Introdução
Levantamento publicado pelo jornal O Globo revela que as dotações do Fundo Partidário desde sua regulamentação em 1996 e este ano aumentaram 490,5% em termos reais[1].
Uma das principais dificuldades da reforma política no Brasil que, ao mesmo tempo, corresponda ao clamor social e resolva os problemas de governabilidade que desafiam a já desgastada Nova República consiste definir o que seja reforma política, o seu alcance e a quem compete presidi-la.
Para o senso comum, a reforma político é o genuíno bastão de Esculápio[2], capaz de curar todas as mazelas da política nacional. Contudo, deve ser compreendida, grosso modo, como qualquer mudança normativa que altere, de forma significativa, o sistema político da República.
O sistema político corresponde ao regime jurídico do processo democrático. Por isso, um conceito rigoroso de reforma política deve compreender:
- os critérios de seleção de todos os agentes públicos com poder de interferir substancialmente com a (re)formulação, a execução e controle das políticas públicas;
- o regime jurídico da accountability desses agentes públicos; e
- a distribuição de poder decisório entre eles.
A locução “reforma política” é corriqueiramente utilizada no Brasil para se referir apenas à revisão das regras que presidem à consecução das eleições dos titulares dos poderes Executivo e Legislativo.
Entretanto, o alcance da reforma política é muito maior. As mudanças de regras que constituem o regime jurídico do processo democrático operam, normalmente, no limite extremo das cláusulas pétreas, o que atrai quase que necessariamente a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para vigiar as fronteiras dos limites constitucionais à reforma política.
O que tem ocorrido, como admitiu o Ministro do STF Gilmar Mendes em palestra no último dia 16 de abril no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) do Senado Federal, é que a corte tem falhado nessa vigilância, impedindo que reformas consentâneas com o espírito da Constituição sejam implementadas pelo Constituinte Federal derivado, que é o Parlamento da União em deliberações de emendas constitucionais.
As falhas do STF no controle de constitucionalidade da reforma política, que podem ser associadas com o relativo ativismo da corte nas duas últimas décadas, coloca em xeque o dogma do guardião da Constituição e reacendem na memória tanto lições de Carl Schmitt quanto aos riscos inerentes ao instituto da jurisdição constitucional in abstracto[3], quanto as de Hans Kelsen favoráveis ao self restraint como pedra angular desse instituto[4].
O Supremo Tribunal Federal quando demandado em controle de constitucionalidade em matéria de reforma política, mais acertou do que errou. Contudo, errou em questões fundamentais, talvez por favorecer soluções fáceis para questões complexas[5], e ajudou a produzir a disfuncionalidade do sistema político que atualmente assola o País.
O caso mais recente de intervencionismo do STF em matéria de reforma política é o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, em que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pretende anular dispositivos das leis 9.096 de 1995 e 9.504 de 1997 que autorizam o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas de direito privado.
Dos 11 ministros que integram o Supremo, 6 já votaram pela procedência da ação. O julgamento do processo só não foi concluído por causa de um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, contrário à mudança.
Sem discutir o mérito da questão, o posicionamento do STF nessa causa já gerou, como externalidade. Aumentaram-se as dotações para o Fundo Partidário de R$ 289 milhões – previstos inicialmente no projeto de lei orçamentária para 2015 – para R$ 867,5 milhões – valor que prevaleceu no texto sancionado pela Presidente (Lei nº 13.115, de 20 de abril de 2015).
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu balizas fundamentais para a reforma política em decisões emblemáticas na última década. Destacamos abaixo decisões sobre três institutos a cláusula de barreira, a fidelidade partidária e as coligações eleitorais, as quais, a nosso ver, produziram os resultados mais deletérios. Ao final, formulamos uma proposta de reforma política consequente. Na próxima seção, colocaremos em evidência os principais objetivos da reforma política, haja vista o debate sobre a questão até o presente momento.
Para que reforma política?
Como lembra Jairo Nicolau (2003, p. 201), a partir dos anos 1990, “virou lugar-comum a sentença de que a reforma política é condição necessária para a consolidação da democracia brasileira”. Parece fora de questão que o sistema eleitoral, especialmente no que refere às eleições para deputados e vereadores, precisa ser reformulado.
