É possível se usucapir bens públicos?

03/08/2015 às 15:51
Leia nesta página:

Os imbróglios encarados pelo profissional do Direito no seu dia a dia em relação à usucapião de bens públicos.

Inicialmente, destaque-se que acerca do instituto do usucapião, a Constituição Federal Brasileira reservou o artigo 183 para regulamentar a matéria, posteriormente recepcionado pelo artigo 1.240 do Código Civil, prevendo as hipóteses de cabimento – ou de não cabimento – desse tipo de ação, bem como elencou os requisitos cumulativos necessários para tanto.

Por outro lado, sabe-se que os bens públicos são recobertos pelo manto da impossibilidade de aquisição via ação de usucapião. Mas será que em nenhuma hipótese é possível se contrair a propriedade de um imóvel público através dessa ação possessória?

Para iniciarmos essa nossa discussão, é necessário que atentemos para o lecionado pelo próprio artigo 103 da CF/88, mais precisamente em seu § 3º. Senão vejamos:

“Art. 183. (...)

3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”

Essa também é a inteligência dada pelo artigo 102 do Código Civil Brasileiro. Confira-se:

“Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”

Desta forma, fica clarividente que além das limitações trazidas pelo caput do artigo103 da CF/88 ao elencar os requisitos concessionais da usucapião, há também a restrição quanto aos bens públicos. Mas será que de fato ninguém pode adquirir um bem público via usucapião?

De plano, a resposta é NÃO. Explico. Conforme citado acima, a vedação à aquisição de bem público por meio de ação de usucapião é um preceito advindo da Constituição Federal Brasileira, portanto constitucional. Qualquer pretensão que caminhe em sentido contrário detém flagrante INCONSTITUCIONALIDADE! Inclusive esta matéria, alvo de algumas tantas ações no judiciário brasileiro, encontra-se pacificada nas instâncias superiores.

Mas existe uma distinção que precisa ser feita sobre esse assunto e que é de extrema importância para o profissional do Direito: o que de fato seria um bem público e o que lhe confere tal condição?

O artigo 99 e ss do Código Civil elenca e qualifica os bens públicos, debruçando-se sobre as suas finalidades, dividindo-os em dominicais, de uso especial e de uso comum.

Os dominicais referem-se aos bens que integram o patrimônio das pessoas jurídicas de Direito público; os de uso especiais são os bens utilizados como instalação dos estabelecimentos governamentais e seus desdobramentos; e os de uso comum são aqueles que podem ser utilizados pela população em geral sem que haja a necessidade de licença ou autorização especial para tanto. É o caso das ruas, mares, rodovias, etc.

Ocorre que os bens passíveis de maior controvérsia acerca da possibilidade – ou não – de adquiri-lo por meio de ação de usucapião são os bens dominicais.

Apesar de saber que há uma vedação constitucional à incidência desse instituto sobre os bens públicos, deve-se observar a sua forma de incorporação ao patrimônio daquela pessoa jurídica de Direito público. Esclareço-lhes mais.

O judiciário tem pendido a acatar teses de não vinculação de determinados bens públicos que se deseja usucapir, sob a égide de que este não integra finalidade estatal.

É bom que se diga que as pessoas jurídicas de Direito público podem adquirir bens de outras formas que não seja pela destinação de uma verba pública – como no caso da incorporação de um imóvel cedido como dação em pagamento a um ente público. Registre-se ainda que há a possibilidade de, caso haja a combinação dos requisitos de necessidade/oportunidade – característica dos atos administrativos discricionário – se promover a expurgação do bens públicos, móveis e imóveis, nos moldes ditados pela Lei e após a desafetação destes ao serviço público.

Retomando a discussão acerca da vinculação desses bens à finalidade pública, tem-se como exemplo as pretensões possessórias envolvendo a CAIXA Econômica Federal, em que, sobretudo o TRF da 5ª Região já proferiu decisões em ambos os sentidos.

O que se verifica nesses julgados é que há o cuidado do julgador em analisar se o bem em questão de fato tem a sua finalidade – ou em algum momento se vincula – a atividade puramente estatal.

Um exemplo patente é o da CAIXA, que por compor a Administração indireta e exercer atividade econômica com sujeição de seu regime jurídico comum aos das empresas privadas, nos moldes do artigo 173, § 1º, II da CF/88 tem, no bojo de suas relações tipicamente bancárias, acrescenta ao seu patrimônio bens que não estão ligados com a atividade estatal - advindos de uma possível adjudicação, cessão de direitos ou de alguma outra forma - portanto passíveis de usucapião.

Neste sentido, segue precedentes daquela Egrégia Corte: AC – 518093/ CE, AC – 561137/RN, AC - 523157/PE.

Por outro lado, quanto se trata de bens nos quais houve o comprometimento de recursos públicos, o entendimento jurisprudencial, inclusive cristalizado nas Cortes Excepcionais, é justamente no sentido contrário.

Ainda utilizando a CAIXA como exemplo, por ela ser gestora do antigo SFH – Sistema Financeiro de Habitação – que possui hoje como um equivalente os programas habitacionais do Governo Federal, tais quais podemos citar o “Minha casa, minha vida” e o próprio PAR (Programa de Arrendamento Residencial) -, quando se trata de demandas em que há o comprovado emprego de recursos públicos – e boa parte vem do próprio Governo Federal e das carteiras de FGTS -, a negativa judicial é medida que se impõe, sob pena de, como já comentamos, inconstitucionalidade da decisão.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Desta forma, vê-se que o que se discute na verdade – ou o que se deveria discutir – não é a possibilidade de usucapião de bem público, posto que sabemos não existir, mas sim a vinculação daquele bem à finalidade estatal.

Assim, o que o operador do Direito deve buscar em possíveis demandas sobre este tema as quais possa vir a patrocinar é a desqualificação do bem em questão à atividade pública – em todos os seus sentidos -, não sendo suficiente a demonstração dos requisitos concessionais do artigo 183 da CF/88 para o sucesso do seu pleito.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Eduardo Araújo

Advogado, especialista em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos