1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo investigar a teoria geral do direito autoral, analisando, para tanto, os institutos jurídicos que surgem com a exteriorização da criação intelectual. Em nossa legislação pátria, o Direito Autoral foi regulado pela Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1993. A partir de 19 de junho de 1998, entrou em vigor a Lei 9.610, a atual Lei dos Direitos Autorais.
Esses direitos gravitam em torno de um ponto comum: a imaterialidade. Esta, a seu turno, é a principal característica da propriedade intelectual, presentes nas produções artísticas, culturais, científicas, dentre outras.
Nesse sentido, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, com o emprego do método de redação dedutivo, sendo utilizadas, como fonte de pesquisa, legislações e doutrinas.
Com efeito, devido ao crescimento da divulgação e, consequentemente, da propagação pelos meios de comunicação de obras intelectuais, tornou-se mais que necessário a implementação de mecanismos que garantissem proteção ao direito autoral. Também no âmbito internacional, essa preocupação tornou-se evidente, a partir da celebração de contratos internacionais que visam dar aos autores e editores dos países contratantes proteção semelhante a que têm em seu país de origem, obedecendo, assim, normas de direito internacional.
No que diz respeito à tutela do Direito Autoral, o texto Constitucional brasileiro de 1988, em seu art. 5º, incisos IV e IX, consagra a liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado, entretanto, o anonimato. Também dispõe a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A Constituição Federal, em seu artigo 220, §2º, também veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, expressando, ainda, no caput do referido instituto, que não sofrerão qualquer espécie de restrição a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo.
Nesse sentido, para Leonardo Marcedo Poli (2008, p. 1-2), o Direito Autoral se mostra como um ramo do direito que, de modo objetivo, regula as situações jurídicas geradas pelas criações do espírito humano, sendo espécie do gênero propriedade intelectual. Subjetivamente, a nomenclatura Direito Autoral refere-se às faculdades ou liberdades juridicamente reconhecidas ao autor sobre sua criação.
Como será analisado de modo mais preciso no decorrer do presente estudo, verifica-se que a partir da exteriorização da obra surge um contraponto entre o chamado direito moral de autor, especialmente o direito ao ineditismo, e a função social da propriedade intelectual.
Este direito revela-se como um direito de reserva da personalidade do autor, atingindo a integridade da obra e qualquer de suas partes, surgindo somente após a exteriorização da criação, tendo o autor a faculdade de divulgá-la ou não. A Lei de direito autorais, contudo, não faz menção alguma no caso de haver um interesse público na divulgação da obra, para promover informação, cultura, ciência ou desenvolvimento nacional, razão pela qual será dado especial enfoque ao tema.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DA TUTELA AUTORAL
Com o intuito de localizar o tema de estudo, é necessário uma breve análise histórica no que tange à tutela autoral no decorrer do tempo.
Diferentemente de nossos dias, nenhuma proteção houve durante muitos séculos aos autores. Não havia qualquer disciplina jurídica que garantisse tutela específica a eles. Em meados do século XVI, com a invenção da imprensa, a forma escrita fixa-se e as idéias finalmente passam a atingir uma escala industrial. Essa evolução, entretanto, acarretou diversas dificuldades. O problema da proteção aos autores tomou maiores proporções por não haver qualquer preocupação do Estado em relação a isso. Os autores e artistas eram protegidos pela massa popular, à medida que recebiam aplausos e algo para sobreviver em feiras e praças públicas ou ainda favores de nobres, reis e papas. Parecia não haver solução para o problema dos direitos autorais, a proteção e a remuneração dos autores.
Os direitos autorais passam a ser tutelados pelo Estado somente a partir da criação do Estatuto da Rainha Ana, no ano de 1710, na Inglaterra. O Estatuto se referia ao direito de venda de livros. Era um direito concedido aos editores, sendo um privilégio concedido pela Coroa. Com a criação do Estatuto, o autor passou a ter direitos sobre a sua obra, pelo menos em parte, pois como esclarece José de Oliveira Ascensão (1997, p. 4), “o autor apodera-se do privilégio da indústria. Hoje, teremos de perguntar se no final a indústria não se apoderou da tutela do autor”.
O que o Estatuto inglês concedeu foi um privilégio de reprodução das obras, e não um direito específico baseado no ato de criação. O que se estava a tutelar era a materialidade do exemplar e o direito exclusivo de sua reprodução em grande escala (ASCENSÃO, p. 5).
No mesmo século XIII, com a Revolução Francesa, o autor passa a ter primazia sobre sua própria obra, afirmando-se haver uma propriedade do autor sobre esta. O direito de autor seria até a mais sagrada de todas as propriedades (ASCENSÃO, p. 5). Esses direitos franceses enfocavam, principalmente, o direito do autor ao ineditismo, à paternidade, à integridade de sua obra. Esse último, em especial, referia-se ao fato de que a obra não poderia ser alterada sem o consentimento expresso de seu criador. Esses direitos eram inalienáveis, e a proteção se estendia por toda a vida do autor.
O que esses direitos objetivavam era a proteção da obra e não sua materialidade. Porém, essa confusão entre criação e matéria perdura até os dias de hoje, mesmo em instrumentos internacionais e nas leis que se referem a livros, folhetos e escritos, quando, na verdade, o que se pretende proteger é a obra literária e não as modos de sua exteriorização.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, emanada da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em seu artigo 27, item 2, declara que: "Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais que lhes correspondam em razão de produções científicas, literárias ou artísticas de que seja autora”.
No âmbito internacional de proteção aos direitos do autor, o Brasil assinou os seguintes tratados: Convenção de Berna (9/9/1886); Convenção de Roma (26/10/1961); Convenção Universal (24/7/1971); Convenção de Genebra (29/10/1971); acordo sobre aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (vários artigos tratam do Direito Autoral, inclusive da proteção de programas de computadores).
Especificamente no Brasil, nosso ordenamento pátrio permaneceu no regime dos privilégios de impressão, mesmo após sua independência. O Código Criminal, de 1830, representou um avanço na matéria, proibindo, no texto de seu artigo 261, a reprodução de obras compostas ou traduzidas por cidadãos brasileiros no período em que estes estivessem vivos. Essa proteção ainda persistia durante o período de 10 anos após suas mortes, no caso de haver herdeiros.
No ano de 1889, foi assinado um acordo com Portugal (Decreto n. 10.353, de 14/09/1889) que objetivava garantir tratamento nacional entre os autores de ambos os países. Isso garante até hoje proteção para os autores brasileiros em Portugal.
A partir da proclamação da República, o direito de autor começa a se desenvolver. A Constituição da República passa a consagrar, em seu art. 72, § 26, o direito exclusivo de reprodução dos autores e a proteção dos herdeiros. A matéria, assim, ganha força constitucional. Aliás, o texto da Constituição de 1891 é o norteador de toda evolução do direito autoral no Brasil, constando ainda na Constituição vigente (ASCENSÃO, p. 12).
Em 1º de agosto de 1898, surge a Lei n. 496, a primeira lei que define e garante os direitos autorais, proteção esta concedida aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.
