Capa da publicação Rolezinho: o conflito entre lazer juvenil e propriedade
Capa: Sora

Rolezinho: uma análise social e jurídica

Exibindo página 1 de 2

Resumo:


  • O "rolezinho" é um fenômeno social que envolve a reunião de jovens, geralmente de periferias, em shoppings centers, marcados pelas redes sociais, com o objetivo principal de entretenimento, mas que tem levantado questões sobre direitos fundamentais e segurança pública.

  • Esses encontros têm gerado debates sobre a necessidade de políticas públicas que garantam os direitos constitucionais de todos os cidadãos, incluindo o direito de ir e vir, a propriedade privada dos estabelecimentos comerciais e a proteção integral de crianças e adolescentes.

  • O Estado e o sistema jurídico são chamados a intervir, criando medidas que equilibrem os direitos e garantias dos jovens participantes dos "rolezinhos" com os dos comerciantes e outros frequentadores dos shoppings, visando a manutenção da ordem pública e da paz social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os "rolezinhos" em shoppings levantam embate entre direitos fundamentais. Como equilibrar lazer juvenil, segurança coletiva e dever do Estado?

Resumo: O movimento denominado “rolezinho” caracteriza-se pela reunião de inúmeros jovens, com o intuito inicial de se divertirem. Essa manifestação tem gerado discussões, pois, mesmo sendo titulares de proteção integral, essas crianças e adolescentes têm dificultado o exercício de diversos direitos fundamentais de outras pessoas. Cabe ao Estado promover políticas públicas que viabilizem a concretização das garantias constitucionais, a fim de estabelecer a paz social.

Palavras-chave: Rolezinho; Direitos Fundamentais; Dever do Estado.


Introdução

“Dar um rolê”, termo utilizado por jovens, adolescentes e pré-adolescentes, tinha o sentido de dar uma volta, seja na praça, seja no shopping. O termo já não é novidade, sendo usado desde os anos 90. O que constitui fato social novo é o modo como esses encontros são marcados e a dimensão em número de participantes, que chega à casa dos milhares.

Movimento marcado pelas redes sociais, tem causado transtornos e insegurança aos comerciantes e frequentadores dos shoppings.

Por meio dessa reformulação do movimento, direitos fundamentais como liberdade e propriedade passaram a ter uma presença significativa em face do debate provocado pelo movimento maciço de jovens nos shopping centers.

Nesse aspecto, o estudo busca delinear a presença dos direitos fundamentais, as características da relação entre empreendedores, lojistas, usuários desses ambientes e os integrantes do movimento, proporcionando uma análise de cunho jurídico e social, verificando os direitos inerentes a essa relação, bem como seus limites.


1. O Início do Movimento “Rolezinho”

Quando se fala em “rolezinho” e se tenta buscar uma explicação social, política ou comportamental, extirpando o sensacionalismo midiático, o real significado pouco se consegue entender. Esse movimento, que ganhou a mídia no início de 2014, não tem como intuito afrontar as classes sociais mais abastadas ou iniciar uma revolução socialista pregando a igualdade entre todos. Na verdade, o rolezinho nem é um fenômeno tão recente, pois já existiam encontros parecidos em parques e postos de gasolina, com som de funk ostentação, estilo musical apreciado pelos frequentadores desses encontros. Até nos Estados Unidos existem movimentos como esse, lá chamados de “flash mobs”. Aldemario Araújo conceitua:

“Rolezinho” é a denominação dada a um movimento, normalmente iniciado nas redes sociais da internet, em que dezenas ou centenas de jovens, em regra moradores das periferias das maiores cidades brasileiras, marcam uma “visita” coletiva a um determinado shopping center. A princípio, a “atividade” consiste num passeio pelo estabelecimento comercial como forma de entretenimento. (ARAUJO, 2014, SP.)

Com a velocidade espantosa com que a informação se propaga hoje e se difunde uma ideia, o fenômeno do “rolezinho” rapidamente ganhou milhares de seguidores, que passaram a organizar seus “rolês” em luxuosos shopping centers, ambientes antes frequentados por pessoas de classes sociais mais abastadas.

