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O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima

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02/08/2017 às 14:00
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4 O EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO DO USUFRUTUÁRIO DE AÇÕES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 

4.1 DAS AÇÕES DA SOCIEDADE ANÔNIMA

Inicialmente, cumpre destacar que as sociedades anônimas são sociedades empresárias com capital social dividido em forma de ações, na qual os acionistas (sócios) respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço da emissão das ações que detêm.

Assim destaca Coelho (2011, p. 85):

A sociedade anônima, também referida pela expressão “companhia”, é a sociedade empresária com capital social dividido por ações, espécie de valor mobiliário, na qual os sócios, chamados acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão das ações que possuem.

Nesse sentido, infere-se, ainda, da doutrina de Paes (1996, p. 27).

A sociedade anônima se caracteriza pela limitação da responsabilidade do sócio ou acionista pelas ações subscritas. A companhia ou sociedade anônima, reza o art. 1° da Lei 6.404, terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou [acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.

E mais. Extrai-se da obra de Corrêa-Lima (2003, p. 19).

O art. 1° define como características da companhia a divisão do capital em ações e a limitação da responsabilidade dos sócios ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. O preço, que fixa o limite de responsabilidade do acionista, é aquele pelo qual a ação é subscrita na constituição da sociedade, ou quando esta promove um aumento de capital por subscrição de novas ações. Não se confunde com o preço de revenda das ações no mercado secundário (bolsa de valores ou fora dela).

A corroborar, verifica-se da doutrina de Vidigal (1999, p. 04, grifo do autor).

As três características da sociedade anônima traçam o perfil da sociedade de capitais, contrapondo-se aos das sociedades de pessoas. Porque a responsabilidade de cada sócio se limita ao dever de realizar o capital que subscreveu, podem mitos associar-se sem que entre eles haja offectio societatis: nem as obrigações que a sociedade contrair, nem deveres de realizar capital, assumidos por outros, poderão afetar os sócios. Porque o capital é dividido em ações, pode a subscrição realizar-se prescindindo da participação de cada sócio em deliberações coletivas: a assinatura de boletins de subscrição acionária formaliza a obrigação de realizar capital; maiorias acionárias relativas assumem o encargo e exercem o poder de deliberar.

Nesse vértice, sabe-se que as ações acima citadas, aquelas que compõem o capital social da sociedade anônima ou companhia, são divididas em três tipos, quais sejam: 1) ações ordinárias; 2) ações preferenciais; e 3) ações de fruição.

Necessário salientar que não são objeto de estudo neste momento as características mais intrínsecas desses tipos de ações, haja vista que o foco é a questão do exercício de um dos direitos resguardados pelas ações da companhia, ou seja, o direito de voto das ações das sociedades anônimas em caso de gravame de usufruto.

Diante disso, apenas para fins de esclarecimentos, cumpre trazer à baila a síntese de Venosa (2012, p.164/165) acerca da classificação das referidas ações, senão vejamos:

As ações são as frações em que se divide o capital social da companhia, gerando um complexo de direitos e obrigações aos acionistas, decorrentes do estatuto social. As ações, portanto, são títulos negociáveis representativos de unidade do capital social e dos direitos e obrigações dos acionistas. As ações classificam-se de acordo com três critérios: espécie, forma e classe. Três são as espécies de ações: ordinárias, preferenciais e de fruição. Essa classificação é feita levando-se em consideração os direitos e vantagens titularizados pelos acionistas.

[...]

Ações ordinárias são aquelas que conferem ao titular os direitos comuns de sócios, sem nenhuma vantagem ou restrição. As ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia aberta ou fechada podem ser de uma ou mais categorias. As ações ordinárias da companhia fechada poderão ser de classes diversas, em função da sua conversibilidade em ações preferenciais; pela exigência de nacionalidade brasileira do acionista ou pelo direito de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos.

[...]

As ações preferenciais, por sua vez, são as que conferem aos seus titulares direitos e vantagens, tais como prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou mínimo; prioridade no reembolso do capital (art. 17, II e III da LSA). O direito de voto pode ou não ser inerente a essa categoria de ação. As ações preferenciais sem direito a voto ou com restrição ao seu exercício somente serão admitidas à negociação no mercado mobiliário se a elas for atribuída pelo menos uma das vantagens elencadas nos incisos do §1°, do art. 17, da LSA. Todas as vantagens ou privilégios decorrentes das ações preferenciais devem vir expressamente previstos no estatuto social (art. 19, da LSA).

[...]

As ações de fruição são as resultantes da amortização das ações ordinárias ou preferenciais. A amortização, segundo Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2005, p. 82), “consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de dissolução e consequente liquidação da companhia.

Além do mais, necessário frisar a classificação destas ações quanto à forma de transferência ou circulação. Há as nominativas e as escriturais. As ações nominativas, segundo Venosa (2012, p. 167), são aquelas “cuja propriedade é conferida ao titular mediante inscrição do nome do acionista no livro de ‘Registro de Ações Nominativas’ ou pelo extrato que seja fornecido pela custodiante, na qualidade de proprietária fiduciante das ações”.

Por outro lado, as ações escriturais são aquelas mantidas em depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designarem, portanto, sem a emissão de quaisquer certificados. A companhia pode ter todas as suas ações sob a forma escritural, dispensando, assim, as anotações em livros de registro.

Nesse sentido, infere-se da doutrina de Corrêa-Lima (2003, p. 52):

As ações escriturais foram introduzidas no nosso ordenamento jurídico para facilitar a sua posse e transferência sem certificado. Ficam assim facilidades a introdução e a operação de sistemas computadorizados de registro de propriedade e de transferência de ações.

4.2 DA ONERAÇÃO DAS AÇÕES DA SOCIEDADE ANÔNIMA

Diante do acima citado, sabe-se que os detentores das ações das sociedades anônimas fazem jus à percepção de lucros e dividendos, bem como possuem outros direitos, destacando-se, neste momento, o direito de voto.

O direito de voto dos detentores de ações da sociedade anônima é de suma importância para o prosseguimento das atividades da empresa, de tal maneira que caso haja inércia por parte dos possuidores dos direitos de tomada de decisões, a companhia possa sofrer diversos e irremediáveis prejuízos.

Além do mais, insta salientar que, diante das características destas ações - que, aos serem subscritas ou adquiridas pelo indivíduo, possuem, a partir de então, um proprietário -, estão sujeitas à circulação, ou seja, há possibilidade de transferência daquela propriedade.

Nesse norte infere-se da doutrina de Venosa (2012, p. 168):

Sendo as companhias sociedades eminentemente de capital, a qualidade de sócio é livremente transferível, sem prévio consenso dos demais sócios. Como regra, as ações da companhia são livremente circuláveis.

Assim, tem-se também que possível se mostra a oneração dessas ações, as quais fazem parte do patrimônio de algum sujeito que, diante de seu livre convencimento, pode ceder a um terceiro os direitos que detém sobre aquela coisa.

Nesse norte dispõem os artigos 39 e 40 da Lei 6.404, senão vejamos:

Art. 39. O penhor ou caução de ações se constitui pela averbação do respectivo instrumento no livro de Registro de Ações Nominativas.

        § 1º O penhor da ação escritural se constitui pela averbação do respectivo instrumento nos livros da instituição financeira, a qual será anotada no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.

        § 2º Em qualquer caso, a companhia, ou a instituição financeira, tem o direito de exigir, para seu arquivo, um exemplar do instrumento de penhor.

Art. 40. O usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação deverão ser averbados:

        I - se nominativa, no livro de "Registro de Ações Nominativas";

        II - se endossável, no livro de "Registro de Ações Endossáveis" e no certificado da ação;

        III - se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.

        II - se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecida ao acionista.

        Parágrafo único. Mediante averbação nos termos deste artigo, a promessa de venda da ação e o direito de preferência à sua aquisição são oponíveis a terceiros.

Ainda ressalta Coelho (2011, p. 137) que “a livre circulação das ações é o princípio fundamental do regime jurídico das sociedades anônimas”, razão pela qual estas podem sofrer diversas troca de figura de seus proprietários, bem como podem ser oneradas por esses de acordo com o disposto nos artigos trazidos acima.

4.3 DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO DAS AÇÕES DA SOCIEDADE ANÔNIMA GRAVADAS COM USUFRUTO

Primeiramente, convém relembrar que o usufruto gravado em ações da sociedade anônima é um direito constituído sobre um bem de outro, não do usufrutuário. Ao usufrutuário cabe, então, o direito real de fruir das utilidades e frutos da coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade.

Diante disso, a questão posta à mesa é: quais são estes frutos e quais são as utilidades da coisa, as quais tem direito o usufrutuário? Numa breve síntese pode-se dizer que os frutos são os dividendos e as demais bonificações. Já dentre as utilidades destaca-se todos os direitos que emanam das ações, tal como o direito de voto.

Nesse norte, infere-se da doutrina de Bulgarelli (1999, p. 235):

O direito de voto, considerado direito instrumental, é um dos direitos de que serve o acionista para integrar a manifestação da vontade social. De natureza complexa, é bastante discutido na doutrina, considerando-se que ele serve tanto para a tutela do interesse individual do acionista como meio instrumental para a formação da vontade da pessoa jurídica.

Entende-se, portanto, modernamente, que o direito de voto deve ser exercido pelo acionista em favor do interesse social, e não em favor dos seus interesses pessoais, gerando as figuras do abuso do direito de voto e o conflito de interesses.

É nesse sentido que se firma a divergência apontada neste trabalho, haja vista que a principal das utilidades das ações – o direito de voto - sofre com a omissão legal preconizada na Lei das Sociedades Anônimas e encontra diversos entendimentos nas principais cortes brasileiras.

Elucidando ainda mais o tema, cumpre trazer à baila o disposto pela legislação especial quando se trata do exercício daquele direito de voto em caso de haver usufruto em ações da sociedade anônima.

O artigo 114 da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S. A.) dispõe o seguinte:

Art. 114. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.

Nesse sentido, diversos doutrinadores também se manifestam e não expressam opinião favorável ou contrária a essa lacuna deixada pela nossa legislação, limitando-se a transcrever o disposto na legislação.

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Assim extrai-se da obra de Paes (1996, p. 58):

O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.

Infere-se da doutrina de Corrêa-Lima (2003, p. 136):

O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário (arts. 113 e 114).

Na mesma linha, depreende-se da obra de Bulgarelli (1999, p. 236):

Ações gravadas com usufruto: somente poderá exercer mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário, se não for regulado no ato de constituição do usufruto.

Entretanto, em que pese referida previsão legal, a omissão da lei repousa especificamente na seguinte pergunta: se não houver acordo entre as partes (nu-proprietário e usufrutuário), o que ou quem regulará o exercício desse direito de voto? A lei não dá a nenhuma das partes prerrogativas ou direitos excedentes sobre a outra.

A lacuna deixada gera diversos entendimentos nas cortes nacionais, bem como nas obras de alguns poucos doutrinadores que não se escusam de emitir opiniões. Em que pese um número pequeno adote um entendimento, cita-se como exemplo a obra coordenada por Vidigal (1999, p. 124/125):

Convém recordar que o usufruto – como o penhor, a enfiteuse, a servidão, a hipoteca, a renda imobiliária e a anticrese – é um direito constituído sobre um bem de outro, não do usufrutuário. A este cabe “o direito real de fruir das utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade” (art. 713, do Código Civil).

Quais os frutos das ações? Em primeiro lugar, os dividendos e as bonificações. Quais as utilidades? Todos os demais direitos que delas dimanam, tais como o direito de voto, o direito de subscrição preferencial. A rigor, o acionista que doou as ações em usufruto fica apenas com a propriedade nua – transforma-se, pelo usufruto, em nu-proprietário. Será o usufrutuário quem usará e desfrutará das ações.

No usufruto, é preciso atentar para o crescimento, chamado vegetativo, da coisa. Esta pode crescer naturalmente, de maneira que o acréscimo passa a formar parte – a ser – da mesma coisa. Imagine-se um pomar de árvores frutíferas, dadas em usufruto. Os frutos serão do usufrutuário, mas o crescimento natural das árvores (amadurecimento, maior frutificação, encorpamento etc.) enriquecerá o nu-proprietário. Por esta razão, no caso das ações, convém distinguir entre os frutos ou rendimentos que nitidamente se destacam das ações – como é o caso dos dividendos – e aqueles acréscimos de valor que delas não se destacam, mas que a elas se incorporam, como é o caso das capitalizações.

[...]

Quanto ao direito de voto – que, hipoteticamente, deveria corresponder ao usufrutuário – dispõe a norma que se não for previsto a quem pertence, no instrumento de usufruto, então só poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o acionista e o usufrutuário. Esposa, assim, a lei uma posição pilatiana. Relega às partes a questão do exercício deste direito, de forma que se as partes não acordarem a quem corresponde – se ao acionista ou ao nu-proprietário -, na constituição do gravame, ou antes da assembleia, então não caberá a ninguém. O voto ficará inutilizado.

Por outro lado, conforme se destaca do julgado abaixo, há quem entenda que os interessados, em caso de dissidência de opiniões, poderão dispor sobre quais matérias um ou outro poderá exercer o direito de voto.

Nesse viés, extrai-se de julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in verbis:

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA DE NULIDADE DE ALTERAÇÕES CONTRATUAIS - ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA AFASTADA - MODIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR SÓCIOS QUE REPRESENTAM MENOS DE 80% (OITENTA POR CENTO) DO CAPITAL SOCIAL - ADMINISTRAÇÃO PROVISÓRIA CONFIGURADA - INVALIDADE DAS ALTERAÇÕES.

[...]

"Trata-se de direito real de usufruto. No usufruto resultante das relações de família como o que tem o pai sobre os bens de seus filhos menores, compete ao pai, ou, em sua falta,  à mãe, como represente legal destes, o exercício do direito de voto. O dispositivo obedece o mesmo critério da regra do art. 79 que regula o exercício do direito de voto no caso de comunhão ou de condomínio. Pressupõe, aliás, que o título de constituição do usufruto silenciou a respeito. O prévio acordo entre o proprietário e usufrutuário há de ser reduzido a escrito, devendo o original ou sua cópia autentica ficar em poder da sociedade. Os interessados poderão estipular o que entender sobre a maneira pela qual o direito de voto será exercido por um deles. Assim, poderão discriminar as matérias sobre as quais votará o proprietário ou o usufrutuário.” (TJMG, Apelação Cível n. 2.0000.00.406316-5/000, rel. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, j. em 05/05/2004, DJe 22/05/2004).

Há de se destacar, ainda, entendimento assentado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, nos casos da divergência aqui apontada, há de se levar em conta o direito do nu-proprietário, sendo este quem deverá exercer, sobremaneira, o direito de voto.

Nesse norte extrai-se do julgado cuja relatoria pertenceu a Ministra Nancy Andrighi:

EMENTA: CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÕES. USUFRUTO VIDUAL. EXTENSÃO. DIREITO DE VOTO.

1. Os embargos declaratórios têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existente na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie.

2. O instituto do usufruto vidual tem como finalidade precípua a proteção ao cônjuge supérstite.

3. Não obstante suas finalidades específicas e sua origem legal (direito de família), em contraposição ao usufruto convencional, o usufruto vidual é direito real e deve observar a disciplina geral do instituto, tratada nos arts. 713 e seguintes do CC/16, bem como as demais disposições legais que a ele fazem referência.

4. O nu-proprietário permanece acionista, inobstante o usufruto, e sofre os efeitos das decisões tomadas nas assembleias em que o direto de voto é exercido.

