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Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho

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28/10/2016 às 13:08
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A aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, em análise pelas normas de direito penal, processual penal e tributário, pode servir como instrumento de razoabilidade e interpretação restritiva.

1 Princípios Jurídicos. 2 Princípios aplicáveis ao Direito Penal. 2.1 Princípio da Intervenção Mínima. 2.2 Princípio da Fragmentariedade. 3 Princípio da Insignificância.              3.1 Origem. 3.2 Conceito. 4 Princípio da Insignificância como instrumento de razoabilidade e interpretação restritiva. 5 Exclusão da Tipicidade penal. 6 Bem jurídico penal. 7 Incidência do Princípio da Insignificância segundo a doutrina. 8 Incidência do Princípio da Insignificância segundo a jurisprudência. 9 Crime de descaminho e o bem jurídico protegido pela norma penal. 10 Evolução da aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, segundo a jurisprudência. 11 Entendimento quanto à aplicação do princípio da insignificância no delito de descaminho. 12 Conclusão.


1 Princípios Jurídicos

O significado do termo “princípio” provém do latim principiare, que significa: “aquilo que se toma primeiro”. Portanto, indica início, fonte primária, ponto de partida. Constitui-se em alicerce de toda ciência, a base de construção científica ordenada, que garante a compreensão de modo organizado de todo o sistema.

O autor francês André Lalande (1996, p. 861), na sua obra “Vocabulário técnico e crítico da filosofia”, conceitua os “princípios de uma ciência”, como:

(…) conjunto de preposições diretivas, características, às quais todo o desenvolvimento ulterior deve ser subordinado. Princípio, nesse sentido, e principal evocam, sobretudo a ideia do que é primeiro em importância e, na ordem de assentimento, do que é “fundamental”. 

Para o jurista Maurício Antônio Ribeiro Lopes (1997, p. 29), é o:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico.

No campo da ciência jurídica, os princípios devem ser vistos como normas fundamentais que regulam conflitos em casos concretos. Celso Antônio Bandeira de Mello (1994, p. 15) afirma que somente “há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do Direito”.

Segundo Paulo Bonavides (1994, p. 255), os princípios jurídicos cumprem três funções clássicas: fundamentadora, interpretativa e supletiva.

         

A primeira função consiste na capacidade de servir de fonte primária, de alicerce, ao ordenamento jurídico, em razão de representarem os valores supremos da sociedade. Assim, Daniel Sarmento (2000, p. 54) ensina:

(…) em primeiro lugar, em razão da sua acentuada carga axiológica e proximidade do conceito de justiça, os princípios constitucionais assumem a função de fundamento de legitimidade da ordem jurídico-positiva, porque corporificam, nas palavras de Paulo Bonavides, os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional.

A segunda função dos princípios, interpretativa, serve de orientação aos juristas na interpretação da legislação, para adequá-la aos valores fundamentais considerados em cada ramo do direito. Nesse sentido, Daniel Sarmento (2000, p. 54):

(...) os princípios constitucionais desempenham também um papel hermenêutico constitucional, configurando-se como genuínos vetores exegéticos para a compreensão e aplicação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais. Neste sentido, os princípios constitucionais representam o fio-condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete em consonância com os valores e interesses por eles abrigados.

Por fim, a terceira função dos princípios (supletiva), lhe incube a tarefa de complementar a ordem jurídica quando constatada a inexistência de legislação regulando o caso em apreciação. No que tange a essa função, Daniel Sarmento (2000, p. 54) assim expõe: "os princípios constitucionais apresentam, ainda, uma função supletiva, regulando imediatamente o comportamento dos seus destinatários, diante da inexistência de regras constitucionais específicas sobre determinadas matérias".

Verifica-se, pois, que as funções permitem aos princípios resguardarem a unidade da ordem jurídica, assegurando a integração e harmonia, bem como a atualização permanente do sistema jurídico positivo.

Daí a importância do estudo dos princípios e de suas aplicações em casos concretos, vez que são marcos regulatórios para qualquer intérprete da ciência jurídica.

Assim, considerando o princípio como definidor de todo o sistema jurídico, tido como preceito fundamental para a prática e proteção aos direitos, conclui-se que é muito mais grave transgredir um princípio do que transgredir uma norma expressa, pois, assim agindo, ofende-se não apenas um mandamento obrigatório específico, mas todo o conjunto sistêmico.


