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Desaposentação: um direito fundamental

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27/06/2015 às 10:49
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4 PRINCÍPIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Os princípios apresentam diversas funções dentro do nosso ordenamento, como: orientar na elaboração de Leis, devendo estas seguir estes princípios; nortear a interpretação do operador do Direito em situações que gerem conflitos de interesses, devendo ser buscada sempre a aplicação da norma, buscando a opção mais justa. Importante salientar que os princípios devem ser interpretados com base nos objetivos da nossa Constituição, trazidos em seu artigo 3º.[61]

Robert Alexy, em sua obra “Teoria dos direitos fundamentais”, defende que os princípios são “regras de otimização” que, por análise discricionária, devem ser aplicados na maior medida possível dentro das possibilidades fático-jurídicas e, em caso de conflito, deve ser feita uma análise do peso entre estes princípios.

Nesse tópico serão trabalhados os princípios explícitos e implícitos trazidos pela Constituição Federal que norteiam a Seguridade social e, especificamente, a atividade da Previdência Social. Os princípios constitucionais que estudaremos a seguir podem ser separados em três categorias: I) Princípios básicos da Seguridade Social; II) Princípios jurídicos da Seguridade Social; e III) Princípios jurídicos da Previdência Social.

Contudo, antes de iniciarmos o estudo deste, destaco a importância da aplicação do princípio da boa-fé objetiva no âmbito da Seguridade Social e, mais especificamente, na Previdência Social, ponto de partida do presente estudo.

Apesar de pouco tratado pela doutrina previdenciária, o tema é trabalhado pelo professor Rafael Schimidt Waldrich em sua obra “Previdência Social e Princípio da boa-fé objetiva”. Na citada obra, o autor defende que a boa-fé integra seu valor no sentido de trazer confiança aos pactos firmados pelo Estado, atuando muito mais como um valor do que como um limite objetivamente firmado, vez que, conforme entende o autor, a parte mais difícil não foi pontuar os direitos de garantia, mas sim efetivá-los diante da inércia por parte do Poder Legislativo em efetivar a fruição destes direitos, restando ao Poder Judiciário o papel de concretizá-los.

4.1 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA SEGURIDADE SOCIAL

Estes princípios dizem respeito a todo o sistema de proteção social brasileiro, norteando as interpretações possíveis dos outros princípios constitucionais e das normas infraconstitucionais, são estes: solidariedade social e dignidade da pessoa humana, que são entendidos ainda como objetivos do sistema protetivo.

O princípio da solidariedade social é o princípio fundamental do Sistema de Seguridade, entendido como verdadeiro instrumento de mudança social. Normalmente este é visto no sentido de que todos os cidadãos, mesmo não contribuintes, serão atendidos em caso de necessidade. Todavia, o princípio da solidariedade reveste-se, ainda, de uma noção mais genérica, segundo a qual o Estado deve, obrigatoriamente, organizar sua atuação de modo que ocorra uma distribuição de riqueza, reduzindo as desigualdades sociais.

A solidariedade, além das noções citadas acima é uma estruturante dos direitos fundamentais, tratada como objetivo da República, estando positivado no art. 3º, I da Carta Magna, estando presente ainda nos arts. 40 e 195 deste diploma legal, in verbis:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I-construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.        

Art. 195. A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais[62]

Segundo Elody Boulhosa Nassar o próprio sistema de proteção baseia-se na solidariedade, afirmando categoricamente que sem solidariedade não há seguridade, e entende esta como um:

Valor fundamental e determinante para a compreensão, aplicação e interpretação das normas que compõem a ordem positivada, atuando como verdadeiro referencial hermenêutico para a própria compreensão do Direito e de suas estruturas[63]

Importante destacar também a solidariedade entre gerações, conhecida como “Pacto Inter geracional”, sendo característica lógica do sistema previdenciário, já que o segurado da previdência recebe os benefícios em momento distinto que contribui para o Sistema. A solidariedade e a solidariedade entre gerações guardam relação direta com todos os outros princípios jurídicos, especialmente os princípios do equilíbrio financeiro e atuarial, que será tratado em momento posterior.