5. Ao usufrutuário também compete a administração das ações e a fiscalização das atividades da empresa, mas essas atividades podem ser exercidas sem que obrigatoriamente exista o direito de voto, até porque o direito de voto sequer está inserido no rol de direitos essenciais do acionista, tratados no art. 109 da Lei 6.404/76.

6. O art. 114 da Lei 6.404/76 não faz nenhuma distinção entre o usufruto de origem legal e aquele de origem convencional quando exige o consenso entre as partes (nu-proprietário e usufrutuário) para o exercício do direito de voto.

7. Recurso especial desprovido.

[...]

O art. 114 da Lei 6.404/76, ao tratar do direito de voto nas ações gravadas com usufruto, menciona que, para que ele possa ser exercido, deverá (i) ter sido regulado no ato da constituição do gravame ou (ii) haver prévio acordo entre o titular das ações e o usufrutuário. Isso porque, como regra geral, o direito de voto pertence ao titular das ações (art. 112 da Lei 6.404/76) e, em razão da existência do usufruto, poderá haver conflito de interesses entre este, na qualidade de nu-proprietário, e o usufrutuário, optando o legislador pátrio, então, em exigir o prévio consenso para permitir o exercício do direito de voto. Acrescente-se a isso o fato de que o nu-proprietário permanece acionista, inobstante o usufruto, e sofre os efeitos das decisões tomadas nas assembleias em que o direto de voto é exercido. Conforme muito bem observado no acórdão recorrido, “o direito de voto, não significa o mero poder de administração da ação com o escopo de proteger seu rendimento. Implementa, na verdade, uma ingerência nos rumos da empresa por quem não é sócio”.

[...]

De fato, basta uma leitura do art. 122 da Lei das Sociedades Anônimas para se ter uma ideia da importância das decisões que são tomadas pela Assembleia Geral, em que é exercido o direito de voto, e do reflexo que elas têm no futuro da empresa. Aliás, nesse sentido, é importante consignar que o direito de voto sequer é atribuído a todos os acionistas, admitindo-se sua restrição ou mesmo supressão. Com efeito, ele não se insere no rol de direitos essenciais do acionista, tratados no art. 109 da Lei 6.404/76. (STJ, REsp. n. 1.169.202, rel. Ministra Nancy Andrighi, j. em 20/09/2011, DJe 27/09/2011).

Há, por fim, entendimento minoritário no sentido de que, não havendo consentimento entre as partes, nenhuma das duas poderá exercer o direito de voto, fato que implicaria, querendo ou não, em prejudicar o bom andamento da companhia.

Ante todo o acima exposto, conclui-se, então, que existem quatro saídas para o caso, são elas: 1) quem exerce o direito de voto é o usufrutuário, haja vista que esse dispõe do direito de “usar” e “fruir” da coisa e isso contempla a obtenção de valores em razão dos dividendos e as escolhas para o futuro da sociedade em razão de que este futuro deverá intervir no ganho de novos lucros; 2) ambas as partes exercem o direito de voto, discriminando, por meio de instrumento apartado e devidamente registrado, quais as matérias específicas que cada um faria jus ao voto; 3) quem exerce o direito de voto é o nu-proprietário em razão de que, mesmo tendo onerado as ações com usufruto, este permanece sendo o legítimo proprietário e maior interessado na boa conservação daquelas ações para que eventualmente no futuro estas retornem ao seu patrimônio; ou 4) nenhuma das partes exerce o direito de voto e a sociedade anônima arca com as consequências dessa inércia, podendo vir, inclusive a prejudicar demais sócios.

Necessário explanar ponto por ponto. No caso do item “1” acima descrito, ou seja, quando se defende a tese de que quem exercerá o direito de voto é o usufrutuário, tendo em vista a expressa disposição do instituto do usufruto no Código Civil ao citar as expressões “usar” e “fruir”, salienta-se que fica prejudicado o direito do nu-proprietário que, ao final das contas, é o maior dos interessados na manutenção e no bom andamento da sociedade, haja vista a valorização das ações que detém e que, mesmo com o gravem do usufruto, continuarão sendo de sua propriedade. Defende-se, aqui, o poder de tomada de decisões pelo usufrutuário em detrimento da opinião do nu-proprietário.