Diversas leis tiveram significativa importância nas décadas que se seguiram. O Código Civil de 1916 representou um grande marco na tutela autoral brasileira ao dispor sobre o tema nos artigos 649 a 673, sob a epígrafe Da propriedade literária, científica e artística, no qual o direito de autor é protegido durante sua vida, perdurando, ainda, por um prazo de 60 anos em benefício dos herdeiros (ASCENSÃO, p. 12).
A Lei 11, de agosto de 1927, ao criar os Cursos de Direito em Olinda e São Paulo, atribui também aos lentes um privilégio sobre os cursos que viessem a publicar. Esse privilégio tinha duração de 10 anos.
A atual Carta Magna de 1988 traz em seu artigo 5º, XXVII, o texto fundamental segundo o qual “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Desse texto temos o entendimento de que o direito de autor é exclusivo e hereditável, porém, limitado no tempo. Como nos ensina José de Oliveira Ascensão (1997, p. 13), “o propósito da previsão é antes de mais nada o de consagrar a garantia constitucional do direito de autor”. Nesse sentido, nenhuma lei ordinária poderá suprimir tal garantia constitucional.
No dia 14 de dezembro de 1993, entrou em vigor a Lei 5.988, sendo posteriormente revogada pela Lei 9.610, a atual Lei de Direitos Autorais, alterando, atualizando e consolidando a legislação autoral. Como estabelece, em seu art. 1º, “esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos”.
3 Fundamentos Constitucionais dos direitos autorais
Gradativamente, os direitos autorais estão se tornando "Direitos fundamentais da pessoa", na medida em que estão sendo constitucionalizados em diversos países. Esses direitos envolvem duas ordens de interesses, quais sejam, os de caráter pessoal e os de caráter patrimonial.
O caráter pessoal do Direito Autoral tem relação com o liame moral do autor com sua obra. Nesse sentido, sob o caráter pessoal, a obra representa verdadeira expressão do espírito criador do indivíduo, representa uma faceta de sua personalidade.
Segundo Bittar (2000, p. 8), o caráter patrimonial desses direitos, entretanto, corresponde aos proventos econômicos percebidos a partir da utilização da obra, vale dizer, é a retribuição econômica que o autor terá pela sua produção intelectual.
Como bem declara o art. 215 da Constituição Federal, cumpre ao Estado garantir o exercício dos direitos culturais, apoiar e incentivar a valorização e difusão das manifestações culturais. O art. 216, §3º, da Carta Magna, preconiza que serão objetos de incentivos governamentais a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
O art. 216 da Constituição Federal bem declara:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
No tocante à comunicação social, a Constituição Federal, em seu art. 220, § 2º, veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, expressando ainda, no caput do mesmo dispositivo, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Ao tutelar os direitos fundamentais do homem, a Constituição Federal privilegia a dignidade e a liberdade da pessoa humana, uma vez que expressa situações jurídicas sob os aspectos subjetivos e objetivos. Tais direitos dizem respeito às características de inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade. A Carta Magna, no que tange à tutela do Direito Autoral, nos incisos V e IX do art. 5º, consagra a livre manifestação do pensamento, vedando o anonimato, bem como liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
No que concerne à propriedade intelectual, o art. 5º da Constituição Federal, confere tutela específica nos seguintes termos:
Art. 5º [...]
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
Ao passo em que a Constituição Federal assegura a inviolabilidade do direito à propriedade, determina, também, que esta deverá atender sua função social, admitindo ainda a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social. A Constituição Federal, entretanto, garante tão somente a instituição da propriedade, cabendo a normas legais regular o exercício e definir o conteúdo e os limites do direito de propriedade.
A partir da análise dos incisos IX e XXVII do artigo 5º da Carta Magna, notamos que ao autor é conferido o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras literárias, artísticas, científicas e de comunicação. Tal direito exclusivo, no entanto, é transmissível aos herdeiros pelo tempo fixado em lei. As normas constitucionais preconizam em caráter vitalício o direito de propriedade intelectual, abrangendo, assim, direitos morais e patrimoniais.
4 Dos direitos da Personalidade
O homem é ser dotado de personalidade, que, segundo Beviláqua (1998, p. 37), "é a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações", ou, ainda, como bem ensina Venosa (2002, p. 148), "é o conjunto de poderes conferidos ao homem para figurar nas relações jurídicas". Vale dizer que a personalidade não é um direito, mas um conceito sobre o qual se apóiam os direitos a ela inerentes.
A personalidade "não constitui ‘um direito’, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos, sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações" (PEREIRA, 2003, p. 154). Leciona Diniz (2003, p. 119):
A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.
Contudo, Pontes de Miranda (2000, p. 39), ao caracterizar os direitos da personalidade como “todos os direitos necessários à realização da personalidade e à sua inserção nas relações jurídicas”, afirma, que “o primeiro desses direitos é o da personalidade em si mesma, não se tratando de direito sobre a pessoa [...] O direito de personalidade, como tal, não é direito sobre a própria pessoa, mas o direito que se irradia do fato jurídico da personalidade [...] Há direitos da personalidade que recaem in corpus suum; não está entre eles, o direito de personalidade como tal”.
Nosso direito pátrio consagra a regra do direito romano, pelo qual a personalidade tem início somente com o nascimento. Antes do nascimento, portanto, não há se falar em sujeito de direitos. A legislação, entretanto, assegura proteção especial, resguardando os interesses do nascituro desde sua concepção. Assim, “partindo-se desta premissa, vale dizer, por conseguinte, que somente com a morte, real ou presumida, cessa a personalidade da pessoa natural e, em regra, os direitos inerentes a ela” (NICOLODI, 2003).
Para Bittar (2000,0p. 35), consideram-se direitos da personalidade:
Os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico para a defesa de valores inerentes ao homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade, entre outros.
No entender de Gomes (2001, p. 46), “os direitos da personalidade destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos”. Vale dizer que “os direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual” (NETO, 2001, p. 243).
De modo bastante resumido, pode-se afirmar que os direitos da personalidade são direitos subjetivos, tendo por objeto os elementos constituintes da personalidade do seu titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual.
Os direitos da personalidade nascem com a pessoa, acompanhando-a durante toda sua existência, visando à proteção das qualidades e dos atributos essenciais da pessoa humana, salvaguardando sua dignidade e impedindo apropriações e agressões de particulares ou mesmo do Poder Público.
Os direitos de personalidade são a base de todo o sistema jurídico, justamente por serem essenciais à pessoa humana. Esses direitos são intransmissíveis e irrenunciáveis.
Doutrinariamente, “os principais direitos de personalidade são: direito à vida, à integridade física e psíquica; direito às partes destacadas do corpo e sobre o cadáver; direito à liberdade; direito à honra, ao resguardo e ao segredo; direito à identidade pessoal (nome, título e sinal pessoal); direito à verdade; direito à igualdade formal e direito à igualdade material prevista constitucionalmente; direito moral do autor” (CASTRO, 2002).
5 Da Propriedade Intelectual
O autor é titular de direitos morais e de direitos patrimoniais sobre a obra intelectual por ele produzida. De acordo com o ECAD (2009):
Os direitos morais são os laços permanentes que unem o autor à sua criação intelectual, permitindo a defesa de sua própria personalidade. Por sua vez, os direitos patrimoniais são aqueles que se referem principalmente à utilização econômica de obra intelectual, por qualquer processo técnico já existente ou ainda a ser inventado, caracterizando-se como o direito exclusivo do autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra criativa, da maneira que quiser, bem como permitir que terceiros a utilizem, total ou parcialmente, caracterizando-se como verdadeiro direito de propriedade garantido na Constituição Federal.
Os direitos morais são intransferíveis, imprescritíveis e inalienáveis. Diferentemente, os direitos patrimoniais podem ser transferidos ou cedidos a outras pessoas, concedendo o autor direito de representação ou mesmo de utilização de suas criações. A obra intelectual não poderá ser utilizada sem a devida autorização e, caso seja, a pessoa responsável pela utilização desautorizada estará violando normas de Direito Autoral. Esta conduta é passível de medidas judiciais na esfera cível, não prejudicando medidas criminais.
Mesmo possuindo o caráter de inalienabilidade e irrenunciabilidade, os direitos morais, salvo os de natureza personalíssima, são transmissíveis por herança, nos termos da lei. Já os patrimoniais podem ser alienados pelo autor ou por seus sucessores.
O artigo 1.228 do Código Civil Brasileiro bem declara que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Os artigos 649 a 673 do Código Civil de 1916 diziam respeito à propriedade literária, científica e artística. Tais normas legais foram revogadas pela Lei n 5.988, de 14/12/1973, que, por sua vez, encontra-se revogada pela Lei n. 9.610, de 12/01/1998, que atualmente regulamenta os direitos autorais.
Não há entendimento pacificado a respeito da natureza jurídica do Direito Autoral e sua exata classificação. Uma corrente entende que não há nele senão uma forma particular, pela qual se manifesta a personalidade, como uma expressão direta do espírito pessoal do autor. Outra corrente entende constituir o Direito Autoral uma modalidade especial da propriedade, sendo propriedade imaterial ou intelectual. Uma terceira corrente defende que não haja propriamente um direito, mas um simples privilégio concedido para incremento das artes, das ciências e das letras.
A obra intelectual é criação intelectual (ou produção intelectual), que se materializa sob qualquer forma. Tem como fonte ou origem o íntimo de seu criador, por ser forma de expressão particular da personalidade.
A Lei n. 9.610/98 e o Código Penal não adotam a expressão “propriedade intelectual”, mas, sim, “Direito Autoral” ou “Direito de Autor”, no tocante às obras artísticas e literárias. O Direito Autoral recebe normatização especial em função das diferenciações fundamentais que possui em relação ao regime adotado para a propriedade convencional, seja no tocante à constituição do bem, ou criação intelectual; seja na transferência do bem a terceiros.
Por propriedade intelectual entende-se os direitos de autor e os direitos conexos, bem como a propriedade industrial. Esta última, relaciona-se com marcas identificativas de empresas, marcas de serviços, nome comercial, e patentes de invenções e modelos de utilidade, desenhos ou modelos industriais (CASTRO, 2002). A Lei n. 9.279, de 14/05/1996, regula direitos e obrigações concernentes à propriedade industrial.
O Direito Autoral decorre das obras intelectuais no campo literário e artístico. Entretanto, o simples registro da obra não estabelece a autoria. O que há é tão somente a presunção da autoria ou titularidade originária do Direito Autoral. Nesse sentido, presunção de autoria não pode ser confundida com autoria. Cabe observar que, exclusivamente nos casos de propriedade industrial, o registro válido acarreta a constituição do direito em relação ao privilégio de uso. Assim, o direito é conferido ao titular do invento, modelo industrial ou marca (CRUZ, 2008).
5.1 O que são Direitos Autorais
Segundo Nader (2004, p. 16):
As necessidades de paz, ordem e bem comum levam a sociedade à criação de um organismo responsável pela instrumentalização e regência desses valores. O Direito não corresponde às necessidades isoladas de apenas um ou de alguns indivíduos, mas a uma carência da coletividade como um todo. O homem só não possui direitos nem deveres. Para o homem e para a sociedade, o Direito não constitui um fim, apenas um meio para tornar possível a convivência e o progresso social. O Direito tem sua raízes na própria natureza humana, pois só existe onde há sociedade. A sociedade, ao mesmo tempo, é fonte criadora e área de ação do Direito, seu foco de convergência.
Partindo-se dessa premissa, nada mais correto do que pertencer ao homem o produto da sua própria inteligência, sendo ele o detentor de sua própria obra intelectual, para dela fazer o uso que melhor convenha.
Como nos ensina Chaves (1987, p. 17), “a matéria-prima do direito de autor é mais preciosa do que o petróleo, o ouro ou os brilhantes: a criatividade, extraordinário e misterioso atributo que a natureza dotou o homem”.
Podemos entender o Direito Autoral como um conjunto de normas jurídicas que regulam as relações oriundas da criação de obras artísticas, literárias e científicas e sua respectiva utilização. São exemplos de obras artísticas, literárias e científicas, as pinturas, esculturas, ilustrações, projetos arquitetônicos, gravuras, fotografias, livros, textos, etc. As normas de Direito Autoral, como qualquer outra norma jurídica, tem eficácia erga ommnes, na medida em que impõe a todos os membros da coletividade respeito a essas criações do espírito humano, outorgando a seus criadores o exercício de exclusivas prerrogativas.
Os direitos autorais compreendem os direitos de autor e os direitos que lhe são conexos, sendo disciplinados a nível nacional e internacional.
No âmbito internacional, merece destaque o sistema unionista instituído pela Convenção da União de Berna e pela Convenção de Roma, em que os países integrantes desses tratados internacionais traçaram metas de modo a disciplinar a defesa do direito de autor e dos direito conexos, editando normas de aplicação internacional. Essas normas são reconhecidas e aplicadas pelo Governo Brasileiro através dos Decretos n. 75.699/75 e 57.125/65.
Ainda na esfera internacional, o Brasil também é signatário do Acordo de Marrakech, de 1994, pelo qual, com o término da rodada Uruguai do GATT, foi instituída a Organização Mundial do Comércio – OMC. Segundo o Anexo I C deste instrumento, que contém o acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (ADPIC ou TRIPS, em inglês), o Brasil está obrigado a obedecer as disposições contidas nos artigos substantivos do Convênio de Berna, sob pena de ser alvo das sanções previstas no próprio acordo.
O Brasil está obrigado, por força do artigo 41 do ADPIC, a garantir efetiva proteção aos direitos de autor, devendo, para tanto, impedir que obras intelectuais protegidas sejam utilizadas.
O Brasil também é signatário de outros tratados internacionais versando sobre a proteção dos direitos autorais e conexos, dentre eles os de Genebra, Washington e Buenos Aires. Todos esses tratados e acordos internacionais foram recepcionados pela legislação interna.
5.2 Objeto do Direito Autoral
O Direito Autoral tem por finalidade a regulamentação das relações jurídicas decorrentes entre o autor de uma obra intelectual e demais pessoas interessadas em obter qualquer espécie de vantagem dela, seja de ordem pessoal ou econômica. Em contrapartida, a obra intelectual tem como fim principal atender a um interesse cultural, de caráter coletivo. Esse interesse pode ser de ordem estética, técnica, didática, religiosa, científica ou de qualquer outra natureza.
