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Comissões Parlamentares de Inquérito: o contraditório, o uso político e a influência no cenário político brasileiro

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30/06/2015 às 10:10

Resumo:


  • As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são mecanismos fundamentais para a fiscalização do Poder Legislativo, frequentemente abordadas pela mídia e utilizadas como objeto de troca de favores políticos.

  • Apesar de possuírem poderes específicos e serem imunes ao contraditório e à ampla defesa, as CPIs podem ser manipuladas para fins políticos e eleitorais, sendo necessário avaliar suas inconsistências práticas.

  • As CPIs, apesar de representarem a garantia de direitos das minorias no Congresso, podem ser deturpadas e utilizadas de forma inadequada, levantando questões sobre sua legitimidade e uso prático no cenário político brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Muitas das falhas das CPIs não se relacionam diretamente com as características do instituto. O fato de serem usadas por alguns como objeto de ameaça traz à tona a ideia sua significância como instrumento de controle.

Resumo: As Comissões Parlamentares de Inquérito, popularmente abreviadas “CPIs”, são mecanismo importantíssimo de manifestação da função fiscalizatória do Poder Legislativo, e estão presentes em peso na vida política do brasileiro, sendo frequentemente pauta midiática no país. Ainda que provindas de texto constitucional, tais comissões tem poderes específicos e são imunes ao princípio do contraditório e da ampla defesa, além de serem constantemente utilizadas como objeto de troca de favores políticos e de manipulação do contexto político-eleitoral do país, além de mecanismo de demonstração de força entre os grandes partidos políticos. Busca-se, então, entender melhor o papel das CPIs no ordenamento jurídico brasileiro e explorar suas possíveis inconsistências práticas, por meio da análise de texto legal e de material de cunho midiático. Em seguida, advoga pelo uso legítimo de fator tão central na política brasileira, de modo que as CPIs, supostamente garantidoras de direito de minoria no Congresso, não sejam utilizadas para deturpar o sistema que deveriam corrigir e manter.

Palavras-Chave: Comissões Parlamentares de Inquérito, CPI, Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, Uso Político da CPI

Sumário: I. Introdução; II. Breve análise das Comissões Parlamentares de Inquérito; III. O Contraditório e Ampla Defesa na CPI; IV. O Uso Político das CPIs; V. Conclusão; IV. Bibliografia


I. Introdução

Poucos temas causam tanta comoção no cenário político e midiático brasileiro quanto as Comissões Parlamentares de Inquérito ou CPIs.  A princípio, tais comissões seriam mecanismo de força Constitucional garantidor de direitos de minorias, de objetivo fiscalizatório, criadas para apurar matéria que a deu início; necessárias, pois, para evitar quaisquer irregularidades ou abusos de qualquer tipo na máquina política do País – uma materialização da função fiscalizatória do poder Legislativo (e de sua função atípica de julgar, que é, aqui, plenamente exemplificada).

O teor fiscalizatório, porém, leva a uma incerteza: O que garantirá a autenticidade da CPI, se ela já é o mecanismo possível para manifestação de direito, de minoria, de se apurar matérias políticas? Unido à notável unilateralidade do processo, além, várias incertezas surgem, como sobre a legitimidade de um processo que não atende ao direito ao contraditório. Ainda, sobre os métodos que seriam utilizados para garantir que mecanismo tão louvável e necessário não fosse utilizado em prol de interesses obscuros, como moeda de compra e venda de favores, similarmente a muitos dos casos que elas se propõem a investigar.

Em 1992, a CPI do PC, que tratava sobre as suspeitas de tráfico de influência por PC Farias, assessor do ex-presidente Fernando Collor de Melo, gerou relatório que levaria ao processo de impeachment do Presidente; em 2000, a CPI do Futebol, tema de extrema importância ao brasileiro, trouxe à tona diversas irregularidades relacionadas à venda de jogadores para o exterior e em contratos com patrocinadores; em 2005, foi instaurada a CPI do Mensalão, uma das mais bem noticiadas da história, que tratou sobre apoio financeiro dado a políticos em troca de apoio parlamentar. Recentemente, teríamos ainda a instauração da CPI da Petrobras, que vem ganhando a mídia no primeiro semestre de 2015, tratando sobre supostas propinas recebidas por políticos em troca de benefícios garantidos à estatal.  Quatro exemplos que representam apenas parcela das existentes, percorrendo mais de 10 anos já são suficientes para mostrar a significância das Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil. São muitas, e muitas mais em curso e planejamento, o que incita, no mínimo, a necessidade de se avaliar seus métodos e sua efetividade.

