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Danos morais na responsabilidade civil do Estado:

a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ

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Resumo:


  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem papel crucial na uniformização da jurisprudência brasileira em relação à fixação do quantum debeatur para indenizações por danos morais em casos de responsabilidade civil do Estado.

  • A ausência de legislação específica para nortear o arbitramento de danos morais leva à adoção de critérios subjetivos pelos magistrados, baseados em princípios como razoabilidade e proporcionalidade, condições das partes, repercussão social do dano e capacidade econômica do ofensor.

  • O STJ intervém para corrigir valores exorbitantes ou irrisórios que contrariem esses princípios, evitando enriquecimento sem causa ou indenizações insuficientes que desrespeitem o direito à reparação integral assegurado pela Constituição Federal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3.  O  PROBLEMA  DA FIXAÇÃO DO QUANTUM   DEBEATUR  NA  JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

3.1 Sistemas aberto e fechado para fixação da quantia indenizatória

O ordenamento jurídico, ao disciplinar a fixação do quantum debeatur das indenizações por danos morais, pode adotar o sistema aberto, também conhecido como ilimitado, ou o sistema fechado, também chamado de “sistema tarifado” (STOCO, 2011, p. 1929).

No direito pátrio, o sistema aberto é o aplicado na aferição da quantia devida a título de reparação por ofensa de natureza extrapatrimonial. Isso significa afirmar que o magistrado, por meio de uma avaliação subjetiva do caso concreto e de suas peculiaridades, arbitrará o valor da indenização, que possuirá o condão de minorar a ofensa imputada ou satisfazer a lesão experimentada pelo ofendido, bem como coibir o ofensor de reincidir na prática do mencionado ato lesivo (HOMAISSI, 2012, p. 12). No mencionado sistema, não há qualquer espécie de previsão legislativa capaz de estabelecer um valor mínimo e um “teto” para os valores pecuniários fixados em juízo. Tal fato resulta em uma maior discricionariedade para o órgão julgador, devido ao fato de inexistir qualquer limitação legal prévia para a fixação da quantia devida, o que evidencia uma intensa atividade subjetiva do juiz (SANTANA, 2007, p. 27).

Héctor Valverde Santana (2007, p. 27), defendendo a melhor adequação do sistema aberto ou ilimitado para o arbitramento dos danos morais, argumenta que:

Assim, à míngua de parâmetros legais, matemáticos ou exatos, o juiz utiliza o seu prudente arbítrio, o bom senso, a proporcionalidade ou razoabilidade para valorar o dano moral. A atuação do juiz dirige-se a encontrar uma quantia que não seja ínfima, simbólica, que não represente uma mera censura judicial, ou reduzida a ponto de desmerecer a relevante natureza jurídica do bem da vida violado (direitos da personalidade). Por outro lado, o juiz não pode estabelecer um valor para o dano moral que represente um enriquecimento ilícito da vítima, um injustificado aumento patrimonial, ou corresponda a um montante desproporcional à condição econômica do ofensor, fato capaz de levá-lo à ruína.

O prudente arbítrio do juiz significa que a quantificação do dano moral fica exposta a um critério essencialmente subjetivo, regido conforme as concepções pessoais e personalidade do magistrado, que certamente revela as variantes intrínsecas de cada ser humano. Não é uma tarefa cuja solução justa tenha fonte exclusivamente no aprimoramento do tecnicismo jurídico. O tema está vinculado à formação do juiz no que tange aos seus valores dominantes, sua base filosófica, seu posicionamento sociológico, seu ponto de vista humanístico, entre outros fatores (Cf. SANTOS, 2003, p. 152-153).

Já aqueles que se posicionam de maneira contrária ao sistema adotado, argumentam que o grau de subjetividade da atividade jurisdicional na fixação do quantum debeatur resulta em uma flagrante disparidade entre julgados que versam sobre questões similares. Além disso, aduzem também, que a maior liberdade do julgador ao aferir tal quantia é responsável por decisões as quais cominam valores ínfimos ou exagerados a título de reparação dos danos morais (HOMAISSI, 2012, p.13).

