Ações regressivas em prol da Lei Maria da Penha

23/02/2015 às 08:56
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Possibilidade do INSS ser indenizado pelos gastos com benefícios gerados pelos infratores tipificados na Lei Maria da Penha

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos Direitos Humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

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_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 863 p.

PIOVESAN, Flávia. A mulher e o debate sobre direitos humanos no Brasil.Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_mulher_debate_dh_br.pdf. Acesso em 18 fev. 2015.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

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AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

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CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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PIOVESAN, Flávia. A mulher e o debate sobre direitos humanos no Brasil.Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_mulher_debate_dh_br.pdf. Acesso em 18 fev. 2015.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

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Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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PIOVESAN, Flávia. A mulher e o debate sobre direitos humanos no Brasil.Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_mulher_debate_dh_br.pdf. Acesso em 18 fev. 2015.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

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_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

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_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

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BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

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AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

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CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 863 p.

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

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_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

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HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

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BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

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AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

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Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

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CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. 1504 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 863 p.

PIOVESAN, Flávia. A mulher e o debate sobre direitos humanos no Brasil.Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_mulher_debate_dh_br.pdf. Acesso em 18 fev. 2015.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia. 27 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1500 p.

SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

_____. Receita Federal do Brasil. Consulta a situação do cadastro e de inscrição do CNPJ do Instituto Patrícia Galvão. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>. Acesso em 20 fev. 2015.

_____. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 13. ed. Brasília: Câmara, 2015. 417 p. Disponível em: <file:///C:/Users/Maria/Downloads/regimento_interno_13ed_3reimp.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Legislação previdenciária comentada. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: DPJ, 2009. 1526 p.

DATA POPULAR. Instituto de Pesquisas e Soluções. Disponível em: <http://www.datapopular.com.br/a-empresa/>. Acesso em 20 fev. 2015.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. 623 p.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1486 p.

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SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito não acidentário. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BzCUr1oAeMO1QU5ZbGlPUXdaS0U/edit>. Acesso em: 22  jan. 2015.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

_____. Câmara dos Deputados. Arquivamento do Projeto de Lei Ordinária PL 4.381/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554290>. Acesso em: 18 fev. 2015.  

_____. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 fev. 2015.

_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 fev. 2015.

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_____. Senado Federal. Pesquisa realizada em março de 2013 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. 1596 p.

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JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 1308 p.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2010. 1659 p.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo, Instituto Sangari, 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

  

AÇÕES REGRESSIVAS EM PROL DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Aparecida dos Santos

RESUMO

O INSS vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com benefícios concedidos em razão de atos de violência tipificados na Lei Maria da Penha, apesar de não haver previsão legal, o intento vem alcançando significativa procedência nos tribunais, causando indignação aos réus dessa ação. Entretanto, o avanço da globalização dos direitos humanos defendidos em acordos internacionais e tentativas promovidas em prol da Lei Maria Penha, as pesquisas detectam o avanço da violência doméstica e familiar em face da mulher, preocupação dos órgãos públicos que manifestam apoio ao INSS pelas cobranças indenizatórias das ações regressivas, principalmente, pela medida pedagógica que trará aos futuros infratores (se bater, paga).

Palavras chaves: Ação Regressiva; Violência Doméstica; Legalidade.

Abstract

 The INSS has been charging in court, through regressive action, expenses spent on benefits due to acts of violence typified in the Maria da Penha Law, although there is no legal provision, the intent has achieved significant merits in court, causing outrage to defendants in this action. However, the globalization advancement of human rights enshrined in international agreements and attempts promoted in favor of Maria Penha Law, surveys detect the advance of domestic violence in the face of the woman, concern of public agencies that provide support to the INSS for indemnification of charges regressive measures, especially for the educational measure that will bring the offenders futures (beat, paid).

Key words: Regressive Actions; Domestic Violence; legality.

1 Introdução

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal, vinculada a Previdência Social, responsável em conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, vem cobrando judicialmente, por meio de ação regressiva, os gastos despendidos com esses benefícios, que foram concedidos em razão de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher tipificados na Lei 11.340/06, lei popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Uma das primeiras sentenças favoráveis ao INSS, a esse respeito foi pronunciada na ação ordinária Processo nº 38828-65.2012.4.01.3400, da 3ª Vara Federal de Brasília/DF, pelo Juiz  Federal Dr. Bruno César Bandeira Apolinário, “condenando o réu a assumir todos os gastos com as parcelas de benefício oriundo de concessão de pensão por morte ao beneficiário da vítima”.

