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Danos morais na responsabilidade civil do Estado:

a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ

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2 A REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS MORAIS 

2.1 Conceito de Dano Moral

Segundo os dizeres de Carlos Alberto Bittar (1999, p. 43), os danos morais podem ser conceituados como:

 aqueles suportados na esfera dos valores da moralidade pessoal ou social, e, como tais, reparáveis, em sua integralidade, no âmbito jurídico. Perceptíveis pelo senso comum - porque ligados à natureza humana – podem ser identificados, em concreto, pelo juiz, à luz das circunstâncias fáticas e das peculiaridades da hipótese sub litem, respeitado o critério básico da repercussão do dano na esfera do lesado.  

Dessa forma, prevalece o entendimento de que a característica primordial do  mencionado instituto se manifesta na ocorrência de uma lesão a uma determinada categoria de direitos fundamentais, quais sejam, os direitos da personalidade (ADRADE, 2003, p. 9). O dano moral teria o condão de atentar contra valores primordiais na vida humana, a exemplo da tranquilidade de espírito, da liberdade individual, da integridade física, da honra e da reputação (CAHALI, 2005, p. 22). Adotam a referida concepção, doutrinadores como Sergio Cavalieri Filho, Yussef Said Cahali e André Gustavo Corrêa de Andrade (STOCO, 2011, p. 1873).

No entanto, é mister salientar que parte considerável da doutrina procura definir o dano moral de maneira excludente ou negativa, em contraposição ao dano de natureza econômica ou patrimonial (ANDRADE, 2003, p. 2). Neste sentido, Maria Helena Diniz (2012, p. 107) aduz que:

O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art. 52; Súmula 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofre no objeto de seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse; por isso, quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é pressuposto desse direito, ou ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão sobre o lesado, pois somente desse modo se poderia falar em dano moral, oriundo de uma ofensa a um bem material, ou em dano patrimonial indireto, que decorre de evento que lesa direito da personalidade ou extrapatrimonial, como p. ex., direito à vida, à saúde, provocando também um prejuízo patrimonial, como incapacidade para o trabalho, despesas com tratamento.

Compartilham desse mesmo entendimento, definindo dano moral como aquele que se encontra em oposição aos danos de ordem patrimonial, juristas como Pontes de Miranda, Aguiar Dias, Wilson Mello da Silva, dentre outros (ANDRADE, 2003, p. 2).

Também existe o conceito de dano moral, o qual possui como alicerce a referência à dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa (ANDRADE, 2003, p. 3). Seguindo o pensamento desta corrente, o dano moral seria uma espécie de lesão aos sentimentos, capaz de determinar dor ou sofrimentos físicos, inquietação espiritual ou ofensa às afeições legítimas, bem como qualquer tipo de injúria insuscetível de apreciação econômica (STOCO, 2011, p. 1873). Dentre os que adotam essa forma de conceituar o instituto do dano moral, se destacam Jorge Bustamante Alsina, Eduardo Zannoni e Antônio Jeová Santos (ANDRADE, 2003, p. 4).

Ultrapassada a conceituação do dano moral, é relevante tecer algumas considerações acerca da distinção entre o dano moral direto e indireto. O dano moral direto é aquele que representa uma lesão a um interesse que objetiva a satisfação ou usufruto de um bem jurídico extrapatrimonial relacionado aos direitos da personalidade, a exemplo da vida, da integridade corporal e psíquica, da liberdade, e da própria imagem. Também poderá ser resultado de uma ofensa aos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família) ou de uma lesão à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental insculpido no art. 1º, III, da Lex Mater (DINIZ, 2011, p. 110).

Com relação ao dano moral indireto, trata-se de uma lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico patrimonial que, além disso, constitui também uma ofensa a um bem de natureza não patrimonial (STOCO, 2011, p. 1874).