O relator da malograda tentativa de reforma política de 2007, na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei 1210/2007), o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), cujo eixo era a articulação entre as listas fechadas e o financiamento público das campanhas, pensa que é preciso “quebrar a cultura da compra de voto; dar aos jovens e às pessoas de bem espaço para que se empolgassem e entrassem na vida pública do País” (CAIADO, 2014, p. 57).
No lado oposto do espectro político, Henrique Fontana (PT-RS), como relator da Comissão Especial da Reforma Política, também da Câmara dos Deputados, avaliou que “a democracia brasileira é cada vez mais a democracia do dinheiro e cada vez menos a democracia das ideias, dos projetos, da história de vida dos candidatos” (FONTANA, 2013, P. 12396). Se dependesse dele, a reforma política introduziria listas flexíveis[6], financiamento público, o fim das coligações e a cláusula de barreira (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013).
Grosso modo, tanto na proposta de reforma de 2007 quanto na de 2013, houve tentativa de reforçar os partidos, com restrições à lista aberta; e de reduzir a influência do poder econômico nas eleições, com a adoção do financiamento público.
Há, contudo, propostas mais radicais, como a adoção do sistema distrital ou distrital misto. A eleição para vereadores e deputados segregada por distritos, ao limitar o âmbito geográfico da disputa eleitoral, além de reduzir os custos das campanhas, refrearia o poder econômico, e aumentaria a vinculação entre representantes e representados.
O denominador comum que perpassa o anseio de aumentar a importância dos partidos e o anseio de minimizar a influência do poder econômico no sufrágio é consenso sobre o déficit de representatividade do Poder Legislativo no Brasil.
De acordo com as teoria da representação contemporâneas, a democracia se articula com três tipos de representação: a da sociedade civil, a advocacia e a eleitoral (AVRITZER, p. 458).
O déficit de representação a que parece se referir o clamor por reforma política no Brasil provavelmente diz respeito apenas à eleitoral, mais especificamente à representação parlamentar.
Contudo, aparentemente se atribui à representação parlamentar a uma crise de representação muito mais ampla. Não temos espaço para desenvolver essa discrepância neste artigo.
Limitamo-nos a especificar que o explicitar que o déficit de representatividade parlamentar que parece incensar o clamor por reforma política no Brasil contemporâneo corresponde à sensação difusa de que vereadores e deputados, em geral, não atuam em consonância com os anseios e as expectativas do eleitorado em grau satisfatório. Não desempenham, adequadamente nem a representação de pessoas, nem a representação de ideias, nem a representação de temas e experiências, para utilizarmos a classificação de Avritzer (ibid). Além disso, segundo essa sensação difusa, grande parte do problema se deve ao sistema eleitoral vigente.
Pesquisas no campo da Ciência Política assinalam, vis-à-vis o problema da representação, uma convergência de democracias liberais para sistemas eleitorais mistos, como o da Alemanha (DUNLEAVY; MARGETTS, 1995, p. 26).
Esses sistemas mistos, ademais, equacionariam, de forma mais otimizada, o trade-off entre representatividade, mais efetivamente assegurado pelo sistema proporcional, e estabilidade de governo, que tem correlação mais forte com o sistema distrital. O desenvolvimento de sistemas mistos teria o condão de reunir o melhor de dois mundos (KLINGEMANN; WESSEL, 2001).
A nosso ver, a defasagem de representatividade parlamentar no Brasil foi compensada nos últimos anos pela hipertrofia do Poder Executivo, especialmente com abuso de edição de medidas provisórias, e com judicialização de políticas.
Por isso, além de prever medidas para aumentar a representatividade do Poder Legislativo, uma reforma política consequente deveria se ocupar também com o equilíbrio interpoderes.
Afinal, o déficit de representatividade que a reforma política se propõe a corrigir é não é menos consequência apenas de ineficiências ínsitas ao sistema eleitoral. Decorrem também daarvoragem, pelos outros Poderesde competências atribuídas constitucionalmente ao Poder Legislativo, o único que recebeu da Constituição a missão precípua de representar o povo.
O balizamento da reforma política pelo STF
Nas Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 1351 e 1354[7], julgadas em dezembro de 2006, o STF anulou os dispositivos da Lei nº 9.096, de 1995, que limitavam prerrogativas de partidos que não alcançassem, em todo o País, 5% dos votos nas eleições para deputado federal (art. 13).
