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Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho

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28/10/2016 às 13:08
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4 Princípio da Insignificância como instrumento de razoabilidade e interpretação restritiva

Após a análise do conceito do Princípio da Insignificância, conclui-se que este deve ser entendido como um recurso de interpretação restritiva do Direito Penal. Através dele, entende-se o texto penal com base em critérios de equidade e de razoabilidade para restringir a amplitude abstrata do tipo penal.

Não se pretende, com a interpretação do Princípio da Insignificância afastar a incidência da lei penal, mas aplicá-la da forma mais correta, com moderação, igualdade e razoabilidade, ainda que em detrimento do direito objetivo, de modo a alcançar-se o sentido material da Justiça (SILVA, 2004, p. 109). Isto porque se busca evitar a prática de injustiças decorrentes de uma aplicação radical da lei.

Corroborando esse entendimento, assevera Diomar Ackel (1998, p. 73):

O princípio da insignificância se ajusta à eqüidade e cor­reta interpretação do Direito. Por aquela, acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em uma sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tu­telados pelo Direito Penal. Por esta, se exige uma her­menêutica mais condizente do direito, que se não pode ater a critérios inflexíveis de exegese, sob pena de se desvirtuar o sentido da própria norma e conduzir a graves injustiças.

Assim, a lei penal, entendida como critério de razoabilidade, visa descrever uma fronteira para reduzir os tipos penais expressos por meio de uma “fixação criteriosa de métodos reconhecedores e desconhecedores da relevância ético-jurídica de fatos praticados, através de uma interpretação atual e ontológica da pró­pria norma, individualmente considerada, e de Direito, como siste­ma” (LOPES, 1997, p. 58).

Nesse passo, mister reconhecer que o Princípio da Insignificância faz uso do juízo de razoabilidade com o objetivo de identificar o sentido material da lei penal e, por consequência, alcançar o primado da Justiça.

Sobre a matéria, pontifica Ivan Luiz da Silva (2004, p. 111):

A função do Princípio da Insignificância consiste em servir de instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, tomando-o como possuidor de um conteúdo material, para excluir do âmbito da tei penal condutas formalmente típicas que, em face de sua escassa lesividade, não demonstram relevância jurídica para o Direito Penal.

Conclui-se, pois, que o Princípio da Insignificância, através de critérios de moderação, igualdade e razoabilidade, caracteriza-se por ser um instrumento de interpretação restritiva do Direito Penal, com o propósito de evitar que injustiças sejam causadas pela aplicação literal da legislação castrense.

Doutra banda, é importante esclarecer que o Princípio da Insignificância não poderá ser utilizado de forma desregrada ou excessiva, pois, se utilizado com amplitude exagerada e arbitrária, também provocará situações de injustiça para a vítima. Daí a necessidade de ser aplicado em conjunto com o Princípio da Razoabilidade.

Marcelo Lopes (2000, p. 53-54) adverte sobre os riscos da imprecisão e ampliação da interpretação do Princípio da Insignificância:

Apenas o registro, porque parece faltar à doutrina, como um todo, a evidenciação do procedimento reconhecedor da criminalidade de bagatela. Urge retirá-la do empirismo, da conceituação meramente individual e pessoal de cada autor ou pretor que faça do seu senso de justiça um conceito particular de bagatela. Esse é o caminho mais curto ao caos e à ruína do princípio, posto que, construído para a garantização da justiça material, aplicado arbitrariamente tende a reproduzir escala de injustiça análoga à praticada pelo sistema legal em sua dogmática.

(...)Deixar vazar sem controle a amplitude do princípio da insignificância implica não apenas na quebra da garantia do princípio da legalidade - que de resto já é transformado pelo princípio da bagatela - mas na ruptura daquilo que se tornou a razão mais nobre para a sua defesa - a igualdade.             

Repise-se: o Princípio da Insignificância não tem a intenção de afastar a incidência da lei penal de modo discricionário, mas sim, de aplicá-la da forma mais correta possível, por critérios de razoabilidade, especialmente.


