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Prisão preventiva: a Operação Lava Jato e a divergência no STF

28/05/2015 às 12:23
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Análise do instituto da prisão preventiva, com os devidos apontamentos em relação à divergência de decisões recentes do STF.

Observe-se, de início, decisão recente do Supremo Tribunal Federal, em julgamento em que foi Relator o Ministro Teori Zavascki:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE E RECEIO DE REITERAÇÃO. APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INVIÁVEL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

1. Os fundamentos utilizados revelam-se idôneos para manter a segregação cautelar do paciente, na linha de precedentes desta Corte. É que a decisão aponta de maneira concreta a necessidade de garantir a ordem pública, ante a periculosidade do agente (= integrante de uma quadrilha de tráfico de drogas) e pelo fundando receio de reiteração delitiva.

2. As circunstâncias concretas do fato e as condições pessoais do paciente não recomendam a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão preventiva, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

3. Ordem denegada. (STF - HC: 120134 SP , Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 04/02/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-031 DIVULG 13-02-2014 PUBLIC 14-02-2014)

Nota-se que ficou assentado que não se recomenda a aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, se as circunstâncias concretas do fato e as condições pessoais do paciente não são favoráveis. Era caso de manter a prisão preventiva decretada.

A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada quando  houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria, como se lê do artigo 312 do Código Penal. Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito, por documentos ou prova testemunhal.

A isso se soma como requisito a existência de ¨indícios suficientes de autoria¨, que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito.

Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.

O certo é que a Lei 12.403/11 manteve os requisitos da prisão preventiva: prova da existência de crime (materialidade); indícios suficientes de autoria (razoáveis indicações da prova colhida); garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal.

O juiz, a teor do artigo 311 do Código de Processo Penal, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, poderá decretar a prisão preventiva, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Na fase da investigação policial, não cabe ao juiz decretar de oficio a prisão preventiva, mas, sempre a pedido do Ministério Público, da autoridade policial, do assistente da acusação, do querelante.

As alterações havidas dizem respeito à legitimidade e oportunidade da decretação: a) somente o juiz pode decretá-la, de oficio, durante o processo (não mais pode fazê-lo, como antes, durante a investigação); b) permite-se ao assistente da acusação requerê-la, o que antes não ocorria. Tal expediente praticamente esvazia a prisão preventiva durante o inquérito, levando à necessidade de se oportunizar a chamada prisão temporária, quando for o caso.

A simples repercussão do fato, porém, sem outras consequências, não se constitui em circunstância suficiente para a decretação da custódia preventiva. Justifica-se a medida, se o acusado é dotado de periculosidade, em perseverar na prática delituosa, quando aja com torpeza, perversão, malvadez, insensibilidade moral.

O artigo 312 do Código de Processo Penal manteve o instituto da prisão preventiva em sua integridade. Assim, repita-se, existem 3 (três) fatores para sua implementação: a) prova da existência do crime (materialidade); b) indícios suficientes de autoria; c) garantia da ordem pública ou ordem econômica; d) conveniência da instrução criminal; e) garantia da aplicação da lei penal.

A garantia da ordem econômica é conhecida como espécie da garantia da ordem pública.

Se a instrução criminal for perturbada pelo acusado, cabe a decretação da prisão preventiva.

A aplicação da lei penal calca-se, fundamentalmente, na fuga do indiciado ou réu, com lastro em fatos.

Lanço à memória jurisprudência no sentido de que, se é certo que a gravidade do delito, por si só, não basta à decretação da custódia preventiva, não menos exato é que a forma de execução do crime, a conduta do acusado, antes e depois do evento, e outras circunstâncias provoquem a intensa repercussão e clamor público, a trazer abalo à própria garantia da ordem pública.

Porém, a simples repercussão do fato, sem outras consequências, não constitui causa suficiente para a decretação da prisão preventiva.

Não bastam, como se disse, meras conjecturas, sendo mister, para tanto, fatos concretos. Não bastam os maus antecedentes.

Não se decreta a prisão preventiva, quando houver suspeita de prática de fato sob o manto de qualquer excludente de ilicitude.