2 Princípios aplicáveis ao Direito Penal

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, possui características garantistas, prevendo em seu bojo vários princípios fundamentais de garantias aos cidadãos, todos aplicáveis em matéria penal.

Esses princípios constituem o alicerce do Direito Penal moderno, assegurando aos cidadãos garantias e direitos fundamentais em face do poder punitivo do Estado, do qual é exemplo o “Princípio da Presunção de Inocência”.

É importante destacar que, além dos expressamente previstos na Constituição Federal, existem princípios implícitos que também regem o Direito Penal, “já que a construção e aplicação das normas penais devem, imperiosamente, estar em consonância com o sentido da justiça e liberdade proposta pela Constituição” (SILVA, 2004, p. 74).

Os doutrinadores pátrios retiram da Constituição Federal vários princípios que devem reger o Direito Penal, senão vejamos:

René Anel Dotti (1985, p. 27-39), segundo as bases constitucionais do Direito Penal, apresenta os seguintes: intervenção mínima, intervenção legali­zada, legalidade dos ilícitos e das sanções, irretroatividade da lei mais severa e retroatividade da lei mais benigna, personalidade e individuali­zação das sanções, responsabilidade em função da culpa, retribuição proporcionada, reações penais como processo de diálogo (finalidade da pena) e humanidade das sanções.

Cézar Roberto Bitencourt (2007, p. 10-24) relaciona os seguintes: legali­dade ou da reserva legal, intervenção mínima, fragmentariedade, culpabilidade, humani­dade, irretroatividade da lei penal, adequação social, insignificância, ofensividade e proporcionalidade.

Por sua vez, Luiz Régis Prado, (2000, p. 78-86) aponta como princípios: legalidade, irretroatividade, culpabilidade, exclusiva proteção dos bens jurídicos, intervenção mínima, fragmentariedade, pessoalidade, indi­vidualização da pena, proporcionalidade, humanidade, adequação so­cial e insignificância.

Percebe-se, assim, que os princípios que regulam a aplicação do Direito Penal, apesar da variedade, possuem características comuns, todas ligadas à interpretação do texto constitucional e em consonância com a proteção do princí­pio da liberdade que permeia as estruturas de um Estado Democrático de Direito (SILVA, 2004, p. 76).

Destarte, como visto, alguns princípios que não estão expressamente previstos na Constituição Federal são plenamente aceitos pela doutrina e pela jurisprudência. Três deles são de extrema importância para o presente estudo, quais sejam: os Princípios da Intervenção Mínima, da Fragmentariedade e, por fim, o da Insignificância.

Não obstante o objeto do presente trabalho ser a aplicação do Princípio da Insignificância, mister se faz a compreensão dos outros dois princípios suso mencionados, vez que aquele (insignificância) deriva, exatamente, desse contexto de Direito Penal mínimo e fragmentário, consoante restará evidente nas linhas a seguir.

2.1 Princípio da Intervenção Mínima 

O Princípio da Intervenção Mínima tem como destinatário o próprio criador da norma, vez que impõe limites ao arbítrio do legislador, impedindo que sejam cominadas sanções cruéis e degradantes.

Desse princípio também se ressai que o Direito Penal tem características subsidiárias com relação aos outros ramos do direito, já que as sanções penais só devem incidir quando houverem fracassado as demais formas protetoras do bem jurídico tutelado.

É dizer: a intervenção penal só é legítima quando os outros ramos do direito estiverem ausentes, falharem ou forem insuficientes para prevenir ou punir uma conduta ilícita e socialmente reprovável, ou seja, o Direito Penal só atuará quando  estiverem esgotados todos os meios extrapenais de controle social, pois, modernamente, a incidência das normas de Direito Penal deve ser entendida como último recurso (ultima ratio).

Nesse sentido, traz-se à colação ensinamento de Cézar Roberto Bitencourt (2007, p. 13) :

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.

(…)

Resumindo, antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social, e somente quando tais meios se mostrarem insuficientes à tutela de determinado bem jurídico justificar-se-á a utilização daquele meio repressivo de controle social.

