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STF: Ministério Público pode promover investigações criminais

22/05/2015 às 13:12
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Segundo entendimento do STF, o MP pode, sim, proceder às investigações criminais, ganhando novo rumo a antiga discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. Faz-se, aqui, uma análise crítica e apontamentos históricos acerca dos poderes do Parquet.

Depois de pelo menos 10 anos de discussão o STF (14/5/15) consolidou o entendimento (jurisprudencial) de que a Constituição brasileira confere ao Ministério Público poderes (legitimidade) para promover, por autoridade e iniciativa próprias e por prazo razoável, investigação criminal. Expressamente esse poder não existe na letra original da Constituição. Mas uma coisa é o que ela escreve expressamente, outra como ela é interpretada. O Plenário do STF negou provimento (por sete votos a quatro) ao RE 593.727, com repercussão geral (a decisão não é vinculante como uma súmula dessa natureza, mas tem o valor de orientação geral – ela sinaliza o rumo do direito). Para todos os processos que estavam suspensos (por causa da polêmica) vale a decisão do Plenário da Corte. Já não é (ou não é apenas) a Resolução 13 do CNMP que regula tal investigação, mas, sim, o entendimento consolidado do Plenário do STF.

Mas, os poderes investigativos criminais do MP têm limites (lapidar nesse sentido o voto do ministro Celso de Mello): devem ser respeitados os direitos e garantias fundamentais dos investigados (ou seja: as garantias do Estado de Direito previstos nas leis, na Constituição e nos tratados internacionais); tudo deve ser necessariamente documentado e praticado por membros do MP (ou sob sua direta responsabilidade). Há incontáveis técnicas investigativas que estão sujeitas à reserva constitucional de jurisdição (tais como: interceptação telefônica, busca domiciliar etc.). Nada disso pode ser violado (sob pena de nulidade do ato). Todas as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados (acesso ao procedimento escrito, por exemplo, por força da Súmula Vinculante 14) devem ser rigorosamente observadas. Foi destacada, ainda, a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos. Esse é o sistema de freios e contrapesos (para que não haja nenhum tipo de abuso).

Depois que os ingleses derrubaram o rei Jaime II (século XVII) e logo que os franceses cortaram a cabeça de Luís XVI (1789), não existe ninguém no Estado de Direito com poderes ilimitados. Não se fala em soberano nas Repúblicas. Lord Acton afirmou que “o poder tende a corromper – e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Com essa afirmação sobre o poder político ou qualquer outro tipo de poder nas repúblicas, Lord Acton disse que a autoridade política ou qualquer outra autoridade, nas sociedades humanas, em função apenas e tão somente de sua existência, tende a danificar as relações entre seres que deveriam ser iguais (tanto formal como materialmente, no ponto máximo que a luta histórica permitir).

As atribuições da polícia e do Ministério Público não são diferentes, mas complementares, ressaltou a ministra Cármen Lúcia. Senso assim, “quanto mais as instituições atuarem em conjunto, tanto melhor”. Sumamente relevante essa observação da ministra citada. A doutrina da tripartição dos poderes do velho Montesquieu está sepultada. Os poderes (na era pós-moderna, sobretudo) são dois (não três): o político-econômico-financeiro (que engloba o Executivo e o Legislativo, ambos geralmente “comprados” pelas classes dominantes poderosas) e o Poder Jurídico de controle. Os poderosos econômicos sequestraram o poder político (comprando-o por meio do financiamento das suas campanhas eleitorais). Esses poderes se unificaram (são das classes dominantes). Usam e abusam dele. Daí a imperiosa necessidade de controle externo, que compete ao Poder Jurídico, composto pela polícia investigativa, pelo Ministério Público e pela Magistratura. Quanto mais cizânias institucionais (já são 28 as ADIs no STF discutindo os limites do MP), melhor para os desmandos violentos ou corruptivos das bandas podres do grande poder (político-econômico e financeiro).

Para alguns ministros (Peluzo, Dias Toffoli e Lewandowski) os poderes investigativos do MP deveriam existir apenas em situações excepcionais. Marco Aurélio discorda totalmente de qualquer poder investigativo do MP. Todos ficaram vencidos. Portanto, por força da decisão da maioria (Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia), pode o MP investigar qualquer crime (mas tudo deve ser feito dentro dos estreitos limites do Estado de Direito). O sistema Guardião do MP (“O Grande Irmão”), revalidado em 28/4/15 pelo CNMP, permite que essa instituição faça interceptações telefônicas sem ordem de juiz ou com ordens totalmente genéricas. Nesse ponto o Estado de Direito está evidentemente violado (trata-se de medida inconstitucional – por falta de ordem judicial concreta – e ilegal – por falta de lei a respeito, que só pode emanar da União, por se tratar de norma processual).

Outra lição que se extrai do Plenário do STF: a jurisprudência, particularmente a interpretativa da Constituição, indiscutivelmente é fonte do direito (veja nosso livro Curso de Direito Penal-PG, 2015, Juspodivum). É ela que consolidou o poder de investigação do MP no campo criminal, interpretando os dispositivos constitucionais relacionados. Expressamente a Carta Maior nada diz sobre o tema. A conclusão final é fruto do trabalho interpretativo, com o que se comprova que a construção do direito vai do constituinte à cabeça do juiz, passando pelo legislador e demais interpretes constitucionais (Villey).