O movimento é um encontro de milhares de adolescentes que aceitaram um convite feito pelas redes sociais, o qual tomou uma proporção inesperada, tornando-se o centro de fervorosos debates entre todos os segmentos da sociedade. A dinâmica do “rolezinho” funciona da seguinte forma: um adolescente, pouco conhecido, lança o convite nas redes sociais convidando pessoas famosas entre os adolescentes, os “ídolos” — geralmente meninos, muitos com mais de 30 mil seguidores, os chamados “fãs”. Esses fãs, com o intuito de conhecer pessoalmente o ídolo e tirar fotos com ele, acabam confirmando presença, e, atrás dessas meninas, mais meninos vão com interesse em se relacionar.

Trata-se de um movimento que atingiu o mundo consumista dos grandes shoppings, visto que esses jovens não vão aos shoppings com o intuito de consumir, mas apenas de estabelecer uma relação com esses ídolos ou, simplesmente, em busca de lazer. Esse fato tem causado transtornos aos empresários do setor, haja vista que o objetivo dos shoppings é exclusivamente comercial, ou seja, são estabelecimentos de incentivo ao consumo de bens e serviços.

Os shopping centers almejam sempre proporcionar aos seus usuários o máximo de conforto, de modo que possam encontrar tudo que necessitam em um só ambiente, com segurança e grande estrutura, comum nesse tipo de empreendimento comercial. É com base nesse desafio que empreendedores e lojistas trabalham conjuntamente para a melhoria e manutenção da imagem. Imagem que sofreu conturbações decorrentes desse movimento conhecido como “rolezinho”, o qual provocou a abertura de um grande campo de discussões entre os direitos dos shoppings e desse grupo de jovens.


2. Princípios Fundamentais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

A partir da Constituição de 1988, as crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, e não como meros elementos de intervenção no mundo adulto, tendo, assim, seus direitos assegurados em um campo especial de garantias no ordenamento jurídico brasileiro. Essas normas protetivas estão previstas nos direitos fundamentais inscritos no artigo 227 da Constituição Federal e nos artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. A normatização desses direitos tem fundamento no princípio da absoluta prioridade conferido à criança e ao adolescente, tendo em vista que estes se encontram em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitando de bases sólidas e adequadas para sua formação e inserção no mundo adulto.

Esses direitos fundamentais surgiram com o objetivo de limitar e controlar os abusos do próprio Estado, funcionando também como normas positivas voltadas à concretização da dignidade da pessoa humana. Nesse mesmo sentido, o legislador buscou dar sustentação aos direitos das crianças e adolescentes por meio de um sistema de garantias especiais, pautadas nos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, assim dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

[ . . .]

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2014b).

Os princípios citados e previstos na norma têm como destinatários a família, a sociedade e o Estado. Segundo Cunha et al. (2014, p. 49), essa norma busca que “a família se responsabilize pela manutenção da integridade física e psíquica, a sociedade pela convivência coletiva harmônica, e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas”. Assim, o legislador pretende compartilhar a responsabilidade sobre esses cidadãos em desenvolvimento, com o objetivo de garantir a efetivação de seus direitos. Do mesmo entendimento compactua o juiz de Direito André Luiz Tonello de Almeida, que assim aduz:

Reforço que a nossa responsabilidade como familiares é entender que a prevenção é o remédio quem deve começar em casa, então os pais devem saber, no mínimo, por onde seus filhos andam e o que estão fazendo. Dependendo da situação de todos os envolvidos, do que acontecer no evento, os pais podem ser responsabilizados. (ALMEIDA, 2014,SP.)

Os direitos elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal ainda dependem de efetiva participação, especialmente do Estado, para a criação de políticas públicas voltadas exclusivamente às crianças e aos adolescentes, como ocupações que os afastem das ruas, educação básica, formação profissional, lazer, saúde e outras garantias previstas na legislação. Nesse sentido, cabe ao poder público atuar e concretizar o que está previsto no ECA:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III - em razão de sua conduta.

Diante dessa responsabilidade, o Poder Judiciário adotou medidas de cunho preventivo, determinando, em casos específicos, a restrição ao direito de liberdade de locomoção de menores em determinados horários, com o intuito de protegê-los. Como exemplo dessa medida, cita-se a Lei nº 3.729/2014, do Município de Guarapari (ES), que estabelece:

Art. 1º - Fica proibida a permanência de menor de 16(dezesseis) anos em bar, casa noturna, bem como, nas vias públicas do Município de Guarapari/Es, desacompanhado dos pais ou do responsável legal.

