6. A LEI Nº 12.594/2012 E A EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Até o advento da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 (Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE), não havia um conjunto integrado de disposições legais sobre a execução de medidas socioeducativas, existindo somente algumas disposições esparsas, dispersas no ECA, além da autorização legal contida no art. 152, para a aplicação subsidiária das normas gerais previstas na legislação processual pertinente, aos procedimentos regulados pelo Estatuto.
A omissão do legislador levou alguns doutrinadores e aplicadores do direito, assim como tribunais, estes últimos por meio de atos normativos, a combinar dispositivos do ECA com outros, especialmente da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210/1984).
Tais iniciativas foram dando vida a manuais de procedimentos de execução de medida socioeducativa, pautados em princípios como o da individualização do processo de execução, por adolescente, e o da periodicidade da avaliação da medida socioeducativa.
Contudo, a falta de regulamentação específica no ECA sobre execução de medidas socioeducativas, assim como as adaptações que foram sendo feitas ao longo de anos, algumas delas com base na discricionariedade do julgador, deram margem a excessos, em prejuízo dos direitos e garantias assegurados aos adolescentes por instrumentos legais internacionais, pela Constituição Federal e pelo ECA.
Antes do surgimento da Lei nº 12.594/2012, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) editou a Resolução nº 119, de 11 de dezembro de 2006, por meio da qual aprovou o SINASE, além de defini-lo como “um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medidas socioeducativas.”
A Lei nº 12.594/2012 definiu o SINASE como
O conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei (art. 1º, § 1º).
Apesar da aparente redução de alcance dada ao SINASE com a conceituação trazida pela Lei nº 12.594/2012 (por não mencionar o processo de apuração de ato infracional), como já destacamos neste trabalho, elementos trazidos pela citada Lei, a exemplo dos objetivos (art. 1º, § 2º, incs. I a III) e de alguns dos princípios enumerados no seu art. 35, aplicam-se tanto à escolha (ato do processo de apuração de ato infracional) quanto ao cumprimento da medida socioeducativa.
Em igual raciocínio, a decisão do juiz da execução sobre situações como a manutenção, progressão, substituição e suspensão de medidas socioeducativas, deve levar em consideração aspectos normativos e principiológicos contidos tanto no ECA quanto na Lei do SINASE.
A Lei nº 12.594/2012 veio suprir as lacunas existentes no ECA, notadamente sobre a execução de medidas socioeducativas, regulamentando a sistemática a ser observada para o seu cumprimento, com vistas à uniformização de procedimentos, além de instituir o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que discorre, dentre outros assuntos, sobre programas, diretrizes, objetivos e metas, entidades e programas de atendimento, definição de competências e responsabilidades dos entes federados, assim como sobre objetivos e princípios aplicáveis às medidas socioeducativas.
No tocante à execução das medidas socioeducativas, dois procedimentos diferenciados foram estabelecidos pela Lei do SINASE:
a) as medidas de proteção, de advertência e de reparação do dano, quando aplicadas isoladamente, serão executadas nos próprios autos do processo de conhecimento (art. 38);
-
b) tratando-se das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, a execução será processada em autos próprios, um para cada adolescente, adotando-se idêntico procedimento para a hipótese de medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo (art. 39, caput e parágrafo único).
A normatização trazida pela Lei do SINASE, relativa ao processo específico de execução de medidas socioeducativas, acompanhou, na verdade, o que já vinha sendo feito na prática pelos juizados da infância juventude. É um instrumento legal que contribui para a individualização da execução da medida socioeducativa, em observância ao princípio estabelecido no art. 35, inc. VI, da referida Lei, a exemplo do que já acontecia com a execução penal. Busca, portanto, atender de forma mais efetiva, sistematizada e com maior controle os direitos dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.
Dando impulso ao propósito de uniformização da execução das medidas socioeducativas no país, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editou a Resolução nº 165, de 16 de novembro de 2012, que trouxe normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei, no âmbito da internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas. A Resolução em questão incorporou parte do texto legal da Lei do SINASE, mas trouxe também disciplinamento e regulamentação para alguns procedimentos relacionados à execução das medidas socioeducativas, não afastando, contudo, a possibilidade do disciplinamento de questões específicas, pelas leis de organização judiciária dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (arts. 13, caput, 16, § 1º, 24 e 25 da Resolução).
Dentre os procedimentos não previstos na Lei do SINASE que foram trazidos pela Resolução nº 165/2012-CNJ, destacam-se: a criação e institucionalização de guias de execução das medidas socioeducativas e a definição de critérios para a sua expedição; o disciplinamento do fluxo relativo à requisição de vagas ao órgão gestor do atendimento socioeducativo; a maior fiscalização quanto à observância do prazo máximo da internação provisória; a normatização relativa à delegação de competência para a prática de atos próprios da execução de medida, com o afastamento da execução de medida socioeducativa por carta precatória.
A Resolução nº 165/2012-CNJ sofreu ligeira alteração, por meio da Resolução nº 191-CNJ, de 24 de abril de 2014. As mudanças incidiram especialmente sobre a forma de expedição das guias de execução de medidas socioeducativas, que deixaram de ser manuais e de observar os modelos contidos em formulário anexo à Resolução nº 165/2012-CNJ.