O sistema fechado ou tarifado é aquele no qual os valores reparatórios são predeterminados pela legislação ou pela aplicação da analogia e da interpretação analógica (STOCO, 2011, p. 1929). Tal sistema também pode regulamentar os critérios de quantificação dos danos morais, os quais serão observados pelo magistrado no momento de fixar o montante devido pelo ofensor. Esta peculiaridade tem o fito de prestigiar o princípio da segurança jurídica, coibindo a proliferação de decisões contraditórias (CIANCI, 2003, p. 101).

Alguns doutrinadores, a exemplo de Rui Stoco, Mirna Cianci e Américo Luís Martins da Silva, são favoráveis à implantação do sistema tarifado no Brasil, partindo da visão de que a inexistência de parâmetros legais prévios propicia o abuso e o exagero do valor do dano moral. Rui Stoco (2011, p. 1929) sintetiza os argumentos utilizados pela mencionada corrente, afirmando que:

Se o valor que se estabelece em favor da vítima da ofensa moral não encontra parâmetros objetivos, nem se escora em um prejuízo evidente ou materializado, e se, portanto, constitui-se de um não-dano, porque não expressa um ressarcimento propriamente dito, então o valor que apenas serve para compensar a dor, o sofrimento, a ofensa e outros bens imateriais só pode ser convencionado.

Diante disso, o sistema tarifado melhor atende o fundamento da reparação do dano moral, desde que se estabeleçam critérios de individualização e margens mínimas e máximas mais dilargadas e consentâneas com a realidade de hoje, de modo que, diante do vazio da legislação, ao julgador e aplicador da lei se entreguem certa liberdade e discricionariedade na fixação do valor, que estará contido dentro dessas margens.

Os defensores do sistema aberto ou ilimitado criticam o sistema fechado, por entenderem que o juiz encontra maior aptidão para avaliar o valor do dano moral do que o legislador, já que aquele tem acesso às provas dos autos, às questões subjetivas e objetivas que envolvem os casos concretos, fato que o torna mais apto a fixar a quantia devida. Também argumentam que se o atual sistema, o qual prioriza o arbitramento judicial, é suscetível à ocorrência de aberrações, não há garantia alguma de que o sistema tarifado seria capaz de eliminá-las (BERNARDO, 2005, p. 138). Héctor Valverde Santana (2007, p. 23), além de se posicionar de forma contrária ao sistema fechado, afirma que o artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal de 1988 elimina qualquer pretensão de impor limites ao dano moral, pois o mencionado dispositivo legal exige que a “resposta” (indenização) seja proporcional ao agravo, agasalhando o princípio da reparação integral, na seara da responsabilidade civil.

3.2 A teoria do valor do desestímulo e os punitive damages

Os punitiv damages representam um instituto de reparação de danos morais oriundo do direito anglo-americano. Seu objetivo precípuo é, além de reparar o prejuízo sofrido pela vítima, configurar uma espécie de penalidade ao agente ofensor. Tal punição ocorre com o estabelecimento de indenizações em quantias vultosas, as quais buscam punir e desestimular quem cometeu a lesão a reincidir na prática da conduta danosa, bem como constituir um exemplo para a sociedade, com o intuito de que os demais membros da coletividade também se abstenham de praticar os mesmos atos, ao tomarem conhecimento da grave pena pecuniária imposta pelo Poder Judiciário àqueles que vierem a causar lesões de natureza extrapatrimonial a outrem (HOMAISSI, 2012, p. 14).

A teoria do valor do desestímulo tem encontrado adeptos no Brasil, dentre os quais se destacam Antônio Jeová Santos, Maria Helena Diniz e Luiz Roldão de Freitas Gomes (BERNARDO, 2005, p. 175). Os defensores dessa corrente doutrinária alegam que a tutela de mera reparação do dano moral não é suficiente para impedir a sua realização, continuação ou repetição, culminando com a ausência de uma proteção adequada e efetiva aos direitos da personalidade. Além disso, afirmam que a tutela reparatória não alcança o objetivo de intimidar o ofensor. Tal fato poderia autorizar o autor da conduta lesiva a reiterar seu comportamento, no caso de o valor da indenização não ser significativo, banalizando, dessa forma, as angústias da pessoa lesada (HOMAISSI, 2012, p. 14).

