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Os desafios da administração pública e a necessidade da tutela judicial ao direito fundamental dos índios à demarcação de terras no Médio e Baixo Rio Negro

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Resumo:


  • A demora na demarcação das terras indígenas do Médio e Baixo Rio Negro está causando impactos irreparáveis nas comunidades indígenas.

  • O Ministério Público Federal tem atuado para garantir os direitos fundamentais dos povos indígenas, buscando a tutela judicial para acelerar os processos de demarcação.

  • A Justiça Federal tem concedido tutelas para obrigar a União e a FUNAI a concluírem os procedimentos demarcatórios, mesmo diante da resistência e recursos judiciais por parte dos órgãos públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A demarcação das terras é direito fundamental dos índios e a omissão do Poder Público propicia toda sorte de violência à cultura, crenças e organização social desses povos. Diante disso, o Poder Judiciário tem atuado de forma a corrigir essa distorção.

Resumo: A questão fundiária dos povos indígenas tem sido recorrente nos noticiários nacionais. O órgão nacional incumbido de promover a demarcação das terras indígenas mostra-se incapaz de atender essas demandas de modo eficiente, provocando o aumento das tensões entre índios e grupos econômicos interessados na exploração de suas terras. Com base nesse cenário, este artigo objetiva apontar os efeitos negativos que a demora da demarcação das terras indígenas tem provocado nas comunidades do Médio e Baixo Rio Negro. A demarcação das terras é direito fundamental dos índios e a omissão do Poder Público propicia toda sorte de violência à cultura, costumes, tradições, crenças e organização social desses povos. Diante disso, o Poder Judiciário tem atuado de forma a corrigir essas distorções funcionais, desde que instado pelo Ministério Público Federal (MPF). Entretanto, a questão principal reside na ineficiência da Administração Pública Federal na condução do seu mister, qual seja, a concretização do processo demarcatório. O desvirtuamento do órgão executivo não pode ser tolerado e continuar sendo corrigido pelo Poder Judiciário, sob pena de as populações indígenas atuais não verem seu legado transmitido às futuras gerações. A metodologia utilizada na presente pesquisa foi bibliográfica, com método indutivo e qualitativo, apoiada em notícias da mídia jornalística, doutrina, legislação, jurisprudência e julgados recentes da Justiça Federal.

Sumário: 1. Introdução. 2. Direitos Fundamentais dos Povos Indígenas. 3. A Demarcação das Terras Indígenas do Baixo e Médio Rio Negro. 4. A Tutela Judicial nas Demarcações de Terras Indígenas. 5. Conclusão. 6. Referências.

Palavras-chave: direitos fundamentais; demarcação das terras indígenas; ação civil pública.


1. INTRODUÇÃO

A demarcação das terras indígenas é um procedimento complexo regulado pelo decreto federal nº 1.775/1996. Requer o trabalho de várias pessoas com conhecimentos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e de levantamento fundiário, coordenados por um antropólogo. Conquanto não exista um prazo legal para a conclusão desses estudos, não pode ser evitado o comando constitucional do inciso LXVIII do artigo 5º da Carta Política, que prevê a razoável duração dos processos administrativos. A realidade tem mostrado que órgão de assistência indígena, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ainda afetada por uma grave crise institucional, não tem cumprido o seu mister de promover de forma racional a demarcação das terras dos índios, especialmente no Médio e Baixo Rio Negro, Estado do Amazonas. Justifica-se essa pesquisa, pois a mora do Poder Executivo nas demarcações tem acarretado diversos efeitos indesejados nas comunidades por violação do direito fundamental às terras tradicionalmente por eles ocupadas. A questão fundiária indígena é fator de sobrevivência física, cultural, econômica e espiritual desses povos. Sensível a esse problema, o Poder Judiciário atua para minimizar tais efeitos, conquanto não possa substituir a Administração Pública que deve corrigir sua atuação para preservar a autonomia e independência dos Poderes.