A  defesa contra o ato de cobrança desses valores regressivamente tem, o réu desta, requerido a sua improcedência inquirindo: a) a ilegitimidade de parte do INSS para figurar no polo ativo da demanda; b) apenas haver amparo jurídico para o INSS pedir reparação contra terceiro apenas no caso do art. 120 da lei 8.213/91; c) que o INSS estaria evitando o cumprimento do seu dever de prestação de assistência; d) havendo entendimento para o ressarcimento, após comprovação do ato imputado, seja abatido dos valores contribuídos, anteriormente, pela segurada, para não caracterizar o enriquecimento ilícito por parte da autarquia previdenciária.

2 Legalidade

Para entender se tal ato, o ressarcimento do pagamento de benefícios previdenciários ocasionados pela conduta de violência doméstica contra segurados do  INSS é possível ou não, vislumbraremos alguns institutos abarcados no presente assunto:

O mestre HORVATH (2008, p. 134)  nos ensina que a natureza jurídica do Direito Previdenciário deve ser assim entendida:

Pela classificação dicotômica do Direito, utilizada pelos romanos desde a época de Ulpiano, o direito pode ser público ou privado. Sob esta concepção, direito previdenciário é direito público. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social.

Diz-se que Previdência social tem natureza publicista porque decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate).

Já o querido professor Marçal Justen Filho (2011, p. 104), conceitua o Direito Público como:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho  de atividades e de organizações de interesse coletivo referidas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentos, caracterizado pela ausência de disponibilidade  e pela vinculação à satisfação de determinados fins.

Desses dois pensamentos acima extraímos a ideia de que o Direito Previdenciário se exterioriza mediante a vinculação as normas postas, não admitindo a interferência do particular e nem do poder público, nessa seara, por razões que não estejam devidamente publicizada no ordenamento jurídico.

Tal observação acima, em consonância ao princípio constitucional da legalidade, que norteia toda e qualquer ação do INSS, a autarquia previdenciária não pode impor ao particular o dever de fazer ou não fazer sem que exista lei autorizando (BULOS, 2007).

Em consenso com os estudos acima, GONET (2009, p. 881) ensina:

A supremacia da lei expressa a vinculação da Administração ao Direito, o postulado de que o ato administrativo que contraria norma legal é inválido. O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (restrições ao direito de liberdade ou ao direito da propriedade) seja autorizado por lei.

Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte formula: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

O prof. Alexandre de Moraes (2004, p. 71)  sintetiza que o principio da legalidade:

visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o individuo, pois são a expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.

Percebemos, conforme os pensamentos dos mestres acima, que o INSS só pode externar a sua vontade quando autorizado por lei.

Como, também, para o INSS figurar no polo ativo de uma disputa judicial, precisa haver a concretização de sua legitimidade para tanto.

Segundo o mestre ASSUMPÇÃO (2011, p. 75), ao falar sobre o tema acima menciona que,

A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 6º do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (grifo do autor)

Complementa NERY; NERY, citados por ASSUMPÇÃO (2011, p. 65) que:

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC, prever expressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente do sistema, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo de sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Comparando-se os dois tipos acima de legitimação, percebemos que o INSS não se enquadra em nenhum dos dois. Logo não haveria possibilidade, segundo a lei e a doutrina, de intentar ação judicial pleiteando indenização de um dano sofrido por terceiro se não houver autorização legal para esse propósito, como existe no caso da reparação por dano causado por ato ilícito em acidente no trabalho, arts. 120 e 121, da lei 8.213/91.

Outro argumento para o INSS não figurar no polo ativo do pedido seria a autarquia estar se esquivando do dever de prestação de assistência incumbido pela Constituição Federal em seu art. 194, parágrafo único, I.

Entende o Marcus Orione Gonçalves Correia (2009, p. 232-233) que a:

A universalidade da participação nos  planos previdenciários traz a noção de que todos os cidadãos, em razão da ideia de dignidade humana, estão abrangidos pela proteção da prevenção social, desde que tenham contribuídos, ou sejam, dependentes de quem contribuiu. Além disso, a universalidade também se vincula ao princípio da igualdade  (art. 5º, II, da CF), visto que não cria discriminações desarrazoadas entre os cidadãos, reconhecendo que todos eles merecem a proteção securitária.

Contudo, tal princípio divide-se em universalidade subjetiva e objetiva. A primeira faz menção a Seguridade Social (mais ampla que a Previdência Social), a qual abrange todos os cidadãos de um determinado território, possuam eles vinculo empregatício ou não, visto que a própria concepção de Seguridade Social vincula-se à ideia da proteção a dignidade humana. Por outro lado, a universalidade objetiva liga-se mais a situações em que por ostentar essa condição, está previamente afastado da Seguridade Social, em face do caráter protetivo da dignidade humana ínsito a tal conceito. Porém, a cobertura previdenciária, mais restrita, demanda a verificação da existência de riscos predeterminados e o preenchimento de alguns requisitos preestabelecidos em lei.

