Redução da maioridade penal: um retrocesso na conquista de direitos.

Considerações acerca de suas prováveis consequências e a realidade do sistema carcerário brasileiro

02/07/2015 às 01:21
Leia nesta página:

Com a grande disseminação midiática dos delitos praticados por menores de 18 anos e cientes da ineficácia e não efetivação das políticas públicas propostas pelo ECA, discute-se Propostas de PECs a favor da redução da maioridade penal p/ 16 anos no Brasil.

1. Maioridade penal no Brasil em relação a outros países

O número de menores de idade envolvidos em infrações criminais no Brasil multiplicou-se, alcançando taxas preocupantes nas últimas décadas. Essa informação promove diversos debates sobre a redução da maioridade penal que, de acordo com a Constituição Federal Brasileira, é de 18 anos.


            Segundo Lya Luft:

E assim se quer disfarçar nosso incrível atraso em relação a países civilizados. No Canadá, Holanda e outros, a idade limite é de 12 anos; na Alemanha e outros, 14 anos. No Brasil, consideramos incapazes assassinos de 18 anos, onze meses e 29 dias. (LYA LUFT, 2013).

Ora, podemos até levar em consideração esse argumento de Lya Luft, porém, ao fazer essa comparação, ela não levou em consideração que, enquanto nesses países que ela tomou como exemplo, os presídios estão fechando por falta de presos, enquanto, aqui, abrem-se cada vez mais presídios por superlotação dos existentes. A criminalidade lá é baixa porque os investimentos em segurança, educação e socialização são uns dos melhores do mundo. Sem contar a comparação entre o tamanho desses países. Enquanto Aqueles têm tamanho de um Estado brasileiro, o Brasil tem dimensões continentais.

         Muitos cidadãos brasileiros brigam pela redução da maioridade penal. Mas, de acordo com Dalio Zippin Filho, essa redução é falha, pois:

Analisando a legislação de 57 países, constatou-se que apenas 17% adotam idade menor de 18 anos como definição legal de adulto. Se aceitarmos punir os adolescentes da mesma forma como fazemos com os adultos, estamos admitindo que eles devam pagar pela ineficácia do Estado, que não cumpriu a lei e não lhes deu a proteção constitucional que é seu direito. (DALIO ZIPPIN FILHO, 2013).

Porque aprovar a redução da maioridade penal se, mundialmente, pouquíssimos países aprovam essa lei? Talvez seja pela falsa impressão de “problema resolvido rapidamente”. Impressão que não passa de um erro de pensamento, pois, problemas complexos como o da criminalidade de jovens, não se resolve com um “toque de mágica” igual muitos pensam. É necessário planejamento, cuidado, e eficácia das autoridades. “Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não foi registrada redução na violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos” (FREI BETTO, 2014). De acordo com as palavras já supracitadas de Frei Betto, o Brasil quer impor uma medida já comprovada mundialmente que é falha, de que adiantaria aplicá-la então? Seria apenas para lotar mais ainda o nosso já lotado e falido sistema carcerário, para colocar essas “crianças” frente a frente com os verdadeiros criminosos. Essas que, se fossem tomadas medidas socioeducativas, poderiam ter alguma chance de ressocialização, tomada delas brutalmente ao tê-las como adultas já aos 16 anos.


2. O ECA e suas leis ultrapassadas, criada em uma época pós-ditadura

Criado em 1990, O Estatuto da Criança e do Adolescente foi considerado uma marco para o Brasil. Com leis rígidas e modernas, a legislação garantiria direitos inalienáveis aos jovens do país.
            É como afirma Aparecida de Fátima Garcia de Oliveira:

Tem muita gente que fala mal do ECA sem sequer conhecê-lo. O Estatuto diz que todas as crianças e adolescentes têm direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O Estatuto diz ainda que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público efetivar estes direitos. Isso, por acaso, é proteger demais? (APARECIDA DE FÁTIMA GARCIA DE OLIVEIRA, 2012).

            Portanto, não podemos pensar que apenas mudar a lei será a solução para todos os problemas. Será apenas o início para outros, um retrocesso para o país.

Ora, se o problema não está no ECA, então porque ele não funciona? Pois bem, o ECA está assim, pois fica em segundo plano para a  maioria dos políticos, que visam “obras que dão mais votos” o que é um erro.

O problema não é o Estatuto, é a resistência daquele que ocupa o poder, ele deve dar prioridade no orçamento público para que possa haver dinheiro para que os programas que garantam uma vida digna para a criança e o adolescente possam ser desenvolvidos. (LAILA SAID, 2009).

            É lógico que a legislação trouxe melhorias, como a criação de rede de atendimento para crianças e adolescentes. Porém, de nada adianta uma legislação eficaz, moderna, rígida, se o governo não dá devida prioridade a ela? Deixando-a sucumbir perante a falta de verbas.


