Direito penal da "limpeza": reflexões acerca da teoria das janelas quebradas e do direito penal do inimigo

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23/02/2015 às 14:53
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A sociedade contemporânea está aflita com o estouro das estatísticas criminais, que congregam crimes de diversos matizes. Há mecanismos de combate à criminalidade de ordem miraculosa?

RESUMO

A sociedade contemporânea está aflita com o estouro das estatísticas criminais, que congregam crimes de diversos matizes. Há mecanismos de combate à criminalidade de ordem miraculosa? Alicerçado na premissa de que não se atacam as transgressões criminais senão com gradativo e veemente investimento nos fatores de prosperidade social, analisou-se sob enfoque crítico a teoria americana das “Janelas Quebradas”, encabeçada por James Q. Wilson e George Kelling – que associa desordem à criminalidade –, e a tese do Direito Penal do Inimigo, do alemão Günther Jakobs, que secciona o Direito Penal em “do cidadão” e “do inimigo” – por intermédio da procura dos pontos positivos e dos aspectos colidentes com a moderna criminologia – aficionada a um direito penal reduzido, orientado pela intervenção mínima. Ao final do trabalho, há o cotejo entre o direito penal mínimo e o máximo, mediante o exame de princípios relacionados, os quais inelutavelmente conduzem – por um exercício de sensatez - a uma posição intermediária de confronto à macro-criminalidade.

Palavras-chave: Criminologia. Teoria das Janelas Quebradas. Direito Penal do Inimigo. Princípio da Intervenção Mínima. Reflexões críticas.

INTRODUÇÃO

A sociedade global tem convivido na atualidade com uma alta taxa de criminalidade urbana, capaz de engendrar um fundado sentimento de temor e de insegurança. Para fazer frente à onda de criminalidade, surgem como instrumentos de ataque às estatísticas penais ideologias e/ou métodos que primam essencialmente por uma atmosfera social “limpa”, com a ordem nas ruas (Teoria das Janelas Quebradas) e indivíduos violadores da norma penal encarcerados (Direito Penal do Inimigo).

É muito atual, no Brasil, um discurso penal demagogo, uma evocação do Direito Penal como panacéia à violência e à barbárie que toma conta dos lares e ruas brasileiros. E há inúmeras demonstrações desse fenômeno, desde concepções científicas esteadas em proposições teóricas relevantes, passando pela mídia sensacionalista e outros meios de comunicação, até chegar aos tribunais e à academia jurídica.

De um lado, renomados pensadores da ciência jurídico-penal garantem que não se deve mais conferir ao Direito Penal este atributo, nem este realce; que não se deve aguardar do Direito Penal a resolução de graves problemas sócio-culturais e políticos que assolam a comunidade não só brasileira como também a internacional. Valendo-se dessa concepção restritiva da força do Direito Penal, reforçam assim a necessidade de seu caráter mínimo.

Por outra banda, pode-se observar o oposto: o discurso em prol do direito penal máximo. Assim se guiam os defensores do movimento de lei e ordem (Law and order) e tolerância zero (Zero Tolerance) – slogans norte-americanos de combate à criminalidade, bem como os teóricos defensores do direito penal do inimigo.

Contextualmente, na sociedade contemporânea, há um encurtamento da distância entre os povos, trazendo a globalização uma sociedade povoada de riscos. Principalmente riscos relacionados ao combate dos comportamentos anti-sociais (delituosos), que são rechaçados pela sociedade com dose extra de intolerância. É nesse contexto que afloram teses do jaez da Teoria das Janelas Quebradas e do Direito Penal do Inimigo, sempre confrontadas com a escola em voga do minimalismo penal.

Dentro desse embate, este trabalho tem o escopo de apresentar elementos acerca destas propostas punitivistas, à luz de um discurso crítico, com o intuito de demonstrar suas incoerências/méritos em face do atual contexto criminal observado nas práticas jurídicas.

Em oposição aos discursos punitivos supra referidos será salientada a relevância e a coerência de uma política criminal mista, congregando um Direito Penal minimalista – que invoca a sua essência subsidiária, de modo a reservar a intervenção penal apenas para os comportamentos que causem lesões mais graves a bens jurídicos – e um Direito Penal não máximo, mas rigoroso o suficiente para debandar aqueles que se propõem a fazer da violação da norma penal um estilo de vida.