O princípio da dignidade da pessoa humana entende que a todos os seres humanos deve ser garantida uma existência com condições mínimas de dignidade. No contexto dos Direitos Sociais este assume uma característica peculiar, nesse contexto o Estado deve assegurar uma rede de proteção básica que garanta a todos os indivíduos tal existência digna.

4.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA SEGURIDADE SOCIAL

Estes princípios estão, em sua maioria, positivados no artigo 194 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados[64]

Trataremos inicialmente do princípio da universalidade da cobertura e do atendimento. Este princípio é reflexo do princípio da solidariedade e representa para o Estado uma obrigação de intervir nas relações jurídicas, econômicas e sociais, garantindo atendimento igualitário a todos os indivíduos, além de um lugar debaixo do manto da proteção social, independente de terem vertido contribuições ao sistema. Apenas na Previdência Social o princípio da universalidade tem sua aplicação diminuída, uma vez que, para que tenha direito a prestações por parte do Estado, é necessária a comprovação da qualidade de segurado, nos termos da lei 8.213/91.

O princípio da equivalência entre trabalhadores urbanos e rurais, por sua vez, visa garantir que não existirá diferença de tratamento entre eles. Importante salientar que a equivalência é no sentido de que as regras, os benefícios e os serviços ofertados serão iguais para ambos. Obviamente, o quantum recebido variará de acordo com as contribuições vertidas por cada indivíduo.

Há quem defenda que a estipulação do princípio da equivalência não seria necessária, em virtude do princípio da universalidade, como é o caso de Peterson de Souza, em sua obra “A redução da contribuição social do aposentado que retorna ao trabalho”. Todavia, tal princípio serviu para acabar com qualquer dúvida ainda existente sobre o tratamento das duas classes de trabalhadores.

O princípio da seletividade pode ser entendido como a limitação ao direito de receber os benefícios. Neste sentido, a Seguridade Social determina alguns critérios ou requisitos para que o segurado possa fazer jus a tutela Estatal. Exemplos clássicos são: período de carência, tempo de contribuição, idade mínima etc.

Já o princípio da distributividade materializa-se na prioridade dada para o atendimento das camadas mais pobres da população. Este princípio deriva do princípio da solidariedade  e, mais que um princípio, é um objetivo a ser alcançado por meio das políticas de proteção social.

O princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios busca defender o poder aquisitivo e as perdas reais do valor dos benefícios. A sua inclusão entre os princípios da proteção social ocorreu no contexto histórico em que a Constituição 1988 foi promulgada, quando os juros galopantes ocasionavam perdas constantes no valor real da moeda, em virtude da crise financeira em que o Estado brasileiro estava inserido.

O princípio da equidade pode ser entendido como o tratamento desigual dado aos indivíduos em condições diferentes, podendo reduzir essa noção por meio da máxima “tratar os desiguais de forma igual, gera desigualdades”. No sistema de proteção social sua aplicação é feita principalmente através da diferença das contribuições e, por esse motivo, Wladimir Martinez o nomeia “princípio da capacidade contributiva”.

Sergio Pinto Martins entende que existem falhas na aplicação deste princípio, pois, segundo ele, as empresas arcam com a maior parte das contribuições previdenciárias, pois têm mais condições produtivas. Contudo, as empresas incluem o custo dessas contribuições no preço do produto ou serviço, transferindo o ônus para os consumidores.[65]

O princípio da diversidade da base de financiamento, segundo Wladimir Martinez, pode ser entendido como a possibilidade de serem utilizadas diversas fontes para captação de recursos para a Seguridade Social.

A Constituição de 1988 teve papel fundamental nessa diversificação, positivando, no seu art. 195, muitas bases de financiamento, conforme se extrai do dispositivo legal abaixo compilado:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar[66]

Importante salientar que esse rol não é taxativo, vez que o § 4º do mesmo artigo dispõe que outras fontes poderão ser instituídas por lei.[67]

É necessário que este princípio seja estudado em conjunto com o princípio do orçamento diferenciado, que determina que a Seguridade Social terá orçamento próprio, independente do orçamento da União Federal, buscando evitar que os recursos provenientes das contribuições sociais sejam desviados para outros fins. Este princípio é encontrado nas disposições do art. 165, §5º, III e no art. 195, §§ 1º e 2º da CF/88, in verbis:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.