Os partidos que não alcançassem a chamada “cláusula de barreira” ficariam com apenas dois minutos por semestre para programa em rede nacional de rádio e de TV, dividiriam entre si 1% do Fundo Partidário (art. 41, I e art. 48).
Além disso, esses partidos pequenos não teriam direito a funcionamento parlamentar: seus deputados e senadores poderiam falar e votar no plenário, mas não teriam líderes nem estrutura de liderança.
De acordo com o tribunal, essas restrições, que visavam a impedir a proliferação dos partidos e, com isso, racionalizar o processo decisório, eram inconstitucionais:
PARTIDO POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR - PROPAGANDA PARTIDÁRIA GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário (...) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ações Direta de Inconstitucionalidade 1351 e 1354. Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio Mello, DJ 30 mar. 2007 e 29 jun. 2007).
É comum atribuir-se ao sistema proporcional o defeito de incentivar a fragmentação dos partidos. A consequência seria a dificuldade crescente de formar maiorias necessárias à estabilidade dos governos[8].
No julgamento da cláusula de barreira, o STF não sopesou, adequadamente, os direitos das minorias, protegidos pelo acórdão, com os direitos associados à estabilidade dos governos.
A corte também não levou em consideração a experiência internacional, já que a cláusula de barreira é bastante comum nas democracias liberais contemporâneas. Na Alemanha, por exemplo, a cláusula de barreira é 5% e muito mais rigorosa, porque impede o acesso às cadeiras do Parlamento.
Dispositivo semelhante existe na Áustria, na Bélgica, na Dinamarca, na França, no Japão, na Holanda, na Espanha e em diversas outros países[9]. É difícil de entender porque a cláusula de barreira pode ser adotada em democracias muito mais consolidadas que a nossa, mas não no Brasil.
Em 2008, o Supremo Tribunal Federal tomou outra decisão problemática relativa à reforma política. No Mandado de Segurança nº 26604, ajuizado pelo Partido Democratas, estabeleceu que a troca de partido implicaria a perda do mandato eletivo:
(...) No Brasil, a eleição de deputados faz-se pelo sistema da representação proporcional, por lista aberta, uninominal. No sistema que acolhe - como se dá no Brasil desde a Constituição de 1934 - a representação proporcional para a eleição de deputados e vereadores, o eleitor exerce a sua liberdade de escolha apenas entre os candidatos registrados pelo partido político, sendo eles, portanto, seguidores necessários do programa partidário de sua opção. 6. A fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem necessidade de sua expressão literal (...). (...) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança 26604. Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 3 out. 2008).
A infidelidade partidária configurava uma das maiores evidências do déficit de representatividade. A estabilidade dos governos brasileiros desde o advento da Nova República esteve associada ao presidencialismo de coalizão[10] (ABRANCHES, 1988).
Os incentivos distribuídos pelo Poder Executivo para fortalecimento de sua base de sustentação atraíam parlamentares, inclusive da oposição, e isso provocava intensa migração entre os partidos.
Contudo, antes que o Parlamento deliberasse sobre uma reforma política que sanasse, de forma sistêmica, o problema da infidelidade partidária, o STF decidiu resolvê-lo pontualmente.
A imposição judicial da fidelidade partidária gerou intensa controvérsia sobre quem seria convocado para ocupar as vagas abertas no curso da legislatura: o primeiro suplente do partido ou o primeiro suplente da coligação?
Segundo a jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal deveria ser convocado o primeiro suplente da coligação, já que relativamente à coligação que se apura o coeficiente eleitoral e se procede à distribuição das cadeiras.
Entretanto, para manter coerência com o entendimento de que o mandato pertence ao partido, em dezembro de 2010 o STF passou a atribuir a suplência ao partido e não à coligação:
(...) A jurisprudência, tanto do Tribunal Superior Eleitoral (Consulta 1.398), como do Supremo Tribunal Federal (Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604), é firme no sentido de que o mandato parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional também pertence ao partido político. 2. No que se refere às coligações partidárias, o TSE editou a Resolução n. 22.580 (Consulta 1.439), a qual dispõe que o mandato pertence ao partido e, em tese, estará sujeito à sua perda o parlamentar que mudar de agremiação partidária, ainda que para legenda integrante da mesma coligação pela qual foi eleito. 3. Aplicados para a solução da controvérsia posta no presente mandado de segurança, esses entendimentos também levam à conclusão de que a vaga deixada em razão de renúncia ao mandato pertence ao partido político, mesmo que tal partido a tenha conquistado num regime eleitoral de coligação partidária. Ocorrida a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação partidária, já não mais existente como pessoa jurídica. (...) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar no Mandado de Segurança 29988. Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 6 jun. 2011).