Ao final, serão apresentadas considerações sobre o genuíno papel que o Direito Penal deve representar na sociedade, sempre orientado pela eficiência, celeridade, a fim de incutir a sensação de segurança e afastar o sentimento de impunidade.

Será necessário, enfim, buscar um “Direito Penal da Sociedade”, o qual, sob o norte do Princípio da Proporcionalidade, tutele de forma salutar e legítima tanto a liberdade individual como os outros bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico (vida, patrimônio, integridade física etc.). Enfim, há que se ter o cuidado para que as críticas não sejam destoantes da realidade, repousadas em um mundo fictício, deixando em aberto a segurança que todos legitimamente esperam.

Em face do exposto é que se justifica o estudo a ser apresentado, ressalvando-se que este trabalho terá apenas o intuito de instigar a necessidade de um estudo mais aprofundado acerca do tema, não tendo, contudo, a pretensão de esgotá-lo.

Por demonstrar ser o mais adequado tipo de pesquisa para auferir os resultados almejados, torna-se válido informar que a base bibliográfica será composta por doutrinas jurídicas, legislações comentadas, artigos científicos e outras produções pertinentes.

1 TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS (BROKEN WINDOWS THEORY): RELAÇÃO DIRETA ENTRE DESORDEM E CRIMINALIDADE

Preliminarmente, é prudente situarmos o campo epistemológico no qual inserida a denominada “Teoria das Janelas Quebradas”, oriunda da tradução livre, conforme veremos adiante, da hipótese levada a efeito pelos americanos James Q. Wilson e George Kelling.

A aludida teoria, a par de suas intersecções com demais ciências sociais – além da forte influência da psicologia –, situa-se dentro da Criminologia[1], ciência dedicada ao estudo do fenômeno criminal.

A respeito do seu campo de estudo, disserta Newton Fernandes e Valter Fernandes (1995, p. 24) que:

Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas e exógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinqüente, e os meios labor-terapêuticos ou pedagógicos de reintegrá-lo ao grupamento social.

É relevante observar que a Criminologia, ao contrário do que possa parecer, não se confunde com a chamada política criminal, tampouco com o próprio Direito Penal. A política criminal, grosso modo, preocupa-se com orientações de cunho político – como o próprio nome sugere –, a fim de combater determinado comportamento criminoso ou indesejável à luz do Direito Penal. Ela está, assim, umbilicalmente ligada a determinado Estado, ao contrário da Criminologia, de índole transnacional. O Direito Penal, por sua vez, é classificado, dentro dos ramos do Direito, como disciplina normativa, declarando “o que deve ser”, de caráter coativo e prospectivo (deontológico), enquanto a Criminologia constitui uma ciência empírica, de viés ontológico (“o que é”).

As teorias criminológicas contemporâneas, após longa evolução doutrinária, alargaram o seu objeto de estudo para um conceito geral de sociedade, deixando de focar apenas o indivíduo ou pequenos grupos.

Nesta sede holística, o moderno pensamento criminológico, segundo Nestor Sampaio Penteado Filho (2010, p. 50), influencia-se por duas visões distintas: as teorias do consenso, de cunho funcionalista, denominada teoria de integração; e as teorias do conflito, de cunho argumentativo.

As teorias do consenso apregoam que os fins da sociedade são atingidos quando se opera o funcionamento irretocável das instituições – públicas ou privadas –, com os indivíduos convivendo e concordando com as regras sociais de convívio. Noutro norte, temos as chamadas teorias do conflito, para as quais a boa relação social decorre da força e da coerção, e é nesta seara que surge a Teoria das Janelas Quebradas.

A Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory) surge nos Estados Unidos em 1982, quando a revista The Atlantic Monthly publicou os estudos de James Q. Wilson e George Kelling, os quais buscavam demonstrar o nexo causal entre sociedade desordeira e o cometimento de crimes.

O estudo entabulado pelos norte-americanos supracitados consistiu na verificação da seguinte hipótese: haveria relação direta entre a desordem social e os indicadores de criminalidade? As pessoas são induzidas ao crime quando defronte a um ambiente que não inspira comportamentos salutares? Tendo essas indagações como ponto de partida, realizaram o cientista-político James Q. Wilson e o psicólogo George Kelling, no ano de 1982, experiências criminológicas ancoradas nos estudos de psicologia social do Prof. Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford (EUA), publicados em 1969.