§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.[68]

Todavia, é evidente o desrespeito a este princípio ao analisarmos a Desvinculação das Receitas da União (DRU), criada no ano de 1994, sendo mantida até o fim do ano de 2015, por meio da Emenda Constitucional nº 68, de 21 de dezembro de 2011, que alterou o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passando a ter a seguinte redação:

Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

§ 1° O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do § 5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal.

§ 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal.

§ 3° Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo[69]

Levando em conta os dados trazidos pelo Resultado do Tesouro Nacional de Agosto de 2014[70], observa-se que até o mês de agosto do referido ano foi Recolhido R$ 209.851.400.000,00 (duzentos e nove bilhões, oitocentos e cinquenta e um milhões e quatrocentos mil reais), logo a DRU usurpou, até agosto deste ano, o montante de R$ 41.970.280.000,00 (quarenta e um bilhões, novecentos e setenta milhões, duzentos e oitenta mil reais) das contas da Seguridade Social que, conforme defendido ao longo do presente trabalho, visa garantir os Direitos Sociais dos cidadãos.

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Neste sentido, valioso o entendimento de Werther Botelho Spagnol defendido durante o VIII Congresso de Direito Tributário da ABRADAT entendendo que:

Se há uma desvinculação de 20% do produto da arrecadação das contribuições, qual seria uma conclusão lógica? Que a seguridade está arrecadando 20% a mais do que seria necessário, que a seguridade social está financiando não a si própria, mas a sociedade está sendo tributada em 20% a mais por meio de contribuições sociais[71]

Ocorre que a Constituição Federal veda a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais para financiar despesas que não seja o pagamento de benefícios abrangidos no Sistema de Seguridade Social, por disposição do seu art. 167, inciso XI, abaixo colacionado, incluído por ocasião da Emenda Constitucional nº 20 de 1998.

Art. 167. São vedados:

XI - a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.[72]

Em brilhante palestra, por ocasião da Conferência de Encerramento do I Congresso de Direito Previdenciário do Piauí, Mauro Hauschild cravou que “o status quo está posto” e complementou dizendo, em linhas gerais, que, caso fosse determinada a inconstitucionalidade da DRU, seriam alteradas apenas algumas nomenclaturas, que passariam de contribuições sociais para impostos ou taxas, de modo a garantir que tais receitas fossem utilizadas para os fins que o Governo deseja, destacando-se hoje no pagamento da dívida pública.

Outro princípio da Seguridade Social é o princípio da gestão administrativa com a participação da comunidade, positivado no art. 194, VII, que fixa, como um dos objetivos da organização da seguridade social, que esta deve ter:

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados[73]

Este princípio é a maior falácia de toda a Seguridade Social e nunca foi efetivamente cumprido, e nem vislumbro possibilidade de que seja. Milton Almeida em sua obra “Fundamentos constitucionais da previdência social”, citado por Peterson de Souza, demonstra claramente como a administração sequer tem o interesse de que a gestão da seguridade tenha a participação da comunidade, ao mostrar que:

A redação original do inciso VII do parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal de 1988 previa a participação da comunidade na composição dos órgãos da seguridade social. (…) Alertado sobre essa possibilidade, o legislador constituinte derivado alterou a redação do texto constitucional, via Emenda Constitucional nº 20, de 1988, suprimindo a expressão “com a participação da comunidade” e enfatizando a presença “do Governo” nos órgãos da seguridade social[74]

Dessa forma, é nítido que a gestão da Seguridade Social está concentrada nas mãos do Governo e que, em consequência disto, as decisões e os rumos tomados pelos órgãos que a compõem têm caráter muito mais político do que social.