Esse posicionamento gerou uma crise com o presidente da Câmara dos Deputados, que se negava a acatá-lo. A tensão entre os dois Poderes só teve solução de continuidade, quando o STF voltou atrás em seu posicionamento, em abril de 2011:
(...) A coligação assume perante os demais partidos e coligações, os órgãos da Justiça Eleitoral e, também, os eleitores, natureza de superpartido; ela formaliza sua composição, registra seus candidatos, apresenta-se nas peças publicitárias e nos horários eleitorais e, a partir dos votos, forma quociente próprio, que não pode ser assumido isoladamente pelos partidos que a compunham nem pode ser por eles apropriado. 6. O quociente partidário para o preenchimento de cargos vagos é definido em função da coligação, contemplando seus candidatos mais votados, independentemente dos partidos aos quais são filiados. Regra que deve ser mantida para a convocação dos suplentes, pois eles, como os eleitos, formam lista única de votações nominais que, em ordem decrescente, representa a vontade do eleitorado (...) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança 30260. Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 30 ago. 2011).
O regime jurídico da fidelidade partidária, estabelecido pela jurisprudência atual do STF, ficou incongruente. Por um lado, afirma a titularidade partidária dos mandatos e, por outro, atribui o preenchimento de cadeiras eventuais pela coligação.
Por dedução, a corte admitiu que as coligações partidárias que são, a rigor, as destinatárias das preferências colhidas nas eleições, só se projetam para o futuro no que tange o preenchimento das cadeiras que, porventura, vagarem. Por consequência, as coligações, que não obrigam os partidos a marcharem juntos ao longo da legislatura, não assumem nenhum compromisso programático com seus eleitores.
Para solucionar a incongruência do regime jurídico da fidelidade partidária esboçado pelo Supremo, há duas alternativas mais óbvias: a primeira é proibir as coligações, e a segunda é vincular o partido à coligação durante a legislatura a que se referir a eleição, já que, como afirma o Supremo, a coligação é um superpartido e a escolha do eleitor, no caso do voto na coligação, recai, em tese, no programa acertado entre os partidos, e não no programa de cada partido.
É evidente que mudanças tão compreensivas devem ser adotadas em um regime jurídico consistente, que tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista político não pode ser definido por decisão judicial.O resultado da intervenção judicial na questão parece não ter reforçado a fidelidade partidária, que continuou a grassar pelas brechas deixadas pelo próprio Supremo.
A corte havia estabelecido que a desfiliação partidária não acarretaria a perda do mandato se o mandatário provasse 1) mudança da linha programática do partido; 2) perseguição política no partido; ou 3) ou migração para uma agremiação recém-fundada.
Como era de se esperar, o troca-troca de partidos continuou sob o pretexto de perseguição política. A nova jurisprudência, de forma geral, não surtiu os efeitos esperados.
A título de exemplo, cito caso recente que ilustra as dificuldades para imposição do regime jurídico da fidelidade partidária firmado pelo STF. O deputado federal Antonio Roberto Soares (PV-MG) aposentou-se por invalidez no início de maio de 2014.
Seguindo o protocolo, o Presidente da Câmara dos Deputados convocou para posse o suplente do PV, que nas eleições de 2010 não formou coligação. Luiz Antônio Gonzaga Ribeiro, o Subtenente Gonzaga, que de acordo com a lista de diplomados suplementes do TSE teria direito à vaga, migrara para o PDT.
Suplente |
Votos nominais |
Ordem de suplência |
Luiz Gonzaga Ribeiro |
58.984 |
1º |
Raul José de Belém |
45.651 |
2º |
José Reinaldo De Lima |
22.201 |
3º |
Denílson Francisco Teixeira |
14.650 |
4º |
Tab. 1. Primeiros suplentes de deputado federal do PV nas eleições de 2010 (MG).