2.2 Princípio da Fragmentariedade

Existem alguns fatos ilícitos que, pela irrelevância do resultado, não justificam a intervenção do Estado. Decorre daí que o Direito Penal alcança apenas os fatos ilícitos mais graves, que ferem de modo vultuoso o bem jurídico protegido pela norma penal, portanto, a fragmentariedade do Direito Penal é corolário do Princípio da Intervenção Mínima do Estado.

Segundo o Princípio da Fragmentariedade, o Direito Penal deve se limitar a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes. A fragmentariedade é um critério para a criminalização das condutas, não representando, de forma alguma, lacunosidade deliberada na tutela de certos bens e valores, e sim, o limite necessário para evitar um totalitarismo pernicioso à liberdade (Prado, 2000, p. 120).

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Sobre o caráter fragmentário do Direito Penal, Nilo Batista (2002, p. 86) assevera que, "se o fim da pena é fazer justiça, toda e qualquer ofensa ao bem jurídico deve ser castigada; se o fim da pena é evitar o crime, cabe indagar da necessidade, da eficiência e oportunidade de cominá-la para tal ou qual ofensa".

Extrai-se dessa orientação que nem toda conduta lesiva aos bens jurídicos será censurada pelo Direito Penal. Da mesma forma, nem todo bem jurídico receberá a proteção penal.

Sobre o Princípio da Fragmentariedade, Paulo de Souza Queiroz (1998, p. 119), faz as seguintes ponderações:

É sabido que não outorga o direito penal proteção absoluta aos bens jurídicos (vida, integridade física, honra etc.), e sim relativa; que não constitui um sistema exaustivo, cerrado, de ilicitudes, mas descontínuo. Ou seja, não protege todos os bens jurídicos, e sim, os mais fundamentais, e nem sequer os protege em face de qualquer classe de atentados, mas tão-só dos ataques mais intoleráveis. Daí dizer-se fragmentária essa proteção (caráter fragmentário), pois se concentra o direito penal não sobre um todo de uma dada realidade, mas sobre fragmentos dessa realidade de que cuida, é dizer, sobre interesses jurídicos relevantes cuja proteção penal seja absolutamente indispensável.

Decorre desses preceitos que o Direito Penal, por sua qualidade fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não devendo “preocupar-se com bagatelas. O mesmo entendimento é o de Claus Roxin, para quem o princípio da insignificância permite na maioria dos tipos penais fazer-se a exclusão, desde o início, dos danos de pouca importância". (TOLEDO, 2000, p. 122).

Percebe-se, à evidência, a correlação entre os Princípios da Interveção Mínima e da Fragmentariedade com o Princípio da Insignificância, pois este materializa as diretrizes determinadas por aqueles, excluindo a tipicidade da conduta.

Sim, o Princípio da Insignificância age como instrumento de seleção qualitativo-quantitativo das condutas mais graves contra os bens jurídicos atacados, com o fito de estabelecer um padrão razoável de aplicação da lei criminal, denominado de "mínimo ético" do Direito Penal, e compõe um sistema comedido para eliminar as injustiças formais da lei penal, firmado nos pressupostos de defesa dos interesses humanos fundamentais, previstos na Constituição Federal (SILVA, 2004, p. 127).

Ante a importância do tema para o este estudo, passar-se-á à análise detalhada do Princípio da Insignificância.


3 Princípio da Insignificância

3.1 Origem

O Princípio da Insignificância surgiu desde a época do direito romano, onde o pretor não cuidava de causas ou delitos de menor importância, contudo, foi  modernamente evidenciado pelo professor alemão Claux Roxim em 1964, partindo do brocardo latino: minima non curat praetor, ou minimis non curat praetor ou, ainda, de minimis praetor non curat, o qual significa que o Estado ou “o magistrado (sentido de praetor em latim medieval) deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”  (REBÊLO, 2000, p. 31).

Eis as palavras do jurista alemão Claux Roxim (1972, p. 53) sobre o Princípio da Insignificância:

(...) hacen falta princípios como el introducido por Welzel, de adecuación social, que no es una característica del tipo, pero sí un auxiliar interpretativo para restringir el tenor literal que acoge también formas de condutas socialmente admissibles. A esto pertence además el llamado principio de Ia insignificancia, que permite en Ia mayoría de los tipos excluir desde un principio daños de poca importância (…). Si con estos planteamientos se organizara de nuevo consecuentemente Ia instrumentación de nuestra interpretación del tipo, se lograría, además de una mejor interpretación, una importante aportación para reducir Ia criminalidade en nuestro país.