[ . . . ]

Art.5° - E aos menores de 16 (dezesseis) anos o acesso e permanência em logradouros públicos, ruas e praças até as 23 (vinte e três) horas.

§ 1º - Independentemente do horário, menor de 16 anos (dezesseis) anos que for encontrado em logradouros públicos, ruas ou praças em iminente risco físico ou social será encaminhado aos seus pais ou responsáveis legais, mediante termo de responsabilidade. (BRASIL, 2014e).

Com a preocupação em não se omitir, e diante dos perigos relacionados à insegurança, o Município estabeleceu algumas restrições. A restrição à liberdade possui caráter excepcional, haja vista que a liberdade, assim como o direito de ir e vir, é um direito fundamental. É necessário destacar que tais direitos não são absolutos, ainda que fundamentais, pois, para que se cumpram os princípios da proteção integral, pautados no melhor interesse da criança e do adolescente, esses direitos podem sofrer determinadas limitações.


3. Os Shopping Centers e sua Natureza Jurídica

Os shopping centers possuem características atípicas em sua relação jurídica com os comerciantes ali instalados, o que torna necessária uma análise prévia de sua natureza jurídica. Para Maria Helena Diniz (2004, p. 42), natureza jurídica caracteriza-se como “afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de classificação. É o conjunto ou essência de um ser.”

A busca pela natureza jurídica de cada instituto proporciona um estudo mais sistemático, possibilitando seu enquadramento adequado em determinada categoria do direito. Ao buscar maior clareza, o estudo da natureza jurídica permite compreender qual é sua finalidade no âmbito jurídico e qual sua contribuição para essa ciência. No caso do shopping center, sua natureza jurídica configura-se como a de um empreendimento privado com acesso ao público.

Com base nessa classificação, o direito de ir e vir dos integrantes do movimento "rolezinho" encontra respaldo nos princípios fundamentais, bem como no próprio contrato que especifica que o acesso ao shopping é público. Contudo, tais garantias não são absolutas, uma vez que, em nome da paz social, seu exercício deve ser ponderado de forma a assegurar o bem-estar da coletividade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3.1. Do Contrato e Suas Características

O contrato firmado entre o empreendedor e o lojista é, portanto, um contrato normativo. Este, por sua vez, difere dos demais, pois não tem por finalidade determinar o conteúdo dos futuros contratos individuais, mas sim estabelecer regras gerais e, de certa forma, delimitar seu conteúdo, buscando, assim, manter um tratamento mais uniforme entre os lojistas do shopping center.

Uma característica marcante dessa relação entre o empreendedor e os lojistas é que aquele passa a ter direito à participação nos lucros obtidos com as atividades realizadas nas dependências do shopping. Dessa forma, ambas as partes desenvolvem estudos voltados à busca da melhor estratégia para explorar o mercado varejista.

Não é difícil visualizar esse planejamento, que, por sua vez, é também um dos pilares de sustentação do empreendimento. Basta um olhar mais atento para compreender a organização dos shoppings, uma vez que o contrato normativo atribui às partes o direito de efetuar o rateio dos lucros. É visível que o empreendedor, ao organizar todo o mecanismo interno, o faz considerando sua participação nesse resultado. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira afirma as peculiaridades do empreendimento em comparação com os estabelecimentos populares:

O shopping center não é uma loja qualquer; não é um conjunto de lojas dispostas num centro comercial qualquer; não se confunde com uma loja de departamentos (store magazine), já inteiramente implantada em nossas práticas mercantis há algumas dezenas de anos. [...] Este complexo mercadológico exige, portanto, um conglomerado arquitetônico de alto custo, e o êxito comercial está na razão direta de uma constante presença publicitária, aliada à manutenção de um cultivado aspecto físico, que evite a obsolescência não apenas das mercadorias à venda como, também, das exposições. (PEREIRA, 1984, p.73).

O principal objeto desse contrato não se caracteriza pela simples concessão de uma unidade individual, com a respectiva contraprestação financeira, mas sim pelo uso de toda a estrutura esquematizada do empreendimento, voltada à geração de lucros para as partes envolvidas.

