A impunidade e a busca por verdadeiras soluções

25/05/2015 às 11:09
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O sentimento de impunidade gera, muitas vezes, reações um tanto quanto exageradas da população no sentido de pôr fim à violência urbana. Quais seriam as medidas corretas a serem tomadas?

Os índices de criminalidade crescem diuturnamente em nosso país. A sociedade não sabe mais o que fazer diante de tanta barbárie.

Diante deste contexto, surgem aqueles que defendem a redução da maioridade penal, pena de morte, pena de prisão perpétua e, ainda, há aqueles, mais revolucionários, que defendem a liberação do porte de armas para que o embate ("pessoa de bem" x "bandido") fique mais "equânime".

Não condeno os que pensam assim, pois o que há, de fato, na sociedade, é um sentimento de vingança, que nasce, inevitavelmente, em virtude de outro sentimento, o da impunidade!

Através de uma rápida pesquisa pelas redes sociais, TVs, rádios, revistas e internet, podemos verificar uma grande quantidade de pessoas que, repito, defendem a redução da maioridade penal, prisão perpétua, pena de morte e, até mesmo, a liberação do porte de arma de fogo, como se tais fatos fossem o suficiente para solucionar o problema da violência urbana.

Vou me ater apenas a algumas questões lógicas para rechaçar essas teorias, apartando-me por completo de comparações com outros países mais desenvolvidos, como, atualmente, muitos fazem.

A propósito, comparar o Brasil com Suíça, Finlândia, EUA, Suécia e demais países europeus desenvolvidos, considerados como "exemplos", parece-me um tanto quanto sem sentido, vez que a evolução de tais países europeus envolve questões culturais bem mais complexas do que a simples análise de fatos e/ou questões isoladas.

Pois bem, o que dizer da redução da maioridade penal? Ora, se reduzirmos a maioridade penal para 16 anos, serão recrutados os de 15, 14, 13, 12, 11, 10, 9 anos, sucessivamente. Como dizia minha amada "vovó": "É enxugar gelo!".

Aliás, é de sapiência comum que o Estado brasileiro, há anos, não se preocupa em construir novos presídios, e os existentes, diga-se de passagem, já se encontram em situações catastróficas (superlotação e estrutura precária), anulando, por completo, qualquer possibilidade de ressocialização do indivíduo preso. Logo, qual seria a perspectiva do atual cenário quanto a um iminente aumento considerável dessa população carcerária? Seria o sistema carcerário capaz de receber uma quantidade ainda maior de delinquentes sem, antes de tudo, rediscutir toda a logística atual do sistema carcerário brasileiro? Há discussões nesse sentido? O que de fato acabaria por legitimar o Estado brasileiro a reduzir a maioridade penal? Sendo a redução da maioridade penal aplicada, com base no presente sistema carcerário brasileiro, as prisões seriam realmente efetivadas/cumpridas? Não iríamos nos deparar, mais cedo ou mais tarde, com o mesmo sentimento de impunidade que atualmente enfrentamos?

No que tange à prisão perpétua, eu voltaria às mesmas indagações do parágrafo acima. Teria o atual sistema carcerário brasileiro capacidade para fazer com que um delinquente realmente cumprisse a pena? Uma vez instituída a prisão perpétua em nosso país, na vigência do atual sistema carcerário, não estaríamos novamente na iminência de nos depararmos com o "fantasma" da impunidade, vez que não teríamos condições logísticas para fazer cumprir a referida pena? Há discussões neste sentido?

Quanto à pena de morte, não obstante ser absurda, também não vejo uma discussão sobre a logística necessária para aplicação da mesma. Ora, é preciso se atentar para o fato de que o sentimento de impunidade não pode dar lugar ao cumprimento de uma pena que é instantânea e tem um alto grau de risco de equívocos que jamais poderão ser corrigidos.

Basta lembrar os inúmeros casos de condenações equivocadas que o judiciário brasileiro já proferiu, e que nenhum valor indenizatório foi o suficiente para reparar o erro/dano. Mas, claro, estamos falando de uma pena privativa de liberdade em que o indivíduo ainda se encontra com vida; logo, o que dizer de um eventual equívoco no que tange à aplicação da pena de morte, em que não há, sequer, como indenizar o indivíduo, vez que ainda não foi comprovada a existência do instituto da "reencarnação"?

No que tange à liberação do porte de armas de fogo, mais precisamente com a revogação do Estatuto do Desarmamento, estaríamos cometendo o mesmo equívoco do estatuto ora questionado, qual seja, acreditar que uma única medida legislativa seria o suficiente para pôr fim a uma questão tão complexa como a violência urbana, que exige uma série de medidas legislativas, sociais e econômicas para ser realmente extirpada.

A propósito, não acredito que uma população armada resolveria um problema que tem como principal fator a impunidade.

Nenhum problema, seja ele qual for, é resolvido com medidas que não visam combater o foco principal, seu epicentro. Não se combate uma gripe com antibiótico, uma inflamação com analgésico ou uma dor com anti-inflamatório. Da mesma forma que não se pode começar uma construção pelo teto, ou calçar um sapato antes das meias.

Precisamos discutir medidas que vão realmente atacar o problema central da violência urbana, qual seja, a impunidade.

Discursos sensacionalistas que têm visões "micro" (e não "macro") do problema servem apenas para gerar grandes polêmicas que não terão eficácia prática alguma, a não ser alguns "likes" ("curtidas"), "compartilhamentos", adeptos, nas "fanpages" que, querendo ou não, acabam por se tornarem um grande arsenal para as futuras eleições. Afinal de contas, quem não almeja uma popularidade alta para, depois, tentar um cargo eletivo em Brasília?

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A questão não passa somente por alterações na legislação penal, é preciso também refletir sobre certas garantias constitucionais que estão sendo banalizadas de forma intencional, no intuito de assegurar, ou melhor, procrastinar um eventual processo penal e, consequentemente, o cumprimento de pena, o que acaba por qualificar a impunidade.

Sendo assim, somente com alterações urgentes e significativas na legislação constitucional e infraconstitucional, no sentido de realmente fazer com que a pena privativa de liberdade seja aplicada, em sua integralidade, somado a uma nova roupagem do sistema carcerário brasileiro, com investimento em sua infraestrutura, no afã de realmente ressocializar o infrator penal, darão uma solução prática e eficaz à questão da violência urbana, colocando um verdadeiro fim na impunidade.

Claro que sem nos esquecermos das questões sociais e educacionais que também são tão importantes quanto.

Muitos podem considerar essas medidas utópicas. Porém, sempre acreditei que a utopia não pode ser qualificada pela inércia. Se os apelos da população, referente à adoção de tais medidas, tivessem a mesma proporção daquelas que estão sendo criticadas neste texto (pena de morte, prisão perpétua, liberação do porte de arma, redução da maioridade), sem dúvida alguma teríamos resultados bem mais eficazes.

Só assim o Brasil estaria legitimado a discutir outras espécies de penas ou medidas de combate à violência urbana, por mais absurdas que elas sejam!

Afinal de contas, a legitimidade é uma característica fundamental da democracia.

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Sobre o autor
Thiago Cardoso

Advogado, professor universitário, graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Público pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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