2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS

Os Direitos Fundamentais representam uma classe especial de direitos. Conforme a doutrina de nosso país são conquistas fundamentais da população tendo sido elevados à categoria de normas constitucionais. Em determinado momento da vida política do Estado, houve-se por bem cobri-los com o manto da Lei Maior para que não fossem suscetíveis de ataques por normas de menor expressão jurídica. Foi assim que o Poder Constituinte, ao elaborou a nossa Carta Política em 1988 tratou desses direitos. A CF/1988 propõe no Título II uma classificação não exaustiva desses direitos: direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos. O certo é que essa classe de direitos não se encerra apenas nesse título e pode ser encontrada dispersa pelo texto constitucional ou ainda decorrer de tratados internacionais, conforme prevê o § 2º da Carta Magna. Fora desse título, podem-se indicar os direitos fundamentais relativos ao meio ambiente, à família e à criança, aos adolescentes, jovens e idosos, aos índios, todos no Título VIII da Ordem Social. Portanto, a identificação desse tipo de direito na nossa Carta Política deve ser feita através da análise do conteúdo da regra constitucional. Se a norma contiver matéria de cunho individual ou coletivo, então estamos diante de direitos fundamentais do ser humano. São direitos essenciais por uma questão de escolha legislativa, que espelha as necessidades sociais do seu tempo. Decorrentes de um processo lento, mas inexorável, de reconhecimento do mínimo necessário para a existência digna do ser humano em suas relações na sociedade. Como mecanismo de autopreservação e limitação do Poder Público, esses direitos têm sua gênese nos direitos naturais ou, sob outra roupagem, nos direitos humanos. Mesmo sabendo que o ideal dos jusnaturalistas encontra-se desgastado na atualidade, não se pode olvidar a contribuição que essa corrente doutrinária trouxe para a conquista desses direitos. Segundo esse ideal, o ser humano não cria direitos intrínsecos a sua condição de ser vivo. Os direitos humanos existem, porque o ser humano existe. Por exemplo, as crianças têm o direito de brincar, serem protegidas pelos seus familiares e se desenvolverem plenamente no seu ambiente infantil. Esse direito foi criado pela civilização Ocidental ou sempre existiu desde que o Homem se entende como ser racional? Foi certo negar às crianças das gerações passadas esses direitos? Ou ainda, as famílias delas achavam correto ver seus filhos subjugados nos chãos frios e imundos da Revolução Industrial Inglesa? Esses questionamentos podem ser expandidos para outras questões relativas aos jovens, adultos e idosos de todos os tempos, conforme os preceitos da liberdade, igualdade e solidariedade. A resposta será única: “Ninguém, em qualquer fase de seu desenvolvimento, e em momento histórico algum, gosta de sofrer maus-tratos, opressões, humilhações e quaisquer outras formas de violência, que o aniquilem ou provoquem profunda dor”. Essa resposta resume a concepção naturalista dos direitos humanos, tão importantes para a existência do ser humano que são universalmente aceitos e defendidos. É certo que nem sempre foram reconhecidos, o que provocou várias rebeliões e guerras no decorrer da História. Mas não se pode dizer que não existiam, ou que foram criados em determinadas épocas, pois eram, são e sempre serão anseios da sociedade. Elevados à categoria de direitos garantidos pela Lei Maior, assumiram a condição de direitos fundamentais, sem excluir outros direitos, que, embora não sejam essenciais para vida humana, são importantes para reger a ordem social de um Estado.

Outro aspecto merece atenção no que se refere à relatividade dos direitos fundamentais. Os direitos ora tratados não são absolutos a ponto de prevalecerem sempre. Haverá situações em que será necessária a ponderação desses para a manutenção da ordem social. Ou seja, havendo colisão entre os direitos fundamentais, será feita sua confrontação com os interesses coletivos, que prevalecem em relação aos particulares. Para Alexandre de Moraes (2013, página 30), “o interprete deve utilizar-se dos princípios da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros”. Assim sendo, a liberdade de expressão não é ilimitada, pois ninguém pode exercer esse direito de forma a prejudicar direitos de terceiros sem se responsabilizar por isso. Os direitos fundamentais não servem de escudo para o indivíduo afrontar a sociedade em que vive. Nenhum direito fundamental será anulado, mas sua eficácia pode ser ligeira e momentaneamente reduzida para não sufocar outro direito, também fundamental. Assim se mantém a solidez do sistema jurídico, refletindo o intérprete no caso concreto para sopesar o que deve sobressair aos outros.

Quanto à sua aplicabilidade, são direitos imediatos, conforme preconiza o § 1º do artigo 5º da Carta Política. Somente a própria constituição pode estabelecer restrições no campo desses direitos ou permitir ao legislador infraconstitucional a sua regulamentação, desde que seja preservado o seu núcleo material, a sua essência. Sendo assim, não se concebe a possibilidade de desfiguração da norma fundamental subvertendo o espírito da Lei Maior.