3.2. A Natureza Jurídica do Contrato

O shopping center apresenta uma estrutura organizacional composta por três agentes: o empreendedor, o lojista e a empresa administradora. Diante disso, surgem dúvidas quanto à natureza jurídica do contrato celebrado entre essas partes. Chegou-se a cogitar a possibilidade de se tratar de um contrato de condomínio, uma vez que os lojistas, mesmo antes de o empreendimento estar em condições de funcionamento, contribuem financeiramente para sua implantação.

No entanto, esse ônus não está relacionado à aquisição de frações do imóvel, mas apenas à garantia da instalação do próprio negócio. Esse aspecto é um dos fatores que afastam a aplicação da natureza jurídica de contrato de condomínio ao caso. Maria Helena Diniz, em sua obra Tratado Teórico e Prático dos Contratos, reforça essa ideia ao afirmar que o contrato celebrado nos shopping centers não se caracteriza como condomínio:

Apesar de haver semelhança entre o condomínio e o shopping centers, não há como identificá-los, por ser o shopping um empreendimento comercial, tento por escopo o lucro do empreendedor, sendo os lojistas meros locatários, embora, excepcionalmente, possam ser proprietários das lojas. No condomínio, o proprietário ou locatário de cada unidade autônoma, dentro de seu apartamento, loja ou escritório, goza de independência, desde que obedeça à sua destinação e convenção. Além disso, o incorporador, no condomínio, uma vez vendidas as unidades, dele se desligará; o empreendedor, por sua vez, com a percepção do aluguel das lojas, permanecerá ligado ao centro comercial. (DINIZ, 1993, p.39).

Segundo Reis (2014, s.p.), a partilha dos lucros angariados suscitou a ideia de que o empreendimento operava como uma sociedade em cota-parte. No entanto, para que houvesse tal qualificação, seria necessário considerar o empregado que participa dos lucros sobre as vendas como sócio de seu empregador, já que ambos buscam, constantemente, aumentar o volume de vendas.

Por fim, após diversas discussões sobre a possível natureza jurídica do contrato de shopping center, restou claro que se trata de um contrato atípico misto. Esse entendimento também é compartilhado por Maria Helena Diniz, que assim descreve:

Trata-se de contrato atípico por conter elementos de vários contratos, de sorte que não se pode dizer que pertença a qualquer tipo, embora apresente caracteres de muitas figuras contratuais, sendo a transação nele contida estranhas aos tipos legais. Trata-se de contrato atípico misto e não de contrato coligado, pois, se houvesse coligação, sua disciplina jurídica não seria unitária. (DINIZ, 2004, p.42).

Seguindo a mesma linha de pensamento, Ives Gandra da Silva Martins ressalta o caráter de prestação de serviços por parte do empreendedor, entendendo, assim, que o contrato é atípico:

Os contratos entre os shoppings centers e os lojistas não são um contrato de locação de imóvel, mas um contrato mais abrangente, em que o imóvel é menos relevante que o complexo de elementos imateriais que tornam aquele ponto atraente e propício ao comércio. (MARTINS, 2014,s.p).

O ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei nº 8.245/91, trata os contratos de shopping center como contratos de locação. Entretanto, diante das inúmeras particularidades que os diferenciam dos contratos de locação tradicionais, observa-se que esse enquadramento legal não contempla adequadamente todas as suas especificidades. Como exemplo, pode-se citar a inaplicabilidade do modelo legal ao aluguel percentual, prática comum nesse tipo de empreendimento.


4. Direito de Propriedade Frente ao Direito de Locomoção

Recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio como um direito individual, o direito de propriedade é um dos pilares sobre os quais se sustenta o mundo ocidental não socialista, sendo considerado um direito eminentemente privado. Contudo, José Cretella Jr. (2000, p. 208) afirma:

“Antes, a propriedade tinha um sentido nitidamente individual, exclusivo; hoje, a propriedade tem um sentido social.”

Essa afirmação indica um redirecionamento da ordem social: embora se trate de um direito de uso exclusivo e privado sobre determinado bem, a propriedade deve cumprir uma função social.

O Código Civil, em seu artigo 1.228, dispõe:

“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” (BRASIL, 2014d).

No que se refere ao direito de locomoção, este é considerado um direito fundamental, conforme previsto no artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal de 1988:

“É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Ao discorrer sobre esse direito, Manuel Motta da Rosa (2014, s.p.) ressalta que ele não é absoluto. A liberdade decorre do ordenamento jurídico e, caso exista alguma norma que restrinja um direito individual, tal norma deve ser relativizada e ponderada, considerando as limitações impostas pela própria sistemática dos direitos fundamentais.