O art. 195, § 5º dispõe que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”. Emana desta disposição o princípio do custeio prévio, que possui íntima relação com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial que trataremos mais especificamente adiante.

Este princípio ainda deve ser visto no sentido de que toda contribuição gera um direito de contraprestação, que, no caso, seria uma tutela previdenciária. Há julgados do STF nesse sentido, como o voto do Ministro Relator Marcos Aurélio em julgamento da ADI 790 e das ADC 8 e ADI 2.010:

Contribuição social - majoração percentual – causa suficiente - desaparecimento - consequência – servidores públicos federais. O disposto no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal, segundo o qual “nenhum beneficio ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”, homenageia o equilíbrio atuarial, revelando princípio indicador da correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e serviços. O desaparecimento da causa da majoração do percentual implica o conflito da lei que a impôs com o texto constitucional.

O regime contributivo é, por essência, um regime de caráter eminentemente retributivo. A questão do equilíbrio atuarial (CF, art. 195, § 5º). Contribuição de seguridade social sobre pensões e proventos: ausência de causa suficiente. Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF

É importante, também, tratarmos do princípio da anterioridade tributária em matéria de contribuições sociais. Segundo este, leis que majorem ou criem novas contribuições sociais só poderão ser exigidas após um prazo definido em lei. No âmbito previdenciário, ao tratarmos das contribuições dispostas no art. 194 da Constituição, o prazo é de noventa dias do início da vigência da lei que os criou ou modificou. É importante, ainda, termos em mente que, caso uma lei diminua ou acabe com uma contribuição social ou, ainda, crie novos benefícios de proteção social, esta vigorará a partir da data do início da vigência da lei.

4.3 PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Os princípios que trabalharemos a seguir são aplicáveis apenas no âmbito da Previdência Social, e possuem uma característica que os distingue dos demais, que é o fato de alguns destes terem sido introduzidos em nosso ordenamento por leis infraconstitucionais e não exclusivamente pela Constituição Federal, especialmente no que toca à contraprestação ao segurado.

Iniciaremos pelo princípio da filiação obrigatória, que tem como consequência imediata o fato de que todos os indivíduos que estiverem desempenhando atividade vinculada ao Regime Geral da Previdência que lhe traga remuneração serão obrigatoriamente filiados ao RGPS.

O princípio do caráter contributivo, estabelecido nos arts. 40, caput. e 201, caput, é aquele que traça a principal distinção da Previdência em relação às outras formas de proteção trazidas pela Seguridade Social, segundo o qual somente aqueles que contribuírem para a previdência por meio de contribuições sociais poderão ser agraciados com benefícios desta. Segundo Elody Nassar, este princípio reforça a existência e necessidade de respeito ao “Pacto Inter geracional”, vez que transfere para o cidadão a responsabilidade pelo seu futuro e das gerações seguintes.[75] A regulamentação destas contribuições foi estabelecida por meio da Lei ordinária 8.212/91, que obedece às regras do Código Tributário Nacional.

Para Elody Nassar, dos princípios da filiação obrigatória e da contributividade deriva o princípio da afetação, característica que diferencia as contribuições sociais dos impostos[76], já que segundo o autor:

Esse dever de colaboração (compulsoriedade) encontra seu correlato direito de exigir do Estado o de redistribuir finalisticamente as rendas arrecadadas, de maneira a cumprir as finalidades estabelecidas na Constituição.

(…)

Por conseguinte, a validação da instituição e cobrança do dever de pagar tributo encontra-se sempre vinculada às finalidades axiológicas ditadas pela Solidariedade Social[77]

Passemos agora a estudar o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial. Este impõe que a previdência tenha sempre caráter superavitário, ou seja, que sempre se arrecade mais do que se pague.