Agora fica fácil entender que os direitos humanos não são diferentes para quem vive na cidade, na zona rural ou nas florestas. Também não eram desconhecidos das civilizações mais remotas na História. Certo que as diferenças socioculturais implicarão em ações públicas diferentes, mas, ao final, o efeito pretendido será o mesmo. Por exemplo, o direito fundamental à vida: o cidadão urbano não tem apego a terra onde mora podendo ser deslocado para outra casa, bairro, cidade, Estado ou outro país, onde facilmente se adaptará sem influenciar na sua vontade de continuar vivendo. Com as populações indígenas isso não é verdadeiro em função da sua estreita ligação com o meio ambiente em que vive. Para muitos povos aborígenes, a terra natal transcende a existência física e se comunica com a vida espiritual presente e de seus antepassados. A sua concepção de vida está arraigada a terra. Retirá-los do seu ambiente, pode significar o rompimento do elo que os mantém espiritualmente animados a viver. Vivem assim por séculos. As tentativas de sua integração têm-se revelado frustrantes na maioria das vezes. Destarte o direito a viver é inerente a qualquer ser humano, entretanto a atuação do Poder Público para garantir esse desiderato será diferente, conforme a concepção que os povos têm desse direito. No “Encontro de Espiritualidade dos Povos Indígenas”, por ocasião da celebração dos 100 anos das Irmãs Lauritas, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, nos dias 10 a 14 de maio de 2014 foi feita a declaração[1]:

“Nós, povos tradicionais, levantamos nossas vozes em defesa de nossa mãe! Nossos territórios sagrados de onde brota nossa vida, nossa origem. Os povos indígenas vivenciam um período histórico de negação de direitos territoriais. O modelo de desenvolvimentista adotado pela economia mundial, altamente extrativista-exportador nos veem como empecilho ao dito “desenvolvimento”, “progresso” e nossas comunidades como sinônimo de retrocesso social”.

Sensível a essa realidade, a nossa constituição fundamentou a conquista desse direito em virtude da ocupação originária e tradicional dessas terras pelos índios. Foi reconhecido que esses povos têm direito à posse das terras que ocupam tradicionalmente, como instrumento de perpetuação de seu modo de vida. Têm o usufruto, haja vista que a União é a detentora da nua-propriedade (artigos 20, inciso XI, e 231, § 2º da CF/1988). Quaisquer atos que visem à ocupação, ao domínio ou a posse das terras indígenas devem ser considerados nulos, portanto sem efeitos no mundo jurídico. Não são suscetíveis de reparação pecuniária, salvo quanto às benfeitorias decorrentes da boa-fé. Sendo um direito fundamental, deve receber a devida tutela do poder público, que, especificamente na questão indigenista, tem obrigações positivas (fazer) e obrigações negativas (não fazer), conforme os dispositivos constitucionais que preveem a demarcação das terras e a proteção desses grupos étnicos.

O direito originário dos índios à posse das terras foi cristalinamente reconhecido pelo Egrégio STF no caso da demarcação da Raposa Serra do Sol:

“DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF). (Caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol - Pet 3388 / RR, Min. CARLOS BRITTO, 19/03/2009).

Dito isso, chega-se à conclusão de que a relação entre os índios e a sua terra não é alcançada pelo Código Civil, pois excede o conceito privatista de função social da propriedade. A área utilizada pelos índios para manifestação cultural, caça, pesca e cultivo, e todas as atividades de manutenção de sua organização social e econômica determinarão a posse das terras. Ou seja, a terra dos índios não é apenas terra no sentido físico. Transcende à cultura ocidental o conceito de terra que povos indígenas alcançaram. Segundo essas culturas, a natureza é a sua fonte de vida e espiritualidade. Seus costumes estão visceralmente ligados à interação com o meio ambiente em que vivem. Não dá para desvincular o índio da terra sem violentar sua alma. Essa coexistência é tão frágil que afeta diretamente a vontade de viver dessas pessoas.

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Os povos indígenas sofreram ao longo do processo de conquista e colonização do território brasileiro um verdadeiro “genocídio” físico e intelectual, porém, o advento da Constituição Federal de 1988, reconhecendo direitos fundamentais peculiares a esses povos, mudou o rumo da sua história. No campo do Direito Internacional também se verificou uma mudança de pensamento culminando com a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, durante a 76ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989. Ratificada pelo Congresso Nacional Brasileiro, através do Decreto Legislativo nº 143, somente em 20 de junho de 2002, os setores interessados em sua aprovação conseguiram superar o impasse, não obstante as críticas dos setores políticos mais conservadores, que enxergavam na convenção uma porta aberta para que povos indígenas declarassem independência e fracionassem o território brasileiro.