Outro ponto em discussão é a característica de segurado que a vítima ostentava no momento do evento danoso, cuja condição lhe garantia o direito ao recebimento do benefício ou estenderia ao seu dependente.

O mestre Miguel Horvath Junior, (2008, p.149), explica essa relação acima da seguinte forma:

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres. Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Nas lições de CORREIA (2009, p. 68), que ao contribuirmos para a Previdência Social, esta deve retribuir, concedendo benefícios ou serviços, como uma forma de contraprestação.

Se, no momento do evento  danoso, a vítima tinha a qualidade de segurado, garantindo a esta ou a seu beneficiário o direito a concessões de benefícios previdenciários, logo a eventual cobrança com os gastos por tais, em relação a terceiros provocadores desses eventos, sem o devido fundamento legal, é considerada enriquecimento sem causa, pois se houve contribuição anterior pela pessoa para ser amparada em caso de  tal evento danoso, seria ilícito, por parte da Administração Pública pedir de volta o que já foi pago aos seus cofres.

Solicitar o que já foi ou vinha sendo devidamente contribuído, concretiza-se a figura do enriquecimento ilícito ou causa cuja exteriorização do sentido nada mais é que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal. (SILVA, 2007, p. 532)

Pois bem, se a intenção da autarquia previdenciária em requerer a reparação civil em razão dos gastos com os benefícios ou serviços ocasionados por violência doméstica não está vinculada, logo havendo provimento positivo para INSS dessa forma, estará configurado o enriquecimento sem causa da autarquia previdenciária.

Porém, o INSS refuta alegando que apesar de não estar expresso o direito de regresso nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/9, hipótese que declina a incapacidade laborativa ou morte por acidente de trabalho, provando a culpa do empregador, admite-se, para a condenação dos infratores, a aplicação da analogia para o ressarcimento da autarquia previdenciária, por conduta de violência doméstica em face da mulher, amparando seus argumentos,  no instituto da responsabilização civil do causador do dano, expresso  no Código Civil, em seus art. 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No pensamento de SAVARIS, o particular não pode ser obrigado a  ressarcir os valores desembolsados pela Administração Previdenciária para a cobertura previdenciária que se relaciona, apenas indiretamente, com o ato ilícito que praticou, salvo se uma lei expressamente lhe impusesse este dever.

Ensina  SAVARIS que  não há caracterização dos elementos para que seja efetivada a responsabilidade do agente agressor de violência doméstica pelos seguintes aspectos: (i) que a ação ou omissão ilícita praticada por um terceiro ocorrendo a incapacidade laborativa ou o óbito de segurado do RGPS,  conduz apenas para aquele ou para sua família que sofreu o dano o direito a reparação civil;  (ii) a violação do direito ocorreu, exclusivamente, para a pessoa que teve o seu direito violado, ilegítima a autarquia previdenciária querer valer-se desse direito; (iii) inexistência do nexo causal entre a conduta ilícita de terceiros e os gastos conexos à concessão e manutenção de benefícios reservados aos beneficiários do INSS, em razão de um acontecimento prévio fático de dano suportado pela vítima, pois não é adotada a teoria das causas equivalentes, além disso, para ocorrer a plenitude do nexo causal, supõe-se o reconhecimento de que a ação é causa suficiente e imediata do dano, fato esse distante da realidade.

Para haver alguma sanção por ato ilícito, conforme os preceitos acima apontados, deve haver previsão legal, situação inocorrente com os causadores de atos de violência doméstica, que vem sendo cobrados, judicialmente pelo INSS, referentes aos gastos com os benefícios ou serviços concedidos em face desses atos, cuja a maioria das sentenças estão sendo favoráveis aos argumentos da autarquia previdenciária.

Nessa seara, o Acordo de Cooperação Técnica entre o INSS e o Instituto Maria da Penha assinado no dia 31 de julho de 2012, visando o desenvolvimento de ações e políticas de proteção à mulher por meio de medidas preventivas e repressivas que vão desde ações sócio-educativas até o ajuizamento de ações regressivas, não tem o condão de legitimar restituições despendidas ou até os gastos que venha a ter com concessões de benefícios cuja pretensão se não houver vinculação legal vigente.

A vinculação ao tema viria se o Projeto de Lei nº 4.381, de 2012, de autoria do deputado federal Amauri Teixeira, apresentado na Câmara dos Deputados em 04/09/2012, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o  causador desse ato ilícito, efetivamente condenado perante a esfera criminal, fosse aprovado e promulgado.