Não há que se falar sobre a necessidade de apuração sobre fatos difusos na política. As CPIs devem funcionar como peneira, expondo quaisquer impurezas que, se deixadas ao favor da maioria, seriam ignoradas. É preciso, porém, entender como elas funcionarão e se seus métodos serão, realmente, usados em prol da justiça e do bom funcionamento da Constituição. A partir do ponto em que a própria comissão torna-se impura, ela perde seus motivos e torna-se justamente o que ela buscaria, na teoria, impedir e expor.

Quais devem ser os limites impostos à atuação das CPIs? Até que ponto a unilateralidade da investigação parlamentar é utilizada de modo justo, a fim de construir relatório e buscar por aplicação do Direito e não de modo a permear injustiça e materialização de direitos de uma maioria? As comissões parlamentares de inquérito são mecanismo extremamente útil ao Estado, mas é necessário não apenas seu perfeito entendimento como a capacidade de criticá-las de modo que seu objetivo-fim jamais seja deturpado.


II. Breve análise das Comissões Parlamentares de Inquérito

A origem das Comissões Parlamentares de Inquérito se deu nas proximidades do século XVII, no contexto da Câmara dos Comuns na Inglaterra, como registra Nelson de Souza Sampaio (p. 10, 1964). No Brasil, apareceriam expressamente pela primeira vez na Constituição de 1934, sob competência exclusiva da Câmara dos Deputados para instalação dos processos investigativos. Foi na Constituição de 46 que, pela primeira vez, tomaram formato similar ao vigente em seu art.53, que previa sobre a competência tanto do Senado Federal quanto da Câmara dos Deputado para tratar de comissões de inquérito.

As CPIs são manifestação de uma das maiores contribuições do Legislativo ao processo político, segundo Bernardo Brasil Campinho (2000, p. 1): O controle político dos atos praticados pelo governo. Tal controle é necessário devido ao ideal buscado de harmonia entre os poderes que compõem o Estado. O princípio da separação dos poderes assegura a importância de um poder exercer controle em relação a outro (ainda que sem interferência exagerada, exorbitante) de modo a garantir o bom funcionamento de ambos: a limitação do poder resulta na coibição de abusos e na liberdade dos indivíduos. Nota-se, pois, que a autonomia e independência dos poderes se pauta em relação de harmonia e interdependência: eles não podem existir de modo saudável uns sem os outros. São, pois, um dos modos de garantir-se o bom funcionamento da maquina do Estado. O Poder Legislativo a usa não apenas para controle político, como dito, mas como manifestação de sua função de fiscalização.

É necessário, então, que entendamos o modo como as comissões de inquérito farão valer seu objetivo fiscalizatório, que está exposto no art. 58, §3º /CF88:

 Art. 58, §3º: As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

São comissões temporárias e tratam de matéria especial, sendo convocadas para apurar fatos específicos e determinados que afetem a saúde Constitucional da nação, sem qualquer objetivo ou abertura para apuração de matérias externas à sua dada competência. Ainda que sejam instituídas por meio da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (ou, ainda, de forma conjunta, pelo Presidente do Congresso, quando se configuram comissões mistas), são sempre autônomas em seus atos, estando, inclusive, acima das autoridades congressuais. Foi-lhes conferida, além, poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. São alguns seus poderes, destacados de modo a exemplificar seu âmbito: o de tomar depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas e requisitar informações e documentos de repartições públicas e autarquias.

Nota-se que as comissões serão criadas “para a apuração de fato determinado”. Este fato (ou fatos, precisos) será indicado expressamente quando da instauração da CPI, com delimitações exatas: a comissão não poderá extrapolar seu âmbito de atuação e investigar ou apurar sobre fatos que não lhes competem. Sobre isso, José Alfredo de Oliveira Baracho (2001, p. 120) expõe:

“Entende-se que são [fatos] de ordem pública, política, econômica e social. [...] de relevantes interesses para a vida constitucional, legal, econômica e social, devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão a ser criada.[...] A ação precisa levará a uma conclusão clara e eficiente.”

Há também o que se dizer sobre os chamados “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. O termo é difuso – ainda que os poderes investigatórios da CPI sejam, sim, próximos dos das autoridades judiciais, são limitados: as comissões não têm direito de praticar atos como, por exemplo, de prisão (salvo em flagrante) ou busca e apreensão domiciliar, segundo entendimento do STF (STF, MS 23.466, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, 01/06/1999, p. 18). Temos então que, apesar de autônomas e com poderes amplos servindo ao seu objetivo fiscalizatório e investigatório, as CPIs não têm poderes ilimitados ou necessariamente superiores aos de autoridades judiciais, estando sujeitos ao regime jurídico-constitucional e aos princípios Constitucionais, principalmente, e dimensionados pelos poderes atribuídos ao Congresso.