No Brasil, o primeiro a encampar essa teoria foi Francisco de Assis Toledo (1999, p.133), que assim discorreu sobre o tema:

Wensel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso, Claus Roxim propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para determinação do injusto, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do princípio da insignificância que permite na maioria dos tipos excluir danos de pouca importância.

3.2 Conceito

Ab initio, cumpre consignar que o Princípio da Insignificância não se apresenta de forma explícita no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, tem a sua aplicação assegurada pela doutrina e por diversas decisões judiciais sempre que o delito praticado não expressar grande prejuízo ao bem jurídico tutelado na norma penal.

Para definir o Princípio da Insignificância, Francisco de Assis Toledo (1999, p.133), precursor da tese, consignou:

Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve       ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma             significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art. 334,          parágrafo 1º, “d”, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja    quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por diante.

Destarte, o renomado professor defende a atipicidade do fato que, dada a sua irrelevância, sequer ofende o bem jurídico protegido. Apenas os ataques mais lesivos e inadequados socialmente poderão receber a atenção e a proteção do direito penal. Percebe-se, no entanto, que, para se chegar a tais conclusões, o intérprete não poderá dissociar-se dos postulados de intervenção mínima e fragmentariedade do Direito Penal.

Portanto, não é qualquer violação à norma que será capaz de configurar o injusto penal típico. É necessário que haja ofensa de gravidade relevante ao bem jurídico tutelado. Desse modo, certos fatos que se enquadram no tipo penal podem ter a tipicidade da conduta, de pronto, afastada, por não apresentarem nenhuma relevância material, já que o bem jurídico não chegou verdadeiramente a ser lesado.  

Nesse sentido, é a lição de Cezar Roberto Bitencourt (2007, p. 245), verbis:

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio da bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser tutelado.

(...).

Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através de consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, “a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, conseqüentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de estabelecer à simples luz de sua consideração isolada.”

Por sua vez, o doutrinador Carlos Vico Manãs (1994, p. 81) firmou entendimento situando o Princípio da Insignificância como causa de exclusão da tipicidade, asseverando que o juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e não atinja fatos que devem ser estranhos ao Direito Penal, seja pela sua aceitação perante a sociedade, seja pelo dano social irrelevante, deve entender o tipo na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob o seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo. Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o Direito Penal só deve ir até aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico tutelado pela norma penal, não se ocupando de causas insignificantes.

Já Zaffaroni e Pierangeli (1997) estabelecem que a insignificância da afetação de bens jurídicos exclui a tipicidade, mas só pode ser definida mediante consideração conglobada da norma. Para esses autores, o Princípio da Insignificância seria causa de atipicidade conglobante.

Diomar Ackel Filho (1988, p. 73), de sua parte, entende que o Princípio da Insignificância é aquele que permite invalidar a tipicidade de fatos que, “por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, despidas de reprovação, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta o juízo de censura penal”.

Percebe-se, pois, que a doutrina aceita a aplicação do Princípio da Insignificância como forma de exclusão da tipicidade penal em algumas condutas que, embora formalmente tipificadas (ou descritas) como crime, devem ser excluídas da incidência da norma penal, por não ferirem em grande monta o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.    

É dizer: não é qualquer violação à norma que será capaz de configurar o injusto penal típico; é necessário que haja ofensa de gravidade relevante ao bem jurídico tutelado.

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Sobre o autor
Eider Nogueira Mendes Neto

Advogado. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU; Especialista em Direito Público pela Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Assessor da Procuradoria Geral da República, Brasília, 2003/2010.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES NETO, Eider Nogueira. Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4867, 28 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35559. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

O Artigo foi apresentado ao final do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal, realizado pela Escola Superior do Ministério Público da União, em Brasília/DF. O obra foi, recentemente, foi publicado no livro “Direito Penal Especial” da Escola Superior do MPU, apresentada pelo renomado Doutrinador Penalista EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, com prefácio e organização do Professor e Procurador da Regional de República DOUGLAS FISCHER.

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