Até o advento da Resolução nº 191/2014-CNJ, as guias de internação provisória, internação-sanção e da execução das medidas socioeducativas de internação por prazo indeterminado, semiliberdade, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, quer fossem provisórias ou definitivas, vinham observando modelos padronizados e impressos, anexos à Resolução nº 165/2012-CNJ.
A partir da vigência da Resolução nº 191/2014-CNJ, iniciada em 1º de maio de 2014, essas guias passaram a ser extraídas de forma automática do próprio Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), hospedado no site do CNJ, cadastro que precisa ser alimentado com as informações necessárias em relação aos adolescentes e processos respectivos. O acesso a esse cadastro depende de senha, fornecida pelo órgão competente dos tribunais.
7. GUIAS DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA, DE INTERNAÇAO-SANÇÃO, UNIFICADORA, DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA E DE EXECUÇÃO DEFINITIVA DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Conforme o art. 39 da Lei do SINASE, a execução das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação ganha corpo em um procedimento próprio, autuado para cada adolescente, contendo os seguintes itens:
I - documentos de caráter pessoal do adolescente existentes no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem a sua idade;
II - peças indicadas pela autoridade judiciária, sempre que houver necessidade, além de:
a) cópia da representação;
b) cópia da certidão de antecedentes;
c) cópia da sentença ou acórdão; e
d) cópia de estudos técnicos realizados durante a fase de conhecimento.
De acordo com o parágrafo único do citado artigo da Lei do SINASE, o mesmo procedimento é adotado quanto à execução da medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo.
Adaptando para a execução de medida socioeducativa parte do procedimento já previsto para a execução de pena privativa de liberdade na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e na Resolução nº 113/2010, do CNJ, o citado órgão trouxe para a seara juvenil a guia de execução de medida socioeducativa. É um documento cuja apresentação é obrigatória para o ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida).
Conforme o art. 5º da Resolução nº 165/2012-CNJ
O ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida), só ocorrerá mediante a apresentação de guia de execução, devidamente instruída, expedida pelo juiz do processo de conhecimento.
Indo um pouco além daquilo que foi apresentado pela Lei do SINASE, a Resolução nº 165/2012-CNJ estabeleceu os requisitos para a guia de internação provisória ou cautelar (art. 7º, incs. I a IV).
Dentre outros documentos considerados pertinentes pela autoridade judicial, são necessários:
I - documentos de caráter pessoal do adolescente existentes no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem a sua idade;
II - cópia da representação e/ou do pedido de internação provisória;
III - cópia da certidão de antecedentes;
IV - cópia da decisão que determinou a internação.
Quanto às guias para as medidas socioeducativas, a Resolução nº 165/2012-CNJ acrescentou aos itens previstos no art. 39 da Lei do SINASE os seguintes (art. 9º, incs. II e IV):
I – cópia do termo que propõe a remissão como forma de suspensão do processo cumulada com medida socioeducativa em meio aberto; e
II – cópia da sentença que homologou a remissão cumulada com medida socioeducativa em meio aberto.
Com a alteração dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ, a Resolução nº 165/2012-CNJ incumbiu-se de definir guia unificadora de medida socioeducativa, tratada inicialmente pelo nome de guia retificadora (art. 11, § 3º, Res. 165/2012-CNJ). Assim, em seu o art. 2º, inc. VII, a Resolução nº 165/2012 estabeleceu que guia unificadora “é aquela expedida pelo juiz da execução com finalidade de unificar duas ou mais guias de execução em face do mesmo adolescente (art. 45 da Lei n. 12.594/2012). (NR).”
A Lei do SINASE e a Resolução nº 165/2012, do CNJ não especificam com precisão o momento da apresentação do adolescente ao programa ou à unidade de cumprimento da medida, embora fique subentendido que ela deva ser feita logo após a informação do órgão gestor sobre o programa ou a unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, §§ 1º ao 3º da Res. 165/2012-CNJ). Menciona-se apenas que será solicitado (ou requisitado) ao órgão gestor a designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.
Diante da constatação feita pelo CNJ, de que o sistema de atendimento socioeducativo, em âmbito nacional, sofre com problemas estruturais para a prestação jurisdicional adequada, e com a falta de sistematização da Justiça da Infância e da Juventude, nas organizações judiciárias locais, criou-se um grupo de trabalho, composto por juízes com experiência em matéria infracional, e elaborou-se um documento denominado “Manual de Procedimento Básico de Apuração de Ato Infracional e de Execução de Medida Socioeducativa”, pautado nos princípios e regras previstos no ECA, na Lei do SINASE e na Resolução nº 165/2012-CNJ (LIMA; ALEXANDRE, 2012).
O Manual foi divulgado em março de 2014. Nele foram trazidas informações e orientações importantes sobre a expedição de guia de execução de medida socioeducativa e requisição de vaga ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, razão pela qual serão destacadas, em alguns momentos do tema ora tratado, informações contidas no referido Manual.
Havendo um único programa de atendimento ou unidade de cumprimento para a medida, desde que haja vaga para o(s), adolescente(s), a questão não traz maiores complicações. No entanto, quando existir mais de um ou vários programas de atendimento, assim como unidades onde possa ocorrer o cumprimento, e for grande a demanda de adolescentes encaminhados, seguramente a apresentação de um novo adolescente somente poderá ser feita após o recebimento da informação sobre o programa ou a unidade de cumprimento da medida e a disponibilidade de vaga.
É possível ainda que o local da unidade de cumprimento de medida socioeducativa com disponibilidade de vaga, informado pelo órgão gestor, pertença à jurisdição de outra autoridade judiciária.
Pelo que se percebe, o cuidado apresentado pelo legislador, ao fazer referência à resposta pelo órgão gestor quanto ao programa de atendimento ou unidade de cumprimento da medida, tem como justificativa a necessidade da organização e do controle da execução das medidas socioeducativas, a ser feito também pelo órgão gestor do atendimento socioeducativo, que poderá, inclusive, informar ao juízo requisitante que não existe vaga no programa de atendimento ou na unidade onde a medida seria cumprida (art. 49, inc. II, da Lei do SINASE).
Antes de prosseguir tratando do tema referente às guias de medida socioeducativa, é importante fazer alguns esclarecimentos sobre o significado de entidade de atendimento, programa de atendimento e unidade de cumprimento de medida, nomes recorrentes na Lei do SINASE e na Resolução 165/2012-CNJ.
a) entidade de atendimento: a pessoa jurídica de direito público ou privado que instala e mantém a unidade e os recursos humanos e materiais necessários ao desenvolvimento de programas de atendimento (art. 1º, § 5º, da Lei do SINASE);
b) programa de atendimento: a organização e o funcionamento, por unidade, das condições necessárias para o cumprimento das medidas socioeducativas (art. 1º, § 3º, da Lei do SINASE);
c) unidade (ou serviço) de cumprimento de medida: é a base física necessária para a organização e o funcionamento de programa de atendimento (art. 1º, § 4º, da Lei do SINASE).
.A execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação ocorre por meio de programas estaduais de atendimento socioeducativo.
Com a municipalização do cumprimento de algumas medidas, a execução das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, que antes estava sob a responsabilidade dos estados, ficou a cargo dos municípios, sob a coordenação dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS).
Para a definição dos procedimentos que devem ser adotados em relação à expedição da guia de execução de medida socioeducativa, é necessário que se verifique se a medida será executada em programa de atendimento ou unidade de cumprimento de medida sediada na mesma comarca ou em comarca diversa daquela do juízo do processo de conhecimento (que aplicou a medida).
7.1. Execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade sediada na mesma comarca do juízo do processo de conhecimento
Tratando-se de execução de medida socioeducativa em unidade sediada na mesma comarca do juízo do processo de conhecimento, nos casos de juízo de competência geral (inclusive para execução de medidas socioeducativas em meio aberto) ou juizado da infância e da juventude com competência não exclusiva para a execução de medidas socioeducativas, observar-se-á o seguinte procedimento:
Aplicada a medida socioeducativa e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução, provisória ou definitiva, conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença, guia que será instruída com os documentos necessários (art. 39 da Lei do SINASE; art. 8º ou 9º da Res. 165/2012-CNJ). Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).
Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor, o que deve ser feito em até 24 horas, o juízo do processo de conhecimento (também responsável pela execução da medida) fará, desde logo, a apresentação do adolescente e de seus pais ou responsável ao programa ou unidade indicado ou a simples intimação daqueles para que se apresentem ao local indicado, no prazo que for determinado. A situação mencionada é típica das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, cujo cumprimento geralmente ocorre em unidade sediada na mesma comarca em que a medida foi aplicada.
Caso haja na comarca juízo da infância e juventude com competência exclusiva para a execução de medidas socioeducativas, observar-se-á o seguinte procedimento:
Aplicada a medida socioeducativa e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução, provisória ou definitiva, conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença, guia que será instruída com os documentos necessários (art. 39 da Lei do SINASE; art. 8º ou 9º da Res. 165/2012-CNJ). Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).
Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor, tanto ao juízo do processo de conhecimento quanto ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo do processo de conhecimento remeterá, no prazo de 24 horas, a guia de execução, provisória ou definitiva, (conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença), com os documentos que a instruem, ao juízo da execução, competindo a este juízo o processamento e a execução da medida socioeducativa.
Apesar de constar no art. 6º, § 1º, da Resolução nº 165/2012-CNJ, com a nova redação dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ, que cabe ao juízo do processo de conhecimento encaminhar a cópia da guia de execução e dos documentos que a instruem ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, requisitando designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida, no Manual de Procedimento Básico de Apuração de Ato Infracional e de Medida Socioeducativa divulgado pelo CNJ, ao qual fizemos alusão no item 7, encontramos uma orientação um pouco diferente.
Segundo o referido Manual
Quanto à requisição de vaga nas unidades de privação de liberdade ou de inclusão do socioeducando em programa de meio aberto, tanto poderá ser pelo juízo do conhecimento quanto pelo juízo da execução. Nesse aspecto, a Resolução adequa-se, perfeitamente, ao art. 40 da Lei n. 12.594/2012 (LIMA; ALEXANDRE, 2012, p. 27).
Realmente, pela leitura do texto do art. 40 da Lei nº 12.594/2012, verifica-se que, diferentemente do que constou no art. 6º, § 1º, da Resolução nº 165/2012-CNJ (mesmo com a nova redação dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ), não há um comando dirigido especificamente ao juízo do processo de conhecimento ou ao do juízo do processo de execução quando o texto trata da remessa de expediente e solicitação de designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.
No texto da Lei do SINASE consta: “Art. 40. Autuadas as peças, a autoridade judiciária encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, solicitando a designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.”
A expressão “autuadas as peças”, contida no texto da Lei, pode então ser entendida como “reunidos os documentos para formar o processo de execução” (analisando-se sob a ótica do juízo do processo de conhecimento), ou “instrumentalizado o processo de execução” (sob o olhar do juízo da execução), o que admite, portanto, a atuação de um ou de outro juízo, conforme a situação concreta justificar.
Como se percebe, por não existir um procedimento especificamente delineado a ser observado, no tocante a determinados momentos que compreendem o processo de execução da medida socioeducativa, a metodologia empregada pode sofrer variações, conforme o que for regulamentado pelo tribunal ao qual o juiz que estiver cuidando do caso for vinculado.
Aliás, é válido ressaltar que em relação a questões procedimentais não exatamente definidas sobre execução de medidas socioeducativas, que podem sofrer pequenas variações, conforme a região do nosso país (de dimensões continentais), deve-se escolher o caminho mais prático, célere e operacional, obviamente, desde que não resulte em prejuízo para o bom andamento da execução. Além disso, é necessário enfatizar que embora haja a busca por uma uniformização de procedimentos em âmbito nacional, o adequado desenvolvimento da execução das medidas socioeducativas não depende apenas do Poder Judiciário, mas de todos os órgãos e agentes envolvidos no Sistema de Atendimento Socioeducativo, nas órbitas federal, estadual e municipal.
Não é por acaso que no Manual de Procedimento Básico de Apuração de Ato Infracional e de Medida Socioeducativa expedido pelo CNJ são apresentadas orientações que não se encontram no texto expresso da Resolução nº 165/2012-CNJ, a exemplo das seguintes:
Nos estados da federação onde há somente um juízo de execução de medidas de privação de liberdade, nada impede que ele, após receber as peças processuais dos juízos do conhecimento, instaure o processo de execução e requisite a vaga nas unidades do sistema de atendimento socioeducativo. Nessa hipótese, portanto, é o juiz da execução o requisitante da vaga. Por outro lado, nos demais estados onde existem vários juízos de execução, nada impede que o juízo do conhecimento faça a requisição da vaga diretamente ao órgão gestor, e ele informe, nos prazos previstos na Resolução CNJ n. 165/2012, a unidade que tenha vaga disponível.
Quanto à inclusão do socioeducando em programas de meio aberto, é recomendável que a requisição seja feita pelo juízo do conhecimento, tendo em vista a presença de técnicos dos programas nas audiências judiciais (LIMA; ALEXANDRE, 2012, p. 27).
7.2. Execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada em outra comarca
Observadas as informações apresentadas no subitem anterior, tratando-se de execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada em comarca diversa daquela do juízo do processo de conhecimento, nos casos de juízo de competência geral ou juizado da infância e da juventude com competência para o processo de conhecimento e para a execução, esta, todavia, limitada às medidas socioeducativas em meio aberto, observar-se-á o seguinte procedimento:
Aplicada a medida socioeducativa e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução, provisória ou definitiva, conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença, guia que será instruída com os documentos necessários (art. 39 da Lei do SINASE; art. 8º ou 9º da Res. 165/2012-CNJ). Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).
Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor, tanto ao juízo do processo de conhecimento quanto ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo do processo de conhecimento remeterá, também no prazo de 24 horas, a guia de execução extraída do CNACL, com os documentos que a instruem, ao juízo da execução, delegando-lhe competência para a execução da medida socioeducativa, na forma do art. 147, § 2º, do ECA. Nesse caso, conforme a dificuldade para levar o adolescente ao cumprimento da medida socioeducativa em outra comarca, evitando-se, inclusive, a expedição desnecessária de carta precatória com essa única finalidade (do juízo da execução para o juízo do conhecimento), como medida de celeridade e economia processual, poderá, desde logo, ser ordenado pelo juízo do processo de conhecimento que se faça a apresentação do socioeducando ao juízo da execução ou, conforme o caso, ao programa ou unidade indicada. Em tal hipótese, a apresentação do socioeducando deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da execução, visto que competirá a ele o processamento da execução da medida socioeducativa, embora caiba ao juízo do processo de conhecimento a expedição da guia de execução de medida socioeducativa, conforme orienta o art. 6º da Resolução nº 165/2012-CNJ. De qualquer modo, o procedimento a ser adotado deverá observar o disposto em ato normativo específico, editado pelo respectivo tribunal de justiça.
Cabe destacar que de acordo com os arts. 11, § 1º, 12 e 13, da Resolução nº 165/2012-CNJ, não é mais admitido o processamento da execução de medida por carta precatória. Assim, caso haja transferência do adolescente ou modificação do programa para outra comarca ou estado da Federação, os autos da execução deverão ser remetidos ao novo juízo responsável pela execução. Além disso, salvo disposição contrária em lei de organização judiciária local, o acompanhamento da execução das medidas socioeducativas e seus incidentes será feito pelo juízo do local onde está sediada a unidade ou serviço de cumprimento.
7.3. Cumprimento da medida socioeducativa nos casos de adolescente internado provisoriamente (internação cautelar)
Tratando-se de adolescente que se encontra internado provisoriamente por ocasião da sentença que aplicou medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, e o recurso contra ela interposto tenha sido recebido somente no efeito devolutivo, com a devida fundamentação que deverá trazer a decisão sobre a manutenção da segregação de natureza provisória, o adolescente será transferido da unidade de internação provisória (cautelar) para a unidade com vaga disponível do programa de medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, conforme o caso. Nessa hipótese, a Resolução nº 165/2012-CNJ orienta que o juízo do processo de conhecimento comunique sobre a manutenção da medida, no prazo de 24 horas, remetendo cópia da sentença ou acórdão e de documentos ainda não enviados, ao órgão gestor do atendimento socioeducativo e ao juízo da execução (art. 8º, incs. I a III). É ainda enfatizado no artigo citado que deve ser observado o art. 5º, § 3º (que na verdade é o art. 6º, § 3º, da Res. 165/2012-CNJ), dispositivo onde consta que é da competência do juízo da execução formar o processo executório da medida socioeducativa.
Semelhantemente ao que comentamos no subitem 7.2, aqui também fazemos referência à possibilidade de o adolescente (agora internado provisoriamente), após a sentença, ser transferido da unidade de internação provisória (cautelar) para a unidade com vaga disponível do programa de medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, conforme o caso, logo após o recebimento da guia de execução, por ordem do próprio juízo do conhecimento, que expediu a guia de execução provisória da medida socioeducativa.
Pela sistemática da execução de medida socioeducativa, cabe ao juízo da execução, após receber a informação sobre o programa ou unidade de cumprimento da medida, determinar a transferência do adolescente ou, se for o caso, requisitar a sua apresentação em juízo, para audiência admonitória e posterior apresentação ao local de cumprimento da medida socioeducativa de internação ou semiliberdade.
No entanto, é importante salientar que o processo de transferência do adolescente da unidade de medida cautelar para a unidade de cumprimento de medida socioeducativa precisa ser rápido, não se admitindo que aquele permaneça na unidade de internação provisória além do prazo legal ou após o julgamento (sentença de aplicação de medida socioeducativa), ainda que neste último caso o julgamento tenha ocorrido antes do prazo de 45 dias previsto no art. 183 do ECA. É que apesar da possibilidade de se descontar do prazo da medida socioeducativa privativa de liberdade o período de tempo em que o adolescente esteve internado provisoriamente, a internação provisória e a internação decorrente de sentença possuem naturezas distintas.
Na verdade, o procedimento a ser adotado deverá mesmo observar aquilo que dispuser o ato normativo específico do respectivo tribunal de justiça.
7.4. Cumprimento da medida nos casos de aplicação de medida de internação por prazo determinado (internação-sanção)
A medida de internação por prazo determinado ou internação-sanção (art. 122, inc. III, do ECA e art. 43, § 4º, da Lei do SINASE), é aplicada por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta ao adolescente, não podendo o seu prazo ser superior a três meses (art. 122, § 1º, do ECA). Ela é aplicada pelo juízo da execução, que eventualmente pode ser também o juízo do processo de conhecimento, quando ele possuir competência cumulativa para a execução de medidas socioeducativas em meio aberto.
Caso a medida venha a ser cumprida em programa de atendimento ou unidade de cumprimento de medida sediada na mesma comarca do juízo que a aplicou, será observado, quanto à requisição de vaga e designação do local de cumprimento de medida, assim como quanto à remessa de documentos ao órgão gestor, o mesmo procedimento adotado para as medidas socioeducativas, de maneira geral, atentando-se, no entanto, para a expedição de guia de execução específica.
Desse modo, aplicada a medida e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução de internação-sanção (art. 2º, inc. VI, da Res. 165/2012-CNJ), que poderá ser instruída com os seguintes documentos, além de outros considerados pertinentes pela autoridade judicial:
I – documentos de caráter pessoal do adolescente;
II – cópia do pedido de regressão de medida socioeducativa;
III – cópia da certidão de antecedentes;
IV – cópia da decisão que aplicou a medida de internação-sanção.
Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).
Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida e a disponibilidade de vaga pelo órgão gestor ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o referido juízo adotará as providências necessárias para que o adolescente dê início ao cumprimento da medida.
Quando a medida de internação-sanção tiver que ser cumprida em programa ou unidade de cumprimento de medida sediada em comarca diversa daquela do juízo do processo que aplicou a medida, avalia-se que deva ser observado o seguinte procedimento:
Aplicada a medida e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução de internação-sanção (art. 2º, inc. VI, da Res. 165/2012-CNJ), que poderá ser instruída com os documentos anteriormente citados, dentre outros considerados pertinentes pela autoridade judicial.
Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).
Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor e a disponibilidade de vaga, tanto ao juízo requisitante quanto ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo requisitante remeterá, também no prazo de 24 horas, a guia de execução extraída do CNACL, com os documentos que a instruem, ao juízo da execução, delegando-lhe competência para a execução da medida socioeducativa, na forma do art. 147, § 2º, do ECA.
Conforme a dificuldade para levar o adolescente ao cumprimento da medida socioeducativa em outra comarca, evitando-se, inclusive, a expedição desnecessária de carta precatória com essa única finalidade (do juízo da execução para o juízo que impôs a medida), como medida de celeridade e economia processual, poderá, desde logo, ser ordenado pelo juízo que aplicou a medida que se faça a apresentação do socioeducando ao juízo da execução ou, conforme o caso, ao programa ou unidade indicada. No último caso, a apresentação do socioeducando deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da execução, visto que competirá a ele o processamento da execução da medida, embora caiba ao juízo que a aplicou expedir a guia de execução de medida (art. 6º da Resolução nº 165/2012-CNJ).
Apesar das informações aqui apresentadas, como já destacamos anteriormente, o procedimento a ser adotado deverá observar o disposto em ato normativo específico, editado pelo respectivo tribunal de justiça.
7.5. Cumprimento da medida cautelar de internação provisória
Tratando-se de internação provisória de natureza cautelar, a ser cumprida em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada na mesma comarca ou em comarca diversa daquela do juízo que a decretou, avalia-se que deva ser observado o seguinte procedimento:
Decretada a internação provisória (art. 108 do ECA), será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de internação provisória (art. 2º, inc. I, da Res. 165/2012-CNJ, alterado pela Res. 191/2014-CNJ), instruída com os documentos necessários (art. 7º, incs. I a IV, da Res. 165-CNJ).
Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de internação provisória e documentos que a instruem e requisitando vaga em programa de atendimento ou unidade de cumprimento da medida cautelar (arts. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).
Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor ao juízo requisitante (juízo do processo de conhecimento) e ao juízo responsável pela fiscalização e execução da medida, o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo do processo de conhecimento remeterá, no prazo de 24 horas, a guia de internação provisória, com os documentos que a instruem, ao juízo responsável pela fiscalização e execução da medida, adotando-se as providências necessárias para que o adolescente dê início ao cumprimento da medida cautelar.
A natureza cautelar da internação provisória é um fator que reclama urgência na sua operacionalização, o que, em certas ocasiões, poderá justificar a ocorrência de variações quanto a alguns dos passos anteriormente mencionados, sobretudo quando houver demora no envio de informações sobre a existência de vaga pelo órgão gestor do atendimento socioeducativo, devendo, por isso, ser observado o que dispuser a respeito o ato normativo específico do tribunal de justiça ao qual os juízos envolvidos estiverem vinculados.
Como o adolescente não pode ser colocado em local inadequado enquanto não for definida a existência de vaga e do local onde ele deva ser internado provisoriamente, é preciso que haja uma boa interação entre os representantes dos programas ou unidades de cumprimento de medida e o sistema de justiça.
Compete também ao juízo responsável pela fiscalização e execução da medida de internação cautelar acompanhar o cumprimento do seu prazo máximo de 45 dias, embora a responsabilidade por eventual excesso de prazo seja do juízo que a decretou (art. 16, caput e § 1º, da Res. 165-CNJ).
Por isso, findo o prazo de 45 dias da internação provisória ou determinada a liberação do adolescente antes desse prazo, deverá ser imediatamente remetida uma cópia da decisão, preferencialmente por meio eletrônico (malote digital) ou oficial de justiça de plantão, ao gestor da unidade de atendimento e ao juízo responsável pela fiscalização da medida de internação cautelar, para as devidas anotações e baixa da guia de internação provisória no sistema CNACL (art. 17 da Res. 165/2012-CNJ, alterado pela Res. 191/2014-CNJ).
Caso o procedimento judicial de apuração de ato infracional seja concluído dentro do prazo de 45 dias, previsto no art. 183 do ECA (o que é o ideal), com a prolação de sentença que aplica a medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado ao adolescente, o juízo do processo de conhecimento informará sobre a sentença e remeterá os documentos necessários ao órgão gestor do atendimento socioeducativo e ao juízo da execução (art. 8º, incs. I a III, da Res. 165-CNJ).
Uma alternativa que não está prevista no ECA, tampouco na Lei do SINASE, ou mesmo na Resolução nº 165/2012-CNJ, mas que eventualmente pode ser adotada, para que se evite problemas envolvendo a permanência de adolescentes internados provisoriamente (internação cautelar) na unidade de medida além do prazo máximo legal de 45 dias, é a seguinte: o juízo da infância e da juventude (ou juízo de competência geral) que decretar a internação provisória, em comum acordo com o juízo da infância e da juventude que possui jurisdição sobre a unidade de cumprimento da medida cautelar (responsável por sua fiscalização) autoriza prévia e expressamente ao diretor ou responsável pela unidade de medida cautelar de internação provisória que proceda à liberação do adolescente internado provisoriamente, independentemente de outra forma de autorização judicial, caso a referida unidade não receba nenhuma ordem judicial em sentido contrário até o 45º dia da internação provisória. A unidade de medida cautelar fica, no entanto, obrigada a informar imediatamente a ambos os juízos que procedeu à liberação do adolescente.
7.6. Execução de medida socioeducativa antes do trânsito em julgado da sentença
A expedição da guia de execução de medida socioeducativa deve ocorrer, a rigor, após o trânsito em julgado da sentença que aplicou a medida. No entanto, segundo o art. 9º da Resolução nº 165/2012-CNJ, mesmo que não tenha sido decretada a internação provisória do adolescente no curso do processo de conhecimento, proferida a sentença, deverá ser expedida a guia de execução provisória de medida socioeducativa de internação, semiliberdade ou em meio aberto.
Dispõe a citada Resolução, com a alteração introduzida pela Resolução nº 191/2014-CNJ:
Art. 9º Não tendo sido decretada a internação provisória no curso do processo de conhecimento, prolatada a sentença, deverá ser expedida a guia de execução provisória de medida socioeducativa de internação, semiliberdade ou em meio aberto (parágrafo único do art. 39 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012), que deverá ser instruída, obrigatoriamente, com os seguintes documentos, além de outros considerados pertinentes pela autoridade judicial.
Quanto à questão ora examinada, não há disposição correspondente na Lei do SINASE, que nos seus artigos 39 e 40 faz referência apenas à autuação das peças para a constituição do processo de execução (que é individualizado por adolescente), e ao envio de cópia do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, com a solicitação de designação do programa ou da unidade de cumprimento de medida.
Essa situação de aparente indefinição pode suscitar dúvida quanto ao momento legalmente correto para a expedição da guia de execução e autuação do processo de execução da medida socioeducativa.
Com a revogação, pela Lei nº 12.010/2009, do inciso VI do art. 198 do ECA, que determinava o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo (a não ser quando interposta contra sentença que deferisse a adoção por estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, quando houvesse perigo de dano irreparável ou de difícil reparação), a regra para a sistemática recursal no âmbito do Estatuto Infantojuvenil voltou a ser a do recebimento do recurso nos efeitos devolutivo e suspensivo, impossibilitando a execução provisória do decreto contido na sentença, que só estará suscetível de cumprimento após o transito em julgado.
Como exceções a esse regramento há agora apenas a sentença que defere a adoção (salvo quando se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando), e também a sentença que destitui ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar. Para essas duas exceções vigora a regra do efeito exclusivamente devolutivo do recurso de apelação (arts. 199-A e 199-B do ECA).
Fazendo um paralelo entre a execução provisória da medida socioeducativa e a execução provisória da pena decorrente de sentença condenatória, Ramidoff (2012, p. 103), adverte que ambas afrontam o princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal de 1988.
Para o citado autor
A execução provisória de sentença penal condenatória que estabelece pena privativa de liberdade, insofismavelmente, desrespeita o primado constitucional da presunção de inocência; pois “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII do art. 5º da Constituição da República de 1988). E isto, aqui, na seara jurídica destinada à proteção integral da criança e do adolescente fica muito mais latente, pois, assim como a prisão provisória pode ser “revertida” ‘ou mesmo “revogada” sempre que o “retorno” do adolescente ao cumprimento da medida socioeducativa seja o mais adequado, por certo, com maior razão não se deva levar a cabo a execução provisória.
Conforme difundido na doutrina e admitido em precedentes dos tribunais e do próprio STJ (HC 219.263/PA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T. j. 22.11.2011, DJe 01.02.2012), nos casos de sentença confirmatória de decisão que decretar a internação provisória (cautelar) do adolescente, como forma de antecipação de tutela, por aplicação sistemática do art. 98, caput, do ECA com o art. 520, inciso VII, do Código de Processo Civil, é cabível a execução provisória da sentença. A orientação apresenta como justificativa o fato de que, segundo o art. 198, caput, do ECA, nos procedimentos afetos à justiça da infância e da juventude, com algumas adaptações, foi adotada a sistemática recursal do CPC, que assim prescreve:
Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
[...]
VII. confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.
Para Carvalho (2010, p. 909-910), mesmo com a entrada em vigor da Lei nº 12.010/2009, que revogou expressamente o inciso VI do art. 198 do ECA, o efeito suspensivo da apelação continua não atingindo determinadas situações concretas, o que se extrai da combinação de disposições da Lei nº 8.069/90 com as regras do CPC. Dentre essas disposições, o citado autor destaca o enunciado contido no art. 520 do CPC, segundo o qual a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, quando interposta contra sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela, situação que para o autor em questão ocorre quando o adolescente é internado por apreensão em flagrante ou no curso do processo.
Igual entendimento é apresentado por Del-Campo e Oliveira (2012, p. 282-283), para os quais o afastamento do efeito suspensivo da apelação contra a sentença que aplica medida socioeducativa ocorre excepcionalmente na hipótese de confirmação da antecipação dos efeitos da tutela (art. 520, inc. VII, do CPC), “o que ocorre em caso de internação provisória ou cumprimento de outra medida socioeducativa provisória.”
Na mesma linha de pensamento, Rossato, Lépore e Cunha (2014, p. 496) sustentam que
[...] de acordo com o art. 198 do Estatuto, será aplicado o regramento contido na legislação processual civil. Assim, as hipóteses previstas no art. 520 do CPC, segundo as quais o recurso de apelação será recebido somente em seu efeito devolutivo, também serão aplicadas ao Estatuto.
Por esse motivo, se o magistrado aplicar a internação provisória, durante o procedimento, e confirmar a internação quando da prolação da sentença, eventual recurso de apelação, nesse ponto, terá só efeito devolutivo.
No entanto, em decisão proferida no dia 02 de setembro de 2014, apreciando o Habeas Corpus nº 122.072-SP, o Supremo Tribunal Federal manifestou entendimento diferente sobre a questão. De acordo com o precedente da Suprema Corte, a execução da medida socioeducativa de internação antes do trânsito em julgado da sentença é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), não sendo cabível nem mesmo sob o argumento de que pela sentença houve a confirmação da decisão cautelar que decretou a internação provisória do adolescente, pois, com a prolação da sentença, não há decisão do processo cautelar nem confirmação da antecipação dos efeitos da tutela.
No precedente de relatoria do Ministro Dias Toffoli é destacado que
A internação provisória, assim como a prisão preventiva, tem natureza cautelar, e não satisfativa, uma vez que, dado o seu caráter instrumental, visa resguardar os meios ou os fins do processo.
Sua decretação exige a demonstração, com base em elementos fáticos concretos, do periculum libertatis, vale dizer, da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do adolescente, razão pela qual, em hipótese alguma, sob pena de afronta à presunção de inocência como norma de tratamento, pode ser imposta como mera antecipação dos efeitos do futuro provimento jurisdicional.
Sob essa perspectiva, na avaliação do Supremo, semelhantemente à prisão preventiva, a internação provisória antes do trânsito em julgado da sentença, dada a sua natureza cautelar, e não satisfativa, tem por objetivo resguardar os meios ou os fins do processo, exigindo, conforme o art. 108, parágrafo único, do ECA, a demonstração da imperiosa necessidade da medida, com base em elementos fáticos concretos. Tendo ela sido revogada no curso da instrução (o que foi o caso da situação concreta examinada pelo STF), somente a superveniência de fatos novos poderá ensejar o seu restabelecimento. Além disso, a apelação deve ser recebida no seu efeito devolutivo e suspensivo, conforme os termos dos arts. 198 do ECA e 520, caput, do CPC.
O precedente do STF não afasta por completo a possibilidade da internação antes do trânsito em julgado da sentença. Contudo, enfatiza que de acordo com a interpretação sistemática do art. 108, parágrafo único, do ECA, antes do trânsito em julgado da sentença admite-se tão somente a internação de natureza cautelar, cuja necessidade imperiosa cumpre ao juiz demonstrar, podendo, nesse caso, a apelação ser recebida sem o efeito suspensivo.
Observa-se que na situação analisada pelo STF houve a revogação da internação provisória (cautelar) no curso da instrução processual e, ainda assim, foi determinada a execução imediata da sentença que aplicou a medida socioeducativa de internação, independentemente da interposição de recurso. A ilegalidade residiu, portanto, na retomada da internação (que deve ser interpretada como provisória, pois ocorreu antes do trânsito em julgado da sentença), sem que fosse demonstrada por meio de elementos concretos e em decisão fundamentada da autoridade judiciária a sua imprescindibilidade, o que constitui ofensa ao art. 93, inc. IX, da Constituição Federal e ao art. 106 do ECA.
Em termos práticos, o que se extrai do precedente apresentado pelo STF é que se o adolescente estiver internado provisoriamente (internação cautelar), desde que não tenha sido extrapolado o prazo máximo da internação provisória previsto no art. 108, caput, do ECA, poderá eventualmente o recurso contra a sentença que aplicou a medida socioeducativa privativa de liberdade ser recebido somente no efeito devolutivo, devendo, todavia, ser concretamente demonstrada na decisão judicial que receber o recurso de apelação que se mantém imprescindível a custódia provisória.
7.7. Recurso contra a sentença e situação dos processos de conhecimento e de execução provisória de medida, quando o cumprimento da medida ocorre em programa ou unidade fiscalizada por outro juízo
Observadas as orientações contidas no precedente do STF, indicadas no subitem anterior, assim como o que dispuser o ato normativo do respectivo tribunal de justiça, caso o recurso de apelação tenha sido recebido unicamente no efeito devolutivo, extrai-se do CNACL a guia de execução provisória de medida socioeducativa (art. 2º, incs. II e III, da Resolução 165/2012-CNJ, com alterações trazidas pela Res. 191/2014-CNJ) e faz-se o seu envio ao juízo da execução, juntamente com os documentos que a acompanham. Concomitantemente, é feito o envio da guia e dos documentos que a acompanham ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, solicitando-se a disponibilização de vaga em unidade de cumprimento de medida para o adolescente.
Os autos do processo de conhecimento são remetidos ao tribunal de justiça ao qual o juízo do conhecimento é vinculado, para reapreciação da sentença, em grau de recurso.
A autuação do procedimento de execução (provisória) ocorrerá no juízo da execução, à vista da guia de execução provisória e dos documentos que a instruem, enviados pelo juízo do processo de conhecimento. Informada a existência de vaga e a unidade ou o programa de cumprimento da medida, faz-se a apresentação do adolescente ao local indicado pelo órgão gestor do atendimento socioeducativo.
Mantida em sede recursal a sentença que aplicou a medida socioeducativa, o juízo do processo de conhecimento comunicará o fato ao juízo da execução e remeterá cópia do acórdão e outros eventuais documentos que não tenham acompanhado a guia de execução provisória, após o que os autos do processo de conhecimento serão arquivados.
Com a comunicação do trânsito em julgado da sentença, feita pelo juízo do conhecimento ao juízo da execução, a guia de execução provisória será convertida em definitiva, devendo o juízo da execução atualizá-la no CNACL (art. 10, § 1º, da Res.165/2012-CNJ, alterado pela Res. 191/2014-CNJ). Além disso, o juízo da execução informará ao órgão gestor da medida socioeducativa aplicada sobre o trânsito em julgado da sentença (art. 10, § 2º, da Res. 165/2012-CNJ).
Caso a sentença seja reformada, estando o adolescente internado, o tribunal de justiça ou o órgão superior que apreciou o recurso determinará a expedição de alvará liberatório, retornando os autos do processo de conhecimento ao juízo de origem.
Quanto ao processo de execução provisória instaurado perante o juízo da execução, será arquivado, após o recebimento da comunicação sobre o resultado do julgamento do recurso que reformou a sentença proferida pelo juízo singular do conhecimento.