Embora os tratados internacionais tenham força de lei ordinária em nosso país, é indiscutível a natureza especial oriunda da sua origem, tornando-os diferentes de simples leis ordinárias na sua forma de incorporação ao ordenamento jurídico pátrio, operação, revogação e reclamação. Para boa parte da doutrina, os tratados internacionais devem ser interpretados como normas de hierarquia intermediária, na medida em que são inferiores às normas constitucionais, mas adequadamente interpretadas como superiores às normas ordinárias, como forma de manter o respeito que a República Brasileira assumiu perante o Direito Internacional[2]. Conforme assevera Valério Mazzuoli: “Seria fácil burlar todo o pactuado internacionalmente se por disposições legislativas internas fosse possível modificar tais normas. Se um Estado se obriga livremente a cumprir um acordo internacional, como explicar possa ele editar leis contrárias a todo o pactuado?”. Entendendo que a Convenção 169 da OIT está nessa posição intermediária em nosso sistema jurídico e tem força vinculante, tal norma internacional traz em seu bojo várias proposições de caráter obrigatório para os países signatários, com o objetivo de orientar as ações dos governos em matéria indígena. Como exemplo dessas propostas tem-se o princípio da autonomia de identificação como critério de determinação da condição de índio; o direito de consulta sobre medidas legislativas e administrativas que possam afetar os seus direitos; o direito de participação dos povos indígenas nas instituições eletivas e órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem; o direito a decidirem suas próprias prioridades de desenvolvimento, bem como o direito de participarem da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que lhes afetem diretamente; o direito a serem beneficiados pela distribuição de terras adicionais, quando as terras de que disponham sejam insuficientes para garantir-lhe o indispensável a uma existência digna ou para fazer frente a seu possível crescimento numérico; e o direito a terem facilitadas a comunicação e cooperação entre os povos indígenas através das fronteiras, inclusive por meio de acordo internacionais. Especial atenção deve ser dada ao artigo 13 dessa convenção, pois retrata de forma bastante completa a relação índio-terra:

“Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que, para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. 2.A utilização do termo "terras" nos artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de território, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma”.

Outrora, nenhum dos acordos internacionais de proteção dos direitos humanos dos índios foi tão significativo quanto a Convenção 169 da OIT. Essa declaração serve de fundamento para as principais discussões em torno dos direitos humanos desses povos e constitui-se no único instrumento internacional de caráter vinculante para o Brasil devido a sua ratificação. Hoje a luta é pela real aplicação da convenção, estando superada a questão da validade jurídica.

Retornando à Carta Política de 1988, nesse cenário de proteção da diversidade dos costumes, crenças, tradições e organização social dos povos da floresta, buscou o legislador priorizar a demarcação das suas terras. Com esse propósito, estabeleceu prazo de 5 (cinco) anos para que a União concluísse os trabalhos demarcatórios (artigo 67 do ADCT). As linhas gerais do processo administrativo de demarcação das terras indígenas foram escritas na lei nº 6.001 de 1973 (Estatuto do Índio), bem como no decreto nº 1.775 de 1996. A legislação infraconstitucional atribuiu competência à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para iniciar, orientar e executar a demarcação das terras. O início do processo demarcatório se dá por meio da identificação e delimitação da área tradicionalmente ocupada pelos aborígenes. Para esse mister é formado um grupo de trabalho composto por técnicos da FUNAI que elaboraram os estudos antropológicos e de natureza etnográfica, histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário. Esses levantamentos devem caracterizar e fundamentar a terra como tradicionalmente ocupada pelos índios interessados, que precisam participar ativamente de todas as fases da identificação e delimitação da terra a ser administrativamente reconhecida como condição de validade do processo. Os técnicos fazem os estudos e levantamentos em campo, nos centros de documentação, nos órgãos fundiários municipais, estaduais e federais, e em cartórios de registros de imóveis, visando à elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área estudada, base para o ato administrativo de demarcação. Sendo o processo demarcatório aprovado pelo Presidente da FUNAI, a área é declarada de ocupação tradicional do grupo indígena através de portaria do Ministro da Justiça publicada no Diário Oficial da União, reconhecendo-se, assim, formal e objetivamente, o direito originário indígena sobre uma específica extensão do território brasileiro.

Reconhecido o direito à terra como direito fundamental dos povos indígenas, o passo seguinte é analisar se o mesmo está sendo respeitado, conforme os preceitos constitucionalmente estabelecidos. Assim como justiça tardia não faz justiça, ação pública desidiosa também não atende aos anseios das pessoas, no caso em estudo, dos indígenas. Não basta haver a lei, pois, sem ações, a letra da norma continuará fria e silenciosa. Não basta o reconhecimento de um direito, se não houver políticas públicas que viabilizem o seu exercício. Infelizmente é essa realidade diária das populações indígenas no Brasil. As manifestações desses povos têm se tornado uma matéria repetitiva nos noticiários nacionais. Por quê? Nessa tentativa de esclarecer os fatos será iniciado o próximo tópico com a apresentação da questão fundiária dos povos indígenas que habitam o Médio e Baixo Rio Negro no Estado do Amazonas, a qual reflete a situação da maioria das aldeias espalhadas pelo nosso país.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINIANO, Cyro Alexander Azevedo. Os desafios da administração pública e a necessidade da tutela judicial ao direito fundamental dos índios à demarcação de terras no Médio e Baixo Rio Negro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4790, 12 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35513. Acesso em: 22 dez. 2024.

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