O processo eletrônico é uma realidade comum aos tribunais brasileiros. A virtualização dos autos é um caminho sem volta e aquela imagem de processos com capa, incontáveis laudas impressas, grampos e guias tende a se tornar mera lembrança para os operadores jurídicos, dando lugar a bits e bytes em sistemas eletrônicos, junto aos quais se espera conseguir gradativa celeridade no andamento dos feitos, além de, evidentemente, substancial economia. Entretanto, se não for bem projetada, a transição entre o processo físico e o virtual pode subverter a lógica econômica e representar ainda mais custos para os tribunais, não raro já às voltas com graves dificuldades orçamentárias.
Quando os tribunais superiores adotaram os autos digitais como única forma de tramitação dos feitos sob sua análise, havia ali inegável coerência – e não só processual. Os autos poderiam se iniciar em sua forma tradicional, tramitar até a apreciação recursal nas cortes estaduais e, em caso de novos recursos, ser remetidos virtualmente à Brasília, num procedimento precedido do que se chamava “digitalização”, em que cada peça física do processo era passada em um scanner. Daí em diante, volumes e mais volumes físicos se convertiam em pequenos espaços ocupados em discos rígidos e pendrives, “subindo” às superiores instâncias por redes de transmissão de dados, a um singelo clique de mouse sobre um botão “enviar”. Era o símbolo da tecnologia processual, dispensando-se os envios físicos (e seus portes de remessa e retorno).
A lição claramente ensinada pelas cortes superiores, contudo, parece não ter sido integralmente assimilada. Em termos de modernização, há tribunais que adotam o caminho inverso para a digitalização dos autos, caminho este bastante dispendioso, inclusive.
Embora a digitalização a partir dos tribunais superiores tenha sua lógica irrefutável, em alguns tribunais a modernização se inicia e – pior – se restringe ao primeiro grau de jurisdição, não acompanhada na instância recursal. Nestes casos, o processo começa virtual e pode assim tramitar até os recursos de apelação e as respectivas contrarrazões. Daí em diante, o retrocesso impera.
Sem que o segundo grau esteja informatizado, o processo que nasce digital precisa ser “materializado” para que o recurso nele interposto seja apreciado. Há até “núcleos de materialização” para isso, onde, ao contrário do que se viu quando os processos precisavam seguir às instâncias superiores, tudo aquilo até então restrito ao meio virtual precisa ser impresso e autuado para que os desembargadores possam analisar os recursos. Não é só um passo atrás, é muito mais gasto.
Num processo físico tradicional, a composição dos autos é responsabilidade das partes. Assim, quem apresenta a petição inicial é o autor, a contestação é o réu, e assim sucessivamente para cada ato processual. Cada um é responsável pelo custo de papel e impressão do que produz, cabendo ao tribunal, tão somente, os atos oficiais. Porém, quando é necessária a dita materialização, o custo da formação dos autos é todo do Poder Judiciário, e o que era para ser economia passa a ficar mais caro do que o original.
Fosse um ou outro processo a receber recurso de apelação, se poderia assimilar os custos sem maiores contratempos. Contudo, a escala é outra, bastante ampla. São milhares de processos chegando anualmente em grau de recurso aos tribunais, muitas vezes com diversos volumes, e cada um deles, se originalmente virtual, sendo materializado à exclusiva custa de cada Corte, para viabilizar a apreciação do recurso. Gasta-se muito mais (papel, toner, tinta, etc.) do que no chamado sistema tradicional, inclusive porque, sob a difusão das gratuidades de justiça, recorrer é a regra em nosso sistema processual.
É necessário, portanto, que o Poder Público esteja atento à realidade que o cerca, alcançando a compreensão de que adotar o processo eletrônico nem sempre é sinônimo de menor custo. Sem um bom planejamento, o procedimento de migração pode ser marcado, não por economia, mas por um exponencial aumento de despesas. E quem banca é o jurisdicionado.