1. introdução
O meio ambiente, como bem jurídico, recebe a mais alta distinção no ordenamento jurídico brasileiro, ao ser tutelado pela Constituição Federal com um capítulo especialmente destinado à sua proteção. O Art. 225, caput, CF, estabelece que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo este considerado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, razão pela qual impõe-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Ao receber o status de norma constitucional, o meio ambiente passou a ser tratado com um bem jurídico difuso; sua preservação e proteção, portanto, se trata de um direito que não pode ser atribuído a um grupo específico de pessoas, mas sim à toda coletividade. É, portanto, um direito transindividual, cujos titulares são pessoas indeterminadas, uma vez que condutas lesivas ao meio ambiente não afetam somente um número determinado de indivíduos, mas toda a sociedade em um plano geral.
Apesar da louvável constitucionalização da matéria, sua efetiva proteção depende de atualizações legislativas, em virtude de diversos fatores relacionados aos impactos causados pelo homem no meio ambiente, tais como o crescimento populacional, o avanço da tecnologia e da indústria, modelos de produção e consumo não sustentáveis, etc.
Dentre tais situações fáticas que merecem especial atenção do legislador para a efetiva preservação e proteção do meio ambiente, merece destaque a problemática dos resíduos sólidos; diz respeito ao descarte do lixo, sua exposição e tratamento e, consequentemente, aos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos.
Dessa forma, para suprir a necessidade de uma regulamentação adequada na área de resíduos sólidos, após quase 20 (vinte) anos de discussão no Congresso Nacional, foi sancionada em 2 de agosto de 2010 a Lei Nº12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
A PNRS foi um marco nas políticas ambientais do país, ao reunir diretrizes, metas e ações a serem adotadas pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Em consonância com a tutela constitucional conferida ao meio ambiente, que impôs ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, o Art. 1º, §1º da lei supracitada estabelece que estão sujeitos à sua observância, as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao seu gerenciamento.
Nessa esteira, merecem destaque os incisos VI e VII de seu Art. 6º, ao estabelecer, dentre os princípios da PNRS, respectivamente (i) a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; e (ii) a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
Desse modo, a nova política ambiental trouxe significativas mudanças para o setor empresarial, exigindo a adequação do segmento industrial, comércio de produtos e prestação de serviços às arrojadas metas estabelecidas pela PNRS, como será demonstrado adiante, paralelamente ao tema da responsabilidade ambiental das pessoas jurídicas e de seus sócios e administradores, que merece especial atenção.
2. A PNRS E O SETOR EMPRESARIAL
2.1. pRincípios e objetivos
Conforme mencionado, o setor empresarial deve estar atento à legislação ambiental e posteriores alterações, uma vez que a este foi atribuído o dever de cooperar com as diferentes esferas do poder público e demais segmentos da sociedade para garantir o seu pleno cumprimento, conforme estabelece o Art. 6º, inciso VI, da PNRS.
Tal princípio justifica-se pela visão sistêmica defendida pela lei na gestão dos resíduos sólidos, que considera as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública. Em que pese o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estar previsto pela Constituição Federal, sua proteção e efetivo respeito a esse direito exige que se leve em consideração outros fatores relevantes da vida em sociedade. Dentre eles, fazemos menção à economia; a preservação do meio ambiente deve ser feita em compatibilidade com o desenvolvimento econômico, sem que se sacrifique um em favor do outro.
Da mesma forma que se busca evitar o avanço desenfreado e irresponsável dos níveis de produção e consumo na sociedade moderna, a imposição por parte do Poder Público de políticas ambientais extremamente severas é igualmente indesejável. De fato, a tendência de qualquer legislação ambiental é, de certa forma, regrar a atuação dos particulares em vista da saúde pública e qualidade de vida, tratando das mais diversas questões, tais como emissão de poluentes, desmatamento, preservação dos recursos hídricos, contaminação do solo, pesca predatória, tratamento do lixo, etc.
Em busca da desejada harmonia entre crescimento econômico e proteção ao meio ambiente, a PNRS foi enfática ao determinar que a problemática dos resíduos sólidos será enfrentada por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, de maneira conjunta.
