Num país onde reinam a poluição, o desperdício e a contenda jurídica, a comemoração do Dia Mundial da Água passou desapercebida diante da maior crise hídrica já vivenciada no Brasil

28/03/2015 às 15:02
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O artigo lista os principais motivos que levam a população a recorrer ao STJ,pela água que consome. Veja aqui quais são eles e quais os parâmetros legais estabelecidos para regrá-los. Só então você entenderá porque o Dia Mundial da Água passou em branco.


 No último domingo, dia 22/03, foi comemorado o Dia Mundial da Água. Comemorado?, pergunto eu.Que motivos temos para comemorar um dia que nos remete à cultura do desperdício, da degradação ambiental, além dos fatores como mudanças climáticas, geográficas e políticas que nos colocaram nessa terrível situação que hoje nos encontramos? Enfrentamos hoje a maior crise hídrica já vivenciada pelo Brasil. E ainda achamos que temos motivos para comemorar? A meu ver teríamos motivos para nos arrependermos de todas as besteiras que fizemos até agora, iludidos por ensinamentos escolares que diziam que o Brasil é um dos países de maior potencial hídrico do mundo, mas que nunca nos ensinaram que esse recurso, se não bem cuidado, se tornaria finito.
 A situação hoje é tão adversa, que o ministro Ari Pargendler, aposentado do STJ, declarou que “O Brasil, através do STJ, julga mais litígios sobre temas ambientais do que todas as altas cortes da América Latina somadas.” E dentre esses processos, a água é alvo de incontáveis disputas judiciais. Exemplifico: Companhias de abastecimento querem ter o direito de fixar tarifas pelo regime progressivo; o Ministério Público pede constantemente a demolição de imóveis construídos em áreas de mananciais ou em margens de lagos e rios; empresas e pessoas físicas buscam a outorga para extração de água do subterrâneo; condôminos questionam o pagamento de tarifa mínima quando há apenas um hidrômetro no condomínio... Enfim, a lista é extensa e o STJ, nos julgamentos de direitos ambientais tem produzido farta jurisprudência, em franca sintonia com a preocupação mundial de preservar o meio ambiente.
 Foi nessa visão de preservação que o Tribunal da Cidadania, como é chamado o STJ, admitiu a tarifa progressiva na cobrança da água. Para tanto editou a Súmula 407 cujo enunciado diz “ser legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”. Assim, que gasta menos água, paga menos por litro consumido. A Súmula 407 foi editada após incansáveis estudos sobre os dados divulgados pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos, o aumento de consumo e sua relação direta no sistema de abastecimento na área urbana, e visando a melhoria da situação econômica da população.
 O enunciado da Súmula 407 também foi baseado na Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão na prestação de serviços públicos. Segundo o artigo 13, as tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.
 No Resp 861.661, impetrado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), os ministros da Primeira Turma consideraram que, “diante das desigualdades sociais e econômicas dos usuários de serviços públicos, essa política de discriminação tarifária possibilita efetivar, a partir de critérios razoáveis e proporcionais, a igualdade jurídica, além de concretizar a justiça social”. Mas na cobrança do uso da água, outro problema se apresenta: o hidrômetro. O Resp 1.513.218 estabeleceu que “a  tarifa de água deve ser calculada a partir do consumo efetivamente medido no hidrômetro, a cobrança com base em estimativa de consumo é ilegal, porque enseja enriquecimento ilícito por parte da concessionária.” O entendimento foi adotado pela Segunda Turma neste mês de março. O relator, ministro Humberto Martins, esclareceu que a responsabilidade pela instalação do hidrômetro é da concessionária, mas, ainda que não haja o aparelho no local, a cobrança deve ser feita com base na tarifa mínima.
 O fornecimento de água a condomínios mais antigos, onde o consumo não é individualizado e sim medido por um único hidrômetro, é outro problema recorrente no STJ. No Rio um condomínio moveu ação de reparação de danos contra a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) porque estaria recebendo cobranças irreais, não condizentes com o consumo aferido no imóvel. Segundo ele, a empresa calculava o valor das contas por meio de estimativa e ignorava o valor marcado no hidrômetro. No julgamento desse caso, REsp 1.166.561, submetido ao rito dos repetitivos, a Primeira Turma considerou “que a cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total é medido por único hidrômetro deve se dar pelo valor real aferido.” Para os ministros, não se pode presumir a igualdade de consumo de água pelos condôminos, sob pena de violação ao princípio da modicidade das tarifas.