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  1. O poder investigativo criminal do MP (por meio dos Procedimentos de Investigações Criminais – PICs) está, agora, constitucionalmente validado, o que é bom para a segurança jurídica; mas não pode haver abusos (violadores do Estado de Direito);
  2. Desde 1988 o MP conta com amplos poderes de controle dos poderes constituídos. Já tinha poder de investigação civil (inquéritos e ações civis). Agora, também pode investigar no campo criminal (particularmente nos casos de corrupção), por força da interpretação do STF;
  3. Enquanto o poder investigativo do MP estava fulcrado somente numa Resolução do CNMP (n.13) tudo era questionável;
  4. Antes da 1ª Constituição (1824) o MP era mero procurador do rei (não era o dono da ação penal); ganhou essa legitimidade com a referida Constituição e essa atuação se consolidou com o Código de Processo Criminal do Império (1832), assim como com a reforma de 1841 (Mazzilli, citado por Anna Karinna Cavalcante Silva, O poder investigativo do MP); com a Constituição de 1934 o MP ganhou força institucional; o CPP de 1941 ampliou seus poderes na investigação; a CF de 1988 conceitua o Ministério Público como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, estabelece garantias e prerrogativas e lhe atribui várias competências;
  5. Segundo Anna Karinna (citada) “a investigação criminal é o objeto do inquérito policial, que foi estruturado no Direito brasileiro pelo decreto nº4.824 de 1871; o inquérito policial surgiu fruto de uma preocupação do Estado monárquico com os direitos e garantias individuais, pois era comum haver abusos por parte de autoridades com função judicante de formação de culpa; foi criado definitivamente pela Lei 2.033, de 1871; com seu surgimento foram separadas oficialmente as funções de polícia e de jurisdição; seu objetivo é colher elementos necessários para instrumentalizar a pretensão acusatória ou seu devido arquivamento, garantindo eficaz funcionamento da justiça penal;
  6. Não é indispensável o inquérito policial, pois verifica-se que o Ministério Público pode intentar ação penal sem tal procedimento (quando conta com provas mínimas sobre um delito); o Ministério Público tem como função institucional, prevista expressamente pela Constituição, o exercício do controle externo da atividade policial, na forma de lei complementar. Assim, O MP atua como órgão fiscalizador da atividade de polícia, controlando a realização dos atos para evitar ilegalidades;
  7. A lei complementar citada é a da organização do MP nº 75/1993 e, que por determinação da Lei8.625/93, aplica-se aos Estados subsidiariamente;
  8. O controle externo do inquérito, além do MP, passa pelas mãos do judiciário, que evita abusos de investigações e procedimentos sem fim;
  9. O Ministério Público no Brasil é uma instituição de extrema importância e consideração pública, por sua atuação em defesa da lei e da sociedade. Dever que precisa ser exercido com ética e eficiência, mantendo-se dentro dos estritos contornos de suas funções institucionais, sob pena de extrapolar os limites legais e desobedecer ao próprio sistema jurídico cujo seu papel é honrar, preservar e defender;
  10. Não há nenhum artigo na Constituição que cuide da investigação criminal diretamente pelo MP. Pelo contrário: ela deixou claro que, no caso dessa instituição, pode apenas promover o inquérito civil. Enquanto no campo penal, pode atuar exercendo o controle externo da atividade policial e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial a essa mesma autoridade da polícia judiciária;
  11. Vê-se, à margem de qualquer dúvida razoável, que a Constituiçãonão conferiu ao Ministério Público a função de apuração preliminar de infrações penais, de modo que seria fraudá-las todas (fraus constitucionais) extrair a fórceps tal competência (PELUSO, 2013, pág. 1079); a teoria dos poderes implícitos sempre foi extremamente questionada;
  12. Como se vê o sistema inquisitivo demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito e por isso acabou sendo substituído nas legislações modernas que visam garantir aos cidadãos respeito e dignidade da pessoa humana;
  13. Pois bem: não se deve ter a ilusão de que o desempenho, pelo Ministério Público, do papel que hoje cabe à Polícia, manteria o Parquet imune aos mesmos riscos de arbitrariedades, abusos, violência e contágio. (veja Anna Karinna, citada) (BARROSO, L. R. Apud SILVA, 2011, p. 1156);
  14. Esse procedimento não poderá ser realizado à margem do controle judicial e, sim, com regras em analogia ao inquérito policial, o que reforça a ideia de que o MP não pode seguir tão somente a tal Resolução 13, criada pelo próprio Conselho da Instituição, que permite a instalação de Procedimento de Investigação Criminal somente com controle interno feito pelo Procurador Geral do MP;
  15. Com a jurisprudência do STF o assunto se consolidou. Contra qualquer juiz que questionar o assunto caberá Reclamação ao STF para dirimir prontamente a questão. Mas atenção: o STF reconheceu poderes investigativos criminais ao MP, mas também sublinhou seus limites (que é o Estado de Direito).
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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. STF: Ministério Público pode promover investigações criminais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4342, 22 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39360. Acesso em: 2 nov. 2024.

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