Justifica-se a prisão preventiva, no caso de ser o acusado dotado de periculosidade, quando se denuncia torpeza, perversão, insensibilidade moral.

Sendo necessária a medida, não elidem as circunstâncias de ser o acusado primário e de bons antecedentes, de possuir residência fixa e até profissão definida.

A custódia preventiva deve ser exarada na garantia da ordem pública, conceito indeterminado, que deve ser aferido caso a caso.

A fuga do agente logo após o fato é motivo para a decretação da prisão preventiva.

Porém, impressiona recente estudo do Instituto de Pesquisa Aplicada que estima em 37% a proporção dos que, tendo tido prisão preventiva decretada, terminaram absolvidos.

Com a edição da Lei 12.403/11, na medida em que surgem novas medidas cautelares (artigo 319 do Código de Processo Penal), que devem ser decretadas consoante os marcos da necessidade e da adequação, a prisão preventiva passou a ter o caráter subsidiário, valendo como ultima ratio. São elas, pela ordem, decretadas, diante do exposto no artigo 282, I e II, do Código de Processo Penal:

a)      Comparecimento periódico em juízo no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para justificar e informar as atividades(artigo 115, II, LEP, artigo 132, § 1º, LEP e artigo 78, § 2º, do CP);

b)      Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva  o indiciado permanecer distante desses lugares para evitar o risco de novas infrações;

c)       Proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante;

d)      Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais(caso de crimes contra a administração pública, como concussão, corrupção passiva, peculato e ainda delitos econômicos e financeiros, evitando-se a concessão de prisão preventiva, quando se tenha a necessidade de se garantir a ordem econômica). Observe-se que a suspensão para o exercício de uma atividade deve e pode ser suficiente para substituir a prisão preventiva;

e)      Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser ele inimputável ou semi-imputável, artigo 26 do Código Penal, que deve ser cumprida em local apropriado; 

f)       Monitoração eletrônica, que já havia sido criada pela Lei 12.258/10, visando o monitoramento da saída temporária no regime aberto e o regime de prisão domiciliar;

g)      Fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos de processo, evitando a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial(insere-se assim a fiança como medida cautelar desvinculada da prisão em flagrante,como garantia real, medida que sempre foi sua vocação processual, podendo ser cumulada com outras medidas).

Por certo, o artigo 319 do Código de Processo Penal significa uma mudança de mentalidade dos operadores do direito e, ainda, no quadro prisional brasileiro. Sabe-se que há entendimento no sentido de que  muitos acusados que merecem algum tipo de restrição em sua liberdade, pelo fato de estarem respondendo a processo-crime, em virtude da prática de crime grave, não precisam, necessariamente, seguir para o cárcere fechado. Assim  as  medidas alternativas não seriam  suficientes para atingir o desiderato de mantê-lo sob controle e vigilância. Para tanto, na aplicação do artigo 319 do Código de Processo Penal, será necessário atender à necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais, sendo mister que seja adequada a medida à gravidade do crime, circunstâncias de fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Essas medidas poderão ser implementadas em regime de prisão domiciliar, forma de cumprimento de prisão preventiva.

Sabe-se que o Código de Processo Penal em vigência não prevê prazo expresso para a duração da prisão preventiva e nem com relação às demais providências cautelares. Porém, é certo que na Lei nº 9.034/95 (revogada pela Lei 12.850/13), que cuidava das ações praticadas por organizações criminosas, no artigo 8º, havia  o estabelecimento do prazo de 81 (oitenta e um) dias para o encerramento da instrução criminal, quando estivesse preso o acusado.

Veja-se, nessa linha de entendimento, que, recentemente, a Segunda Turma do Supremo Tribunal concedeu habeas corpus (HC 127186) para nove réus acusados de envolvimento em um suposto esquema de desvio de recursos da Petrobras. Os acusados terão direito de responder ao processo em liberdade e tiveram suas prisões preventivas substituídas por medidas cautelares. A decisão, data venia de entendimento contrário, confronta decisão já historiada.