Entretanto, uma parcela considerável da doutrina nacional, representada por juristas como Clayton Reis e Maria Celina Bodin de Moraes, não admite a importação do instituto dos punitiv damages, característico do direito anglo-saxão, adepto do sistema de Common Law, para o nosso sistema jurídico, o qual deriva da doutrina romano-canônica (STOCO, 2011, p. 1925). Aqueles que rejeitam a aplicação da teoria do desestímulo alegam que a fixação de montante superior aos danos sofridos configuraria enriquecimento ilícito por parte da vítima, devido ao fato de a mesma se beneficiar de uma penalidade ao ofensor, a qual se destina a beneficiar toda a sociedade por constituir um desestímulo à prática de condutas similares pelos demais membros da coletividade. Afirmam também que a adoção dos punitiv damages possibilitaria a existência de bis in idem, pois muitas condutas que resultam na condenação ao pagamento de danos morais, também são alvo da represália do direito penal, por meio da pena de multa. Outra incongruência apontada ocorre nos casos nos quais o responsável pela reparação civil não é o efetivo causador do dano, pois as implicações da pena seriam arcadas por pessoa diversa, e não pelo próprio agente (BERNARDO, 2005, p. 176).

3.3 Critérios utilizados na fixação da quantia indenizatória 

 Algumas legislações específicas se propuseram a estabelecer parâmetros para o arbitramento do valor dos danos morais. O Código Nacional das Telecomunicações (Lei 4117/62), em seu artigo 84, posteriormente revogado pelo

Decreto-Lei nº 236 de 1967, rezava que: “Na estimação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa”. Na mesma esteira, o artigo 53 da Lei de Imprensa (Lei 5250/67) dispõe que:

No arbitramento da indenização em reparação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I- A intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social do ofendido; II- A intensidade do dolo ou grau de culpa responsável, sua situação econômica e a sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso do exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou informação; III- A retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou civil, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos em lei e independente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtido pelo ofendido.

 Entretanto, nosso ordenamento jurídico atualmente se encontra omisso no tocante aos critérios norteadores da atividade jurisdicional de fixação do quantum debeatur dos danos morais puros. A doutrina e a jurisprudência pátria tem se debruçado sobre a problemática, oferecendo diversos meios para quantificar o valor das lesões de natureza extrapatrimonial. Dentre os mais diversos critérios e teses, se destacam: a intensidade e extensão do sofrimento, a repercussão do fato no meio social, o grau de culpabilidade do ofensor, o caráter educativo, o caráter sancionatório, a justa compensação do prejuízo sofrido pela vítima, a preocupação em evitar o enriquecimento sem causa, a análise de eventual ocorrência de culpa concorrente, as condições pessoais do ofensor e da vítima, a realidade econômica do país e a obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (OLIVEIRA, 2009, p. 320).

 A intensidade e extensão do sofrimento da pessoa lesada é um critério de feição subjetiva, pois procura definir se o prejuízo sofrido foi de grande monta ou teve uma repercussão ínfima. Trata-se de um corolário do disposto no artigo 944 do Código Civil, o qual enuncia que: “A indenização mede-se pela extensão do dano” (OLIVEIRA, 2009, p. 320).

 A repercussão do fato no meio social diz respeito a investigar se a vítima é pessoa conhecida no âmbito público, ou se a lesão pode causar um prejuízo considerável nas suas relações familiares, amorosas ou no ambiente de trabalho (OLIVEIRA, 2009, p. 320). A análise de tais peculiaridades no caso concreto pode evidenciar a ocorrência de um dano maior, o que implicará, consequentemente, no arbitramento de um valor pecuniário superior, a título de indenização do dano moral.  O critério do grau de culpabilidade do ofensor é defendido por doutrinadores do porte de Yussef Said Cahali, Antônio Jeová Santos e Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Ademais, os tribunais pátrios tem utilizado o mencionado parâmetro na quantificação das lesões de natureza extrapatrimonial, como meio de punir a conduta que implique em um maior grau de reprovabilidade (BERNARDO, 2005, p.169).

