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Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho

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28/10/2016 às 13:08
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7 Incidência do Princípio da Insignificância segundo a doutrina

Grande parcela dos casos de aplicação do Princípio da Insignificância se dá nos delitos contra o patrimônio privado, como, por exemplo, no crime de furto, já que a mensuração do grau da ofensa praticada é de mais fácil percepção.

Rogério Greco (2008, p. 86) sustenta a sua incidência “nos delitos de furto, dano, peculato, lesões corporais, consumo de drogas, etc”.

Já Paulo Queiroz (1998, p.52), ao fazer uma correlação com o Princípio da Proporcionalidade, invoca o Princípio da Insignificância “nos crimes violentos ou com grave ameaça à pessoa, consumados ou tentados, se não para absolver o réu, pelo menos para desclassificar a infração penal, por exemplo, em crimes complexos, como o roubo (CP, art.157)”.

A doutrina não coloca limites para incidência do Princípo da Insignificância, admitindo, também, a sua aplicação nos delitos que atingem o patrimônio público, como no crime de descaminho.

Nessa linha de pensamento, assevera Luiz Flávio Gomes (2005, p. 14):

A novidade na matéria, agora, reside na Portaria n. 49, de 01.04.2004, do Ministério da Fazenda, que autoriza: a) a não inscrição como dívida ativa da União e débitos com a fazenda nacional de valor até R$ 1.000,00 e b) o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos até R$ 10.000,00. Ora, se esse último valor não é relevante para fins fiscais, com muito maior razão não o será para fins penais. Débitos fiscais com a Fazenda Pública da União até R$ 10.000,00, em suma, devem ser considerados penalmente irrelevantes. Se sequer é o caso de execução, com maior razão não deve ter incidência no direito penal.

Frise-se, por oportuno, que a maioria dos doutrinadores não apresentam óbice para a aplicação do Princípio da Insignificância em delitos que ferem o patrimônio público, entretando, o valor de referência utilizado é que vem causando grande polêmica, pois não admitem “que seja delito de bagatela aquele que atinge o património público de forma grave, este composto de valores administrados pelo Estado, mas pertencentes ao povo” (AMORIM, 2007, p. 27).


8 Incidência do Princípio da Insignificância segundo a jurisprudência

Os Tribunais pátrios também admitem a aplicação do Princípio da Insignificância nos mais diversos crimes. Contudo, na maioria dos casos, não aceitam a sua aplicação nos crimes contra a administração pública porque os bens jurídicos tutelados nesses delitos são a moral administrativa e o patrimônio, e aquela não pode ser mensurada como ínfima (REsp 655.946/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27.02.2007, DJ 26.03.2007 p. 273.).

A exceção a essa regra acontece quanto ao crime de descaminho, pois todos os Tribunais admitem a possibilidade de aplicação do referido princípio, que exclui a tipicidade material. Entretanto, consoante ocorre na doutrina, existe discórdia, mas, tão-somente, no que tange ao valor utilizado para o reconhecimento da insignificância. 

Para a aplicação do Princípio da Insignificância, seja qual for o crime, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com respaldo em julgados do Supremo Tribunal Federal, vem exigindo, além da inexpressividade da lesão jurídica provocada, mais três elementos para que haja a sua incidência, quais sejam, a mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.

Nesse sentido, decidiu o E. Ministro Arnaldo Esteves Lima, no REsp n° 1084434/PR, publicado em 12/02/2009, verbis:

Com efeito, consoante asseverou, com absoluta propriedade, o Min. CELSO DE MELLO, no julgamento do HC 84.412/SP, para a incidência do princípio da insignificância, faz-se necessária a incidência de quatro vetores, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Segundo o relator, “O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo      importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (DJ de 19/11/04).


9 Crime de descaminho e o bem jurídico protegido pela norma penal

Feitas todas as observações quanto à possibilidade de incidência do Princípio da Insignificância, passar-se-á à análise da conduta típica definida no artigo 334 do Código Penal, especificamente o crime de descaminho (objeto deste estudo), definido na segunda parte da norma mencionada, senão vejamos:

Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos. (grifos nosso).