Assim, institui-se como um de seus objetivos a articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos, segundo o Art. 7º, inciso VIII.
A gestão integrada de resíduos sólidos, por sua vez, corresponde a todas as ações voltadas à busca de soluções para essa problemática, tais como a redução da produção e eliminação dos resíduos, a coleta seletiva, a reciclagem ou reaproveitamento sustentável daquilo que foi gerado no processo produtivo, entre outros. Para tanto, também foi instituído como um dos objetivos da PNRS o incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético, de acordo com o Art. 7º, inciso XIV.
Nessa sentido, o Art. 8º, inciso VI, reitera a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de gestão, reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, ao estabelece-la como um dos instrumentos da PNRS.
Dentre todas as inovações trazidas pela PNRS, a maior delas, sem dúvidas, foi a previsão da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (Art. 6º, inciso VII), assim como os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à sua aplicação (Art. 8º, inciso III), como será visto a seguir.
Outra inovação da PNRS foi tornar obrigatória a elaboração de plano de gerenciamento de resíduos sólidos por parte de determinados empreendimentos, de acordo com o tipo de resíduos sólidos gerados por eles, sua periculosidade, composição ou volume, e outros critérios definidos pela Lei. Sua importância verifica-se no Art. 24, ao tratá-lo como parte integrante do processo de licenciamento ambiental do empreendimento ou atividade pelo órgão competente do Sisnama.
Importante notar que o Decreto Nº7.404/2010, que regulamenta a PNRS, estabeleceu em seu Art. 60 que as microempresas e empresas de pequeno porte, assim consideradas as referidas nos incisos I e II do Art. 3º da Lei Complementar nº123, de 14 de dezembro de 2006[1], estão dispensadas de apresentar o plano de gerenciamento de resíduos sólidos – exceto aquelas geradoras de resíduos perigosos, conforme o Art. 63 do referido Decreto.
Ainda no que concerne ao setor empresarial, também merece destaque a concessão de incentivos fiscais, financeiros e creditícios como instrumentos da PNRS (Art. 8º, inciso IX), pela qual se nota como a Lei optou por premiar os entes privados que contribuírem para o avanço necessário ao País no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos, tema que será abordado mais adiante.
2.2. a responsabilidade compartilhada e a logística reversa
O Art. 3º, inciso XVII, define a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos da PNRS.
Ao instituí-la, tanto o setor empresarial quanto o Poder Público e a coletividade passam a ser responsáveis pelos resíduos gerados, haja vista se tratarem de partes envolvidas em diferentes fases ao longo ciclo produtivo.
A instituição da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto tem por objetivo: compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias produtivas; incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; e incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental.
Ademais, a responsabilidade compartilhada compreende outros encargos para o setor empresarial. Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes passam também a ser responsáveis pelo investimento no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos reutilizáveis ou recicláveis, ou que sejam aptos a outra forma de destinação final ambientalmente adequada. Da mesma forma, passa-se a exigir destes a divulgação de informações relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos, com vistas à educação ambiental de seus consumidores.
Aquele que de alguma forma coloca o produto no mercado – fabricando, importando, distribuindo, comerciando – torna-se responsável por sua correta destinação, após o descarte pelo consumidor, obedecendo-se ao sistema de logística reversa previsto pelo PNRS. A logística reversa, por sua vez, é definida pelo Art. 3º, inciso XII, como instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.
Trata-se de um modo de garantir que os resíduos gerados realizem o caminho de volta, retornando ao final da cadeia aos cuidados do fabricante, que por sua vez é encarregado de dar a destinação final ambientalmente adequada aos produtos e embalagens devolvidos.
A depender do setor envolvido, a logística reversa apresentará custos diferentes, sendo em alguns casos exigida a criação de uma rede de coleta, com atendimento, transporte, armazenamento e desmonte. Determinadas cadeias de produtos foram inclusive obrigatoriamente sujeitas à logística reversa, como é o caso de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, e produtos eletroeletrônicos e seus componentes, conforme determina o Art. 33 da PNRS.