2.2 Evolução Histórica

A codificação mais antiga a conter disposições relacionadas à reparação dos danos morais é o Código de Ur-Nanmu, o qual foi adotado pelos povos sumerianos, e antecedeu, em aproximadamente trezentos anos, o Código de Hamurabi. Embora o Código de Ur-Nanmu trouxesse dispositivos que previam a utilização do direito de vingança, como era usual aos povos da antiguidade, já era admitida a substituição do direito de vindita pela reparação compensatória, através do pagamento de multa pecuniária. Tal peculiaridade pode ser evidenciada pelo seguinte trecho da referida codificação: “se um homem a outro homem, com uma arma, os ossos tiver quebrado: uma mina de prata deverá pagar” (SILVA, 2002, p. 66).

O Código de Hamurabi foi um sistema de leis, surgido na região da Mesopotâmia, por intermédio do rei Hamurabi, da Babilônia. Possuía como alicerce primordial a ideia de que “o forte não prejudicará o fraco”, proporcionando ao ofendido uma reparação equivalente. O referido princípio é explicitado pela famosa fórmula da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 99). 

Não obstante a Lei de Talião tenha constituído o cerne do referido conjunto de leis, Flávia de Almeida Viveiros de Castro (2003, p. 192) faz a seguinte ressalva, no tocante à reparação dos danos por meio de cominação de pagamento de um valor pecuniário:

Já naquela época a imposição de uma pena econômica constituía uma forma de proporcionar à vítima uma satisfação compensatória, por meio da diminuição patrimonial do agente lesionador. Além desta satisfação, a pena tinha por objetivo, também, a exclusão do direito de vindita, sentimento contrário à unidade e harmonia sociais. Nesta codificação pode ser observado o germe da teoria da compensação econômica, que se constitui em proporcionar à vítima de dano uma satisfação pecuniária, nos casos de dano extrapatrimonial, e que nasceu como exceção ao direito de vindita.

O Código de Manu foi o conjunto de leis mais antigo da Índia, e exerce influência sobre a vida social e religiosa dos seguidores do Hinduísmo até mesmo nos dias de hoje. A referida codificação possuía certa semelhança em relação ao Código de Ur-Nanmu e ao Código de Hamurabi, devido ao fato de conter a previsão de uma espécie de reparação de danos quando eram ocorridas lesões (SILVA, 2002, p. 66).

No entanto, as leis de Manu representaram um avanço quando comparadas aos dispositivos do Código de Hamurabi, pois enquanto este previa a reparação de uma ofensa por meio de outra, o Código de Manu estabelecia a reparação de um ato lesivo pelo pagamento de uma prestação pecuniária. Tal legislação também foi pioneira ao trazer a previsão legal de danos de natureza eminentemente moral, a exemplo das penalidades impostas àqueles que proclamassem não ser virgem uma jovem, aos ministros ou juízes que condenassem injustamente um inocente, ou aos “sedutores de mulheres alheias” (SILVA, 2002, p. 67).

Os preceitos legais do Código de Hamurabi exerceram notável influência nas disposições do Alcorão acerca da reparação das ofensas a bens extrapatrimoniais. No entanto, as normas que autorizavam o exercício do direito de vingança foram abrandadas. Em vários momentos, o Alcorão prevê as compensações de natureza econômica como forma de substituição do direito de vingança (SILVA, 2002, p. 71). 

Ademais, até mesmo as normas que permitiam o exercício da vingança privada, o desaconselhavam, em nome do perdão, o que implica na constatação da existência de preceitos que visavam repelir a vingança, com o incentivo do perdão e da misericórdia. Tal característica pode ser exemplificada pelo teor do verso 127 do capítulo XVI, o qual reza que: “se vos vingardes, que a vossa vingança não ultrapasse a ofensa recebida. Porém, aqueles que sofrerem com paciência farão uma ação mais meritória” (SILVA, 2002, p. 71).

Com o desenvolvimento da Grécia antiga, a reparação pecuniária pelos danos morais foi definitivamente consagrada, em substituição à violência física e pessoal como meio de satisfação do ofendido (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 103). A nova orientação se tornou célebre em decorrência da narração histórica que afirmava o fato de Demóstenes ter recebido de Midas um valor em dinheiro como forma de reparação ao dano moral decorrente de uma bofetada sofrida (CASTRO, 2003, p. 193). 