A existência de uma obra intelectual pressupõe a satisfação das necessidades intelectuais de seu próprio criador ou dos demais indivíduos. Nesse sentido, a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XXVII, bem reza que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".
Desde modo, Direito Autoral corresponde à propriedade do autor sobre sua obra. Corresponde ao conjunto de prerrogativas reconhecidas por lei ao criador de uma obra (literária, científica e artística) no que tange à sua paternidade e ao seu posterior aproveitamento ao longo de sua vida e de seus sucessores.
Direito Autoral também pode ser entendido como o direito que detém o autor de vincular o seu nome à sua produção, reproduzindo ou transmitindo o mesmo com exclusividade.
Enquanto não divulgada a obra, através da publicação de um livro, a divulgação da escultura, ou da peça teatral, por exemplo, a relação entre o autor e o objeto de sua criação mantém-se exclusivamente na esfera patrimonial.
Entretanto, quando divulgado o produto da criação intelectual, este passa integrar o patrimônio da coletividade, como bem cultural. Para Venosa (2003, p. 582), a partir do momento da divulgação da obra surge a dicotomia de direitos morais e patrimoniais a serem examinados no campo legislativo e doutrinário, motivo pelo qual não se pode resumir de modo simples os direito do autor à tão somente modalidade de propriedade.
Como nos ensina Poli (2008, p. 7), o Direito Autoral não pode prescindir da tutela das repercussões econômicas da criação nem sequer da tutela do aspecto da personalidade do autor exteriorizado na obra. Apesar de se originarem do mesmo fato, possuem objetos distintos. O objeto do direito patrimonial é a obra, enquanto que o objeto do direito moral é a exteriorização da personalidade do autor que restou impressa naquela. A proteção pessoal não incide sobre a obra criada senão de forma mediata ou indireta.
O art. 7º da Lei 9610/98 declara:
Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações de espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I- os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II- as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III- as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV- as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixas por escrito ou por qualquer outra forma;
V- as composições musicais, tenham ou não letra;
VI- as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII- as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII- as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX- as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X- os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI- as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII- os programas de computador;
XIII- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.
§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.
Sob este enfoque, o Direito Autoral é a proteção que o autor tem de usufruir de sua obra intelectual, conforme previsto no art. 28 da referida lei: “Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”.
E no art. 29 do mesmo diploma legal:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I- a reprodução parcial ou integral;
II- a edição;
III- a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV- a tradução para qualquer idioma;
V- a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI- a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII- a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e os casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII- a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistema ótico, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX- a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X- quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.
5.3 Direitos Morais do autor
Os direitos morais de autor têm origem na jurisprudência francesa na primeira metade do século XIX. O direito moral de autor é o reconhecimento da soberania do criador da obra (ASCENSÃO, p. 78).
O art. 24 da Lei n. 9.610/98 prevê que são direitos morais do autor o direito de reivindicar a autoria, o direito à menção do nome, o direito ao inédito, o direito à integridade da obra, o direito de modificação da obra, o direito de retirada e o direito de acesso a exemplar único e raro.
Esses direitos transcritos no diploma legal pressupõem dois elementos morais fundamentais, a saber, o direito à liberdade e o direito à honra, bem como o direito à identidade pessoal e o direito à imagem.
A Convenção de Berna, de 9 de setembro de 1886, exige dos países signatários a regra mínima de proteção ao direito de reivindicar a autoria e ao direito de integridade da obra. A LDA, entretanto, como visto, ultrapassou-a.
Porém no tocante aos programas de computador, a proteção, elencada na Lei n.9.609/98, não ultrapassou a regra mínima, como se nota de seu art. 2º, § 1º:
Art. 2º. [...]
§1º. Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.
Excetuando o caso específico dos programas de computador, a lei concede ampla proteção à personalidade do autor exteriorizada na obra.
A LDA acertou em sistematizar os direitos morais de autor em capítulo diverso dos direitos patrimoniais, facilitando, deste modo, proteção específica de cada uma das faculdades elencadas em seu art. 24.
Entretanto, a técnica legislativa de enumeração de direitos morais acaba por gerar uma interpretação restritiva dessas faculdades. Como nos aponta Ascensão (1997, p. 132), “supomos que a lei especificou as faculdades de ordem pessoal que são admissíveis sobre a obra”.
Como bem nos ensina Berti (2000, p. 239), “o conceito dos direitos da personalidade não é, em todo caso, uma noção de conteúdo fixo, imutável no espaço e no tempo, amoldando-se facilmente às estruturas de uma definição jurídica”.
Por força do princípio constitucional de proteção da dignidade humana, a tutela da personalidade humana acaba por abranger todas as situações jurídicas, previstas legalmente ou não.
Contudo, a análise pontual de cada um dos direitos morais do autor explicitados no art. 24 da Lei faz-se necessária.
O inciso I do art. 24 da Lei n. 9.610/98 estabelece que o autor tem o direito de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra. Essa paternidade se dá em função do vínculo criacional estabelecido entre o autor e sua obra. Esse vínculo é originário, perpétuo e insubstituível.
O direito de reivindicar a autoria pressupõe um ato de violação, nos casos em que a obra foi utilizada sem expressa menção do nome do autor, por isso não pode ser confundido com o direito à autoria. Em suma, é o direito do autor de se opor à usurpação de sua paternidade sobre a obra.
Ainda, o direito de reivindicar a autoria da obra corresponde ao interesse de fazer conhecer ou reconhecer o verdadeiro autor da criação.
No entender de Ascensão (1997, p. 141), há um questionamento a respeito da natureza do direito de reivindicar a autoria, no sentido de se tratar de um direito processual e não material. Sob este enfoque, o direito de reivindicar a autoria da obra seria a pretensão surgida em função da violação do direito à autoria.
Nos casos em que o nome do autor é usado de forma abusiva, não há que se falar em exercício do direito à autoria de forma negativa, mas da violação do direito ao nome, tratando-se de direito da personalidade, não havendo, deste modo, violação de um Direito Autoral.
O inciso II do art. 24 da Lei n. 9.610/98 trata do direito à autoria, sendo também denominado direito à paternidade da obra ou, ainda, direito à menção do nome, ao estabelecer que o é direito do autor ter o seu nome, pseudônimo, ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização da obra.
A lei garante proteção ao uso de pseudônimo, nome fictício que o autor se atribui como identificação pessoal substituindo seu nome civil. Há duas espécies de pseudônimos: o nome artístico e o pseudônimo-máscara. O primeiro não tem propriamente a intenção de camuflar a identidade do autor, mas de impressionar o público usando nome mais promocional ou sonoro. O pseudônimo-máscara, contudo, objetiva esconder o autor da obra por trás de um nome fictício.
Da análise combinada dos arts. 12 e 13 da LDA nota-se que o referido diploma legal prevê presunção relativa de paternidade daquele que é indicado ou anunciado como tal na utilização da obra.
O direito à autoria é a faculdade reconhecida ao criador de tornar público o ato da criação, indicando a filiação da obra e seu próprio nome. Entretanto, ao autor é reconhecido o anonimato, devendo ser respeitado mesmo após sua morte, inclusive por seus herdeiros. É ressalvado, porém, o direito de livre investigação e crítica.