O princípio do equilíbrio atuarial e financeiro do Sistema de Seguridade Social brasileiro foi inserido na Constituição Federal pela Emenda nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Esta emenda alterou profundamente o caput do art. 201 da Carta, passando a ter a seguinte redação:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei[78]

O conceito de equilíbrio financeiro é teoricamente simples, sendo encontrado através de cálculo matemático consistindo em, depois de realizada a arrecadação e feitos os pagamentos, não haver saldo negativo nos fundos previdenciários, evitando danos às contas públicas. Por sua vez, o equilíbrio atuarial visa estabelecer as bases de operações e verifica os resultados práticos, ou seja, são calculados o risco protegido e os recursos para sua cobertura, vislumbrando as possibilidades em variadas situações. Tratando de matéria previdenciária, recebe atenção especial, estabelecendo as expectativas futuras em relação ao envelhecimento da população e às tendências da natalidade populacional.

Obviamente tais cálculo não são simples, tampouco existe transparência na divulgação destes dados por parte do instituto competente para isto, gerando grande a insegurança e consequente descrença do órgão perante os segurados.      

Discursos de terror são frequentemente utilizados ao veicular-se notícias relacionadas aos direitos sociais e às finanças do Sistema de Seguridade Social, no entanto poucos dados concretos são disponibilizados ao público. Manchetes com os seguintes teores “Previdência, uma conta que não fecha”[79], “O rombo na previdência deve atingir R$ 55 bilhões e prejudicar meta fiscal do ano”[80] ou “Governo prevê rombo de R$ 40 bi na Previdência”[81] assustam a todos e acabam com a pouca esperança de uma terceira idade tranquila, principalmente por parte da população mais carente. 

Contudo, causa espanto a existência deste déficit, levando-se em conta a atual composição da nossa pirâmide etária, em que a maior parte da população possui entre 10 e 29 anos, ou seja, em período ativo e contributivo ou próximo a este, conforme extrai-se da pirâmide etária abaixo extraída do Censo do IBGE feito no ano de 2010.

Importante observar que a taxa de trabalho informal, apesar de apresentar queda constante, em janeiro de 2014 o percentual de trabalho informal no Brasil ficou em 32,2%[82], ou seja, 32,2% da população não é contribuinte obrigatória da Previdência, podendo contribuir apenas sob a forma facultativa. Ocorre que, no ano de 2008, apenas 840.232 trabalhadores contribuíam para a Previdência, representando um percentual de apenas 1,52% do total de contribuintes. Essa baixa contribuição pode ser entendida pelo fato de que os trabalhadores não acreditam que contribuir para a previdência lhes renderá retornos, preferindo investir estes valores em suas necessidades básicas diárias.

A despeito do exposto anteriormente, a credibilidade do Sistema  de Seguridade Social sofreu um duro golpe, quando, a COBAP e diversas Federações, encabeçadas pela Federação de Aposentados e Pensionistas do Mato Grosso do Sul (FAPEMS), encaminharam, em Novembro de 2014, a todos os parlamentares do Congresso Nacional uma tabela contendo todo o orçamento da Seguridade Social de 2001 a 2013, mostrando um superávit de R$711,144 bilhões no período, com média anual de R$54,703 milhões  de reais, vide tabela no site da COBAP: http://www.cobap.org.br/capa/lenoticia.asp?ID=57581 [83]

Analisando a “evolução” histórica do Sistema de Seguridade Social no Brasil e os fatos expostos acima, fica claro que, caso exista de fato um rombo na Previdência Social, este é causado pela desídia com que os governos que se sucederam trataram do assunto e, por esse motivo, não é aceitável que a população tenha benefícios negados com base neste princípio. Ingo Wolfgang Sarlet resume o entendimento ao defender que:

A crise de efetividade vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de todas as dimensões está diretamente conectada com a maior ou menor carência de recursos disponíveis para o atendimento das demandas em termos de políticas sociais. Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação[84]

Em conjunto com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial imprescindível é levarmos em conta que, quando se trata de direitos sociais, como já tratado em capítulo anterior, a implementação destes demandam custos, conhecidos como “custos dos direitos”. Estes encontram-se ligados diretamente à limitação de recursos que deverá ser observado pelo Poder Judiciário ao atuar na implementação dos direitos, conhecida como “reserva do possível”, extremamente utilizada pela Administração para que se escuse de implementar e efetivar tais direitos.