 Outro fato que contribui muito com a degradação de nosso potencial hídrico é o desrespeito às áreas de preservação permanente (APPs), que o Código Florestal Brasileiro define como “as florestas e outras formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água – aí incluídos brejos, várzeas, lagos e represas – são áreas de preservação permanente (APPs).” A jurisprudência do STJ considera que, independentemente das características hidrográficas, até mesmo os veios d’água devem ser protegidos pelo regime jurídico das APPs.
 Para o ministro Herman Benjamin, professor e autor de diversos livros sobre direito ambiental, “nos menores cursos d’água é que a proteção da mata em torno é mais importante. A estreiteza do veio não diminui sua importância no conjunto hidrográfico”. Ao julgar o  REsp 176.753, ele afirmou que as áreas de preservação permanente são essenciais devido às funções ecológicas que desempenham, principalmente para conservação do solo e das águas. Entre essas funções, ressaltou, está a “proteção da disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e armazenamento no lençol freático, como ao salvaguardar a integridade físico-química dos corpos d'água da foz à nascente, como tampão e filtro, sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e detritos”.
 A preservação da Mata Atlântica também é de vital importância aos nossos recursos hídricos. A Segunda Turma do STJ analisou caso em que o Ministério Público federal moveu ação civil pública contra o município de Joinville (SC) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) para que fossem anuladas autorizações concedidas por órgãos ambientais com intuito de suprimir vegetação de Mata Atlântica para construção de anfiteatro e ginásio de esportes.
 O ministro Herman Benjamin verificou no processo que houve canalização e supressão da mata ciliar dos córregos que atravessavam a área, sem a demonstração de utilidade pública ou interesse social – critérios que, segundo ele, “são indispensáveis para admitir o desmatamento de área de preservação permanente”.
 “Não há nenhuma dúvida de que qualquer autorização para obras na região é situação absolutamente excepcional. Essa supressão de vegetação se deu ao arrepio da lei”, comentou.
 Por fim, dentre os fatores que mais levam casos ao judiciário está a questão dos poços artesianos. Apesar de se manifestar em vários processos favorável à outorga para extração de água subterrânea, o STJ tem enfrentado casos discrepantes, como o REsp 1.352.664 no qual o Edifício Serra Shopping, localizado no Rio de Janeiro, pretendia continuar utilizando fonte alternativa de água potável, independentemente de outorga e pagamento, em local onde existe rede pública de abastecimento de água. Em maio de 2013 a Segunda Turma negou provimento ao recurso. Segundo o relator, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que o inciso II do artigo 12 da Lei 9.433/97 condiciona a extração de água do subterrâneo à respectiva outorga, o que, para ele, se justifica pela “problemática mundial de escassez da água e se coaduna com a Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico”. O ministro explicou ainda que esse dispositivo, ao distinguir os usuários que têm daqueles que não têm acesso à fonte alternativa de água, “revela-se como instrumento adequado para garantir o uso comum de um meio ambiente ecologicamente equilibrado pelas presentes e futuras gerações, segundo uma igualdade material, não meramente formal, sobretudo considerando a finitude do recurso natural em questão”.
 Apesar de todo o esforço dispendido pelo STJ, muitas outras agressões continuam a ser perpetradas contra nosso sistema hídrico. São construções de hidrelétricas, cujas desapropriações não têm como mensurar o valor da mata nativa a ser perdida; são ocupações irregulares à beira de represas, córregos e rios; poluição consciente dos mesmos com despejo de esgoto “in natura” em seus cursos; poluição das nascentes, além do descarte de todo tipo de lixo na água que serviria para matar nossa sede. Por isso, aquela água que aprendemos que nunca iria acabar é hoje considerada um recurso finito. E se sua degradação acontece muito rapidamente, atitudes que façam com que ela cesse andam a passo de tartaruga, mesmo porquê dependem de vontade política. E aí a coisa pega. Precisaríamos dar um banho de moralidade e ética em nossos políticos de forma que tirando a crosta da ganância, da corrupção e da locupletação, enfim pudéssemos dar um banho de água neles para tirar o mau cheiro que exala a inércia, a inépcia e a acomodação. Portanto, no Dia Mundial da Água, nada tivemos a comemorar. Só a lamentar. E rezar para que hoje haja água em nossas torneiras e chuveiros.
 

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Sobre o autor
Guilherme Simões Credidio

Engenheiro Ambiental (POLI-USP) e MBA Economia de Empresas (FEA-USP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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