Como não têm competência para julgar, pois, as comissões funcionam como mecanismo auxiliar à aplicação da justiça. Ao fim de sua vigência, formulam relatório que é encaminhado ao Ministério Público para que, finalmente, os infratores sejam sujeitos ao Poder Judiciário. Nota-se também que este Poder não tem competência para realizar controle jurisdicional das CPIs, mas esta, apesar de provinda do Poder Legislativo, não poderá ignorar a máquina estatal como um todo, e seus atos devem estar sempre em observância à Constituição, aos direitos e garantias fundamentais e possíveis princípios que regulem sobre determinada matéria. Caso haja violação desses princípios, é possível que o Poder Judiciário se apresente de modo a trazer a violação à controle jurisdicional.

Dentre os pontos centrais da Comissão Parlamentar de Inquérito, temos observação de suma importância: Um dos requisitos indispensáveis à sua instituição será o requerimento e instalação por solicitação de 1/3 dos membros da respectiva Casa (ou de 1/3 de ambas as Casas, quando CPI mista). A partir disto, a instalação da CPI não poderá ser obstaculizada por quaisquer órgãos das respectivas Casas.

Tais requisitos acarretam na garantia, a priori, das comissões parlamentares de inquérito como mecanismo para proteção garantia de minorias. Desde o quórum específico para instauração à impossibilidade de travamento externo, nota-se cenário propício à defesa de interesses em contramão ao majoritário, o que é de enorme significado, já que as CPIs buscam apurar sobre temas tocantes em abusos e irregularidades cometidos dentro do Governo, que, frequentemente, é composto de maiorias com vigor parlamentar. Pode-se dizer que são uma “carta na manga” das minorias, que não teriam modos de investigar a máquina estatal sem o instituto da CPI, que garante que a minoria e oposição tenham modos de proteger o exercício da democracia, inclusive contra as maiorias. Ainda que a existência de mecanismo direcionado aos direitos de minorias seja extremamente louvável, os pormenores do funcionamento das CPIs levantam diversas questões quanto à sua legitimidade e uso prático – até onde a garantia de parcelas minoritárias é real, e não mera cortina de fumaça escondendo reais interesses obscuros.

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Convém trazer a tona característica do sistema adotado, pelo menos em fases, pelas Comissões Parlamentar de Inquérito: o sistema inquisitorial, em que a comissão está ativamente envolvida na investigação dos fatos e na busca pela “verdade real”, em vista de possível uso em futuro processo penal. Há extrema concentração de poder nas mãos do órgão inquisitório, fato que pode acarretar em inobservância do princípio do contraditório e da ampla defesa, a seguir comentados, e, claro, levantam ainda mais dúvidas sobre o real uso das CPIs no cenário político brasileiro, visto o modo pétreo e ferrenho como é levado o processo.


III. O Contraditório e Ampla Defesa na CPI

As Comissões Parlamentares de Inquérito, apesar de sua autonomia e relativa independência, jamais deixariam de estar sujeitas à Constituição Federal. Assim, se sujeitam também ao devido processo legal. Tal conceito permeia o texto da Constituição Federal, principalmente em seu art. 5º, do qual destacamos:

Art. 5º, inciso LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. (grifos nossos)

Art. 5º, inciso LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). (grifos nossos) 

O chamado devido processo legal é princípio que garante a todos direito a processo legítimo, com todas as etapas previstas em lei e suas devidas garantias, como os princípios da isonomia, inafastabilidade do controle jurisdicional ou do direito de ação, ampla defesa, etc.

Deriva do devido processo legal o princípio do contraditório e da ampla defesa, a seguir exposto: 

Art. 5º, inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes 

O contraditório se define como o direito de resposta de qualquer acusado frente a acusação que lhe foi feita – opinião contraria àquela que o opõe, e se insere no conceito de ampla defesa, mais amplo. Em razão de tal princípio, as partes em determinado processo tem igualdade de direitos e de oportunidade, seja de se manifestar, apresentar provas ou recorrer decisão. É, pois, garantia necessária para a manutenção da igualdade e liberdade.

Vicente Greco Filho (2009, p. 249) sintetiza o conceito, tomando por base o Direito Processual Penal:

"O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável."

Ainda, Humberto Theodoro Júnior (2007) defende que o princípio se manifesta com base no princípio da igualdade substancial, devendo as partes serem postas a expor suas razões. Em suma, o direito ao contraditório se resume na oportunidade de ser apreciado em juízo frente acusação; de produzir provas contrárias e questionar as que forem produzidas; de acompanhar o processo e recorrer de decisão.