Situação esta que não ocorreu, visto que, conforme andamento de sua tramitação no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei com vistas a legalizar a intenção do INSS nas cobranças regressivas em face dos infratores enquadrados na Lei Maria da Penha, foi promovido o seu arquivamento, devido ao início de nova legislatura, conforme fundamento no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu art. 105, que diz:

Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV – de iniciativa popular;

V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Como, também, não ocorreu nenhuma das exceções acima para que o Projeto de Lei prosseguisse com a sua tramitação perante o processo legislativo até a sua promulgação, vindo assim amparar a medida coercitiva imputada aos réus definitivamente culpados pelo INSS.

3 Possibilidade

O Acordo de Cooperação Técnica, na opinião de Mauro Luciano Hauschild, Presidente do INSS, à época de sua assinatura, “tem um simbolismo forte por ser uma ação do Estado que objetiva a prevenção contra a violência de gênero, e continua afirmando que “esse é apenas o primeiro passo do que ainda será desenvolvido pelo projeto".

O argumento de que a condenação do infrator pela Lei Maria da Penha terá função preventiva em face de outros possíveis futuros criminosos, dessa mesma tipificação, é uma das bandeiras levantadas, por meio da Procuradoria Federal Especializada (PFE/INSS), que está, preliminarmente, analisando cerca de 8.000 processos recebidos da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher no DF.

Iniciativa que, na opinião de Hauschild,  fazer tais agressores pensar, antes de cometer qualquer ato de violência contra a mulher, pois seriam obrigados a reembolsar os gastos despendidos pelo Estado com concessões de benefícios previdenciários.

Tal intento é reforçado pela participação da Lei Maria da Penha no cenário da repressão em casos em casos de violência doméstica e familiar, lei essa, conforme pesquisa efetuada pelo DataSenado no mês de março de 2013, ela é conhecida, ao menos de ouvir falar, por 99% das mulheres entrevistadas, de todas idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

No mês de novembro/2014, o Instituto Avon em parceria com o Data Popular realizou pesquisa sobre o que os jovens pensam da violência doméstica em face da mulher. A pesquisa foi realizada nas 05 regiões do país, com 2.046 entrevistas entre jovens de 16 a 24 anos.

A pesquisa acima constatou, ainda, que a maioria dos entrevistados, 96%, aprova a Lei Maria da Penha e ratificam o seu uso.  Esses jovens, também, declararam que os homens respeitam as mulheres apenas por medo de serem presos em virtude dessa Lei.

Há um grande número de pesquisas relacionadas ao tema violência doméstica e os seus números, em detrimento às mulheres são bem alarmantes, vejamos os dados do Mapa da Violência 2012 efetuado pelo Instituto Sangari, em abril/2012, de 1980 a 2010, que foram assassinadas no país cerca de 91 mil, sendo 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% nos índices de assassinatos de mulheres.

Flávia Piovesan menciona que, apesar dos avanços da globalização dos direitos humanos, pelo impacto dos documentos, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de 1979, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a Plataforma de Ação de Pequim, tem a necessidade “(...) emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui grave violação aos direitos humanos das mulheres”.  

Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar  que, apesar de não haver previsão legal restrita para que o INSS tenha respaldo pelas cobranças regressivas indenizatórias intentadas pelos gastos com os benefícios concedidos em razão de violência doméstica ou familiar, tal intenção é possível sim, desde que, não seja a longo prazo, providenciando-se, o mais rápido possível, a regulamentação legal para tal medida, pois os números demonstrados pelas pesquisas da violência doméstica e familiar no Brasil, não podem ficar ao bel prazer de uma regulamentação, nesse diapasão o mais importante são os direitos humanos dessas mulheres e de suas famílias que ficarão destroçadas com a violência crescente e, ao se condenar um agressor para que restitua aos cofres da Previdência Social os gastos despendidos por sua culpa, essa medida terá repercussão, fazendo outros agressores, pensarem que se cometerem atos tipificados na Lei Maria da Penha terão que devolver o que o INSS conceder de benefícios às suas vítimas ou aos seus dependentes.

Referências

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INSS e o Instituto Maria da Penha oficializam parceria para o combate à violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/203105>. Acessado em 18 fev. 2015.

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. 768 p.

BORBA, Francisco S. (org.) 2004. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo. São Paulo, Editora UNESP, xv + 1470 p.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PL  4.381/2012. Acrescenta art. 17-A à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para dispor sobre o direito de regresso da Previdência Social perante o agressor. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1022711&filename=PL+4381/2012>. Acesso em: 18 fev. 2015. Texto original.

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