Segundo Ingo Sarlet o custo dos direitos sociais a prestações assume especial relevância no âmbito de sua eficácia e efetivação, posto que o Estado possui capacidade limitada para serem utilizadas com o objeto das prestações pelas normas definidoras de direitos sociais, sendo defendido que para se realizar efetivamente as prestações reclamadas depende de uma análise econômica, alocando-se recursos para sua efetivação[85].

Marcelo Novelino entende a reserva do possível como uma limitação fática e jurídica oponível de forma relativa à realização dos direitos fundamentais, especialmente os de cunho prestacional[86], estando incluídos os direitos sociais e, em consequência, o direito de desaposentação. O autor defende ainda que a reserva do possível:

É matéria a ser alegada pelo Estado como defesa processual, cabendo-lhe o ônus de provar suficientemente, e não simplesmente alegar de maneira genérica, a impossibilidade de atendimento das prestações demandadas[87]

Por sua vez, Ingo Sarlet entende que a reserva do possível passou a traduzir a ideia de que os direitos sociais a prestações dependiam da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, devendo estar presentes no orçamento público. Oportuno ainda destacarmos o trecho da obra de Ingo Sarlet em que defende que:

A reserva do possível, especialmente se compreendida em sentido mais amplo, apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade[88]

Portanto, o princípio da reserva do possível não deve ser invocado de modo a impedir a fruição deste direito, pois, conforme demonstrou-se, o Poder Executivo atua desde sempre com total desídia ao gerir os recursos das contribuições sociais e previdenciárias.

O § 2º do artigo 201 da Constituição Federal positivou o princípio da garantia de um valor mínimo de benefício. No caso do Brasil, é garantido que a renda mensal inicial de benefícios que tenham caráter substitutivo de salário nunca será inferior a um salário mínimo. Este princípio deve ser analisado sempre em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana, que é positivado no art. 1º, III da Carta Magna, os quais colaciono abaixo:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana[89]

Por sua vez, o princípio da correção monetária dos salários de contribuição, previsto no art. 40, § 17 e art. 201, § 3º, determina que, em cálculo de benefícios que utilizem a média de salários de contribuição, os salários utilizados sejam corrigidos monetariamente no ato da concessão do benefício. Importa salientar que a Constituição não fixa o índice de correção, que deverá ser determinado pelo legislador ordinário.        

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.

§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei.

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei[90]    

O Princípio da indisponibilidade dos direitos sociais define que o valor do benefício que o segurado ou seus dependentes fazem jus são indisponíveis, não se admitindo a renúncia a estes, preservando os direitos adquiridos e a coisa julgada. Este princípio encontra-se positivado no art. 181-B do Decreto 3.048/99, in verbis:

Art. 181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis[91]

O disposto no art. 181-B acima é o argumento normativo mais utilizado por aqueles que se colocam contra o instituto da desaposentação, sustentando que a reversibilidade da aposentadoria deferida anteriormente feriria o ato jurídico perfeito. Ocorre que tal previsão constitucional visa defender o indivíduo contra os desmandos do Estado e até mesmo contra situações que reduzam direitos fundamentais do cidadão.

Ademais, valiosa a lição do ilustre professor Marco Aurélio Serau Junior, que entende que:

A admissão ou inadmissão da desaposentação passa por um a aprofundada discussão a respeito de diversos preceitos constitucionais e legais relativos à própria concepção do sistema previdenciário.

Nestes termos, admitir-se que singela norma regulamentar (art. 181-B do Decreto nº 3.048/1999), possa, direta e simplesmente, fulminar essa pretensão, é erro grave, muito custoso para a efetividade dos direitos fundamentais sociais e, de modo geral, de duvidosa constitucionalidade. De fato, se a própria Lei de Benefícios deixou de tratar do tema, não contendo previsão expressa de proibição de renúncia de renúncia à aposentadoria, não poderia o Decreto nº 3.048/1999, mera norma regulamentar, fazê-lo[92]

Por sua vez, o art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, segundo o qual:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada[93]

Esta disposição constitucional é outro argumento muito utilizado como impedimento à desaposentação. Ocorre que o segurado visa, ao tentar desaposentar-se, tão somente uma melhoria na sua condição de vida, que é inclusive um dos requisitos para o exercício deste direito.