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 O caráter educativo e o caráter sancionatório se relacionam, pois o objetivo de ambos é desestimular a prática ou a reincidência de condutas que atentem contra os direitos da personalidade. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.300.187-MS, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJ 17/05/2012) já se manifestou, salientando que:

Na hipótese, a conduta do agente foi dirigida ao fim ilícito de ceifar as vidas das vítimas, atuando com dolo, o que torna seu comportamento particularmente reprovável. Nessa perspectiva, o arbitramento do dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação.

Com efeito, a reparação punitiva do dano moral deve ser adotada "quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável - dolo ou culpa grave - e, ainda, nos casos em que, independentemente de culpa, o agente obtiver lucro com o ato ilícito ou incorrer em reiteração da conduta ilícita" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010, p. 99).

 A justa compensação do prejuízo sofrido pela vítima também deve ser observada no momento da fixação do quantum debeatur. O juiz deve procurar reestabelecer, dentro do possível, o status quo ante, de maneira que o valor arbitrado represente uma reparação ou compensação do prejuízo moral sofrido. 

No entanto, o órgão julgador também deve ter a cautela de evitar o enriquecimento sem causa do ofendido, e, consequentemente, o empobrecimento injustificado do ofensor. Dessa forma, a quantia deve ser capaz de proporcionar a satisfação pecuniária da vítima, sem implicar na ruína daquele que causou o dano (SANTANA, 2007, p. 30).

A observância de eventual hipótese de culpa concorrente também tem sido prestigiada pela doutrina e pela construção pretoriana na quantificação dos danos morais. Nos casos em que a vítima concorre para a ocorrência do evento danoso, tal peculiaridade poderá ser reconhecida, no caso concreto, como causa de diminuição do valor indenizatório (CIANCI, 2003, p. 62). Este entendimento também se baseia na redação do artigo 945 do Código Civil, o qual enuncia que: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.

As condições pessoais do ofensor e da vítima são informações relevantes para o arbitramento do valor da indenização. Não é possível admitir que o julgador fixe o quantum indenizatório com base na figura do “homem médio”. Cada indivíduo responderá de maneira diferente a uma determinada ofensa, devido à influência de fatores como: grau de escolaridade, orientação religiosa, princípios morais e familiares e situação socioeconômica (OLIVEIRA, 2009, p. 322). Da mesma forma, tais dados devem ser observados também com relação ao ofensor, pois apenas a análise da situação específica poderá indicar se o valor fixado será ínfimo ou exorbitante, de acordo com suas características individuais. Não destoa do entendimento exposto, decisão do Superior Tribunal de Justiça (Ag 850273-BA, Rel. Min. Honildo Amaral Mello Castro, Quarta Turma, DJ 03/08/2010) na qual foi assentado que:

O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.

 A realidade econômica do país, também deve ser observada no momento do arbitramento do valor indenizatório (DINIZ, 2011, p. 121). A proliferação de condenações em montantes astronômicos, tal como tem ocorrido nos Estados Unidos da América, pode colocar em xeque a reputação do Poder Judiciário perante a sociedade e o princípio constitucional da segurança jurídica. Além disso, a irresponsabilidade na fixação do quantum debeatur pode constituir um desestímulo às atividades comerciais e de prestação de serviços, em geral, resultando no crescimento da denominada “indústria do dano moral”.