Consoante define Damásio de Jesus (2000, p. 880), o termo descaminho   significa fraude no pagamento de impostos e taxas devidas para entrada ou saída de mercadorias no País. Tais entradas ou saídas do produto são permitidas no território nacional, contudo, o autor do crime frauda o pagamento do tributo exigido, ou seja, o agente engana o Poder Público, deixando de efetuar o pagamento devido mediante expediente fraudulento.

O crime de descaminho, por ser delito comum, pode ser praticado por    qualquer pessoa, tendo sempre como sujeito passivo o Estado, principal interessado na regularidade da importação ou exportação de mercadorias e na cobrança dos   direitos e impostos delas decorrentes (MIRABETE, 2001, p. 385).

O crime consuma-se quando se configura a burla, no todo ou em parte, no pagamento de direito ou de imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria. O delito, dessa maneira, resta consumado quando ocorrer a liberação pela alfândega, isto é, no instante em que é ultrapassada a fiscalização sem o pagamento do imposto devido, ou ainda na modalidade de exportação, ou seja, com a saída da mercadoria do território nacional. 

Percebe-se, pois, desses postulados, que o bem jurídico tutelado no delito de descaminho é a administração pública em seu interesse fiscal, portanto, é a arrecadação tributária que se pretende preservar.

Deste modo, para que se caracterize uma lesão relevante no delito de descaminho, é imprescindível mensurar o valor do tributo iludido, para, só então, definir se houve lesão tributária relevante ao bem jurídico tutelado pelo Estado.


10 Evolução da aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, conforme a jurisprudência

Consoante registrado em tópico anterior, a jurisprudência admite a incidência do Princípio da Insignificância na hipótese do crime de descaminho, apesar de ser considerado delito contra a administração pública, que tem como bens jurídicos a moral administrativa e o seu patrimônio.

Desde os tempos do extinto Tribunal Federal de Recursos, os julgadores admitiam a sua aplicação, bastando que ficasse demonstrado a pequena quantidade de mercadoria apreendida, a boa-fé do agente e a ausência de destinação comercial (Gomes Filho, p. 3).

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal exige, para aplicação do Princípio da Insignificância, a presença de quatro requisitos, que devem ser considerados em qualquer crime, quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No que tange ao crime de descaminho, percebe-se claramente que os agentes, ao cometerem o delito, se enquadram nas hipóteses das letras “b” e “c”, vez que, realmente, é reduzida a periculosidade social da ação, não apresentando riscos à sociedade, já que os bens descaminhados são equivalentes aos livremente comercializados no Brasil. Da mesma forma, não é grave a reprovabilidade do comportamento, pois os bens adquiridos são lícitos.

Quanto aos outros dois requisitos: a) a mínima ofensividade da conduta do agente e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, é que surge a divergência na doutrina e nos julgados dos diversos Tribunais. Isto porque, para a sua aferição, será necessário analisar o montante em dinheiro que deixou de ser recolhido aos cofres públicos, devendo esse valor ser mínimo e refletir uma inexpressividade da lesão provocada ao bem jurídico que, no caso do descaminho, é o montante do tributo que não foi devidamente recolhido.

É certo que no delito de descaminho, as normas de Direito Tributário influenciarão na hipótese de aplicação do Princípio da Insignificância, pois, o bem jurídico protegido é o interesse fiscal da Administração Pública. Trata-se, pois, de um crime de sonegação fiscal, sendo o Direito Tributário responsável por fornecer os limites para a tipicidade material desses delitos.

Surge, então, desses postulados, a divergência de interpretação a respeito do valor que dever ser considerado para efeito de aplicação do Princípio da Insignificância.

A tese da aplicação do Princípio da Insignificância no crime de descaminho surgiu na comparação entre o valor do tributo supostamente sonegado e aqueles valores concebidos como desinteressantes para a Fazenda Pública realizar a inscrição em dívida ativa ou propor ação de execução fiscal.

Assim, encampou-se a tese do direito penal mínimo, ou seja, se o próprio Estado expressava seu desinteresse na exigência do tributo, não deveria ser aplicado o direito penal.

No Brasil, sucederam-se diversos diplomas legais tributários, onde vinham expressos os valores mínimos passíveis de cobrança pelo Estado, os quais passaram a servir de baliza para a aplicação do Principio da Insignificância.

Deste modo, antes de sustentar qualquer tese sobre a incidência do referido princípio no delito de descaminho, será demonstrada a evolução da legislação e dos julgados dos Tribunais nacionais.

Pois bem. A primeira norma que regulou o CADIN - Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal - foi o artigo 18 da Medida Provisória 1.110, de 30 de agosto de 1995, que dispunha:

Serão arquivados os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, de valor consolidado igual ou inferior a mil Unidades Fiscais de Referencial, salvo se contra o mesmo devedor existirem outras execuções de débitos que, somados, ultrapassem o referido valor.

A Lei n° 9.469, de 10 de julho de 1997, por sua vez, adotou o limite de R$ 1.000,00 (hum mil reais) para fixar o desinteresse do Estado na cobrança dos débitos, prevendo que o Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderiam autorizar a não-propositura e a extinção das ações fiscais em andamento. Assim, preconizava o artigo 1º do referido dispositivo legal:

O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não propositura de ações e a não interposição de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para a cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas.

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Nesse passo, no âmbito do Ministério da Fazenda, foi editada a Portaria n° 289/97 (DOU de 04/11/97), autorizando, nos incisos I e II, do seu artigo 1º, “a não inscrição, como Dívida Ativa da União, de débitos para com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais)” e, ainda, “o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos para com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais)”.

Posteriormente, dispôs a Medida Provisória n° 1.973-63, de 29 de junho de 2000:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.

§ 2º Serão extintas as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a cem Unidades Fiscais de Referência.

Em 2002, foi editada a Lei n° 10.522, que previa, no seu artigo 20, verbis:

Serão arquivados, sem baixa na distribuição, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

Importante frisar que, antes da Lei n° 10.522/2002, o Superior Tribunal de Justiça já adotava o entendimento de aplicar o Princípio da Insignificância quando o Estado apontava não ter interesse na execução do crédito, contudo, somente após a edição desse último diploma legal, que o entendimento sedimentou-se e passou a ser adotado de maneira pacífica e reiterada nos julgados dos Tribunais, adotando-se o limite de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para a incidência do Princípio da Insignificância, pois, além da previsão legal que indicava desprezo a tal valor, o montante não era suficientemente relevante para o erário movimentar a máquina pública a fim de reavê-lo.

Para que não pairem dúvidas quanto à aplicação do Princípio da  insignificância com base nesse patamar, segue o precedente do Superior Tribunal de Justiça, verbis

RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ART. 20 DA LEI N.º 10.522/02. DESINTERESSE PENAL. PRECEDENTES.

1. Se a própria União, na esfera cível, a teor do art. 20 da Lei n.º 10.533/2002, entendeu por perdoar as dívidas inferiores a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), não faz sentido apenar os recorridos pelo crime de descaminho, pelo fato de terem introduzido no país mercadoria estrangeira sem o recolhimento de tributo inferior ao mencionado valor.

2. Caracterizado o desinteresse penal, em virtude da irrelevância jurídica do bem para a tutela penal. Precedentes do STJ.

3. Recurso não conhecido.

(REsp 617049/RN, Rel. Min. LAURITA VAZ, publicado no DJU de 04/04/2005).

Entretanto, através por meio da Lei n° 11.033/04, o artigo 20 da Lei n° 10.522/02 foi alterado, passando a vigorar com a seguinte redação:

Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

E o Ministério da Fazenda, com base no novo regramento legal, editou a Portaria nº 49/04, que disciplinou a matéria da seguinte forma:

Art. 1º Autorizar:

I - a não inscrição, como Dívida Ativa da União, de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e

II - o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Por tais fatos, a Fazenda Pública deixou de executar créditos com valores inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Assim, caso os ilustres julgadores do Superior Tribunal de Justiça mantivessem a mesma linha de raciocínio, aplicariam o Princípio da Insignificância no delito de descaminho quando o valor devido à título de tributo não ultrapassasse o patamar de R$ 10.00,00 (dez mil reais).