Sem o consentimento do autor seu nome não poderia ser vinculado à obra em sua comercialização, o que não impediria, por exemplo, que o nome do autor da obra anônima fosse descoberto e revelado por terceiros, mesmo assim, a divulgação da obra permaneceria anônima, não sendo revelado o nome de seu autor.
A lei garante ao autor a faculdade de utilização de sua obra sob seu nome, pseudônimo, sinal convencional ou, ainda, sem qualquer indicação de quem seja seu autor.
Mesmo no caso do anonimato, ao autor é reservado o direito de reivindicar a paternidade da obra a qualquer tempo, pois os direitos morais são irrenunciáveis. Essa situação está expressamente prevista na LDA, em seu art. 52: “A omissão do nome do autor, ou de co-autor, na divulgação da obra não presume o anonimato ou a cessão de seus direitos”.
O simples fato da obra não conter o nome do autor não representa renúncia de direitos, pois a vinculação da obra ao nome do autor pode ser feita a qualquer tempo por este. Isso significa que enquanto o autor não reivindicar a menção de seu nome, a obra deverá ser divulgada na forma anônima, não podendo ser divulgada sob o nome de outra pessoa. Caso a seja, estarão sendo violados os direitos autorais.
Uma exceção a esse preceito legal é o caso dos chamados ghost writers. Somente nesse caso específico o real autor permite que sua obra seja utilizada em nome de um autor aparente, não configurando, portanto, violação aos direitos autorais, em função de autorização. O autor real, entretanto, pode voltar atrás e reivindicar a obra a qualquer tempo, caso em que estaria sujeito às perdas e danos contratuais.
Salienta-se que obra anônima não é obra sem autor, mas obra divulgada sem fazer menção ao seu autor. No que tange aos direitos patrimoniais, a Lei n. 9.610/98 garante ao autor a possibilidade de se manter no anonimato legitimando o responsável pela publicação da obra ao exercício dos direitos patrimoniais do autor. Isto está disposto no art. 40 da Lei: “Tratando-se de obra anônima ou pseudônima, caberá a quem publicá-la o exercício dos direitos patrimoniais do autor”.
A LDA equipara à obra anônima a obra de autoria desconhecida, ao designar em seu art. 5º, inciso VIII, alínea b, como obra anônima aquela que não se indica o nome do autor, por sua vontade ou por ser desconhecido. Entretanto, faz-se necessária uma distinção. Uma obra anônima é aquela que foi divulgada, de modo voluntário, pelo autor sem a utilização de seu nome, pseudônimo ou qualquer sinal convencional. Diferentemente, a obra de autor desconhecido é aquela em que o nome do autor é esquecido, omitido ou ignorado, em função de vários fatores, como sua grande utilização, transcurso de um longo período de tempo, ou, ainda, pelo grau de informalidade do uso.
Segundo Sampaio (1998, p. 41), no que tange ao direito ao inédito, este “é a faculdade de o autor conservar a obra inédita, sendo a base desta proteção o direito à intimidade”. O direito ao inédito revela-se como um direito de reserva da personalidade do autor, atingindo a integridade da obra e qualquer de suas partes.
É evidente que só se pode falar em proteção com a exteriorização da obra. O direito ao inédito, assim, somente surge após a exteriorização da criação. Exteriorizada a obra, tem o autor a faculdade de divulgá-la ou não.
A LDA, contudo, não faz menção alguma no caso de haver um interesse público na divulgação da obra, para promover informação, cultura, ciência ou desenvolvimento nacional. Essa questão se mostra mais evidente nas obras científicas, nos programas de computador e bancos de dados. Nesse sentido, a Lei sobrepõe o interesse individual do autor ao interesse social de acesso à obra.
O inciso IV do art. 24 da Lei n. 9.610/98 refere-se ao direito à integridade da obra, sendo a faculdade do autor de opor-se a qualquer espécie de modificação da obra ou à prática de qualquer ato que a prejudique ou atinja sua a reputação ou a honra.
Trata-se de dupla proteção, uma vez que na primeira parte do inciso o que se busca é a proteção ao autor em relação à prática de atos que possam prejudicar sua obra e, na segunda, proteção ao autor referente à prática de atos que atinjam sua honra e reputação. É um direito bipolar, à medida que o autor tem direito a que seu pensamento não seja corrompido, e a sociedade tem direito de acesso às obras em sua expressão autêntica, sem qualquer espécie de modificação.
Quanto ao direito de modificar a obra, é a faculdade do autor de fazer, a qualquer tempo, alterações na obra, antes ou depois de utilizá-la. Há uma estreita relação com a proteção anterior, pois a faculdade de se opor a modificações da obra é resultado do exclusivo direito de alterá-la, exercido pelo próprio autor. Segundo Ascensão (1997, p.150), o exercício do direito de modificar a obra estaria condicionado à existência de graves lesões morais, apesar da legislação pátria não tê-lo feito de modo expresso.
Salienta-se que enquanto a obra permanece inédita não se pode falar em exercício do direito de modificação, mas em poder geral de criação, como leciona Ascensão (1997, p. 147).
Merece destaque também a diferenciação entre o direito de autor de modificação e as transformações da obra feita por terceiros, como adaptações, traduções e melhoramentos. O primeiro diz respeito à integridade da obra em sua forma originária. As transformações feitas por terceiros, em contrapartida, não afetam a individualidade da obra originária e criam obra diversa, independente da primeira, recebendo proteção diversa. A modificação da obra originária, entretanto, não cria obra derivada, não havendo nova proteção.
Nesse sentido, o direito de transformação da obra não pertence somente ao autor, podendo ser exercido por ele, cedido a terceiros e está sujeito aos efeitos do domínio público.
O autor possui a faculdade de retirar sua obra de circulação ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada quando estas implicarem afronta à sua imagem e reputação. Por ser uma faculdade do autor que pode prejudicar terceiros de boa-fé e para evitar o abuso deste direito, a Lei n. 9.610/98 a autoriza somente nos casos de ofensa à reputação e à imagem do autor, como bem esclarece o inciso VI do art. 24 da referida Lei.
Como bem ensina Ascensão (1997, p. 137), o direito de retirada é como a outra face do direito ao inédito. Mas a relação é sucessiva, uma vez que somente após cessado o direito ao inédito surge o direito de retirada. A lei brasileira também ressalva a prévia indenização a terceiros, conforme art. 24, §3º da Lei de Direitos Autorais. O uso abusivo do direito de retirada caracteriza ato ilícito funcional, como estabelece o art. 187 do Código Civil.
O exercício do direito de retirada tem a finalidade de cessar a comercialização, distribuição ou divulgação da obra, não recaindo sobre os exemplares já comercializados. Na realidade, este direito faz somente com que a obra seja retirada de circulação. Os já detentores da mesma terão que se restringir ao seu uso privado.
A Lei n. 9.610/98 também garante o direito do autor de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando este se encontrar legitimamente em poder de outra pessoa. A finalidade deste direito é a preservação da memória da obra e de seu autor, por meio de processo fotográfico, audiovisual ou assemelhado. A Lei limita o exercício deste direito de modo que cause o menor inconveniente possível ao detentor da obra, sem prejuízo das indenizações cabíveis.