O Prof. Philip Zimbardo, junto com a sua equipe, abandonou dois carros idênticos, mesma marca, modelo e cor em duas ruas distintas. Deixou um no Bronx, uma zona pobre e problemática de Nova York e o outro em Palo Alto, uma das afluentes zonas calmas da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados na rua, dois bairros com populações muito diferentes – dada a diversidade de rendas – e uma equipe de especialistas em psicologia social para estudar o comportamento das pessoas em cada local.

 Descobriu-se que o carro abandonado no Bronx – região pobre de Nova York – começou a ser vandalizado em poucas horas. Ele perdeu as rodas, motor, espelhos, rádio etc. Levaram tudo que podia ser aproveitado, e o que não era, foi destruído. Ao revés, o carro abandonado em Palo Alto, no mesmo período, permaneceu intacto.

Surpresos com aquele resultado tão díspar e objetivando estudar a relação entre ordem e criminalidade, os pesquisadores resolveram quebrar um vidro do carro estacionado na cidade de Palo Alto.

Para espanto de todos, após o dano provocado ao veículo, o carro teve o mesmo destino do parado no Bronx: depredação total.

A partir desse fenômeno social, chegaram à seguinte indagação: por que o vidro quebrado no carro abandonado em um bairro supostamente seguro é capaz de iniciar uma desenfreada ação criminosa?

Com base nos resultados obtidos, James Q. Wilson e George Kelling bradaram a principal tese de que altos índices de criminalidade não são consectários da pobreza, mas sim da ideia de abandono refletida nas ruas. O comportamento cumulativo de destruição leva à intuição humana de que não há regramento vigente e que há uma indiferença aos bens sociais, o que leva, inevitavelmente, a uma violência irracional.

A Teoria das Janelas Quebradas, dessa forma, mesmo que de um ponto de vista criminológico, conclui que o crime é maior em áreas onde a negligência, a sujeira, a desordem e o abuso são maiores.

Em síntese, essa teoria expressa que, caso a população e as autoridades públicas não se preocupem com os pequenos atos de marginalidade – com aspecto de inofensividade – como o ato de quebrar a janela de um prédio, há o induzimento das pessoas a acreditar que naquele local ninguém se importa com a desordem pública, o que levaria fatalmente à prática de delitos mais graves. Os delitos de maior gravidade, por conseqüência, surgiriam em decorrência da não reprimenda aos atos de desordem e aos pequenos delitos.

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A tese desenvolve o raciocínio de que, onde não é demonstrado zelo pelas regras, há uma natural degradação social; a falta de zelo gera o sentimento de que tanto faz, criando o sentimento de que o “eu” é somente o importante, de que a sociedade estruturada se perdeu.

Importante notar que a teoria não diz que qualquer um irá vandalizar algo só porque já está desleixado; sempre haverá os que possuem tendência a fazê-lo e aqueles que não o farão em nenhuma circunstância.  O cerne da questão é que o sentimento de abandono desperta o sentimento de impunidade naqueles que são capazes de vandalizar e cometer crimes e – e aqui reside a maior preocupação – engendra e/ou estimula a sensação de impotência naqueles que se pautam pelo espírito da boa vizinhança e boa-fé social.

Como produto da Teoria das Janelas Quebradas, implantou-se em Nova York – mas não de forma equivalente ao ventilado pela referida teoria[2] – a Política de “Tolerância Zero” (Zero tolerance), em um movimento de Lei e Ordem[3] (Law and Order), inspirado pelo direito penal máximo[4].

Em 1994, o então prefeito de Nova York, Rudolph W. Giuliani, ex-promotor de justiça, encabeçou a política de tolerância zero, que determinava punições automáticas para qualquer tipo de infração, especialmente o uso de drogas ilícitas. O escopo foi eliminar por completo as condutas criminosas da região de Manhattan. Durante seu mandato, Giuliani reduziu pela metade as taxas de criminalidade de Nova York. Uma das armas foi reprimir de forma imediata e com rigor qualquer conduta violadora da norma penal.

A despeito do grande sucesso midiático das medidas implementadas, formou-se uma crítica especializada, guiada por Ric Curtis e Travis Wendel, que criticou os pontos sensíveis do programa, apegado em demasia a números e míope aos demais indicadores sociais.