A partir de então, a aquisição do produto pelo consumidor não põe fim à responsabilidade do setor empresarial em matéria ambiental; o fabricante – ou importador, distribuidor, ou comerciante, se for o caso – passa a poder ser responsabilizado pelo descarte inadequado efetuado pelo consumidor. Tal inovação legal certamente trará grandes implicações ao setor privado, como em recente decisão do STJ, pela qual a Corte determinou que uma fabricante de refrigerantes deveria recolher embalagens de seus próprios produtos deixadas em ruas, córregos ou outros lugares impróprios[2].
Tal posicionamento certamente servirá de base para futuras decisões sobre a matéria, inclusive em demandas envolvendo empresas maiores e com participação mais relevante no mercado. Resta ao setor empresarial, notadamente aos fabricantes e distribuidores, impor desde já a coleta e reaproveitamento de seus produtos descartados pelos consumidores, a fim de evitar futuras condenações judiciais e multas pelo descumprimento de sanções impostas.
Por conseguinte, percebe-se como o advento da responsabilidade compartilhada e sistemas de logística reversa afetará o setor empresarial, por conta da ampliação de sua responsabilidade em matéria ambiental, observadas as peculiaridades da responsabilidade ambiental das pessoas jurídicas, a eventual responsabilização de seus sócios e administradores, assim como a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, como se verá a seguir.
3. A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL
3.1. A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURIDICA EM MATÉRIA AMBIENTAL
A PNRS, em seu Art. 51, estabelece a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, no âmbito civil, em reparar os danos causados pela inobservância da legislação ambiental independentemente da existência de culpa. Assim, segue-se a regra geral do sujeito infrator reparar o dano que causou a outrem – no caso, toda a coletividade, conforme previsão constitucional anteriormente analisada.
Na mesma linha, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, (Lei Nº6.938/1981), em seu Art. 14, §1º, determina que o poluidor é obrigado, independentemente da existência da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Assim, em caso de descumprimento de legislação ambiental, por ação ou omissão, de pessoa física ou jurídica, possui o infrator o dever de reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, sem a necessidade de demonstração de culpa. Assim, tal regra merece atenção do setor empresarial, uma vez que a empresa será responsabilizada pela infração ambiental cometida em suas atribuições, independentemente da vontade do agente que a cometeu – seja um funcionário, diretor, representante, etc. Em outras palavras, a pessoa jurídica assume todo o risco decorrente de sua atividade, o que a estimula a adotar condutas que evitem danos ao meio ambiente e confere segurança jurídica em matéria ambiental.
No que diz respeito a responsabilidade ambiental penal, o Art. 225, §3º, CF estabelece claramente que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais, independentemente da obrigação de recuperar os danos causados.
Nota-se mais uma vez a natureza jurídica diferenciada atribuída ao meio ambiente, conferindo-lhe uma tutela criminal capaz de responsabilizar a pessoa jurídica infratora juntamente com as pessoas físicas autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, o que não se verifica em outros campos do Direito.
Para o Direito Ambiental, a responsabilidade penal aplica-se às pessoas jurídicas, apesar destas serem uma ficção jurídica; embora a empresa não seja um ente natural, uma vez que sua existência depende da reunião e atuação de seres humanos, a atribuição da capacidade penal à pessoa jurídica vai ao encontro da importância da conservação e proteção do meio ambiente como interesse difuso, essencial para a qualidade de vida de toda a coletividade.
Nesse sentido, a Lei de Crimes Ambientais (Lei Nº 9.605/1998) veio por estabelecer, em seu Art. 3º, caput, que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Trata-se, sem dúvidas, de importante medida, uma vez que estas são as responsáveis pela maior parte da degradação do meio ambiente.
Deste modo, a empresa que cometer infração à legislação ambiental estará sujeita, isolada ou cumulativamente, à penas de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade, como dispõe do Art. 21 da referida Lei. Assim, a empresa infratora não estará sujeita a pena de multa pecuniária, mas também a outras graves consequências para sua existência e preservação de sua atividade, como se verifica pelas possíveis penas restritivas de direitos da pessoa jurídica elencadas no Art. 22: a suspensão parcial ou total de suas atividades; a interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade; e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
3.2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA POR INFRAÇÃO AMBIENTAL
Inicialmente, faz-se necessário tecer breves comentários a respeito do conceito de pessoa jurídica e as implicações de sua personalidade jurídica própria, tema de bastante relevância para o estudo do Direito Societário.