Entretanto, em posição diametralmente oposta, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça abandonou o posicionamento até então sustentado, negando aplicação ao Princípio da Insignificância, mesmo em nos casos que o valor devido era inferior ao previsto para o não ajuizamento da ação de execução fiscal. Passou-se a entender que não seria razoável seguir o patamar da nova lei, ante o elevado valor.

Mas não foi só: além de desconsiderar o novo valor, modificou radicalmente seu posicionamento, deixando de aplicar o referido princípio, inclusive, nos casos onde o tributo devido não ultrapassasse R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), negando a aplicação da jurisprudência antes sedimentada sobre a incidência do Princípio da Insignificância no crime de descaminho.

A mencionada revisão de posicionamento ocorreu quando do julgamento do Recurso Especial n° 685.135/RS, relatado pelo Ministro Félix Fischer, o qual entendeu que só haveria desinteresse penal nos casos em que o tributo iludido fosse inferior ao montante de R$ 100,00 (cem reais), quantia ensejadora do cancelamento (extinção) do crédito tributário.

Essa nova orientação foi firmada por meio da interpretação sistemática dos artigos 18, §1º, e 20, caput, da Lei n.º 10.522/02, que assim dispõem:

Art.18, §1º: Ficam cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, do valor consolidado igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais).

Art.20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante o requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Da análise desses dispositivos, verifica-se, realmente, que há coerência na interpretação do Ministro Félix Fischer, pois o artigo 20, caput, da Lei n.º 10.522/02 faz referência ao ajuizamento da ação de execução fiscal ou arquivamento, sem baixa na distribuição, o que indica que não haverá extinção definitiva do crédito tributário, mas apenas a sua suspensão provisória, podendo retornar a cobrança a qualquer tempo. Sem dúvidas, tal interpretação afasta a incidência do Princípio da Insignificância, com base no postulado do Princípio da Intervenção Mínima já que o Estado não renuncia aquele valor, podendo voltar a propor as respectivas ações fiscais.

Forte nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Quinta Turma, culminou por firmar orientação no seguinte sentido:

Confrontando os dois dispositivos conclui-se facilmente que enquanto o art. 18, §1º determina o cancelamento (leia-se: extinção) do crédito fiscal igual ou inferior à R$100,00 (cem reais), o art. 20 apenas prevê o não ajuizamento da ação de execução ou o arquivamento sem baixa na distribuição, não ocorrendo, pois, a extinção do crédito. Daí porque não se pode invocar este dispositivo normativo para regular o valor do débito caracterizador de matéria penal irrelevante. Com efeito, tal dispositivo apenas assevera que fica postergada a execução com vista a cobrança da dívida ativa enquanto o montante não alcançar os valores ali previstos, o que não se confunde com a extinção do crédito tributário. (REsp nº 685.135/PR, relator Ministro Felix Fischer, publicado no DJ de 02/05/2005).

          É dizer: só ocorre a extinção (cancelamento) do crédito fiscal e, portanto, desinteresse penal, nos casos em que o tributo devido seja igual ou inferior ao valor de R$ 100,00 (cem reais), pois, a execução dos maiores ficam prorrogados até que o montante alcance aqueles previstos para a imediata cobrança da dívida ativa, não se confundindo com a extinção do crédito tributário. Portanto, restou afastada a aplicação do Princípio da Insignificância com base nos valores previstos para o não ajuizamento da execução fiscal.

Vários foram os julgados que encamparam essa tese, senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR EXCEDENTE. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. 'O art. 20, caput, da Lei nº 10.522/2002, se refere ao ajuizamento da ação de execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, não ocorrendo, pois, a extinção do crédito, daí não se poder invocar tal dispositivo normativo para regular o valor do débito caracterizador de matéria penalmente irrelevante.' (REsp nº 685.135/PR, Relator Ministro Felix Fischer, DJU de 2/5/2005).