Os réus citados no voto do ministro relator, Teori Zavascki, passarão a ser monitorados por tornozeleira eletrônica, e devem se manter afastados da direção e administração de empresas envolvidas nas investigações.

Deverão, ainda, cumprir recolhimento domiciliar integral, comparecer em juízo quinzenalmente para informar e justificar atividades, ficarão obrigados a comparecer a todos os atos do processo, bem como estão proibidos de manter contato com os demais investigados e de deixar o país. O descumprimento de qualquer dessas medidas acarretará o restabelecimento da prisão.

Em seu voto, o ministro Teori Zavascki citou os requisitos da prisão preventiva e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual o indício de existência de crime é argumento insuficiente para justificar, sozinho, a adoção da prisão preventiva.

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Para o ministro, a prisão preventiva só deve ser mantida se ficar evidenciado que se trata do único modo de afastar esses riscos contra a garantia da ordem pública e econômica, a conveniência da instrução criminal e a segurança da aplicação da lei.

"Decretar ou não decretar a prisão preventiva não deve antecipar juízo de culpa ou de inocência, nem, portanto, pode ser visto como antecipação da reprimenda nem como gesto de impunidade."

Segundo o relator, no entanto, a prisão preventiva não pode ser apenas justificada pela possibilidade de fuga dos envolvidos, sem indicação de atos concretos e específicos, atribuídos a eles, que demonstrem intenção de descumprir a lei.

O ministro citou que, no caso dos envolvidos no suposto esquema de desvio de recursos na Petrobras, há indícios da existência de graves crimes, como formação de cartel, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, e ressaltou a importância que teve a prisão preventiva na interrupção da prática desses crimes.

No entanto, para o ministro relator, os riscos para a ordem social e para a apuração dos fatos foram reduzidos e a prisão pode ser substituída de forma eficaz por medidas alternativas.

"Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados e de esperar uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar e punir os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender que a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e ao devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador", sustentou o ministro.

Sobre a possibilidade de a concessão da liberdade interferir no fechamento de um possível acordo de colaboração premiada com os envolvidos, o ministro afirmou que seria "extrema arbitrariedade" manter a prisão preventiva considerando essa possibilidade.

Os Ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia votaram pela permanência no cárcece do acusado Ricardo Pessoa, apontado como coordenador do “clube de empreiteiras”, um grupo restrito de executivos que decidiam quais as empresas ficariam responsáveis pelas obras da Petrobras. Eles ressaltaram que as investigações apenas seriam concluídas em 11 de maio de 2015, com o fim de todos os depoimentos e, portanto, o investigado poderia ter a oportunidade de influenciar na instrução do processo. Assim, as circunstâncias que justificaram a prisão cautelar do paciente não teriam se exaurido, consideradas as possibilidades de nova inquirição de testemunhas. Em casa, o investigado, ao contrário da prisão, poderia ter acesso ao telefone, à internet e a outras formas de comunicação, de difícil fiscalização pelo juízo. Porém, para o Ministro Relator, o investigado já está formalmente afastado da empresa, que está proibida de firmar novos contratos com a Petrobras. 

Data venia à medida, que foi objeto da decisão referenciada,  não é adequada à gravidade dos crimes praticados, não havendo necessária certeza de que eles, em regime de prisão domiciliar, não poderão influenciar nas investigações que ainda não terminaram, uma vez que a garantia da ordem pública deve ser respeitada. Sendo assim, a prisão preventiva que foi revogada para o caso não se afigurava desproporcional e descabida.

Na lição do Ministro Celso de Mello “se torna inviável  a conversão da prisão preventiva em medidas cautelares definidas no art. 319  do CPP, quando a privação cautelar da liberdade individual tem fundamento, como sucede na espécie, na periculosidade social do réu, em face da probabilidade, real e efetiva, de continuidade na prática de delitos gravíssimos, como os de organização criminosa, de corrupção ativa e de lavagem de dinheiro”.

A lição se amolda como uma luva ao caso investigado na operação “Lava-Jato".

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Prisão preventiva: a Operação Lava Jato e a divergência no STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4348, 28 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38699. Acesso em: 22 dez. 2024.

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