            De acordo com as palavras de Aparecida de Fátima Garcia de Oliveira:

É preciso que a infância (0 a 11 anos) e a adolescência (12 a 18) possam ter as condições para desenvolver suas melhores potencialidades. Todo mundo nasce com potencial, que pode ser desenvolvido até a hora da morte, porém, sabemos que é nesta fase - infância e adolescência - que o desenvolvimento é mais intenso. Especialistas dizem que tudo o que acontece com uma criança até os 10 anos fica gravado na mente, e a adolescência é um período difícil da vida cheio de medos, contradições, incertezas. Por isso, precisamos de uma lei específica para crianças e adolescentes. (APARECIDA DE FÁTIMA GARCIA DE OLIVEIRA, 2012).

            Ninguém nasce criminoso, muito menos um pai planeja ter um filho criminoso. Portanto o debate para a redução da maioridade penal é apenas uma máscara para o verdadeiro problema: a falta de incentivo que o governo dá para a resolução do problema pela raiz. Ora, no Brasil faltam programas de inclusão, entretenimento creches, escola, educação de qualidade, entre outros. O real problema é mesmo a redução da maioridade penal? Sinceramente, acima de uma reforma no sistema penal, é preciso haver uma reforma no sistema politico brasileiro.


3. Alternativas para a redução da maioridade penal

Como é visto que a redução da maioridade penal simplesmente para 16 é comprovadamente falha, e como a grande maioria acha que a mudança na legislação é a solução para todos os problemas, podemos ter alternativas para essa alteração. É como diz Euro Bento Maciel Filho:

Não há dúvida que boa parte da sociedade acredita, ainda que sem qualquer embasamento jurídico, que a redução da maioridade penal é um dos caminhos pra solucionar os nossos altos índices de criminalidade. (EURO BENTO MACIEL FILHO, 2014).

           

Ora, é quase certeza que, só reduzindo a maioridade penal para 16 anos, nós apenas estaremos dando a oportunidade de colocar crianças menores ainda no crime, pois, com a redução da maioridade penal. Os meliantes provavelmente utilizarão esses menores de 16 “inimputáveis” para o crime. O que fará com que se abra uma discussão para reduzir ainda mais a maioridade. Criando-se, assim, um ciclo vicioso. Obviamente o problema está no critério estabelecido para a obtenção da maioridade penal. De acordo com as deslumbrantes palavras de Luiz Flávio Borges D’Urso:

Fato é que o legislador brasileiro estabeleceu o critério etário, fixando uma data para a maioridade. Ou seja, um minuto antes de completar a idade marco de 18 anos, o individuo, conforme a lei, não tem a compreensão de sua conduta criminosa. No minuto seguinte, após a meia noite, completado os 18 anos, ele deixa de ser incapaz e passa a ter consciência da ilicitude praticada. Esse critério etário vem demonstrando que tem eficácia duvidosa e esta sendo abandonado por muitos países. (LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO, 2007).

            Portanto, é fato, que o sistema etário é um dos problemas dessa situação. É como afirma Euro Bento Maciel Filho, ao dizer que “Como se vê, a responsabilidade penal surge como num ‘passe de mágica’, basta apenas completar 18 anos” (EURO BENTO MACIEL FILHO, 2014). Um pensamento completamente dubitável, pois, hoje em dia, vemos claramente pessoas adultas com pensamento de criança e crianças com pensamento de adulto.

Existem teorias que afirmam que a maioridade penal deveria ter um caráter biopsicológico, não etário. Segundo Luiz Flávio Borges D’Urso:

Algumas nações estão admitindo o critério biopsicológico para os casos de crimes violentos praticados pelos jovens, abrangendo uma faixa etária intermediária, por exemplo, de 14 a 18 anos ou de 12 a 18 anos. O que nos parece absurdo é rebaixar, pura e simplesmente, a maioridade penal de 18 para 16 anos com o intuito de convencer a população de que estamos diante de uma solução mágica para conter a criminalidade juvenil. Isso é um engodo. (LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO, 2007).

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            Portanto, é visto que o critério biopsicológico é a melhor opção atualmente, pois, se realmente for aprovada essa lei de redução de maioridade penal, só aumentará o contingente de criminosos nas cadeias que já não suportam mais ninguém, e esse “menor” que, pudesse ter tido uma chance de ressocialização caso fosse levado para algum centro deste, certamente aprenderá, dentro dos presídios, o que é o verdadeiro crime, convivendo com esses criminosos. O que fará com que o sistema carcerário brasileiro entre de vez em um colapso total.