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 103) ilustram a plena aceitação do instituto do dano moral, até mesmo no plano cultural e religioso, por parte dos gregos, ao aduzirem que:

Já o próprio Homero, na Odisseia (rapsódia oitava, versos de 266 a 367), refere-se a uma assembleia de deuses pagãos, pela qual se decidia sobre reparação de dano moral, decorrente de adultério. Hefesto, o marido traído, surpreendeu, em flagrante, no seu próprio leito, a infiel Afrodite, com o formoso Ares. Tendo o ferreiro Hefesto reclamado aos deuses uma providência, estes condenaram Ares a pagar pesada multa, informação esta que, mesmo mitológica, já demonstra o hábito da compensação econômica pelos danos extrapatrimoniais.

A adoção do conceito de dano moral pelo Direito Romano desperta alguma controvérsia. Yussef Said Cahali (2005, p. 30) lembra que para alguns juristas, dentre os quais se destaca Ihering, o dano moral tem origem no Direito Romano, juntamente com a grande maioria das instituições de direito privado. O eminente doutrinador também ressalva que, no entendimento de outros autores, em especial Gabba, não existia no referido ordenamento jurídico, qualquer sinal ou germe da reparação civil por danos morais (CAHALI, 2005, p. 30).

No Direito Romano, havia uma distinção entre a lesão imediata a um atributo da personalidade (lesão à honra) e a ofensa feita por via de seu patrimônio, ou seja, lesão mediata do patrimônio. Para os romanos, o homem poderia ser lesado tanto no que é (quando sua honra ou seus direitos e faculdades inatas são atingidos), quanto no que tem (nos casos em que o direito de propriedade é atingido). Era facultado ao ofendido ingressar em juízo por meio de uma ação denominada actio de iniuriis aestimandi, na qual era pleiteado o recebimento de determinada soma em dinheiro. Os órgãos julgadores colegiados possuíam a liberdade para decidir se a demanda era justa e equitativa. O valor da reparação pelo dano sofrido era sempre uma prestação pecuniária prudentemente arbitrada pelo juízo colegiado, muito embora houvesse a necessidade de uma anterior estimativa do dano, feita pela própria vítima. Importa destacar que não era feito um questionamento a respeito da origem do dano cuja reparação era pleiteada. Era relevante apenas a constatação da sua ocorrência, para que ficasse evidenciada a necessidade de reparação (CASTRO, 2003, p. 193).

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A dúvida que existe no tocante à adoção do instituto do dano moral pelo Direito Romano não está presente no estudo do Direito Canônico. Nesse ordenamento, a tutela do direito à honra é amplamente garantida. O objetivo de determinar reparação pelas lesões de natureza patrimonial e extrapatrimonial resultou em dispositivos legais que influenciaram a legislação de diversos povos, os quais se encontravam sob a influência forte e constante da Igreja Católica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 105). 

Também não se pode olvidar do fato de que o Código da Igreja estabelecia a aplicação de penalidades tanto para religiosos quanto para leigos (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 105). Com efeito, havia a previsão de danos eminentemente morais, a exemplo das penalidades atribuídas ao eclesiástico que: vendesse um homem para a escravidão ou outro mau fim; causasse lesões ou mutilações físicas ou raptasse impúberes de um ou de outro sexo (SILVA, 2002, p.87). Outrossim, o Código Canônico estabelece a reparação dos danos provenientes da calúnia e da injúria através do uso de sanções de ordem material ou espiritual (SILVA, 2002, p. 88). Esta peculiaridade pode ser demonstrada pela redação do cânone 2355, o qual enuncia que:

Se alguém, não com atos, mas por meio de palavras ou escritos, ou de qualquer outra forma, injuria um terceiro, ou o prejudica em sua fama ou reputação, não só se obriga, nos teores dos cânones 1618 e 1938, a dar a devida satisfação e a reparar os danos, como, também, se torna passível de penas e penitências proporcionadas, inclusive se se trata de clérigo a quem, se for o caso, se deve impor a suspensão ou a privação de ofício e benefício.