 A construção pretoriana tem firmado o entendimento de que as decisões judiciais, mormente aquelas em que se discute a valoração dos danos morais, devem se adequar ao princípio da razoabilidade. Tal critério tem o objetivo de rechaçar tanto as quantias insuficientes para a reparação do dano quanto exageradas ou desproporcionalmente elevadas, o que evita a fragilização do instituto do dano moral e resulta em um montante que sirva como satisfação à vítima e, ao mesmo tempo, represente o dever do ofensor de arcar com o prejuízo causado (BRANDÃO, 2006, p. 79). A busca da proporcionalidade entre a intensidade da dor e do sofrimento da pessoa lesada e o valor da indenização, bem como entre o binômio possibilidade (do ofensor) e necessidade (do lesado), também deve ser almejada pelo magistrado. Desse modo não haverá enriquecimento ilícito nem empobrecimento injustificado (OLIVEIRA, 2009, p. 323). Aplicando os referidos parâmetros, o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no ARESP 167.557-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 26/06/2012) já se pronunciou da seguinte maneira:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. QUEDA NA CÂMARA LEGISLATIVA. OBRA SEM SINALIZAÇÃO. CONDENAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS.  INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O julgamento do Recurso Especial, para fins de afastar a condenação do Distrito Federal, pressupõe, necessariamente, o reexame dos aspectos fáticos da lide – especificamente para descaracterizar o ato lesivo, o dano e o nexo causal –, atividade cognitiva inviável nesta instância especial (Súmula 7/STJ). 2. A revisão do valor fixado a título de danos morais em razão de queda nos corredores da Câmara Legislativa, em local onde estava sendo realizada reforma, sem qualquer sinalização ou isolamento da área, encontra óbice na Súmula 07/STJ, uma vez que fora estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto, levando em consideração o grau da lesividade da conduta ofensiva e a capacidade econômica da parte pagadora, a fim de cumprir dupla finalidade: amenização da dor sofrida pela vítima e punição do causador do dano, evitando-se novas ocorrências. Assim, a revisão do valor a ser indenizado somente é possível quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se observa in casu diante da quantia fixada em R$ 100.000,00. 3. A interposição do Recurso Especial pela alínea c do permissivo constitucional, exige a comprovação, entre os acórdãos apontados como paradigma e o aresto impugnado, da similitude fática, nos termos do art. 541, parágrafo único do CPC, e do art. 255, § 3o. RISTJ, situação inexistente no caso dos autos. 4. Agravo Regimental do Distrito Federal desprovido. 

(STJ, AgRg no ARESP 167.557-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 26/06/2012)

3.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça para analisar os critérios de fixação do quantum debeatur

 A princípio, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, estaria impedido de analisar os critérios de arbitramento do valor dos danos morais, devido à restrição imposta pela sua Súmula 07, a qual enuncia que: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Devido ao fato da fixação do quantum debeatur se tratar de atividade judicial que demanda análise do conjunto de elementos fático-probatórios constantes nos autos, a apreciação da matéria por esta corte superior estaria, em tese, vedada (GOUVÊA; SILVA, 2004, p. 33).  No entanto, muito embora os juízes de 1ª instancia e os tribunais inferiores se encontrem em uma situação mais favorável para analisar as peculiaridades e circunstâncias fáticas de cada caso, em decorrência de sua maior proximidade em relação aos fatos e às partes, o controle do STJ no tocante às decisões que fixem somas inexpressivas ou quantias exacerbadas a título de reparação civil dos danos morais, não poderá ser impedido (GOUVÊA; SILVA, 2004, p. 34). Dessa forma, a jurisprudência do Colendo STJ é remansosa no sentido de admitir o reexame da quantia fixada para a indenização dos danos morais, em sede de Recurso Especial, nos casos em que a decisão do órgão julgador a quo tenha estabelecido valores ínfimos ou exorbitantes, em desrespeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O entendimento esposado pode ser ilustrado pelo teor da seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VALOR EXORBITANTE. NÃO OCORRÊNCIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. JUROS DE MORA. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Ausentes as hipóteses legais autorizadoras, e em face do caráter explicitamente infringente dos embargos, impõe-se recebê-los como agravo regimental, aplicando-se-lhes o princípio da fungibilidade recursal. Precedentes do STF e STJ. 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, evidenciando-se flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. No caso em exame, o Tribunal de origem confirmou a sentença que julgou procedente a ação de responsabilidade civil, condenando o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, pela ocorrência de erro médico e de processo infeccioso decorrente de intervenção cirúrgica nele ocorrida, ao pagamento de indenização por danos morais no valor total de R$ 50.000,00, o que não se mostra exorbitante. 4. A Corte Especial, contudo, no tocante aos juros de mora, no julgamento do REsp 1.205.946/SP, na sessão de 19/10/11, assentou a compreensão de que a Lei 11.960/09, ante o seu caráter instrumental, deve ser aplicada, de imediato, aos processos em curso. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.

