É pacífico, nos órgãos de controle, o entendimento de que os tribunais de contas podem fiscalizar as autarquias com funções de previdência e de seguridade. Também não há dúvidas de que a despesa dos órgãos públicos destinada aos fundos de pensão deve e pode ser fiscalizada.
A responsabilidade de receber e gerir recursos públicos é motivo suficiente para impor o dever de prestar contas. Em se tratando de entidade tipicamente privada, instituída e mantida com recursos privados, a competência dos tribunais de contas limita-se ao julgamento da prestação de contas dos recursos públicos que recebe, sem interferência nos atos de gestão.
Os fundos de pensão atuam sob a forma de fundações de direito privado ou de sociedade civil e não possuem fins lucrativos. Logo, as contribuições recebidas são investidas com vistas a acumular recursos para pagamento futuro dos benefícios[1].
A contribuição que o empregado ou servidor público faz para fundos corresponde a ato tipicamente privado. Aquele que recebe salário ou remuneração, no ato em que recebe, vê transmudada a natureza jurídica do recurso, até então público, para natureza privada. Pode o empregado ou servidor público usar tais recursos para quaisquer fins, exceto aqueles vedados por lei, como patrocínio de ato terrorista, incentivo ao crime, à prostituição e ao uso de drogas.
Pode também, diante da falência por má gestão do sistema público de previdência, contribuir para outra entidade, formando uma poupança com outros que tiverem o mesmo propósito, de forma associativa.
Por diversos meios, inclusive cálculos atuariais, mascara-se o gravíssimo problema da péssima gestão do instituto da previdência pública. Veja-se o seguinte cálculo aritmético: um empregado contribuía, até 1980, com 8% do seu salário, o que corresponde a 1 salário por ano; poderia receber, portanto, 35 salários após aposentar-se com valor exatamente igual à base de cálculo.
O empregador contribuía com 12%. Com o mesmo raciocínio, tem-se 52,5, que, somados aos 35, resultam em 87,5 meses ou 7,3 anos. Portanto, o sistema já é deficitário mesmo nessas condições, ainda que bem gerido.
A competência do Tribunal de Contas da União – TCU não se estabelece pela origem dos recursos privados dos empregados e servidores, mas pelo fato de que se exigirão novos aportes de recursos do ente público toda vez em que houver indicativo de déficit, seja pela conjuntura financeira pública ou por má gestão.
Se, em tese, o sistema somente suportar sete anos, nesse raciocínio simplíssimo, e, portanto quede falido, a própria conjuntura pode antecipar a falência.
O TCU manifestou que fiscalizará os fundos de pensão públicos ou vinculados a órgãos públicos. Esses fundos têm natureza jurídica privada, pois tratam da contratação de um plano de benefícios, e são fiscalizados por entidades próprias da Administração Pública constituídas para esse fim específico. Juridicamente, portanto, a Corte de Contas pode fiscalizar o órgão público repassador dos recursos, em estrita conformidade com a competência constitucional.
Em 2012, o ministro de Estado da Previdência Social formulou consulta ao TCU acerca de possíveis conflitos de competência entre o referido Tribunal, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC e outros órgãos na fiscalização de entidades fechadas de previdência complementar.
O posicionamento do TCU foi no sentido de que os recursos que integram as contas individuais dos participantes das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC, quer oriundos do patrocínio de órgãos públicos ou de entidade de natureza jurídica de direito privado, quer das contribuições individuais dos participantes, enquanto administrados pelas EFPCs, são considerados de caráter público.
Além disso, a Corte de Contas entendeu que:
[...] a competência constitucional do TCU para fiscalizar a aplicação de recursos pelas EFPC, direta ou indiretamente, não ilide nem se sobrepõe a outros controles previstos no ordenamento jurídico, como o realizado pelos entes patrocinadores, pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar e por outros órgãos a quem lei ou Constituição Federar atribui competência;
[...] não cabe ao TCU impor parâmetros/metas de rentabilidade/eficiência aos fundos de pensão, a seus patrocinadores e aos órgãos de fiscalização, não se podendo olvidar que o TCU é competente para verificar a legalidade, a legitimidade, a eficiência e a eficácia da aplicação dos recursos públicos, nos termos do arts. 37 e 71 da Constituição Federal, da Lei nº 8.443/92, bem como do seu Regimento Interno; [...][2]
Cabe lembrar que os fundos de pensão e órgãos de previdência, quando integrantes do aparelho estatal, assumindo forma pública, fundação, ou privada, estão inteiramente sujeitos ao controle do Tribunal de Contas, em face do parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.
É necessário que a atuação do TCU e de eventual Comissão Parlamentar de Inquérito se faça para aferir gestão temerária e também da omissão do sistema fiscalizatório, ou seja, de modo a corrigir rota e diretrizes e não de atuar como “engenheiros de obra pronta”.
Julgar e controlar tem relação direta com orientação e punição, mas, sobretudo, com serenidade e eficiência.
Notas
[1] Fundos de Pensão. Portal da Previdência Social. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_110824-161854-177.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2015.
[2] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo TC nº 012.517/2012-7. Acórdão nº 3.133 – Plenário. Relator: Ministro Augusto Nardes. Brasília, 21 de novembro de 2012. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 nov. 2012.