A presença dos danos morais pode ser notada em alguns dispositivos oriundos do Direito hebraico. As regras atinentes à reparação dos danos morais se encontram na Bíblia Sagrada, mais precisamente no Antigo Testamento. O Deuterônimo contém os casos em que estão previstas formas de coibir ofensas de cunho moral, a exemplo do seu capítulo XXII, que trata a respeito das “leis acerca do casamento” (SILVA, 2002, p.89).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 103) comentam a respeito da inequívoca aceitação do instituto do dano moral pelo Direito Hebraico de forma bastante elucidativa, verbis:

Podemos, ainda, lembrar de um outro trecho específico de reparação pecuniária de dano moral sofrido em Deuterônimo, 22:28-29:

“Se um homem encontrar uma moça virgem não desposada e, pegando nela, deitar-se com ela, e forem apanhados, o homem que dela abusou dará ao pai da jovem cinquenta ciclos de prata e, porquanto a humilhou, ela ficará sendo sua mulher; não a poderá repudiar por todos os seus dias”. Também nesse trecho verificamos a indenização (note-se que não se trata tecnicamente de multa, pois reverte ao pai da moça) como forma de reparação do dano moral, aliada à condenação na proibição de divóricio.

No direito talmúdico, que se refere ao livro denominado de Talmude, o qual contém uma compilação, realizada pelos doutores hebreus, das leis e tradições judaicas, existe a previsão de cinco espécies distintas de indenização para a reparação do dano. O Nezek se aplicava ao dano material propriamente dito; o Tzaar era pertinente aos casos de dano moral proveniente da dor física; O Shevet leva em conta os prejuízos sofridos em decorrência da cessação das atividades do lesionado, durante o período de sua convalescença; o Riput representava a indenização de despesas médicas e o Boshet, o qual era consubstanciado na indenização devida pela ocorrência de dano eminentemente moral, ou seja, pela afronta, pelo padecimento íntimo e pelos sentimentos de humilhação ou vergonha. O aplicador da lei era o responsável por decidir qual modalidade de indenização seria imposta ao ofensor, em cada caso concreto, sendo admitida a ocorrência de mais de uma imposição (CASTRO, 2003, 194).

As legislações de algumas das grandes potências históricas da Europa contemplaram a reparação civil dos danos morais. As Ordenações do Reino, que vigoraram em Portugal até o ano de 1867, traziam casos em que as eventuais ofensas à honra resultariam no pagamento de indenização ao lesado, a qual seria fixada dentro de limitações preestabelecidas. O § 512 do título 86 do Livro III, das Ordenações do Reino, por exemplo, estabelecia o direito de o lesionado exigir reparação pelas dores sofridas em caso de ferimento feito de propósito, ou por culpa larga, sendo a referida indenização proporcional à natureza das dores (Silva, 2002, p. 127). O Código de Napoleão também dava proteção especial à reparação de dano. Seus artigos 1146 e 1153 descreviam o dano decorrente do descumprimento de cláusula contratual através da expressão dommage et intérets, enquanto o ato ilícito que causava dano desobedecendo o ordenamento jurídico era denominado de dommage, nos termos dos artigos 1382 a 1386 (GADELHA, 2003, p. 151).

Durante o decorrer do Século XX, os tratados internacionais passaram a salvaguardar, de maneira incontroversa, a proteção jurídica contra as ofensas aos direitos da personalidade, à honra e à dignidade da pessoa humana, bens jurídicos fundamentais para a manutenção da paz social, dentro de um Estado Democrático de Direito, e que são tutelados pelo instituto da reparação dos danos morais. Tal fato inspirou constituições de diversos países a adotar preceitos garantidores dos mencionados direitos fundamentais. No mesmo sentido, Paulo Gadelha (2003, p. 152) atenta para a importância dos tratados internacionais de direitos humanos, no estudo do dano moral, quando afirma que:

Os Tratados Internacionais, na mesma teoria, também dão proteção à honra e à dignidade da pessoa.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo XII, assim determina: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar, ou sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

Igualmente, o Pacto de San José da Costa Rica, é incontroverso: “Artigo 11- Proteção da honra e da dignidade. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”.

Como se depreende dos textos legais transcritos, a preocupação com a honra é dogma universal.