(STJ, EDcl no AgRg no REsp 1216151-PR, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Turma, DJ 11/12/2012)

 Ademais, o instituto do dano moral possui uma concepção peculiar, a qual torna desnecessária a prova objetiva do prejuízo sofrido, bastando para sua configuração, a comprovada ocorrência do nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e a lesão extrapatrimonial. Tal característica autoriza a análise da matéria pelo STJ, pois a quantificação dos danos morais incide sobre um campo probatório limitado (GOUVÊA; SILVA, 2004, p. 34). O entendimento esposado pode ser ilustrado pelo seguinte excerto do voto do Ministro Cesar Asfor Rocha no julgamento do RESP 602401-RS (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 18/03/2004):

Quanto à ausência de prova da ocorrência de dano moral, tampouco assiste razão ao recorrente. De fato, a jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes, entre inúmeros outros: REsp 233.076/RJ, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24.02.2000; REsp 204.036/RS, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro, DJ 23.08.1999; REsp 331.535/RJ, relatado pelo eminente Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 10.03.2003; REsp 196.024/MG, por mim relatado, DJ 02.08.1999.

Também é importante salientar que a discussão, em sede de Recurso Especial, que diz respeito à aplicação do direito probatório não se encontra vedada pelo enunciado da Súmula 07 do STJ. Compartilham do mesmo entendimento Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (2011, p. 257) quando ressalvam que: 

É preciso distinguir o recurso excepcional interposto para discutir a apreciação da prova, que não se admite, daquele que se interpõe para discutir a aplicação do direito probatório, que é uma questão de direito e, como tal, passível de controle por esse gênero de recurso.

3.5 Importância da atuação do STJ no controle e revisão de indenizações em valor ínfimo ou exorbitante

 A análise da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça na apreciação de causas as quais discutem a reparação civil de danos morais provenientes da conduta estatal, revela que esta corte tem se posicionado de forma ponderada, a fim de não usurpar a competência das instâncias de origem e dos tribunais inferiores na valoração dos elementos de prova constantes de cada caso. É ilustradora da referida cautela a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL AOS CUIDADOS DE HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. DANOS MORAIS E VALOR DA INDENIZAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. 1. A conclusão assumida pelo Tribunal de origem, quando considerou comprovada a falha no dever de vigilância do Estado, resultou da análise dos fatos e provas anexadas aos autos, e só com o reexame desse conteúdo seria possível alcançar provimento judicial diverso, finalidade a que não se destina o recurso especial. Inteligência da Súmula 7/STJ. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a revisão do valor a ser indenizado somente é possível quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não ocorre no presente caso, de forma que o exame da justiça do quantum arbitrado, bem como a sua revisão, demandam reavaliação de fatos e provas, o que é vedado, em recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.

(STJ, ARESP 7783-MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJ 20/09/2012)

No entanto, tal ponderação não impediu que este Egrégio Sodalício reformasse julgados que fixaram quantias milionárias ou insignificantes, majorando ou minorando o quantum debeatur, a depender da hipótese. Esta corte já teve a oportunidade de se debruçar sobre a matéria no julgamento do RESP 1201326 – SP (Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 04/10/2012) no qual o ministro Castro Meira entendeu pela insuficiência do valor arbitrado pelo órgão julgador a quo, aduzindo que:

Quanto ao valor dos danos morais, também merece guarida a pretensão recursal, porquanto revela-se ínfima e fora dos parâmetros adotados por esta Corte em casos análogos a condenação do Poder Público em módicos 50 salários-mínimos, tamanha a gravidade das lesões experimentadas pelo autor, menor custodiado em cadeia pública e que foi atacado pelos colegas de cela e submetido às mais variadas formas de tortura física e moral, tudo em decorrência da omissão de agentes do Estado, que não souberam bem administrar o estabelecimento prisional, nem cumpriram com o seu mister de garantir a integridade física dos que ali se encontravam.

Acolho, por isso, os peremptórios termos do parecer do Ministério Público Federal, da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Geraldo Brindeiro, para fixar em 200 salários-mínimos o montante da indenização:

O STJ já chegou até mesmo a estabelecer o dever de reparação dos danos morais nas situações em que o tribunal a quo havia entendido pela inexistência de qualquer espécie de lesão de natureza extrapatrimonial. Tal entendimento foi esposado pelo voto do eminente Ministro Luiz Fux no RESP 738.833–RJ (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 08/08/2006) quando reconheceu o dever de reparação civil, por parte do Estado do Rio de Janeiro, devido ao fato de bandidos terem ingressado em hospital público, em decorrência de comprovada ineficiência de sua segurança, e assassinado o pai e companheiro dos autores.