4. O já falido sistema carcerário Brasileiro

É de conhecimento geral a realidade do nosso sistema carcerário, que vai absolutamente contra o princípio da dignidade humana tratado em nossa Constituição Federal, bem como o art. 1º da lei de execução penal "A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.", que a princípio asseguraria o cumprimento da pena pelo indivíduo que cometeu o ato ilícito, bem como sua recuperação e retorno a sociedade. Na prática, sabemos que a realidade é outra; de acordo com uma investigação de agressão aos direitos humanos dentro das prisões, realizada pela Anistia Internacional foi alegado diverso casos de maus tratos e péssimas condições de sobrevivência dentro das prisões, o que no Brasil resulta em 70% de reincidência criminal dos ex-presidiários. É nesse sistema penitenciário falido que queremos deixar as crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento, do nosso país?

Logicamente não! Ora, hoje em dia, o sistema carcerário brasileiro funciona como uma verdadeira escola do crime, então colocar nossas crianças e adolescentes em um lugar grotesco como esse é realmente “criar mais criminosos”.

Conforme constatamos, o sistema penitenciário brasileiro mostra-se desumano e ineficiente. Não atende a finalidade para que fosse criado, e ainda se tornou uma escola do crime. Tanto a história do nosso país como os acontecimentos que presenciamos nos provam  a necessidade de atenção que devemos ter com todos os cidadão brasileiros; ignorando estes fatos, podem surgir consequências cada vez mais graves. O homem, ao possuir o espírito de mudança, deve utilizar deste para buscar soluções as quais alterem nossa realidade. Nenhum plano de ressocialização será efetivo sem que o preso possa exercer atividades profissionais – ocupando assim, seu tempo recluso – e que o permitem exercer tal atividade quando em liberdade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com a grande disseminação da criminalidade em nosso país e o consequente medo que esta causa na sociedade, vimos que a solução para este problema vai muito além da diminuição da maioridade penal. Se quisermos uma real mudança em nosso país, precisamos começar tratando todos – inclusive os criminosos que tanto queremos impor penas graves e arcaicas - de forma igualitária. A partir do momento em que a sociedade perceber que a saída para o problema da violência está em oferecer suporte, oportunidades de trabalho para o ex-presidiário e exigir do governo o cumprimento da lei bem como reformas no sistema educacional, tanto dentro como forma da prisão veremos uma efetiva solução que não encontraríamos com a diminuição da maioridade, pois trataremos o problema pela raiz. Como cita José Saramago “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça. Aparar-lhe as unhas não serve de nada”.


REFERÊNCIAS     

[1] BETTO, Frei. Todos os países que reduziram a maioridade penal não diminuíram a violência. Em: <www.pragmatismopolitico.com.br/2014/04/todos-os-paises-que-reduziram-maioridade-penal-nao-diminuiram-violencia.html> Acesso em: 22 de outubro de 2014.

[2] OLIVEIRA, Aparecida de Fátima Garcia. Maioridade penal e o ECA. Em: <www.meuartigo.brasilescola.com/educacao/maioridade-penal-eca.htm> Acesso em: 23 de outubro de 2014.

[3] FABRETTI, Humberto Barrionuevo. A situação delicada do sistema carcerário brasileiro. Em: <http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/02/02/a-situacao-delicada-do-sistema-carcerario-brasileiro/> Acesso: 23 de outubro de 2014.

[4] Maioridade penal no Brasil e em países ao redor do mundo. Em:  <http://direito.folha.uol.com.br/blog/maioridade-penal-no-brasil-e-em-pases-ao-redor-do-mundo>. Acesso em: 21 de outubro de 2014.      

[5] LUFT, Lya. Brasileiro bonzinho? Na verdade estamos indefesos e apavorados. Em: <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/lya-luft-brasileiro-bonzinho-na-verdade-estamos-indefesos-e-apavorados/ >. Acesso: 21 de outubro de 2014.

[6] FILHO, Dalio Zippin. Redução da Maioridade Penal, Grande Falácia. Em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1380436&tit=Reducao-da-maioridade-penal-grande-falacia>. Acesso: 20 de outubro de 2014.

[7] FILHO, Euro Bento Maciel. A eterna questão da maioridade penal no Brasil. Em: <http://www.reporterdiario.com.br/Noticia/446599/a-eterna-questao-da-maioridade-penal-no-brasil>. Acesso: 20 de outubro de 2014.

[8] D’URSO, Luiz Flávio Borges. A impunidade e a maioridade penal. Em: <http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/palavra-do-presidente/2006/artigo-a-impunidade-e-a-maioridade-penal>. Acesso: 20 de outubro de 2014.            

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Sobre o autor
Luiz Cesar Koprowski

Acadêmico de Direito

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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