Caso a obra se encontre ilegitimamente em poder de terceiros, configura-se violação de direitos autorais, aplicando-se as sanções previstas no art. 101 e seguintes da LDA. Nessa situação, o poder do autor também incide sobre os exemplares produzidos ou comercializados.
Em uma análise mais aprofundada, os direitos morais de autor visam à proteção da personalidade deste exteriorizada com a obra. Assim, a obra passa a ser encarada como uma faceta de sua personalidade. Os direitos morais, segundo Pontes de Miranda (1954, p. 8), podem ser relacionados como direitos da personalidade protegidos por lei.
Os direitos morais são uma categoria do direito à identidade pessoal e como tal visa à proteção os interesses da personalidade do autor. Os direitos da personalidade, como ensina Fiúza (2005, p. 163), são extrapatrimoniais, absolutos, indisponíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, necessários, vitalícios, essenciais, genéricos e preeminentes. É certo que os direitos morais de autor não possuem todas essas características, uma vez que está condicionado a criação, é dizer, a aquisição dos direitos morais só se efetiva para o autor que exterioriza sua criação.
Os direitos morais de autor não são genéricos, pois não são concedidos a todos, nem tampouco necessários, pois nem todos os indivíduos os detêm. Os direitos morais de autor, portanto, são extrapatrimoniais, absolutos, indisponíveis, imprescritíveis, intransmissíveis e preeminentes.
Os direitos morais de autor não podem ser convertidos em dinheiro, motivo pelo qual são extrapatrimoniais. Eles são indissociáveis de seu autor. É evidente que essa característica não representa impedimento para repercussões econômicas no tocante à indenização por danos materiais e morais decorrentes de violação de direitos.
O autor pode também opô-los a qualquer indivíduo que ameace ou viole seus direitos morais. São oponíveis erga ommes. Costa Junior (1994, p. 26) leciona que o fato de existir um dever geral de respeito e abstenção contrapondo ao direito absoluto não impõe, automaticamente, a todos, a condição de sujeito passivo universal, por não integrarem, inicialmente, uma situação jurídica concreta.
Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis, à medida que o autor não pode dispor deles, seja a título gratuito ou oneroso, segundo o art. 27 da Lei. Ainda que primariamente pareça uma limitação à autonomia privada do autor, tal característica segue o princípio da tutela do hipossuficiente, uma vez que garante proteção ante às pressões de mercado, restringindo sua liberdade. Segundo Amaral (2003, p. 252), os direitos morais são impenhoráveis.
A intransmissibilidade dos direitos morais não é absoluta, pois, segundo o § 1º do art, 24 da LDA, transmitem-se aos sucessores do autor o direito à autoria, o direito ao nome, o direito ao inédito e o direito à integridade da obra, sendo intransmissíveis os demais.
Contudo, salienta-se que a lei brasileira trata, na realidade, de legitimação processual extraordinária, no sentido de que não há, de fato, transmissão do Direito Autoral, mas tão somente transmissão da legitimidade para o seu exercício ou defesa. A LDA não atribui Direito Autoral por herança, mas somente transfere aos herdeiros do autor a defesa de seus direitos.
Nesse sentido, Ascensão (1997, p. 277) bem afirma que o direito invocado pelo herdeiro não é seu, mas do criador intelectual da obra. Por se referir a um interesse não-patrimonial o termo transmissão, ao que parece, foi utilizado de modo impróprio pela legislação.
Os direitos morais são imprescritíveis, uma vez que o autor não o perde em função de seu não exercício. Há uma distinção, todavia, entre a imprescritibilidade do direito moral de autor e a prescritibilidade de sua pretensão. Como expresso no art. 189 do Código Civil brasileiro, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Sob esse prisma, o autor nunca perderá o direito de exigir de seu editor o respeito ao seu texto original. Entretanto, a pretensão no que tange à reparação por perdas e danos pela modificação não autorizada do texto original prescreve no prazo legal, qual seja, três anos, como disposto no art. 206, § 3º, inciso V, vez que a Lei n. 9.610/98 não prevê prazo prescricional específico para a pretensão do autor.
Conforme previsão expressa na Lei de Direitos Autorais, os direitos morais do autor são preeminentes, isto é, gozam de vantagem quando em conflito com as demais espécies de direito subjetivo, nos casos dos direitos de acesso, de retirada e de modificação da obra. Conforme disposto no art. 24, § 3º da Lei, o legítimo possuidor da obra não pode se opor ao exercício do direito moral do autor, cabendo-lhe tão somente pleitear prévia indenização.
5.4 Direitos patrimoniais do autor
O art. 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal garante aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras. Os direitos patrimoniais do autor são considerados por muitos uma mutação econômica dos direitos morais. O art. 28 da Lei n. 9.610/98 prevê que cabe ao autor a exclusividade do direito de utilizar fruir e dispor da obra literária artística e científica. No entender de Manso (1980, p. 32), a utilização a que se refere a LDA se restringe somente ao aspecto patrimonial e estendê-la à utilização intelectual contrariaria o propósito de incentivar a cultura, razão de atribuição de Direito Autoral.
Ascensão (1997, p. 164) o define como o direito exclusivo de exploração econômica da obra. O que se busca com o direito patrimonial de autor é propiciar ao mesmo um meio de vida, um modo de se sustentar com a utilização de sua obra.
No aspecto patrimonial, dizem respeito às prerrogativas reconhecidas ao autor tanto no singular como no plural, sendo a primeira atribuição do direito exclusivo de exploração econômica da obra, incluindo as modalidades de utilização, como reprodução, tradução, publicação, entre outros. No plural, a expressão direitos patrimoniais dizem respeito à diversidade dos direitos resultantes da exploração econômica da obra, como direito patrimonial de reprodução, tradução ou publicação, ou seja, tantos direitos quantos sejam as modalidade de utilização.
O art. 29 da Lei prevê rol tão somente exemplificativo das modalidades de utilização protegidas pelo exclusivo autoral, como: reprodução parcial ou integral; edição; adaptação, arranjo musical e quaisquer outras transformações; tradução para qualquer idioma; inclusão em fonograma ou produção audiovisual; distribuição, inclusive para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra óptica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção mediante interatividade ou pagamento pelo usuário; representação, recitação ou declamação; execução musical; emprego de alto-falante ou sistemas análogos; radiodifusão sonora ou televisiva; captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva; sonorização ambiental; exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; emprego de satélites artificiais; emprego de sistemas ópticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; exibição de obras de artes plásticas e figurativas; inclusão em bases de dados, armazenamento em computador, microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero.
A formas de utilização expressas na LDA não são restritivas. O legislador deixa isso claro no inciso X do art. 29, ao considerar como modalidades protegidas mesmo as de existência futura, justamente em virtude da atual velocidade do desenvolvimento tecnológico.
Os direitos patrimoniais de autor possuem características próprias, quais sejam, transmissibilidade, temporariedade e economicidade.
Os direitos patrimoniais podem ser transferidos por atos inter vivos ou causa mortis, uma vez que o objetivo do direito patrimonial do autor é garantir a exploração econômica da obra. Porém, isso não representa impedimento para que o autor o exerça pessoalmente.