Para eles,

o programa nova-iorquino é extremamente agressivo. Contudo, as taxas de criminalidade são as mais baixas em 30 anos, porém para entender o real impacto da ação é necessário fazer mais do que comparar números de prisões geradas pelas estratégias empregadas. [...] o sucesso de tal medida parece ser coincidente com outros aspectos sociais e econômicos. Por exemplo, não existe evidência para sugerir que o mercado de drogas tenha sido eliminado ou reduzido, sugere-se que houve uma reconfiguração do comércio para driblar as táticas hostis de policiamento. Outro fator apontado como determinante na redução dos números da mancha criminal foi uma mudança no caráter socioeconômico de alguns bairros. O crescimento do mercado de serviços derivado da restauração da economia trouxe esperanças para os jovens de ganhar a vida fora das fileiras do crime. (WENDEL; CURTIS; 2014) (grifo nosso).

O modelo adotado merece elogio ao defrontar o crime com firmeza, contudo peca na perseguição desvairada apenas de grupos isolados[5], mormente dos marginalizados, deixando a descoberto as condutas criminosas da cúpula social. A expressão “tolerância zero” quer dizer exatamente o que dela se abstrai, quer dizer, é solução autoritária e repressiva. Inserida nessa classificação, pode se servir ao bel-prazer da autoridade que está no poder, o que implica riscos ao seio social, na medida em que pode servir a fins escusos.

Sobreleva notar, nesse diapasão, que a teoria é digna de admiração no combate ao crime, entretanto deve ser aplicada à completa integralidade dos crimes. Não se trata de eleger determinadas condutas criminosas, principalmente aquelas de menor expressão – que “sujam as ruas” –, mas de agir preventiva e repressivamente em relação à totalidade dos crimes. Ela não pode, em absoluto, restringir-se à massa popular. O termo “tolerância zero”, a toda evidência, deve ser entendido não em relação à pessoa que comete o delito, mas sim em relação ao próprio delito, de forma geral, despido de amarras sociais ou econômicas. Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.

Acerca da seletividade da abordagem policial, e conseqüentemente da política de enfrentamento ao crime, WENDEL e CURTIS (2014) trazem importante depoimento de um comerciante que revela como a população negra e pobre era mais afetada pelas investidas do poder público:

O dono de um serviço de entrega de maconha a domicílio explicou a reação ao intensificado policiamento da era Giuliani: ‘Não estamos contratando pessoas de cor porque, basicamente, se alguém é negro em Nova Iorque, pelo menos uma vez por semana ele será barrado pela polícia’. ‘Não gosto do Giuliani, e é uma coisa totalmente diferente ser uma pessoa de cor em Nova Iorque agora; pois sabe-se, com certeza, que vai ter complicação com a polícia, vai ser revistado, e simplesmente é assim que as coisas são. Infelizmente, tenho que tocar meus negócios. Isso significa que tenho que contratar garotos brancos e com a ficha limpa. Quero dizer, gosto de contratar jovens brancos com aparência de estudantes. Sei que é covardia (não contratar pessoas de cor), mas tem-se que ser realista, estamos no negócio para pagar as contas, entende?’

O que se deve ter em mente é que a “tolerância zero” apenas encontra guarida, como política de “limpeza” das ruas – norteada pelo espírito da Teoria das Janelas Quebradas –, porque o Estado é incompetente em resolver, de fato, os graves problemas sociais que levam à violência[6], acreditando que, em um passe de mágica, resolverá a macro-criminalidade com medidas populistas e demagógicas, pondo em sacrifício, inevitavelmente, os direitos fundamentos conquistados arduamente pela sociedade ao longo da história.

A respeito da ótica restrita, de apenas um lado da moeda, da Teoria das Janelas Quebradas, disserta Luis Pelegrini (2014):

A Teoria das Janelas Quebradas definiu um novo marco no estudo da criminalidade ao apontar que a relação de causalidade entre a criminalidade e outros fatores sociais, tais como a pobreza ou a "segregação racial" é menos importante do que a relação entre a desordem e a criminalidade. Não seriam somente fatores ambientais (mesológicos) ou pessoais (biológicos) que teriam influência na formação da personalidade criminosa, contrariando os estudos da criminologia clássica.

Em sentido contrário, afirmou Wesley Skogan (2012) que “relação de causalidade entre a desordem e criminalidade é muito maior do que a relação entre criminalidade e pobreza, desemprego e falta de moradia”.