O sistema utilizado pelas CPIs, porém, é inquisitório e, portanto, não admite o princípio do contraditório. Isso se dá pois o processo adotado pelas CPIs é dito “administrativo” e não impõe sanções ao final dos trabalhos, se resumindo a compor relatório que será enviado ao Ministério Público, dado denominado pelo STF como Unilateralidade de Investigação Parlamentar. Cabe anotar, porém, que numerosa jurisprudência do Supremo Tribunal já declarou que tais fatos não dão poder ao Estado de agir arbitrariamente ou transgredir direitos durante o processo de inquérito:

“(...) as CPIs, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as CPIs somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes, especialmente no que concerne ao necessário respeito às prerrogativas que o ordenamento positivo do Estado confere aos advogados. (...) a presença do advogado em qualquer procedimento estatal, independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em consequência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial. (...) não se revela legítimo opor, ao advogado, restrições, que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado, inclusive perante as próprias CPIs.” (MS 30.906-MC, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-10-2011, DJE de 10-10-2011.)

Ainda assim, não é permitido ao acusado ampla possibilidade de defesa, questionamento de provas oferecidas ou produção de novas; o inquérito, ao fim, acaba servindo para que o Ministério Público apure e forme entendimento sobre o fato determinado para, caso deseje e tenha base para tal, abra processo futuramente, não sendo o indivíduo formalmente acusado em nenhum momento anterior a isso. Vale lembrar, além, que o MP não tem obrigação de fazer uso do relatório entregue pela Comissão, podendo dispensá-lo caso já tenha provas suficientes para propor ação penal.

Ora, em ação penal, a produção de provas deve contar com acusação e defesa. O Código de Processo Penal versa, desde 2008:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Ainda sobre o Contraditório, Eugênio Pacelli Oliveira diz (2008, p. 28):

“O contraditório, portanto, junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo processo e, particularmente, do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e eqüitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal.” (grifos nossos)

Dado que as Comissões Parlamentares de Inquérito frequentemente ganhem a mídia e o poder de criar verdadeiros “inimigos” emblemáticos na política brasileira, desde os acusados na CPI do Mensalão à setores do Partido dos Trabalhadores na CPI da Petrobrás e que, apesar de garantia de direito de minoria no Congresso, há possibilidade de que elas sejam conduzidas de modo a atender a interesses dos grandes políticos e partidos, é no mínimo questionável que o inquérito parlamentar escape justamente ao exposto nesta seção.

A justificativa para a inobservância do Contraditório é ilustrada por decisão do STF, tocante na característica de procedimento inquisitivo administrativo unilateral:

“ [...] Isso significa, portanto, que a fase ritual em que presentemente se acha o procedimento de apuração sumária e preliminar dos fatos não comporta a prática do contraditório, [...] eis que a investigação promovida pela Comissão de Inquérito reveste-se, no presente momento, do caráter de unilateralidade, impregnada que se acha de inquisitividade [...] (MS 24.082-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 26-9-2001, DJ de 3-10-2001)”

Ainda que juridicamente plausível, será tal observação condizente com o contexto político Brasileiro? A inobservância do Contraditório e da Ampla Defesa, enquanto fator desnecessário (e inadmissível juridicamente) na investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito, abre portas para inúmeros possíveis abusos relacionados à manipulação do processo em direção à resultados que, mesmo que supostamente provindos da vontade de minorias, têm valor alto para indivíduos e organizações que buscam  influência e poder político, estando dispostos a corromper o mais justo do dispositivos de modo a atingir seu objetivo. O método inquisitivo, como o próprio nome sugere, elimina, a princípio, o teor imparcial (como um árbitro) do juiz, seja no âmbito das CPIs ou no Direito Processual Penal, quando se trata de inquérito policial, deixando a investigação nas mãos do tribunal, que ativamente persegue seu objetivo.

Como citado acima, o fator midiático combina-se à inobservância do Contraditório e exerce enorme influencia na psique social, criando na imagem dos acusados, sem que eles tenham tido oportunidade de defesa (na verdade, sem que tenha havido sequer processo formal), criminosos, monstros e corruptos. Isso não é dizer que, historicamente, as CPIs não tenham produzido resultados ou levado a processos legítimos: seu valor é enorme, e justamente por isso, eventuais brechas devem ser tratadas.

Tal influência no contexto político do país desemboca em grande questão sobre o apelo e a possibilidade de uso corrupto do inquérito parlamentar: o uso político como troca de vantagens e ameaças, a ser explorado a seguir.

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Sobre o autor
Gustavo Franco

Graduando em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Gustavo. Comissões Parlamentares de Inquérito: o contraditório, o uso político e a influência no cenário político brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4381, 30 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40266. Acesso em: 23 dez. 2024.

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