Os direitos patrimoniais atribuem a seu titular uma faculdade de disposição, sob o aspecto subjetivo e objetivo. Sob o ponto de vista subjetivo, tem estreita relação com a capacidade jurídica de seu titular. Objetivamente, com uma característica intrínseca ao próprio direito. No caso de transmissão com a morte do autor, será obedecida a ordem sucessória da Lei Civil, elencadas no art. 41 e seguintes da Lei de Direito Autorais. Se o autor vier a falecer sem deixar herdeiros a obra cairá em domínio público automaticamente (art. 45, inciso I da LDA). A transmissão por ato inter vivos, entretanto, depende de autorização do autor e, via de regra, faz-se mediante licença de uso ou cessão de direitos. O negócio jurídico autoral se submete aos requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral, expressos no art. 166 do Código Civil, devendo, também, ser observado alguns requisitos específicos previstos na LDA.
Dois elementos constituem os atos de disposição de direitos, a saber, a manifestação de vontade e a faculdade de disposição. A manifestação de vontade pode ser, via de regra, expressa, tácita e presumida. Ela será expressa quando for feita por meio de palavras, da escrita ou de mímica. Será tácita quando se puder deduzir a vontade do autor através de seu comportamento e, ainda, presumida quando a lei estabelecer. Para a validação do negócio jurídico, no entanto, o art. 29 da Lei n. 9.610/98 exige a manifestação expressa de vontade. Assim, a vontade do autor pode ser declarada verbalmente, através de mímica (gestos) ou por escrito. Nesse último caso, podendo ser através de instrumento formal ou mesmo informal, como cartas impressas, mas jamais poderá ser deduzida ou presumida.
Segundo Beviláqua (1956, p. 115), a propriedade imaterial, bem como a propriedade material, possui inúmeras faculdades em seu conteúdo que podem ser transferidas em conjunto ou separadamente, razão pelo qual a regra estabelecida no art. 29 da LDA tem aplicabilidade exclusiva aos negócios jurídicos que tenham por objeto apenas a licença de uso da obra. Nas licenças de uso, o negócio jurídico tão somente incide sobre o direito de usar, excluindo-se os direitos de fruir, dispor e reivindicar. Por conferir apenas o direito pessoal de uso, e não o direito real de uso, a licença não limita o Direito Autoral. Assim, pode o autor conferir a utilização da obra a terceiros, sem, contudo, transferir a titularidade sobre ela (art. 37 da LDA).
Como ensina Pontes de Miranda (1957, p. 349), a noção de uso engloba também certos frutos, uma vez que o usuário pode, via de regra, usar o bem como poderia fazê-lo o proprietário.
Entretanto, o negócio jurídico, nos casos de cessão de direitos referidos na Lei n. 9.610/98, pode incidir sobre todos, alguns ou somente um dos elementos do domínio – direito real limitado de uso, fruição, disposição e reivindicação – transferindo-os a terceiros. Sendo definitiva a transferência, a exigência do art. 45, inciso I, da LDA é de que o ato se revista de forma escrita, particular ou pública.
Conforme o art. 50 do mesmo diploma legal, essa exigência aplica-se aos casos em que forem cedidos todos os direitos patrimoniais, ou apenas um ou alguns desses direitos. No caso da obra ter sido registrada pelo próprio autor ou titular originário, a cessão poderá ser averbada à margem do registro ou, caso contrário, seu registro poderá ser realizado no Cartório de Títulos e Documentos. É exigência do art. 50, §2º da LDA que conste do instrumento de cessão tais elementos essenciais: objeto, prazo, local de exercício e preço.
Entretanto, a não observância da exigência legal não invalida o ato. Caso não se tenha estipulado o prazo, a Lei o fixa em cinco anos. Não havendo previsão de preço, pressupõe-se o contrato oneroso, aplicando-se a remuneração de mercado, consoante art. 57 da LDA. E no caso de não haver previsão quanto ao objeto do contrato ou seu local de exercício, o mesmo será interpretado restritivamente.
Segundo Nader (2004, p. 417), na interpretação restritiva, o intérprete diminui o sentido da linguagem, constando que a linguagem estaria mais ampla do que a vontade real das partes. Sob este enfoque, os negócios jurídicos autorais não se estendem de pessoa a pessoa, de coisa a coisa, nem tampouco de tempo a tempo. Sem claras especificações, estarão limitados ao país e à língua em que foram firmados, às modalidades de utilização existentes à data de sua celebração e às que foram indispensáveis ao cumprimento de sua finalidade.
No que diz respeito à temporariedade dos direitos patrimoniais, em nosso ordenamento, via de regra, estes perduram por prazo de setenta anos contados do 1º de janeiro do ano subsequente ao falecimento do autor, aplicado também às obras póstumas, anônimas, pseudônimas, audiovisuais, fotográficas e obras criadas em co-autoria. Neste ultimo caso, em particular, o prazo é contado a partir do falecimento do último dos co-autores sobreviventes. Desde que as obras anônimas e pseudônimas assim permaneçam após a morte do autor, a contagem do prazo tem início no 1º de janeiro do ano posterior à sua publicação. Quando se trataram de obras audiovisuais e fotográficas o prazo será contado a partir do 1º janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação. O prazo de proteção aos programas de computador é se cinquenta anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente a sua publicação ou da sua criação na falta daquela.
A obra permanece sob domínio privado enquanto perdurar o prazo de proteção, caindo em domínio público com a expiração deste. O objetivo da limitação do prazo de proteção autoral repousa na necessidade de se permitir que sociedade possa usufruir gratuitamente das obras como forma de preservação e fomento cultural.
O domínio público é originário quando a proteção não chega a ser concedida, como nos casos das obras de autor desconhecido. Quando decorre o prazo de proteção ou quando do falecimento do autor sem herdeiros, tem-se domínio público é derivado. O que se perde, portanto, é a exclusividade da exploração econômica da obra, uma vez que qualquer indivíduo poderá fazê-la.
O domínio público pode ser também gratuito ou oneroso. No gratuito, a utilização da obra não depende de autorização do autor nem de qualquer espécie de pagamento. A utilização é totalmente livre e gratuita. No caso de ser oneroso, a utilização ainda continua sendo livre, não possuindo, entretanto, o caráter da gratuidade. É o Estado quem cobra pela utilização.
No domínio público impróprio, não adotado pela Legislação Pátria (Constituição Federal, art. 5º, inciso IX), a utilização da obra fica condicionada à autorização e pagamento da quantia cobra pelo Estado. Não se pode falar em perda de exclusividade autoral, mas somente em transferência dessa exclusividade do autor para o Estado.
O domínio público atinge os direitos patrimoniais de autor bem como alguns direitos morais, ao passo que a Lei n. 9.610/98, em seu art. 24, §2º, garante proteção aos direitos morais à autoria e à integridade da obra. Nesse ultimo caso, seu exercício se justifica somente diante às modificações que possam causar prejuízo ao autor em sua reputação ou honra.