Ao relacionar os direitos individuais e aplicá-los ao caso concreto do rolezinho, nota-se um conflito entre eles. Isso porque, ao exercerem o direito de locomoção, os integrantes do movimento podem acabar ferindo o direito de propriedade exercido pelos lojistas dos shoppings. Nessa situação, prevalece o direito de propriedade, uma vez que, embora os shoppings sejam espaços com acesso ao público, sua finalidade principal é atender a objetivos específicos.

Ademais, esse direito de propriedade está atrelado a outros direitos inerentes às atividades desenvolvidas nesses estabelecimentos, como o direito ao exercício do trabalho e a liberdade de locomoção dos demais usuários que fazem uso dos bens e serviços oferecidos. O relator Rômolo Russo esclarece sobre a colisão do direito de ir e vir e pontua:

Daí [emerge], com naturalidade, a colisão de direitos constitucionais e garantias individuais, qual seja o direito de ir e vir dos “rolezeiros” e o direito de ir e vir dos não “rolezeiros”. Se é legítimo que o “rolezinho” realize se com 700 pessoas, por exemplo, como já ocorrera (Shopping Itaquera 11/01/2014), ilegítimo será que os demais partícipes da vida social tenham que recuar e tenham restringida a sua respectiva liberdade de estar, ir e vir na mesma hora e no mesmo espaço de acesso público. Nessa exata medida, nos limites do juízo provisório, o exercício exagerado e desproporcional dessa vontade de ir em grande número, em idêntico horário (15h), aos sábados e domingos aos shoppings indicados acaba por aniquilar o direito de ir e vir dos outros, o que importa em exercício abusivo do direito ao “rolê” (art. 186. do CC).

Contudo, igualmente, é ilegal proibir que os jovens possam ir e vir dos shoppings. Assim sendo, é necessário que se faça a calibração deste conflito de direitos (f. Prof.Tércio Sampaio Ferraz Júnior), sob pena de, ao revés, admitir-se que a norma constitucional é fraca, já que tem força para uns e não para todos.

A estabilização e harmonia do exercício da cidadania, à luz da Constituição Federal e das leis em geral, depende, portanto, que cada um exerça seu direito sem perturbar o direito do outro, em justa medida para o bem estar social de todos, harmonizando-se, assim, a função útil dos direitos em confronto. E efetivamente não venha a perturbar, abafar, causar temor, ou restringir idêntico direito substantivo de quem quer estar pacificamente naquele mesmo espaço. Na dúvida, há de prevalecer o direito à liberdade de todos, ainda mais porque o constitucionalismo brasileiro emana de constituição eclética e pluralismo axiológico.

É consectário da própria noção de liberdade, portanto, que as ações humanas sejam limitadas, a fim de viabilizar-se a coexistência pacífica dos indivíduos.

(BRASIL, 2014. Relator: Rômolo Russo, Data de Julgamento: 08/05/2014).

Nesse contexto, os direitos fundamentais assegurados pelo ordenamento jurídico não devem ser tratados de forma hierárquica, como se estivessem dispostos em uma linha vertical, na qual um se sobrepõe ao outro, mas sim em um plano harmônico, que permita sua efetivação de maneira equilibrada.

Ademais, a relativização desses direitos, no campo de sua aplicabilidade, deve ser compreendida como um meio de manutenção da base do Estado Democrático de Direito, que tem como objetivo a promoção da igualdade de direitos como mecanismo para o estabelecimento da paz. Dessa forma, busca-se conciliar o desenvolvimento econômico com a realidade social, prevenindo conflitos de qualquer natureza, como exemplifica o caso dos “rolezinhos”.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Jayme Xavier Neto

Jayme Xavier Neto é Advogado em Marataízes e Região.

Edimar Pedruzi Pizetta

Graduando do curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-E.S

Raquel Pizeta

Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-E.S

Lucas Lobato La Rocca

Professor Orientador: Especialista em Direito Público. Universidade Candido Mendes, UCAM, Brasil. Analista judiciário, lotado na 3ª Zona Eleitoral em Castelo. Tribunal Regional Eleitoral- ES. Professor Universitário no Universitário São Camilo-ES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos