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Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012

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30/05/2016 às 13:04
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5. SUBSTITUIÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

As medidas socioeducativas podem ser substituídas a qualquer tempo (art. 99 c/c art. 113 do ECA). Podem também ter suspenso o curso do seu cumprimento (art. 43 da Lei do SINASE).

A substituição de medida socioeducativa decorre da necessidade de sua adequação às reais condições pessoais e/ou déficits sociopedagógicos a suprir em relação ao adolescente, quando isto não pode ser alcançado no seio da medida que vinha sendo implementada.

Tratando-se de medidas socioeducativas em meio aberto ou em regime de privação de liberdade, a reavaliação para fins de manutenção, substituição ou suspensão da medida pode ser solicitada a qualquer tempo, pela direção do programa de atendimento, pelo defensor do adolescente, pelo Ministério Público, pelo próprio adolescente ou por seus pais ou responsável (art. 43, caput, da Lei do SINASE).

5.1 Causas de substituição e de suspensão de medida socioeducativa

A reavaliação, com a possibilidade de substituição ou suspensão da medida socioeducativa em meio aberto ou da medida restritiva de liberdade, pode ocorrer por diversos razões.

A Lei do SINASE arrola no art. 43, § 1º, incs. I a III, os seguintes motivos (meramente exemplificativos), que podem justificar o pedido de reavaliação da medida socioeducativa:

I - o desempenho adequado do adolescente com base no seu plano de atendimento individual, antes do prazo da reavaliação obrigatória;

II - a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado descumprimento das atividades do plano individual; e

III - a necessidade de modificação das atividades do plano individual que importem em maior restrição da liberdade do adolescente.

Já no momento da manifestação sobre a proposta de plano individual de atendimento – PIA (instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente imerso em medida socioeducativa – art. 52 da Lei do SINASE), encaminhada ao juízo responsável pela execução da medida pela direção do programa de atendimento, há a possibilidade de impugnação do plano.

A impugnação é um requerimento que pode ser apresentado ao juiz pelo Ministério Público ou pelo defensor do adolescente, e que, em regra, não suspende a execução do PIA, podendo ser indeferido de plano, mas que pode vir a interferir na medida socioeducativa, caso seja acolhido.

Conforme a extensão do que foi objeto de impugnação do PIA, o deferimento do pedido de impugnação pela autoridade judiciária pode, eventualmente, ensejar a adequação do plano individual de atendimento, com a possibilidade de substituição da medida (visto que a substituição pode ocorrer a qualquer tempo), ouvidos os técnicos da entidade de atendimento e, desde que não se possa adotar outra providência, como a complementação ou, de outro modo, a adequação do plano (art. 41, § 4º, da Lei do SINASE).

A definição virá após a audiência com a direção do programa de atendimento, o Ministério Público, o defensor, o adolescente e seus pais ou responsável (art. 41, § 3º, da Lei do SINASE).

Outra possibilidade de substituição da medida socioeducativa é aquela decorrente do direito do adolescente sentenciado à medida privativa de liberdade de ser inserido em programa para medida em meio aberto, quando não existir vaga em entidade própria para o cumprimento da medida de privação de liberdade (art. 49, inc. II, da Lei do SINASE).

Adiante são apresentados alguns exemplos de situações hipotéticas que, eventualmente, podem ensejar a substituição ou a suspensão da medida socioeducativa:

a) o plano individual de atendimento revela que na prática a medida aplicada é inadequada para a situação específica do adolescente;

b) o adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto é inserido em tratamento que impossibilita o cumprimento da medida aplicada, mas permite (ou não) o cumprimento de outra medida em meio aberto;

c) em decorrência de gravidez e do nascimento de filho, com complicações no parto e necessidade de repouso e apoio da família, a adolescente não reúne as condições pessoais necessárias para o cumprimento da medida em meio aberto aplicada, podendo (ou não) ser inserida em outra medida de meio aberto ou em medida protetiva;

d) existência de grave ameaça ou de hostilidades entre o adolescente e outros socioeducandos no local de cumprimento da medida socioeducativa de internação, com sério risco para a integridade física do socioeducando, havendo recomendação da equipe técnica interdisciplinar do programa de atendimento para que a medida seja substituída para semiliberdade;

e) adolescente é acometido de enfermidade ou outro tipo de debilidade que o impossibilita de cumprir a medida aplicada, permitindo (ou não) que ele cumpra outra medida.

Vale lembrar que quando se tratar de doença grave, que torne o adolescente incapaz de cumprir a medida, não será o caso de suspensão ou de substituição, mas de extinção da medida socioeducativa, na forma do art. 46, inc. IV, da Lei do SINASE.

Como foi propositalmente exposto nos casos hipotéticos apresentados, para algumas das situações exemplificadas pode ser conveniente a suspensão do cumprimento da medida, por um prazo determinado, enquanto se aguarda que o adolescente readquira as condições necessárias para retornar ao seu cumprimento.

A suspensão do cumprimento da medida socioeducativa pode resultar também de outras causas, como a suspensão processual, por até seis meses (com possibilidade de renovação de prazo), em decorrência da expedição de mandado de busca e apreensão do adolescente, na forma do art. 47 da Lei do SINASE, ou a suspensão devido à necessidade de incluir o adolescente em programa de atenção integral à saúde mental que melhor atenda aos objetivos terapêuticos estabelecidos para o seu caso específico, nos termos do art. 64, § 4º, da Lei do SINASE.

Quanto à substituição de medida socioeducativa, é possível que ela advenha também da progressão de uma medida considerada mais grave para uma menos grave, a exemplo da progressão da medida de internação para a medida de liberdade assistida, ou da regressão para uma medida mais grave, em razão do descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta, na forma do art. 122, inc. III, do ECA. Na última hipótese citada, a substituição pode ser temporária, conforme o prazo estabelecido para a internação-sanção.

Sobre esse tipo de substituição (por medida de internação por prazo determinado) é importante frisar que deve ser sempre avaliada, a partir de uma abordagem técnica com o adolescente e sua família, a possibilidade da substituição da medida que não foi cumprida, por outra, menos gravosa do que a internação, que se mostre adequada à condição do socioeducando (arts. 99, 100, caput e parágrafo único, c/c 113, do ECA). Somente em hipóteses excepcionais a regressão deve ser feita para a medida de internação, observado o devido processo legal, devendo estar fundamentada em parecer técnico e ser precedida de audiência, com a oitiva do adolescente (art. 43, § 4º, da Lei do SINASE). Além disso, o prazo máximo de três meses para o cumprimento da denominada internação-sanção, previsto no art. 122, § 1º, do ECA, por ser o limite legal estabelecido para o cumprimento dessa modalidade de internação, indica que diante do caso concreto deverá sempre ser avaliado se o adolescente poderá ser internado por prazo menor, até mesmo para que ele reflita melhor sobre a importância e a necessidade do cumprimento da medida socioeducativa originalmente aplicada.

Por fim, caso a internação-sanção seja realmente adotada, é importante que o seu cumprimento observe uma intervenção pedagógica diferenciada em relação àquela prevista para as internações por prazo indeterminado, aplicadas com base no art. 122, incs. I e II do ECA, cujo público alvo é igualmente diferente.

Esse tratamento de modo diverso abrange, por exemplo, o local do cumprimento da medida, que deve ocorrer preferencialmente em entidade ou ala distinta da dos socioeducandos que cumprem internação por força de sentença de mérito e que não se encontram internados pelo prazo máximo de três meses.

Para que se esclareça melhor a questão enfocada, basta que se faça a seguinte reflexão: se a internação não foi a medida aplicada originalmente ao adolescente, após a criteriosa avaliação que deve anteceder a aplicação de qualquer medida socioeducativa, em princípio, ele não seria encaminhado para o cumprimento dessa medida, tendo a ela sido vinculado por circunstancias especiais e para fins outros, diversos daqueles justificadores da vinculação à medida de internação por prazo indeterminado.

5.2 Substituição de medida socioeducativa em meio aberto ou em regime de semiliberdade por medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado

Quanto à substituição de medida socioeducativa em meio aberto ou em regime de semiliberdade por medida de socioeducativa de internação por prazo indeterminado, apesar da previsão contida no art. 43, caput e parágrafos, da Lei do SINASE, diante da complexidade da questão, deve-se atentar para o que vem sendo firmado em precedentes do STJ sobre o tema.

De acordo com a Lei do SINASE:

Art. 43. A reavaliação da manutenção, da substituição ou da suspensão das medidas de meio aberto ou de privação da liberdade e do respectivo plano individual pode ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa de atendimento, do defensor, do Ministério Público, do adolescente, de seus pais ou responsável.

§ 1º Justifica o pedido de reavaliação, entre outros motivos:

I - o desempenho adequado do adolescente com base no seu plano de atendimento individual, antes do prazo da reavaliação obrigatória;

II - a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado descumprimento das atividades do plano individual; e

III - a necessidade de modificação das atividades do plano individual que importem em maior restrição da liberdade do adolescente.

§ 2º A autoridade judiciária poderá indeferir o pedido, de pronto, se entender insuficiente a motivação.

§ 3º Admitido o processamento do pedido, a autoridade judiciária, se necessário, designará audiência, observando o princípio do § 1º do art. 42 desta Lei.

§ 4º A substituição por medida mais gravosa somente ocorrerá em situações excepcionais, após o devido processo legal, inclusive na hipótese do inciso III do art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e deve ser:

I - fundamentada em parecer técnico;

II - precedida de prévia audiência, e nos termos do § 1º do art. 42 desta Lei (grifo nosso).

Antes da vigência da Lei do SINASE a regra era a não admissão da substituição de medida socioeducativa em meio aberto pela medida de internação por prazo indeterminado, por ausência de previsão legal. Admitia-se até então somente a substituição pela internação-sanção.

Observa-se pela leitura do texto legal que a Lei do SINASE passou a admitir a substituição da medida socioeducativa por medida mais gravosa, inserindo-se aí a internação. Percebe-se também que há menção específica no par. 4º do art. 43 à internação-sanção, prevista no art. 122, inc. III, do ECA, cujo prazo não pode ser superior a três meses, o que permite concluir que a substituição a que faz alusão a Lei do SINASE pode envolver medidas socioeducativas em meio aberto e de semiliberdade, e que a substituição de uma dessas medidas pode ser pela medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado.

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No entanto, por se tratar de questão que envolve a privação da liberdade do adolescente, é necessário que se analise o ordenamento jurídico conjuntamente com o posicionamento da jurisprudência, notadamente o que tem sido sustentado pelo STJ a respeito do tema.

Feitas essas ponderações e avaliações, o que se pode afirmar sobre a questão posta a exame é que para a substituição de medida socioeducativa de meio aberto ou de restrição parcial da liberdade pela medida de internação por prazo indeterminado, a decisão da autoridade judiciária deverá fundamentar-se tanto no parecer da equipe técnica do programa de atendimento, quanto na necessidade de intervenção pedagógica mais intensa, demonstrada a inadaptação do adolescente ao programa em execução, ou a ineficiência da medida aplicada, oportunizando-se ao adolescente a ampla defesa e o contraditório. Além disso, o ato infracional cometido pelo adolescente (que ensejou a aplicação da medida socioeducativa que se pretende substituir), deve ter sido praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Outro fator que precisa ser observado, conforme a justificativa determinante para a internação por prazo indeterminado, é a ocorrência de atos infracionais considerados graves, praticados de forma reiterada pelo adolescente, conforme as prescrições do art. 122, incs. I e II do ECA.

Sob esse prisma, tratando-se, por exemplo, de adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, ou ambas, cumulativamente, por ter praticado ato infracional não considerado grave, nem impregnado de violência ou grave ameaça à pessoa, não será cabível a substituição das medidas citadas pela medida socioeducativa de internação, ainda que se verifiquem déficits pedagógicos maiores, apresentados pelo adolescente.

Caso o ato infracional que ensejou a aplicação da medida socioeducativa em meio aberto não tenha sido praticado com grave ameaça ou violência à pessoa, não será possível sequer a substituição para a internação-sanção, ante o que prescreve o art. 122, inc. I, do ECA.

5.3 Extinção de medidas socioeducativas

As causas legais de extinção da medida socioeducativa estão enumeradas no art. 46, incs. I a V, da Lei do SINASE. São elas:

I - a morte do adolescente;

II - a realização da finalidade da medida;

III - a aplicação de pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução provisória ou definitiva;

IV - a condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida; e

V - outras hipóteses previstas em lei.

Quanto a outras causas de extinção da medida socioeducativa, previstas no ECA ou fora dele, podem ser citadas:

a) a prescrição, aplicando-se, com algumas adaptações, o disposto nos arts. 107, inc. IV, primeira figura, c/c arts. 109 e 115 do Código Penal, alinhados com o entendimento sumulado pelo STJ (Súmula 338);

b) o fato de o socioeducando completar 21 anos, idade a partir da qual é obrigatória a sua liberação de qualquer medida socioeducativa (art. 121, § 5º, do ECA);

c) a perda da necessidade e da finalidade pedagógica da medida socioeducativa ou perda da objetividade socioeducativa (art. 6º c/c arts. 100 e 113 do ECA);

d) a unificação das medidas socioeducativas e dos procedimentos de execução. Considera-se aqui a vedação legal do cumprimento (reinício) de nova medida socioeducativa aplicada ou mesmo a impossibilidade de cumprimento simultâneo de medidas, quando elas forem inconciliáveis, por envolverem estratégia pedagógica diferenciada, o que importará em unificação com a medida já iniciada e extinção da medida mais nova ou da menos grave, conforme o caso (art. 45, caput e § 1º, primeira parte, da Lei do SINASE);

Sobre os temas referidos nas alíneas “c” e “d”, remetemos o leitor para os assuntos abordados nos subitens 3.2, 4.1 e seguintes.

No caso de o maior de 18 (dezoito) anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responder a processo-crime, caberá à autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente (art. 46, § 1º, da Lei do SINASE).

Observa-se que a extinção da medida socioeducativa em relação ao jovem maior de 18 anos que responde a processo-crime não é obrigatória. Depende, portanto, da análise de fatores como a manutenção da necessidade pedagógica da medida socioeducativa; o provável resultado quanto ao julgamento do processo criminal; a natureza da medida socioeducativa em execução, a gravidade do ato infracional praticado etc.

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Sobre o autor
Rosinei da Silva Facundes

Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas, Analista Judiciário e Assessor de Juiz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACUNDES, Rosinei Silva. Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4716, 30 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34903. Acesso em: 23 abr. 2024.

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