5 Exclusão da tipicidade penal

Para que uma conduta humana seja considerada criminosa, é imprescindível a presença de todos os elementos constitutivos do tipo. Em primeiro lugar, a existência de seu ajuste perfeito a uma descrição delituosa contida na lei penal, com prévia cominação legal (Princípio da Legalidade). Além disso, a conduta deve ser materialmente ofensiva, ou ainda perigosa ao bem jurídico tutelado, ou ética e socialmente reprovável. Ações toleradas pela coletividade ou causadoras de danos desprezíveis ao bem protegido pela norma penal não são compreendidas pelo tipo legal do crime.

Para a caracterização da tipicidade penal será necessária a conjugação de três feições: a tipicidade formal ou objetiva, o aspecto subjetivo e a tipicidade material ou normativa.

A tipicidade formal define-se pelo enquadramento da conduta praticada pelo agente ao tipo definido no texto legal; o aspecto subjetivo expressa o dolo do agente, o animus de cometer o delito e, finalmente, o aspecto material pressupõe averiguar se o ato praticado provoca lesão ao bem jurídico tutelado, ou seja, se possui relevância penal.

Tais aspectos da tipicidade penal foram definidos pelo E. Ministro Arnaldo Esteves Lima, na decisão monocrática proferida nos autos do REsp n° 1084434/PR, publicada em 12/02/2009, verbis:

A moderna doutrina (Teoria Constitucionalista do Delito) desmembra a tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico, em três aspectos: o formal ou objetivo, o subjetivo e o material ou normativo.

A tipicidade formal consiste na perfeita subsunção da conduta do agente ao tipo (abstrato) previsto na lei penal, possuindo como elementos: a conduta humana voluntária, o resultado jurídico, o nexo de causalidade e a adequação formal.

O aspecto subjetivo do fato típico expressa o caráter psicológico do agente, consistente no dolo.

A tipicidade material, por sua vez, implica a verificação se a conduta – subjetiva e formalmente típica – possui relevância penal, em face da significância da lesão provocada no bem jurídico tutelado, observando-se o desvalor da conduta, o nexo de imputação e o desvalor do resultado, do qual se exige ser real, transcendental, intolerável e grave (significante).

Assim, para a caracterização da tipicidade penal, além da existência do dolo do agente, será necessário a soma da tipicidade formal (conformação do fato à letra da lei) com a tipicidade material (valoração da ofensa ao bem jurídico no caso concreto).

Destarte, o operador do direito deve entender o tipo penal não apenas sob o aspecto formal, de cunho diretivo, mas também na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, eis que algumas condutas que aparentam ser típicas, antijurídicas e culpáveis, em certos casos, não caracterizam infração penal por não ofenderem o bem jurídico tutelado, pois, excluída está a tipicidade material. A ação há de ser ofensiva ou perigosa a um bem jurídico (LOPES, 1997, p. 113).

Conclui-se, portanto, que devem ser levadas em consideração tanto a aceitação social da conduta, quanto a sua lesividade, para a aplicação do Princípio da Insignificância, só se justificando a intervenção do Estado quando a lesão ferir de forma relevante o bem jurídico tutelado. Assim, ficando caracterizada apenas a tipicidade formal, a conduta não possuirá relevância jurídica penal, o que afasta a aplicação das sanções previstas nas normas penais, ante o postulado da insignificância.


6 Bem jurídico penal

            Consoante definido nos tópicos anteriores, o Direito Penal, como ciência de caráter fragmentário e subsidiário, atuante na proteção dos bens jurídicos tutelados na norma penal, deve ser aplicado apenas quando ficar evidenciado algum perigo concreto a valores fundamentais da sociedade, ou seja, só incide até o limite necessário para a proteção do bem jurídico.

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Assevera Carlos Ismar Baraldi (1994, p. 33):

(...) o Direito Penal, para ser visto com olhos de jurista, não deve ser confundido com a “Tábua dos Dez Mandamentos”, a orientar a conduta ética das pessoas; ao contrário, como ciência de caráter fragmentário, que atua na proteção de bens jurídicos, seletiva e rigorosamente determinados e previamente definidos em lei. Assim, como nem tudo que é imoral é ilegal a ponto de merecer sua proteção, ainda que se entenda ter havido lesão à ordem moral, um fato não merecerá sua tutela se não houve lesão a um bem jurídico protegido. Inocorreu ilicitude penal. Vejam se os casos – tormentosos casos – das mães de aluguel, da união familiar de homossexuais e das operações para “mudança de sexo” destes últimos, onde há flagrante lesão da ordem moral sem, contudo, haver crime.