2.3 A Reparação dos Danos Morais no Direito Comparado

Ao abordar o tema da reparação civil dos danos morais nos ordenamentos jurídicos de diversas nações, Yussef Said Cahali (2005, p. 31) utiliza a classificação idealizada por Brebbia para distinguir o tratamento reservado pelos diversos sistemas jurídicos, os separando em quatro grupos, cada um deles formado por países nos quais o instituto é delineado de maneira similar pelas respectivas legislações. O primeiro grupo abarca os ordenamentos que asseguram de maneira ampla e geral o princípio da reparação dos danos morais. Este, por sua vez, pode ser dividido em dois subgrupos: o dos sistemas que admitem a reparação somente no campo da responsabilidade extracontratual (representado por países como Uruguai, México e Espanha) e dos sistemas que a admitem também no âmbito da responsabilidade contratual (representados por países como França e Suíça). O segundo grupo se refere às nações onde a indenização por danos morais é prevista apenas nas hipóteses taxativamente enumeradas em lei, dentro do qual se destaca o direito alemão. O terceiro grupo é formado pelo direito da Inglaterra e dos Estados Unidos da América, pois as características específicas do Common Law, o separam claramente dos sistemas jurídicos de direito codificado. Por fim, os sistemas que formam o quarto grupo são exemplificados por países como a Rússia e a Hungria, os quais têm como distinção a ausência de qualquer previsão expressa do princípio da reparação dos danos morais em suas respectivas codificações, muito embora o teor de tais leis, por sua amplitude, não o rejeite de maneira expressa (CAHALI, 2005, p. 31).

Apenas a título exemplificativo serão tecidos breves comentários às disposições referentes à reparação dos danos morais no ordenamento jurídico da Espanha, da França, da Alemanha e no direito anglo-americano, pois cada um destes sistemas jurídicos ilustra as peculiaridades do respectivo grupo na classificação doutrinária anteriormente mencionada.

O direito alemão tem aceitado a reparação civil dos danos morais desde o ano de 1900. O BGB (Bürgerlisches Gesetzbuch), Código Civil alemão, enuncia, em seu § 253, que: “por um dano, que não é um dano patrimonial, a compensação em dinheiro não pode ser demandada fora dos casos fixados pela lei”. Tais hipóteses taxativas estão previstas nos §§ 847 e 1300 do referido Código. O § 847 do BGB estabelece que: “No caso de golpe no corpo ou no espírito, assim como no caso de privação de liberdade, a parte lesada pode igualmente exigir uma compensação equivalente em dinheiro em razão de um dano que não constitui um dano patrimonial”. Embora no direito alemão o dano moral fique restrito apenas aos casos previstos em lei, o instituto da Busse (penitência ou multa), presente nos artigos 186 e 187 do Código Penal alemão, procura suprir tal deficiência com a previsão de uma indenização em dinheiro a ser paga à vítima, quando esta sofresse danos à sua posição pessoal, ou seja, ao seu bom nome, à sua projeção social (CASTRO, 2033, p. 195).

No Direito Francês, a disciplina jurídica atinente à reparação de dano está contida no art. 1382 do Código Civil, que dispõe que: “todo e qualquer fato do homem, que cause a outro um dano, obriga aquele, por culpa do qual ele aconteceu, a repará-lo”. Não obstante a redação do dispositivo transcrito tenha tratado do instituto do dano de uma maneira bastante ampla e sem descrever explicitamente os eventuais danos de natureza extrapatrimonial, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais franceses vem consagrando a incidência do princípio da ampla reparabilidade do dano moral (CASTRO, 2003, p. 196).

A reparação civil dos danos morais possui total aceitação no âmbito do direito anglo-americano, sendo admitida de forma ampla e irrestrita. Não há que se questionar, no direito anglo-americano, a que título o dano moral deve ser reparado. Será discutida apenas a efetiva existência de dano, que, caso comprovada, possuirá o condão de implicar, necessariamente, na sua devida reparação (CASTRO, 2003, p. 197).  Américo Luís Martins da Silva (2002, p.116) sintetiza a maneira como os danos morais são tratados, nestes países representantes do Common Law, ao afirmar que:

Nesses países, não se encontram normas legais uniformes (normas escritas), com regras gerais para todos os casos de dano moral e de reparação civil. Isso porque, em vez de sancionarem normas fecundas em consequências, das quais, por dedução, se fizessem as aplicações aos casos concretos, conforme nos informa Luís Frederico S. Carpenter, preferem partir dos próprios casos concretos. Ou seja, os Tribunais reúnem em grupos as espécies que lhes parecem semelhantes e, quando são chamados a decidir, consultam as coleções-séries dessas espécies análogas. Achando o grupo símile, resolvem a pendência de acordo com ele. É o direito consuetudinário agindo em sua plenitude.