Nesse sentido posiciona-se Fábio Zambitte Ibrahim no sentido de que é injustificável defender a irreversibilidade absoluta do ato jurídico perfeito contra o segurado, pois a Constituição assegura a este o direito à liberdade, incluindo a liberdade de trabalho, garantindo ao trabalhador os benefícios sociais, incluindo, portanto, o direito à previdência. Vale salientar ainda mais que deve ser afastado o disposto no art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios.[94] Este dispõe que:

A normatização constitucional visa, com tais preceitos, assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar a fruição dos mesmos. O entendimento contrário viola frontalmente o que se busca na Lei Maior. Segurança Jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das relações sobre as quais há a incidência da norma jurídica, mas, muito pelo contrário, a garantia da preservação do direito[95]

Valioso é o entendimento da Procuradoria Geral da República ao defender que:

Os direitos fundamentais são normas definidas pela outorga de garantias contra o Estado, nos clássicos direitos negativos. O advento dos modernos direitos fundamentais a prestações, à proteção e às garantias institucionais não alterou os termos do problema. Também neles, o particular é o titular do direito, enquanto o Estado, o sujeito obrigado, para empregar a linguagem da teoria geral do direito. Segundo a fórmula deliberadamente concisa de Pieroth e Schlink, nisso está “o conceito comum dos direitos fundamentais: eles são direitos do indivíduo e obrigam o Estado[96]

Seguindo o entendimento de que o direito aos benefícios tem natureza de direito fundamental e o implemento de novas contribuições, entendo não existir problema algum em o ato administrativo, ora deferido, ser modificado. Neste sentido segue entendimento de Marco Aurélio Serau Junior:

A desaposentação apresenta-se como algo próximo da autotutela administrativa, em virtude de alteração das circunstâncias fáticas, só que, neste caso, fundamentalmente em benefício dos segurados. Considerada a desaposentação como parte do Direito Previdenciário, ganha status de Direito Fundamental.

(…)

A Desaposentação, sob todas as formas em que seja tratada, afigura-se viável juridicamente, sendo mais adequado tratá-la como transformação de ato administrativo, em virtude de novas circunstâncias fáticas do que como extinção ou desconstituição de ato administrativo[97]

Este princípio, conforme demonstrado anteriormente, vem sendo afastado pela jurisprudência nos casos relativos a desaposentação, baseando-se na premissa de que os benefícios recebidos mensalmente tratam-se de direitos patrimoniais e, em consequência, renunciáveis. A título exemplificativo, esta noção é recepcionada nos seguintes julgados: RE 656.268, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, e no RE 661.256, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, em que foi reconhecida a repercussão geral do tema.

Ocorre que esta noção dos benefícios como direitos patrimoniais disponíveis, embora largamente aceita pela doutrina e jurisprudência, é incorreta e demasiado perigosa. Neste sentido, aproximo minha noção àquela defendida pelo professor Marco Aurélio Serau Junior, que entende que:

As aposentadorias são verdadeiros direitos fundamentais, por isso mesmo imprescritíveis, inalienáveis, de exigibilidade imediata e através do Poder Judiciário, irrenunciáveis; materializando-se, todavia, pecuniariamente, o que não se confunde, porém, com sua própria natureza. (…)

Sendo as aposentadorias um tipo de direito apenas patrimonial e disponível, não haverá mal algum em qualquer tipo de restrição indevida ou sua supressão, assim como, no particular, exigir-se a devolução dos valores recebidos como primeira aposentadoria[98]

Entendendo, como Marco Aurélio Serau Junior, a aposentadoria como um direito social fundamental, além de ser necessária a sua caracterização como direito indisponível, acolhendo a noção de que:

O Estado não pode invocar direito fundamental contra os particulares; menos ainda para lhes restringir direitos: o poder público é sujeito obrigado – e não titular – de direitos fundamentais, que não comportam tal inversão teleológica[99]    

O Princípio da unicidade veda o recebimento de duas aposentações concomitantes, estando previsto nos arts. 18, § 2º e 124, II da Lei 8.213, in verbis:

Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.

Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:

II - duas ou mais aposentadorias[100]

Este princípio visa vedar a dupla aposentadoria do aposentado que retorne ao trabalho, porém, a desaposentação não visa o recebimento de duas aposentadorias. Através do citado instituto, o segurado busca apenas a melhoria do benefício a que faz jus.

Valiosa a lição do ilustre professor Wladimir Martinez, ao defender que:

Possivelmente o legislador quis com esse bis in idem reforçar a ideia da acumulação indevida, mas a desaposentação não é nada disso. Quando operada dentro do RGPS praticamente adota a natureza de uma revisão de cálculo da renda mensal mantida com o cômputo das contribuições vertidas após a aposentação[101]

Contudo, chamada a se manifestar nos autos do Recurso Extraordinário 661.256/SC, a Procuradoria Geral da República, na pessoa do seu Subprocurador-Geral, Odim Brandão Ferreira, posicionou-se pela possibilidade do instituto da desaposentação e pela Inconstitucionalidade do art. 18, §2º, da Lei 8.213, conforme extrai-se dos seguintes trechos do Parecer:

Licitude da consideração do tempo de trabalho e de contribuição prestado pelo aposentado do regime geral de previdência social para a concessão de nova aposentadoria após a renúncia a benefício da mesma espécie concedido em condições menos vantajosas.

(...)

Inconstitucionalidade do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991, por atentar contra o equilíbrio que há de existir entre os aportes dos trabalhadores à previdência social e os benefícios dela recebidos: ao pagamento de contribuição previdenciária pelo retorno ao trabalho correspondem apenas dois direitos de exercício estatisticamente incapazes de justificar a massa de tributos recolhida.

Nova causa de inconstitucionalidade da norma citada, por ofensa à isonomia: malgrado contribuam em pé de igualdade com os demais trabalhadores para o financiamento da seguridade social, os aposentados que retornam ao trabalho têm apenas parte ínfima do plexo de direitos assegurados a seus paradigmas[102]

Ademais, o Parecer se posicionou pela anulação do acórdão do TRF4, que concedeu a melhoria da aposentadoria aos autores, e o julgado do STJ[103], que os dispensou de restituir ao poder público federal as quantias auferidas em razão da aposentadoria menos vantajosa, se posicionando no sentido de que:

O art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991, nas redações original e das Leis 9.032/1995 e 9.528/1997, obsta ao emprego do tempo de contribuição posterior à aposentadoria para a melhora dessa espécie de benefício: a procedência do pedido só pode advir da declaração de inconstitucionalidade da referida norma, de modo que ambos os acórdãos recorridos violaram o art. 97 da Constituição e a SV 10 do STF, ao terem concedido o pleito, sem a declaração de invalidade das normas citadas pelos órgãos especiais do STJ e do TRF4[104]

Dessa forma, observa-se que, praticamente, não mais existem fatores contrários ao deferimento da Desaposentação. Porém, entendo ser extremamente perigosa a definição das aposentadorias como direitos de natureza patrimonial, pois as aposentadorias estariam mais suscetíveis a desmandos do Estado.

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Sobre o autor
Raphael Craveiro

Advogado inscrito no quadro da OAB Seccional Piauí sob o número 12.890. Experiência profissional junto à: TRF 1ª Região (projeto de extensão em direito previdenciário), Procuradoria da União, DPE-PI, Juizado da Infância e Juventude do TJ-PI, Gab. 4ª Vara Cível do TJ-PI Pós-graduando em Direito Previdenciário e em Regime Próprio de Previdência Social.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRAVEIRO, Raphael. Desaposentação: um direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4378, 27 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38711. Acesso em: 8 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso, com o objetivo de concluir o Curso de Bacharelado em Direito, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Piauí sob a orientação do Professor Éfren Paulo Porfírio de Sá Lima.

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