Da interpretação de valores intrínsecos da sociedade e a necessidade de proteção da vítima, nasce o bem jurídico tutelado pela norma, que servirá de marco para o legislador criar os tipos penais e suas penas de acordo com a gravidade da conduta. Assim, o bem jurídico constitui “conceito central das teorias do tipo e do delito, que guarda estreito paralelismo com a concepção geral do direito do estado que se adote” (ZAFFARONI e PIERANGELI, 1997, p. 440).

Sobre o tema, leciona Everardo da Cunha Luna (1985, p.14):

(...) o princípio do bem jurídico é a segunda construção dogmática penal inspirada pelas ideias liberais no Estado de Direito. Uma ação humana só é criminosa quando viola um bem protegido pela norma jurídica. Todos os elementos materiais do crime podem estar presentes numa determinada ação, mas se o bem jurídico, protegido pela lei, não foi lesado pela ação, o crime não se configura. Assim, no exemplo de Giuseppe Biettiol, uma falsificação grosseira não é uma falsificação criminosa. Como não é furto a subtração de coisa alheia de valor ínfimo. Como a diminuta lesão corporal não é crime de lesão corporal. Os bens jurídicos são objetivos, limitados, e estão contidos na lei, expressa ou implicitamente. A vida, a integridade corporal, a saúde, a honra, a liberdade pessoal, o patrimônio, o sentimento religioso, a administração pública etc., são bens jurídicos, bens indispensáveis ao homem e à sociedade.

No mesmo sentido é a lição de Raul Zaffaroni e José Pierangeli (1997, p. 439):

Não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens. Embora seja certo que o delito é algo mais - ou muito mais - que a lesão a um bem jurídico, esta lesão é indispensável para configurar a tipicidade. É por isto que o bem jurídico desempenha um papel central na teoria do tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal. Sem o bem jurídico, não há um "para quê?" do tipo e, portanto, não há possibilidade alguma de interpretação teleológica da lei penal. Sem o bem jurídico, caímos num formalismo legal, numa "jurisprudência de conceitos".

(...)

Quando não se pergunta para que a norma proíbe essa conduta, só nos resta dizer que o dever se impõe por si mesmo, porque é o capricho, o preconceito, o empenho arbitrário de um legislador irracional. Resultará violado o princípio republicano de governo (art. 1° da CF), que impõe a racionalidade de seus atos. (...) O bem jurídico cumpre duas funções, que são duas razões fundamentais pelas quais não podemos dele prescindir; a) uma função garantidora, que emerge do princípio republicano; uma função teleológico-sistemática, que dá sentido à proibição manifestada do tipo e a limita. Ambas funções são necessárias para que o direito penal se mantenha dentro dos limites da racionalidade dos atos de governo, impostos pelo princípio republicano (...).

Verifica-se, pois, que os objetivos dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal são a proteção do ofendido e a proteção da coletividade. O seu fim precípuo é o resguardo da vítima e, em especial, da sociedade, protegendo tudo aquilo que é importante para o grupo de indivíduos, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a honra, a liberdade, o patrimônio e a paz pública, para citar alguns.

Deste modo, repisa-se, para a aplicação das sanções previstas nas normas penais é necessário que o bem jurídico tutelado (considerado como elemento central do injusto penal), eleito pelo legislador em razão dos valores da sociedade, tenha sido violado de maneira representativa, gerando, ao menos, desconforto ao valor protegido pela norma.

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Sobre o autor
Eider Nogueira Mendes Neto

Advogado. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU; Especialista em Direito Público pela Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Assessor da Procuradoria Geral da República, Brasília, 2003/2010.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES NETO, Eider Nogueira. Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4867, 28 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35559. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

O Artigo foi apresentado ao final do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal, realizado pela Escola Superior do Ministério Público da União, em Brasília/DF. O obra foi, recentemente, foi publicado no livro “Direito Penal Especial” da Escola Superior do MPU, apresentada pelo renomado Doutrinador Penalista EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, com prefácio e organização do Professor e Procurador da Regional de República DOUGLAS FISCHER.

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