No tocante à economicidade, só se pode falar em violação do direito patrimonial se houve prejuízo patrimonial, uma vez que, consoante leciona Ascensão (1997, p. 160), o direito patrimonial do autor é a projeção econômica da obra, ou seja, a exclusividade do autor de explorar economicamente sua obra. Sob este prisma, viola-se este direito quando a utilização indevida da obra intelectual implica ameaça à exclusividade do autor de obter as vantagens econômicas decorrentes da utilização.
Ainda nos esclarece Ascensão (1997, p. 161) que são totalmente livres as atividades que não incidem negativamente na exploração econômica da obra, sendo o ato que não acarreta prejuízos a exploração econômica um ato livre.
De acordo com o art. 46, inciso II da Lei n. 9.610/98, a reprodução privada é permitida somente em caráter parcial. A limitação legal incide sobre reproduções integrais feitas por usuários. O que é permitido, portanto, é apenas a utilização privada da obra, desde que não importe em realização de cópias.
Segundo a definição legal, tudo que é produzido pelo intelecto humano é obra intelectual, portanto, passível de proteção. É mais que evidente que o elenco protegido pela Lei de Direitos Autorais é apenas exemplificativo em virtude da grande variedade de gêneros de obras e da multiplicidade de obras em cada gênero, assim como a evolução constante dos processos utilizados para a criação de novas espécies de obras.
Como nos ensina Poli (2008, p. 109), são exemplos de obras protegidas: textos de obras literárias, artísticas ou científicas; conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; obras dramáticas e dramático-musicais; composições musicais e lítero-musicais; obras audiovisuais e cinematográficas; obras fotográficas; desenhos, ilustrações, pinturas, gravuras, esculturas, litografias e arte cinética; cartas geográficas; projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; adaptações, traduções e outros informações de obras originais; cópia de obra de artes plásticas feitas pelo próprio autor; títulos de publicações periódicas; coletâneas, compilações, antologias, enciclopédias e dicionários.
Em se tratando de idéias, procedimentos normativos, esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios, formulários em branco para serem preenchidos eventualmente por qualquer tipo de informação, leis, decisões judiciais e demais atos oficiais, entre outros, que não são objeto de proteção como direitos autorais, somente se beneficiarão da tutela autoral se puderem ser consideradas criações do espírito, devendo, para tanto, preencher os requisitos da criatividade, comunicatividade e exteriorização.
Nesse sentido, diferentemente da Lei italiana que, em seu art. 1º, prevê expressamente a necessidade de a obra possuir caráter criativo para ser merecedora da tutela autoral, a Lei n. 9.610/98 não exige diretamente o requisito da criatividade. Porém, de modo implícito, a LDA prevê que a obra derivada para ser tutelada deve consistir em criação intelectual nova.
Só se torna relevante para o Direito Autoral a obra humana, criada e captável pelo intelecto humano (ASCENSÃO, 1997, p. 27). Para receber a proteção autoral é necessário que a obra tenha um valor expressivo, não se exigindo que sua destinação seja exclusivamente à comunicação, mas que a mesma tenha aptidão para tanto, que possa ser usada para tal fim.
Somente quando a obra se exterioriza, é dizer, ultrapassa o mundo das idéias arquitetado pelo seu criador, é que se pode falar em proteção autoral. Em outras palavras, a exteriorização da obra é o fato gerador da tutela autoral, pois é nesse momento que o pensamento se transforma em criação concreta, deixando de ser mera cogitação e atingindo, assim, a existência jurídica (CARNELUTTI, 1942, p. 402).
A LDA não exige modo específico de exteriorização da obra, mas a mesma deve ser exteriorizada de alguma forma, uma vez que a proteção autoral não incide sobre o conteúdo da criação propriamente dito, mas, sim, sobre sua forma. Em linhas gerais, o processo criativo pode ser dividido nas fases de percepção, inspiração, trabalho intelectual e exteriorização da criação.
É somente na fase de exteriorização, em que o autor manifesta seu pensamento de forma sensível, que surge o Direito Autoral. Nas outras fases do processo criativo, não há exteriorização, mas somente procedimentos intelectuais que tendem, de algum modo, a resultar na expressão do pensamento.
Assim, o Direito Autoral tem por finalidade a proteção da forma representativa da idéia. O que se protege é a forma sensível da manifestação da idéia e não a idéia em si, sendo a idéia refém da forma com que se reveste.
6 CONCLUSÃO
O espírito humano é, por natureza, criativo. O homem, entendido aqui como ser dotado de faculdades e experiências únicas, está em constante processo de aperfeiçoamento de suas formas próprias de compreender o meio em que vive e de expressar suas emoções. Um dos mecanismos adotados para tal é a livre manifestação de seu pensamento.
Sob esse prisma, nada mais lógico do que o próprio Direito, também uma criação humana, adotar um critério para proteger a manifestação intelectual.
Uma das principais finalidades do Direito Autoral é o estímulo à criação. Entretanto, um dos requisitos da concessão da tutela autoral é a comunicatividade, é dizer, a idéia, necessariamente, precisa ser representada de forma sensível, captável pelos sentidos humanos, caso contrário não há proteção. Não se pode proteger uma idéia, mas sua representação material.
O Direito Autoral tem como uma de suas finalidades o desenvolvimento cultural. Contudo, visa assegurar os direitos subjetivos sobre a obra e não sobre a cultura da coletividade, razão pelo qual não há que se falar em detrimento dos direitos da sociedade em benefícios de direitos pessoais e exclusivos do autor.
Em linhas gerais, em virtude de fatores tanto de ordem tecnológica como de ordem jurídica, o Direito Autoral passa por um momento de inconstância. Sob o primeiro aspecto, a tecnologia digital massificou não apenas a utilização das obras como também o ato criativo e a própria criação, fazendo-se necessário uma releitura conceitual de suas instituições no sentido de acompanhar a nova realidade tecnológica. Assim, as noções de reprodução ou de obra não possuem o mesmo conteúdo com que foram antes sistematizadas.
Novíssimas noções, como armazenamento digital e compartilhamento de informações, vem surgindo, o que faz com que a Lei de Direitos Autorais não pretenda ser a lei global do microssistema autoral, mas se reduza simplesmente a sua lei básica. Nesse sentido, a adequação do Direito Autoral à tecnologia digital melhor se faria em uma legislação específica.
O Direito Autoral, como visto, passa por um processo de personalização e constitucionalização, pressupondo a despatrimonialização e funcionalização de suas instituições. Sob este enfoque, o Direito Autoral deixa de ser visto como a tutela dos interesses do criador, passando a ser encarado a partir da proteção das relações jurídicas decorrentes da criação.
Com efeito, o individuo deixa de ser o centro do sistema jurídico autoral e cede vez à dignidade humana na posição central. O termo Direito Autoral deve deixar de ser entendido como direito do autor e passar a ser concebido simplesmente como direito decorrente da exteriorização da criação autoral, uma vez que na prática é crescente o número de situações jurídicas em que não se verifica a identidade entre autor e titular de direito autorais.
Por fim, o Direito Autoral, em uma concepção constitucionalizada, deve ser visto como um sistema aberto que se alimenta de sua interpretação, sendo a tutela autoral um instrumento de promoção da dignidade humana, ao invés de instrumento de exploração ou de segregação.
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