2. Em se mostrando que o valor do tributo incidente sobre as mercadorias apreendidas excedeu ao limite pelo qual o Estado expressou o seu desinteresse pela cobrança, não há falar em aplicação do princípio da insignificância. Precedentes.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp nº 630.793/PR, Relator o Ministro HAMILTON CARVALHIDO, publicado no DJ de 06/08/2007).

RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ART. 18, § 1º, DA LEI N.º 10.522/2002. EXISTÊNCIA DE CRÉDITO FISCAL.

1. O Estado é o sujeito passivo do delito de descaminho, o que enseja a aplicação do princípio da insignificância, como causa supralegal de exclusão da tipicidade, apenas quando a conduta imputada na peça acusatória não chegou a lesar o bem jurídico tutelado, qual seja, a Administração Pública em seu interesse fiscal.

2. Descabe aplicar o princípio da insignificância quando o valor do tributo apurado é superior ao montante previsto no art. 18, § 1º, da Lei n.º 10.522/2002, como limite para extinção do crédito fiscal.

3. Precedentes desta Corte Superior.

4. Recurso desprovido.

(REsp nº 828.469/RS, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, publicado no DJ de 26/03/2007).

CRIMINAL. HC. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO CRIMINOSA. ARTIGO 20, CAPUT, DA LEI 10.522/2002. PATAMAR ESTABELECIDO PARA O NÃO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO OU ARQUIVAMENTO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. ART. 18, § 1º, DA LEI 10.522/2002. EXTINÇÃO DO CRÉDITO. ORDEM DENEGADA.

I. O entendimento desta Corte vem se firmando no sentido de que o princípio da insignificância deve ser aplicado com parcimônia, restringindo-se apenas às condutas sem tipicidade penal, desinteressantes ao ordenamento positivo.

II. Nos delitos de descaminho, embora o pequeno valor do débito tributário seja condição necessária para permitir a aplicação do princípio da insignificância, o mesmo pode ser afastado se o agente se mostrar um criminoso habitual em delitos da espécie.

III. O comportamento do réu, voltado para a prática de reiterada da mesma conduta criminosa, impede a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes.

IV. Aplicação da execução de crédito tributário do mesmo raciocínio seguido nas hipóteses de apropriação indébita de contribuições previdenciárias - para as quais se adota o valor estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos créditos (art. 1º, I, da Lei 9.441/97).

V. O caput do art. 20 da Lei 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, e não à extinção do crédito, razão pela qual não se pode ser invocado como forma de aplicação do princípio da insignificância.

VI. Se o valor do tributo devido ultrapassa o montante previsto no art. 18, § 1º da Lei 11.033/2004, que dispõe acerca da extinção do crédito fiscal, afasta-se a aplicação do princípio da insignificância.

VII. Ordem denegada.

(HC nº 66.316/RS, Relator o Ministro GILSON DIPP, publicado no DJ de 05/02/2007).

Para esses julgadores, insignificante passou a ser não mais aquilo que o Fisco deixa de executar, mas o valor que Estado renuncia, rejeita ou recusa, no caso, o montante previsto no parágrafo 1º do artigo 18 da Lei n° 10.522/2002, ou seja, R$ 100,00 (cem reais).

Em que pese a modernidade desse entendimento, mais recentemente, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem no Habeas Corpus n° 92.438, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, publicado em 19/08/2008, para trancar, por ausência de justa causa, uma ação penal contra réu denunciado por importar mercadorias do Paraguai, cujo valor do imposto devido chegava ao montante de R$ 5.118,60 (cinco mil, cento e dezoito reais e sessenta centavos).

Tal entendimento restou fundamentado no artigo 20 da Lei n° 10.522/05, que determina o arquivamento, pela Fazenda Pública, das execuções fiscais de débitos inferiores ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), isto é, na tese então desprezada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Na oportunidade do julgamento, consignou o E. Ministro Relator Joaquim Barbosa, verbis:

Eu concordo até com essa estupefação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, diante dessa norma que exonera administrativamente débitos de até R$ 10.000,00 (dez mil reais). É muito dinheiro, a meu ver. Mas a lei aí está.

