3. A União Europeia no cenário internacional
Em razão dessa característica de desequilíbrio entre da política externa e de defesa comum e da política comercial comum, na qual a primeira é menos desenvolvida do que a segunda, a União Europeia não pode ser considerada potência em seu sentido tradicional, pois não é dotada de hard power. Ela, embora seja dotada de sofisticação de armamentos bélicos e seja constituída por duas potências nucleares (França e Reino Unido), não é uma potência militar, capaz de rivalizar com Estados Unidos e com Rússia, por exemplo. Sua relevância no cenário internacional decorre, basicamente, de seu poder econômico, possibilitado pelo tamanho de seu mercado, pela alta instrução de sua força de trabalho e por sua elevada competitividade em setores de alta tecnologia.
Ao lado desse poder econômico (mas fortemente relacionado a ele), UE é dotada do mencionado poder normativo (ou de soft power), que, embora amparado na economia do bloco, pode, no futuro, apresentar força autônoma, pois, baseado em clareza deontológica, advoga valores, regras, princípios e praticas que são, progressivamente, cada vez mais disseminados na sociedade internacional. A forma como esse poder normativo se expressa é diversificada: em rotinas diplomáticas, na construção da arquitetura das instituições internacionais, na cooperação técnica e econômica com países específicos e, como formalizado no Tratado de Lisboa, na prática do comércio internacional. Nesse caso, o escopo dos acordos comerciais é aumentado, com intuito de abarcar setores relacionados ao desenvolvimento social, à promoção de práticas sustentáveis e à proteção dos direitos humanos, por exemplo.
Bengtsson e Elgström (2012, pp. 93) explicam que o poder normativo é definido como capacidade de influenciar a forma de pensar de outros atores internacionais, em detrimento da capacidade coercitiva, derivada do hard power. Os autores, no entanto, em duas análises de caso concernentes à eficácia desse poder normativo, constatam que existem diferenças de percepção dos atores internacionais no que tange ao significado dessa conduta prescritiva da União Europeia (Idem, pp. 101-102). Em países do leste europeu, como Rússia e Bielorrússia, por exemplo, o exercício do poder normativo pela UE é percebido como conduta hostil que ameaça à segurança desses Estados, os quais não apresentam sinais de que internalizarão os valores promovidos pelo bloco. No caso dos países em desenvolvimento da África, do Caribe e do Pacifico (ACP), a UE é percebida como grande potência benevolente, capaz, portanto, de impor, com brandura, relações desiguais, ainda que, em certos casos, favoráveis aos ACP.
Nota-se, portanto, que o poder normativo da União Europeia apresenta duas limitações claras: a diferença entre sua auto-imagem e a percepção de terceiros Estados; e a situação conflituosa em que estão envolvidas grandes potências militares (e.g. Rússia). Nessas duas situações, a capacidade de a EU influenciar o pensamento e a conduta de terceiros Estados é restrita e pode gerar efeitos contrários aos planejados inicialmente. Nos casos de Estados que constituem grandes economias (e.g. China), pode-se vislumbrar, igualmente, que o poder normativo da UE, é quase inócuo, pois esses parceiros são menos dependentes de concessões econômicas eventuais oferecidas pelos europeus. Nessas situações, além disso, como existe interesse bilateral pela conclusão do acordo econômico, a UE tende flexibilizar suas exigências e condicionalidades.
Considerações finais
Ao longo do texto, tentou-se demonstrar que, em primeiro lugar, a PESC não apresenta autonomia executiva na UE e, por isso, além de ser implementada por meio de ações econômicas e comerciais, ocupa posição secundária na agenda comunitária. Verificou-se, em segundo lugar, que a PCC constitui a política comunitária, com expressão externa, mais relevante da EU, além de ser o fundamento principal de sustentação do poder normativo do bloco. Como a União Europeia não é dotada de instrumentos comunitários de hard power, notou-se, em terceiro lugar, a atuação na área de high politcs ocorre por meio de instrumentos econômicos e comerciais ou mediante exercício de poder normativo. Essa relação entre política de externa tradicional e política comercial tornou-se mais profunda após o Tratado de Lisboa. Por meio deste, formalizaram-se as bases do exercício do poder normativo da UE, pois se vinculou a atuação comercial ao respeito, por parte dos parceiros, às diretrizes de política externa da União Europeia (especialmente, respeito aos direitos humanos e à democracia). Notou-se, por fim, e essa é a evidência da limitação da EU como grande potência global, que a efetividade do poder normativo depende dos atores envolvidos. Nas situações em que existe predisposição à divergência e poder duro suficiente para confrontar (em termos militares tradicionais) a vontade da UE, como no caso da Rússia, por exemplo, o poder normativo tende a ser pouco efetivo.
Referências bibliográficas:
Bengtsson, Richard e Elgströn, Olé (2002) “Conflicting Role Conceptions? The European Union in Global Politcs” in Foreign Policy Analysis, vol. 8, pp. 93-108.
Lessa, Antônio Carlos. A construção da Europa: a última utopia das relações internacionais. Brasília: Funag, 2003.
Moravisik, Andrew (2005). “The European Union constitutional compromise and the neofunctionalist legacy” in Journal of European Public Policy, 12:2, April, pp. 349-386.
Nugent, Neill. The Government and Politcs of European Union. Basingstoke, Palgrave, 2010.
Woolock, Stephen (2008). “The potential impact f the Lisbon Treaty on European Trade Policy” in European Policy Analysis, June.