de especial complexidade, haja licitação para contratar particular para elaborar esses projetos.
A contratação integrada se propõe a encurtar o processo, integrando à já conhecida contratação no modelo tuney key o processo criativo, intelectual, através de um contrato de eficiência, que visa aos resultados. Explicam Moreira e Guimarães:
A administração não pretende, com a contratação integrada, adquirir a mera execução das prestações incumbidas ao contratado, segundo a lógica de que o exato cumprimento dos encargos (cumprimentos dos meios) o exonera da responsabilidade pelo funcionamento eficiente do empreendimento (obtenção dos resultados). Diversamente – e como acima já desenvolvido –, este regime pressupõe o alcance de resultados. Isto significa que as ineficiências do projeto serão suportadas pelo próprio contratado, que assume a responsabilidade pelo funcionamento do empreendimento. Por isso, é de todo relevantes para o contratado, sob este regime, perseguir a ótima concepção do projeto[18].
Acredita-se, pois, que este “regime diferenciado de execução” será capaz de contratar pessoa de expertise para elaborar projetos de excelência para a satisfação da necessidade da Administração em obras e serviços de engenharia e que se preocupará em empregar os meios, métodos e materiais mais adequados para a obtenção de empreendimento hábil a funcionar com perfeição, com viabilidade técnica e econômica.
Há aumento da autonomia do contratado, resultando que, "a ausência de produção de projetos básicos e executivo por parte da Administração conduz à assunção pelo particular dos riscos correspondentes às soluções escolhidas"[19].
É nesse sentido que Alécia Paolucci Nogueira Bicalho afirma que a contratação integrada é “a limonada”, o suco refrescante do indigesto limão. Contudo, há outro dizer popular que se aplica ao regime, pois neste o particular estará com “a faca e o queijo nas mãos”[20]. Ora, uma vez contratado, o planejamento, a execução da obra ou serviço e o funcionamento do empreendimento estarão nas mãos do particular. Neste ponto de preocupação, vale, mais uma vez, citar as lições de Moreira e Guimarães[21]:
Não se olvide que o regime da contratação integrada é apto a produzir efeitos desastrosos nas constatações administrativas se aplicado sem certas cautelas fundamentais. A falta de projeto básico prévio à licitação pode propiciar enormes dificuldades em relação ao dimensionamento dos custos envolvidos na contratação (impedindo a confecção de orçamentos confiáveis). Além disso, a incompletude do projeto impede o estabelecimento de condições objetivas de disputa, que propiciem a plena comparabilidade das propostas.
Haverá, pois, necessidade de cautela por parte da Administração. Todos os cuidados possíveis devem ser tomados para que não haja gastos públicos excessivos, através fixação consciente dos orçamentos e do controle da atuação do contratado. A mais, na fase de julgamento das propostas, é necessário que haja uma análise profunda destas, sobretudo quanto a sua exequibilidade e viabilidade.
Neste ponto, perde guarida a justificativa pragmática de não haver equipe técnica apta a conduzir tais contratações dentro do Estado Gestor. Se ela não foi necessária para a elaboração do projeto básico, será agora para o controle das propostas, dos projetos básico e executivo apresentados e da execução do quanto contratado.
Aliás, é interessante trazer as considerações de Dal Pozzo. O autor reflete sobre a exigência do anteprojeto de engenharia e citar os já apresentados requisitos, elementos e documentos mínimos deste e constata que a construção legislativa leva a crer que o anteprojeto seja menos completo que o projeto básico, mas questiona-se se essa distinção entre os documentos não seria meramente taxinômica. Indaga-se, pois, se "não seria mais adequado simplesmente exigir o projeto básico, cujos embates doutrinários e jurisprudenciais férteis já permitiram sua consolidação a partir de elementos e requisitos que permitem verificar quando estamos diante dessa peça técnica"[22] (grifos do original).
Ribeiro, Prado e Pinto Junior percebem grande redução no tempo demandado para a contratação no novo regime, apresentando que:
Contudo, a questão que emerge no caso da contratação integrada é quanto tempo o contratado vai depender, após a assinatura do contrato para fazer o seu projeto básico de engenharia. Certamente isso pode ser feito em parte durante o período de mobilização, mas dificilmente o contratado vai conseguir iniciar a obra sem um prévio aprofundamento dos estudos, o que pode impactar o cronograma crítico de entrega da obra.