O fato é que a Teoria das Janelas Quebradas não resolve, por si só, o problema da criminalidade, mas funciona como poderosa arma no combate a esse fenômeno social, embora deva ser vista com espectro largo, alcançando todos os níveis e castas sociais.

Nessa abrangência, é possível alcançar o ponto de convergência do combate a criminalidade, qual seja, a necessidade de induzir a certeza da punibilidade, a qual não se obtém sem o tripé da prosperidade econômica, redução do desemprego e educação de qualidade.

De forma lúcida, assim interpretou Aury Lopes Júnior (2014) os resultados obtidos em Nova York, por intermédio da política de “tolerância zero”:

Nos Estados Unidos, o marketing de que a redução da criminalidade urbana em Nova York foi conseqüência da política de tolerância zero, é severamente criticada. É pura propaganda enganosa. Não é prendendo e mandando para a prisão mendigos, pichadores e quebradores de vidraças que a macro-criminalidade vai ser contida. As taxas de criminalidade realmente caíram em Nova York, mas também decresceram em todo o país, porque não é fruto da mágica política nova-iorquina, mas sim de um complexo avanço social e econômico daquele país. É fato notório que os Estados Unidos têm vivido nas últimas décadas uma eufórica evolução econômica, com aumento da qualidade de vida e substancial decréscimo dos índices de desemprego.

Com efeito, as mudanças econômicas em Nova York causaram maior diferença do que o policiamento agressivo e a política de “tolerância zero”. Áreas onde o crime dominava foram repovoadas por residentes com interesse na participação dos assuntos locais; serviços básicos e patrulhamento foram retomados.

Percebe-se, portanto, que a sociedade, de forma substancial, precisa ser modificada, e alterada progressivamente. Não se trata de apenas reduzir os números das estatísticas criminais – deslocando o crime de uma localidade para outra, como realmente ocorre –, mas combatendo a criminalidade em todas as frentes, mediante avanço nos indicadores sociais.

Dentro dessa perspectiva, podemos chegar à indagação: deveria ser aplicável a política de “tolerância zero”, conjuntamente com a Teoria das Janelas Quebradas, no Brasil[7]? Opinamos que sim, visto que é inegável que o combate a pequenas infrações e ambientes limpos contribuem para o bem-estar social. Agora, questão diversa é a sua plena efetividade nesse intento. Podemos afirmar que não. A efetiva atuação estatal no combate à criminalidade, seja ela a micro-criminalidade ou a macro-criminalidade, não basta que seja intolerante com todos os crimes; é necessário investigar e processar para chegar a uma condenação. É preciso ir além da tolerância zero. A repressão é insuficiente.

2 DIREITO PENAL DO INIMIGO: A FALÁCIA DA PANACÉIA CRIMINAL

O chamado Direito Penal do Inimigo é construção doutrinária do filósofo e jurista alemão Günther Jakobs, o qual paulatinamente ganhou corpo entre os estudiosos da disciplina criminal, ora recebendo elogios, ora sendo alvo de severas críticas. Para o público leigo, principalmente aos que já sentiram ou sentem o efeito deletério da criminalidade, a teoria de Jakobs assume vistosidade e brilho, podendo parecer, à primeira vista, uma solução quase que perfeita. Entretanto, é falha em alguns pontos, conforme veremos adiante.

Em resumo, essa teoria tem como escopo cindir o Direito Penal de acordo com o sujeito que sofre a reprimenda penal. Haveria duas categorias: os delinqüentes e os criminosos. Os primeiros seriam aqueles que, eventualmente, infringem a lei penal, mas que não a “abusa”; os segundos, por sua vez, seriam aqueles tidos como “inimigos do Estado”, haja vista que não sabem conviver em sociedade senão cometendo crimes e pondo em risco a paz social. Para estes, diferentemente dos delinqüentes “comuns”, a mão do Estado seria mais pesada, cabendo a eles um tratamento mais rígido e diferenciado[8].

Os chamados inimigos, por ostentarem tal condição, têm suprimido as garantias processuais dispostas em uma carta de direitos[9]. Não sendo capazes de adaptar-se às regras da sociedade, devem ser afastados do convívio social, ficando sob a guarda do Estado, perdendo o status de cidadão.

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Sobre o autor
André Bernardes Dias

Especialista em Direito Público pela PUC-MG. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UNESA. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Assessor no TJDFT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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