Já no que diz respeito ao item “2” alhures, ou seja, o qual defende a tese de que ambas as partes poderão discriminar os assuntos que especificamente fariam parte de um rol de direitos de votos do usufrutuário ou do nu-proprietário, é frágil no sentido de que não se poderia dispor sobre todas as tomadas de decisões inerentes ao bom andamento da sociedade em futuro não próximo, ou seja, não há como, no ato de constituição destas especificações, saber e delinear quem exercerá o direito de voto na tomada de decisões que venham a afetar o futuro da companhia daqui 10 ou 20 anos. Nesse caso, naquela oportunidade, haveria uma nova dissidência e retornaríamos à dúvida inicial.

Por outro lado, há quem defenda o disposto no item “3” supracitado, ou seja, a tese de que o nu-proprietário exercerá esse direito em razão de ser o maior interessado no bom prosseguimento das atividades da companhia. O ponto fraco desta tese repousa justamente no contrário ao disposto no item “1”, ou seja, como se pode furtar do usufrutuário, aquele que tem plenos poderes de “usar” e “fruir” da coisa o direito de exercer o direito de voto e definir quais as melhores decisões a serem tomadas para que, num futuro próximo, possa “usar” e “fruir” ainda mais dos dividendos e lucros percebidos pela sociedade. Há também, aqui, o legítimo interesse do usufrutuário na manutenção do bom andamento da sociedade. Deferindo ao nu-proprietário o direito de voto, vejo que ferimos os direitos concedidos ao usufrutuário, que se tornaria o maior prejudicado no caso em que, no final das contas, deveria ser o maior beneficiário.

O mais frágil dos pontos, qual seja o item “4” é o considerado mais inócuo. Ora, impossibilitar a tomada de decisões em detrimento de vaidades ou conflito de interesses de alguns dos sócios – estes que por vezes podem ser até sócios majoritários de ações, o que impede, sobremaneira, a tomada de quaisquer decisões -, é inviabilizar o futuro da sociedade anônima, prejudicando terceiros que nada tem a ver com a divergência de opiniões existente entre nu-proprietário e usufrutuário. Aquele outro sócio, ao adquirir quotas daquela companhia, valeu-se de sua boa-fé e contratou a possibilidade de usufruir de lucros e dividendos, podendo inclusive opinar e definir os rumos da sociedade. Ao furtar a companhia de caminhar à frente em razão da divergência entre eventuais acionistas majoritários seria ferir expressamente o direito de terceiros.

Diante de todo o acima exposto, conclui-se que a melhor saída seria analisar cada caso concreto, diante dos acontecimentos entre as partes e das necessidades de cada companhia. Caso não haja expressa necessidade de tomada urgente de decisões, a questão pode ser posta ao Judiciário visando, inclusive, a uma composição ou a uma tomada de decisão por parte do Magistrado que, no alto de seu conhecimento e de sua imparcialidade, definirá quais os melhores rumos para aquele caso. Se houverem decisões urgentes a serem tomadas, há a necessidade de aventurar-se pelas lacunas da legislação e, de alguma maneira, impedir que aquela inércia possa vir a prejudicar direito de terceiros, conforme citado acima.

O que em nenhum momento deve ocorrer é a paralisação total de atividades e tomadas de decisões das Sociedades Anônimas que enfrentam este problema, haja vista tamanha a complexidade das atividades tratadas nestes casos, como pudemos ver no Capítulo 1 deste trabalho.

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Sobre o autor
Leonardo Peixer

Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2013); Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial pela Pontíficia Universidade Católica do Paraná - PUCPR (2014/2015); Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXER, Leonardo. O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5145, 2 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36058. Acesso em: 25 abr. 2024.

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