Como mencionado no item anterior, concepção de pessoa jurídica é na verdade um artifício jurídico, com personalidade distinta da personalidade de seus membros; trata-se, mais precisamente, de entidade à qual a lei empresta personalidade para atuar no mundo jurídico, sem, entretanto, efetivamente existir no mundo dos fatos como os seus membros.
Tendo-se em mente que o papel do Direito é a proteção dos interesses humanos, a lei atribui às pessoas jurídicas personalidade jurídica própria, isto é, capacidade para ser titular de direitos – direitos estes patrimoniais, por conta de sua condição de pessoa fictícia. Possuir personalidade jurídica própria, distinta da de seus sócios, implica em autonomia patrimonial para a pessoa jurídica, o que reflete a ideia da separação dos patrimônios dos sócios do das sociedades.
Evidentemente, o princípio da autonomia patrimonial é o alicerce do Direito Societário, e de extrema importância para o setor empresarial. A empresa, portanto, possui patrimônio próprio, completamente separado do patrimônio do patrimônio individual de cada um de seus sócios. Nessa esteira, a empresa responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir, assim como por eventual sanção de natureza pecuniária. Assim estabelece o Art. 591 do Código de Processo Civil, que determina que “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Desta forma, verifica-se que o referido princípio apresenta nítida proteção aos sócios da sociedade empresária, de forma que limita as perdas em caso de eventual fracasso do investimento realizado. Ademais, trata-se de um princípio de extrema relevância para a exploração da atividade econômica como um todo, da produção e circulação de bens e serviços, por apresentar uma garantia aos investidores e empreendedores.
Tal regra ainda encontra previsão no Código de Processo Civil, ao estabelecer em seu Art. 596, caput: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade”. Pois bem.
A Lei de Crimes Ambientais, em seu Art. 4º, trouxe previsão em sentido contrário, claramente admitindo a desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Tem-se, portanto, mais um ponto que merece a atenção do setor empresarial: o diretor, o administrador, o representante legal, e até mesmos os sócios, independentemente da parcela da participação societária que detenham, responderão com o seu patrimônio pessoal por infração ambiental cometida pela empresa quando houver abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
Nesse sentido:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – Dano ao meio ambiente: “uma vez praticados atos que danificaram o meio ambiente por pessoa jurídica e na impossibilidade de obter recursos para satisfação de sua condenação, nada mais justo que se aplique a desconsideração da pessoa jurídica, arcando seus sócios também com o prejuízo” – Recurso não provido”. (TJSP – AI 139.758-5 – Taubaté – 6ª CDPúb. – Rel. Des. Vallim Bellocchi – J. 13.03.2000 – v.u.).
“AÇÃO AMBIENTAL. Execução. Desconsideração da personalidade jurídica e inclusão dos sócios. Possibilidade. O juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica e voltar a execução contra os sócios quando demonstrado o descumprimento intencional da condenação ambiental, somado ao esvaziamento da pessoa jurídica, a implicar em uso da pessoa jurídica para fim ilícito. A personalidade jurídica pode ser desconsiderada sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, nos termos do art. 4º da LF nº 9.605/98. Inclusão dos sócios bem determinada. Agravo desprovido”.
(TJ-SP - AI: 20130657720138260000 SP 2013065-77.2013.8.26.0000, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 26/09/2013, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 01/10/2013)
Tal medida encontra pertinência com os princípios gerais da atividade econômica definidos pela Constituição Federal, em particular o Art. 170, inciso IV, CF, que trata sobre a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
Cumpre reiterar que para o Direito Ambiental, a desconsideração da personalidade jurídica independe da comprovação de culpa, em razão da regra da responsabilidade objetiva estabelecida pela PNRS e pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme tratado no item anterior.