Esse novo posicionamento se tornou público por meio do Informativo nº 516 do Supremo Tribunal Federal, que consignou:

Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal instaurada contra acusado pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334), em decorrência do fato de haver iludido impostos devidos pela importação de mercadorias, os quais totalizariam o montante de R$ 5.118,60 (cinco mil cento e dezoito reais e sessenta centavos). No caso, o TRF da 4ª Região, por reputar a conduta do paciente materialmente típica, negara aplicação ao princípio da insignificância ao fundamento de que deveria ser mantido o parâmetro de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para ajuizamento de execuções fiscais (Lei 10.522/2002) e não o novo limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) instituído pela Lei 11.033/2004. Inicialmente, salientou-se o caráter vinculado do requerimento do Procurador da Fazenda para fins de arquivamento de execuções fiscais e a inexistência, no acórdão impugnado, de qualquer menção a possível continuidade delitiva ou acúmulo de débitos que conduzisse à superação do valor mínimo previsto na Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004 ['Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). § 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.']. Entendeu-se não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no âmbito administrativo e não o fosse para o Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do direito. HC nº 92.438/PR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, 19/8/2008. (HC-92438)

Após o julgado supracitado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal também encampou a tese, verbis:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE PROCESSADO PELA INFRAÇÃO DO ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (DESCAMINHO). ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. O descaminho praticado pelo Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato denunciado. 2. A análise quanto à incidência, ou não, do princípio da insignificância na espécie deve considerar o valor objetivamente fixado pela Administração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das ações fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União (art. 20 da Lei n. 10.522/02), que hoje equivale à quantia de R$ 10.000,00, e não o valor relativo ao cancelamento do crédito fiscal (art. 18 da Lei n. 10.522/02), equivalente a R$ 100,00. 3. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal contra o ora Paciente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. 4. Ordem concedida. (HC 96309, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 24/03/2009, DJe-075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-03 PP-00606).

Deste modo, diante dos recentes precedentes do Excelso Pretório, mais uma vez a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça alterou seu entendimento, passando a aplicar o Princípio da Insignificância, na prática de descaminho, quando o valor do tributo suprimido fosse inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nesse sentido, traz-se à evidência recente precedente da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 105, III, A E C DA CF/88. PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

I - Segundo jurisprudência firmada no âmbito do Pretório Excelso - 1ª e 2ª Turmas - incide o princípio da insignificância aos débitos tributários que não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02.

II - Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide EREsp 966077/GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20/08/2009), mas em prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei nº 11.672/08, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema Corte.

Recurso especial desprovido.

(REsp 1112748/TO, Rel. Ministro  FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 13/10/2009).

Frise-se que, na oportunidade do Julgado, o Eminente Ministro relator, além de reafirmar seu posicionamento no sentido de não aceitar que é insignificante a ilusão de tributos no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), consignou que essa não era a orientação majoritária da Corte, mas, em prol da otimização do sistema, iria aderir a tese capitaneada pelo Supremo Tribunal Federal.

Verifica-se, portanto, que, não obstante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ainda é muito controvertido o valor a ser considerado para incidência do Princípio da Insignificância no crime de descaminho, estando longe de ser pacificado, ante os balizados posicionamentos que defendem teses totalmente opostas.

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Sobre o autor
Eider Nogueira Mendes Neto

Advogado. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU; Especialista em Direito Público pela Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Assessor da Procuradoria Geral da República, Brasília, 2003/2010.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES NETO, Eider Nogueira. Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4867, 28 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35559. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

O Artigo foi apresentado ao final do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal, realizado pela Escola Superior do Ministério Público da União, em Brasília/DF. O obra foi, recentemente, foi publicado no livro “Direito Penal Especial” da Escola Superior do MPU, apresentada pelo renomado Doutrinador Penalista EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, com prefácio e organização do Professor e Procurador da Regional de República DOUGLAS FISCHER.

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