No direito espanhol, embora o teor do artigo 1902 do Código Civil possua grande semelhança com o artigo 1382 do Código Civil francês, a jurisprudência dos tribunais espanhóis foi muito mais relutante em aceitar a reparação dos danos morais, em comparação com as cortes francesas. Enuncia o artigo 1902 do Código Civil espanhol que: “aquele que, por ação causa dano a outro, intervindo culpa ou negligência, está obrigado a reparar o dano causado” (SILVA, 2002, p. 110). Segundo o entendimento da jurisprudência espanhola, que prevaleceu até meados do século XX, o referido dispositivo legal admitia apenas a reparação das lesões patrimoniais. Tal orientação foi revista por uma decisão do Tribunal Supremo da Espanha, em 1949, a qual consignou que nos danos e prejuízos estão contidos tanto os danos matérias como os de índole moral. Este é o posicionamento que predomina nos julgados desse país (SILVA, 2002, p. 114).

2.4 Evolução legislativa e jurisprudencial do dano moral no direito brasileiro

Durante o período histórico do Brasil Colonial até o advento do Código Civil, no ano de 1916, as Ordenações do Reino de Portugal, legislação aplicável à seara do Direito Civil, não regulavam de maneira expressa o ressarcimento do dano moral. O Código Civil de 1916, de autoria de Clóvis Beviláquia, mudou sensivelmente este panorama ao trazer alguns dispositivos que influenciaram parte da doutrina a admitir a reparação dos danos morais, no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, o artigo 76 do referido Codex estabelecia que:

Para propor ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.

Já o artigo 159 da mencionada codificação rezava que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 106). A respeito da controvérsia doutrinária existente sobre a efetiva inclusão do princípio da reparação civil dos danos extrapatrimoniais, pelo texto do Código Civil de 1916, Yussef Said Cahali (2005, p.46) assinala que:

Reconheça-se, porém, que já de longa data a doutrina nacional orientava-se no sentido de admitir a tese positiva da reparação do dano moral. A única divergência que ainda se mantinha estava em que alguns autores, embora aceitando a reparabilidade do dano moral como tese, negavam tivesse sido a mesma acolhida pelo nosso legislador como princípio geral, ressalvando certas disposições excepcionais específicas; enquanto outros se desenvolviam mais amplamente no sentido de que o princípio da reparação do dano moral já estava de fato integrado na nossa legislação anterior.

 Entretanto, devido ao fato de o artigo 159 não fazer qualquer tipo de menção aos danos de natureza extrapatrimonial, somado à exegese que era feita do dispositivo constante do artigo 76, segundo a qual se tratava de norma meramente processual condicionadora do exercício do direito de ação, a doutrina e a jurisprudência passaram a rechaçar a ideia da reparabilidade dos danos morais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 107).

 Ao longo dos anos, diversas legislações esparsas vieram a dispor sobre o assunto, ainda que de maneira restrita e específica. Dentre essas leis especiais, se destacam o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), o Código Eleitoral (Lei 4737/65), a Lei de Imprensa (Lei 5250/67), a Lei dos Direitos Autorais (Lei5988/73), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90 (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p.107).

Entretanto, a reparação civil dos danos morais só foi aceita de maneira inconteste pelo ordenamento pátrio com a promulgação da Constituição da República, em 1988, quando a inviolabilidade dos bens inerentes à personalidade foi afirmada e protegida de maneira efetiva (STOCO, 2011, p. 1871). Conforme assinala Rui Stoco (2011, p. 1871):

A declaração expressa no sentido de proteção e resguardo dos valores morais pela Constituição Federal não é propriamente um direito novo, mas apenas nova roupagem constitucional vestindo o velho e discutido direito.

E a Lei Magna fê-lo de forma irrestrita e abrangente.