Diante da situação, o Partido Verde impetrou mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal contra o ato do Presidente da Câmara e para forçar a convocação do primeiro suplente que ainda estava filiado ao partido, no caso, Denilson Francisco Teixeira.
A corte concedeu liminar em 18 de junho de 2014, conforme ementa vazada nos seguintes termos:
(...) Nas eleições realizadas em 2010, o Partido Verde – PV elegeu dois candidatos para o cargo de Deputado Federal pelo Estado de Minas Gerais. Ante a aposentadoria de um dos mandatários, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados convocou a tomar posse o primeiro suplente da agremiação, o qual não mais se encontrava integrado aos quadros, porque migrara para o Partido Democrático Trabalhista – PDT em data anterior. O convocado veio a assumir a cadeira vaga. O partido pleiteia, liminarmente, a suspensão dos efeitos do processo de investidura, determinando-se à Casa Legislativa que convoque e emposse suplente a ele filiado. O pleito merece acolhimento. (...) A desfiliação imotivada do suplente resulta em um impedimento à investidura, com a respectiva exclusão da ordem de suplência, pois a desqualificação para o exercício do mandato apanha a própria aptidão do candidato à assunção do cargo eletivo. Descabe empossar o suplente infiel para que, constatada a nova filiação partidária sem justa causa, venha a ser desqualificado para o mandato. Deve ser convocado a ocupar a cadeira vaga, desde logo, aquele que, ainda pertencente aos quadros do partido, sucede-lhe na suplência (...) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar em Mandado de Segurança 32957. Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01 jun. 2014)
Apesar da liminar, Denilson só conseguiu assumir a vaga de deputado federal 6 meses depois, em 18 de dezembro de 2015, há 4 dias do início do recesso parlamentar e a pouco mais de um mês do fim da legislatura.
Outra externalidade da jurisprudência do STF parece ser a fragmentação partidária. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de agremiações pulou de 27 em fevereiro de 2008 para 32 até abril de 2015[11]. Além disso, passa dos atuais 22 para 28 na legislatura que se iniciou em 2015, o total de partidos com representação na Câmara dos Deputados.
Para remediar o problema, editou-se a Leiº 12.875, de 2013, que, em seu art. 2º, estabelece que as migrações partidárias, exceto em caso de fusão ou incorporação de partidos, não afetarão a distribuição dos recursos do Fundo Partidário.
De forma inédita, o Supremo Tribunal Federal, por meio de liminar do ministro Gilmar Mendes no Mandado de Segurança nº 32033, chegou a sobrestar a tramitação do Projeto de Lei nº 4470 de 2012 que daria origem a essa norma. Contudo, o Plenário do Tribunal cassou a liminar e proibiu o chamado controle preventivo de constitucionalidade:
(...) A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detêm de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança 32033. Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. acórdão Min. Teori Zavascki, DJe 18 fev. 2014).
Se uma das metas da reforma política almejada é evitar a fragmentação partidária, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente à fidelidade partidária como já referimos, está, aparentemente, a produzir o efeito contrário.
Ouve-se nos bastidores do Congresso Nacional que se discute a criação de “novos” partidos, sobretudo a partir de novas cisões nos já existentes. Possivelmente, cúpulas partidárias começam a perceber que pode ser mais vantajosa a atuação com dois ou mais partidos sob controle unificado do que com um único partido.
Gilberto Kassab, que encabeçou a criação do Partido Social Democrático (PSD), em março de 2011, movimentava-se para recriar o Partido Liberal para, em seguida, promover a fusão das duas agremiações. Entretanto, a Lei nº 13.107, de 24 de março de 2015, proibiu que participe de fusões partido registrado há menos de 5 anos.
A referência a esses três temas que foram objeto de regulamentação pelo Supremo Tribunal Federal – a cláusula de barreira, a fidelidade partidária e as coligações eleitorais – é suficiente para sinalizar os riscos do experimentalismo judicial em matéria de reforma política.
Na próxima seção, assinalo e critico o balizamento que a corte impôs a eventual reforma política, que reduziu de forma acentuada os graus de liberdade do Legislador e reforçou o discurso da necessidade de uma constituinte exclusiva para a reforma política.