O ministro relator estabeleceu indenização pelo prejuízo material e moral sofrido, salientando, acerca dos danos morais, que:

 Em sede de danos morais, impõe-se destacar que a indenização não visa reparar a dor, a tristeza ou a humilhação sofridas pela vítima, haja vista serem valores inapreciáveis, o que não impede que se fixe um valor compensatório, com o intuito de suavizar o respectivo dano. O entendimento jurisprudencial desta Corte é no sentido de que a prova do dano moral se satisfaz, em determinados casos, com a demonstração do fato externo que o originou e pela experiência comum. No caso específico, em que houve morte, a dor da família é presumida, sendo desnecessária fundamentação extensiva a respeito.

(Resp 204825, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ 15.12.2003).

No que pertine aos danos morais, esta Corte, aplicando o princípio da razoabilidade, tem reconhecido o direito à referida indenização, nestes termos:

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ACIDENTE FERROVIÁRIO. MORTE. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. 1. Divergência jurisprudencial comprovada, em conformidade com o artigo 541, § único, do Código de Processo Civil, e art. 255, e parágrafos, do Regimento Interno desta Corte. 2. Guardando os termos do pedido recursal e na esteira de precedentes desta Corte, a pensão é fixada em 2/3 (dois terços) do salário mínimo, até quando a vítima viria a completar 25 (vinte e cinco) anos, e reduzida para 1/3 (um terço) a partir daí, até o dia em que, também por presunção, o de cujus completasse 65 anos, ou antes, se os pais vierem a falecer. 3. Considerando-se as peculiaridades fáticas assentadas nas instâncias ordinárias, bem como os princípios de moderação e razoabilidade, e dos parâmetros adotados usualmente nesta Corte, em situações semelhantes, o valor indenizatório dos danos morais, fixado pelo eg. Tribunal a quo, merece ser majorado a um patamar mais adequado à espécie. Indenização a título de danos morais fixada na quantia certa de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais). 5. Recurso especial conhecido e provido."

(REsp 703878/SP Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI DJ 12.09.2005)  

 Portanto, o estudo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça revela que esta corte possui a constante preocupação de cumprir sua função de uniformizar a jurisprudência nacional, no tocante à quantificação dos danos morais. Para isso, o Tribunal tem se utilizado dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para coibir a proliferação de julgados os quais venham a admitir a reparação dos danos morais através do arbitramento de quantias insuficientes ou exageradas, sem, no entanto, desprestigiar a atuação das instâncias inferiores e tabelar os valores das ofensas aos direitos da personalidade. 

Tal atuação é imprescindível para evitar um possível crescimento da denominada “indústria dos danos morais”, o que levaria a um estado de permanente insegurança jurídica e desestímulo ao comércio e à prestação de inúmeros serviços, pois a multiplicação de indenizações milionárias, incompatíveis com a realidade econômica do país, seria capaz de inviabilizar grande parte das atividades econômicas e, consequentemente, culminaria com um entrave ao desenvolvimento e ao crescimento econômico. Além disso, representaria uma penalidade de natureza civil ao ofensor, com o seu empobrecimento injustificado, e um enriquecimento ilícito, por parte da pessoa lesada. 

No entanto, o papel mais nobre e importante do STJ, ao lidar com a referida questão, reside na preservação dos institutos do dano moral e da responsabilidade civil do Estado, nos moldes em que se encontram delineados pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Uma eventual omissão deste Egrégio Sodalício em face dos julgados que burlam os referidos institutos de direito, com a cominação de montante insuficiente para garantir a justa e devida reparação do prejuízo sofrido pela vítima, atentaria contra o ordenamento jurídico pátrio, causaria uma nova lesão moral ao ofendido e resultaria no desprestígio do Poder Judiciário perante a sociedade.

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Sobre o autor
Felipe Castelo Branco de Abreu

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Felipe Castelo Branco. Danos morais na responsabilidade civil do Estado:: a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4470, 27 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35320. Acesso em: 22 dez. 2024.

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