Fez mais. Alçou esse direito à categoria de garantia fundamental (CF/88, art. 5º, V e X), considerada como cláusula pétrea e, portanto, imutável, nos estritos termos do art. 60, § 4º, da Carta Magna.

Com efeito, o art. 5º da Lex Mater enuncia, em seus incisos V e X, que:

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 Diante do texto da Constituição Federal, o dissenso que ainda existia na jurisprudência sobre a possibilidade de indenização do dano moral, pelo nosso ordenamento foi finalmente sepultado. Nessa esteira, o Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou a Súmula 37, a qual afirma que: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

O Código Civil de 2002 se adequou à previsão constitucional e admitiu a reparação civil do dano moral, nos moldes do seu artigo 186. No entanto, o Novo Código Civil brasileiro não trouxe qualquer inovação à disciplina da matéria, além de não sanar eventuais questionamentos no que diz respeito à existência de regras gerais para a reparação do dano moral e permanecer omisso no tocante aos parâmetros para a liquidação do dano moral (CAHALI, 2005, p. 53). O artigo 186 do

Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

2.5 O problema da liquidação do dano moral

No passado recente, o tema da reparabilidade do dano moral gerava grande controvérsia entre os doutrinadores que se aventuravam no estudo do tema. Enquanto parte dos juristas admitia a indenização dos danos de caráter extrapatrimonial, mesmo antes do advento da Constituição de 1988, outros a rechaçavam por completo. Dentre os argumentos defendidos por aqueles que não admitiam a reparação do dano moral, se destacam os seguintes: a efemeridade do dano moral; o escândalo da discussão, em juízo, sobre sentimentos íntimos de afeição e decoro; incerteza, nos danos morais, de um verdadeiro direito violado e de um dano real; dificuldade de descobrir-se a existência do dano; impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; indeterminação do número de lesados; imoralidade da compensação da dor com o dinheiro; perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial, conferindo ao juiz poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do prejuízo; enriquecimento sem causa; impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação (DINIZ, 2011, p. 112).

 No entanto, a Carta Política de 1988 sepultou de maneira definitiva essa espécie de questionamento ao albergar, de forma explícita e definitiva, o instituto do dano moral no ordenamento jurídico pátrio. Superada a referida discussão, o problema a ser enfrentado pelos juristas passa a ser o da fixação da quantia referente à reparação civil dos danos morais. A ausência de previsão legal de critérios norteadores de tal arbitramento possibilita a ocorrência de inúmeras disparidades nos julgados que se debruçam sobre o tema. Ademais, a ofensa de ordem extrapatrimonial é de difícil aferição econômica, pois é influenciável por diversos fatores e variáveis. A respeito da referida problemática, Maria Helena Diniz (2011, p.117) com muita propriedade, aduz que:

A fixação do quantum competirá ao prudente arbítrio do magistrado de acordo com o estabelecido em lei, e nos casos de dano moral não contemplados legalmente a reparação correspondente será fixada por arbitramento (CPC, arts. 475-C a 475-H;RTJ, 69:276, 67:227). Arbitramento é o exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação a ele ligado, muito comum na indenização dos danos. É de competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável.

Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstancias de cada caso, o quantum da indenização devida que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência.

A omissão legislativa relativamente ao estabelecimento do justo montante indenizatório faz com que se busque todo elemento possível para encontrar em caso sub judice o valor que lhe for mais adequado.

Como chegar a uma reparação justa do dano moral? Como apurar o quantum indenizatório, se o padrão moral varia de pessoa para pessoa e se tanto o nível social, econômico, cultural e intelectual como o meio em que vivem os interessados repercutem no seu comportamento? Se a reparação do dano moral não tem correspondência pecuniária, ante a impossibilidade material de equivalência de valores, como poderá ser absoluta e precisa?

Um dos grandes desafios da ciência jurídica é o da determinação dos critérios de quantificação do dano moral, que sirvam de parâmetros para o órgão judicante na fixação do quantum debeatur.

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Sobre o autor
Felipe Castelo Branco de Abreu

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Felipe Castelo Branco. Danos morais na responsabilidade civil do Estado:: a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4470, 27 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35320. Acesso em: 16 abr. 2024.

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