De qualquer modo, ainda assim, parece-nos que haverá ganhos de tempo, decorrentes do RDC e da contratação integrada, da decisão administrativa de realização da obra até a sua entrega. [23]
É possível encontrar, pois, sérias dúvidas na doutrina quanto aos reais benefícios da contratação integrada, até diante dos que a defende. Até o presente momento, é difícil constatar na prática um ambiente seguro sobre elaboração de anteprojetos de engenharia e redução ou não do tempo necessário para satisfação da necessidade da Administração, uma vez que o RDC tem exigido diversas discussões e contratação de consultores para realização dos certames e tem gerado estranhamento entre os licitantes, acostumados ao regime geral de 1993.
A mais, os três autores citados acima ainda notam que "somente em situações raras a Administração Pública é capaz de realizar diretamente (sem contratar ente privado para tanto) o anteprojeto de engenharia"[24]. Ou seja, mesmo na contratação integrada, na maior parte das vezes, serão necessárias duas licitações antes da realização da obra ou serviço de engenharia.
Marçal Justen Filho ainda pondera sobre a economicidade do contrato a ser realizado pelo regime:
É fundamental tomar em vista que a ampliação da responsabilidade do particular produz um efeito inafastável de elevação da remuneração a ele devida. Se o particular assumir os encargos por eventos incertos, isso se refletirá nos preços exigidos. Portanto e como já afirmado, o modelo da contratação integrada é tendencialmente mais oneroso para a Administração do que as demais modalidades de empreitada. Assim se passa porque o preço devido ao particular compreende não apenas os eventos previsíveis, abrangidos na álea ordinária do negócio. Também estarão compreendidos eventos decorrentes da álea extraordinária[25].
O aumento do preço é consequência aceitável quando se quer segurança, mas o conjunto de riscos envolvidos deixa em dúvida se a contratação integrada é realmente a evolução desejada para os regimes de execução.
O fato é que a contratação integrada deixa para o contratado a tarefa de elaborar o projeto básico e exige que a Administração elabore o anteprojeto de engenharia, que se pretende menos complexo, menos detalhado. Diante disso, as já comentadas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIN 4645 e ADIN 4655) questionam a constitucionalidade do novo regime executivo. Alega-se que a ausência de projeto básico acarreta na ausência de definição do objeto do certame, o que impediria a comparação objetiva entre as propostas e ofenderia o princípio da isonomia entre os licitantes (art. 37, XXI, CF).
Discorda-se, data venia, dessas alegações. Recorde-se que o Legislador – legal e infralegal – preocupou-se em prever a necessidade de que haja condições objetivas para a comparação objetiva entre as propostas. Não se pode declarar prima facie a inconstitucionalidade da contratação integrada, devendo essa inconstitucionalidade ser constatada na prática. Sempre que o certame, seu edital e anteprojeto de engenharia, não for capaz de garantir a igualdade entre seus participantes, sua inconstitucionalidade e ilegalidade deverão ser decretadas.
CONCLUSÃO
Diante de tudo demonstrado, é forçoso ponderar se a contratação integrada é de fato conveniente para as contratações pátrias.
Os riscos da contratação integrada são muitos e os resultados positivos prometidos não podem ser seguramente garantidos.
A ausência de projeto básico anteriormente elaborado pela Administração (ou terceiro contratado) embaraça o controle dos custos, dificulta a realização de julgamentos objetivos das propostas realizadas no certame (o que pode prejudicar o tratamento entre os licitantes) e aumenta a contraprestação do contratado sem que haja garantia de as economias em tempo e recursos serão conquistados. Ademais, são frágeis os argumentos em torno dos benefícios da realização anterior tão somente de anteprojeto de engenharia, uma vez demonstrado que muitos dos procedimentos realizados nas contratações regidas pela Lei Geral de Licitações ainda serão necessários.
A contratação pública deve, sim, evoluir, sobretudo no desenvolvimento de obrigações de resultado para o contratado e na garantia de utilização das melhores técnicas e recursos na execução da obra e serviço de engenharia. O Brasil está em crescimento econômico e precisa de formas mais eficientes a garantir o crescimento da infraestrutura pública. A contratação integrada, entretanto, não representa o melhor caminho.
É necessário notar que a empreitada integral já estava apta a realizar vários dos valores protestados pelo novo regime, primando pela eficiência e a divisão de riscos com o particular, que será também, responsável pela entrega integral do empreendimento, sendo, pois, de seu interesse o emprego das melhores técnicas e recursos.
Talvez fosse o caso de adotar, mutatis mutandis, a disciplina das concessões, exigindo-se elementos do projeto básico para a contratação. Garantir-se-ia, pois, a economia de tempo e recursos (financeiros ou não), sem que houvesse necessidade de cumprir com exigências que extrapolam as necessidades da contratação que se realizará.
Por fim, vale ressaltar que este é um entendimento particular, e o novo regime tem sido aplicado como válido.