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Capitalização de juros no direito brasileiro:

quando é admitida?

21/08/2015 às 12:23

Resumo:


  • A palavra "juro" deriva de jus e juris, originalmente empregado na acepção de direito, e aplicado no plural, "juros", expressa o ganho que o detentor do capital aufere.

  • Os juros moratórios estão ligados à ideia de indenização pela mora, enquanto os juros compensatórios consistem no rendimento obtido quando se empresta dinheiro por determinado período.

  • A capitalização de juros é vedada pelo art. 4º da Lei de Usura para periodicidades inferiores a um ano, mas em casos autorizados por leis especiais, como contratos bancários após 2000, é permitida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O art. 4º da Lei de Usura só admite a capitalização de juros em periodicidade anual, sendo proibida a capitalização de juros em período inferior ao anual. Contudo, excepcionando esta regra, a jurisprudência sempre permitiu a capitalização de juros em período inferior ao anual nos casos autorizados em lei.

A palavra "juro" deriva de jus e juris, que originariamente é empregado na acepção de direito. Aplicado no plural, "juros", exprime o ganho, o lucro que o detentor do capital aufere. [1] O termo "juros legais" é utilizado tanto para indicar os juros de mora quanto aos juros compensatórios, pois ambos são devidos por força de lei (artigos 406 e 677, do Código Civil de 2002). Vejamos:

Os juros moratórios são uma espécie de pena imposta àquele que não adimpliu com o avençado na data estipulada. Estão ligados à ideia de indenização pela mora, ou seja, pela demora na restituição do capital.

Já os juros compensatórios ou remuneratórios consistem no rendimento obtido quando se empresta dinheiro por determinado período. Eles são a remuneração - daí a denominação de juros remuneratórios - devida àquele que possui e empresta o capital a outrem.  Assim, funcionam como uma compensação para o credor pelo tempo que fica sem poder usar o dinheiro emprestado. Possuem, pois, natureza de frutos civis e originam-se da simples utilização do capital.[2]  


1. Capitalização de juros

Capitalização dos juros significa juros compostos, sendo também chamada de “anatocismo”, “juros sobre juros”. Vale lembrar que os juros compostos são aqueles que incidem não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Trata-se da incorporação dos juros referentes a um determinado período (mensal, semestral, anual) ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos de juros. [3] Já os juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente. Conforme explicam Pilão e Hummel “o que basicamente diferencia uma modalidade da outra é que no caso de juros simples teremos a incidência de um índice simples sobre o principal, enquanto nos juros compostos este mesmo índice, ou taxa, simples incidirá sobre o principal mais os juros vencidos”. [4]

No nosso direito, a capitalização de juros é vedada pelo art. 4º Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura). Este dispositivo proíbe a contagem de juros sobre juros, mas ressalva que a proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano. Confira:

  • Dec. n. 22.626/33. Art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

Em suma: a Lei de Usura somente admite a capitalização de juros em periodicidade anual, sendo proibida a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano (ex.: capitalização de juros mensal ou diária). Nessa linha, foi criada a Súmula 121/STF no ano de 1963, verbis: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Contudo, nas operações regidas por leis especiais onde haja expressa autorização legal, o STF sempre admitiu a capitalização de juros de acordo com o período avençado. Em nosso ordenamento, existem várias leis especiais que, excepcionando a regra proibitória prevista no art. 4º da Lei de Usura, admitem a capitalização de juros mensal, tais como as apontadas pela Súmula 93/STJ, verbis: “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”. Vale lembrar que, para os contratos, a capitalização anual sempre foi permitida, conforme se depreende do art. 591 do CC/2002 (correspondente ao art. art. 1.262 do CC de 1916).


2. capitalização de juros nos contratos bancários

Nos contratos bancários celebrados após a Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (que foi reeditada e atualmente se encontra em vigor sob o n. 2.170-36/2001), a capitalização mensal de juros passou a ser permitida em seu artigo 5º, verbis: “Nas  operações  realizadas  pelas  instituições  integrantes  do  Sistema  Financeiro  Nacional,  é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Nesse sentido foi publicada a Súmula 529 do STJ, em maio de 2015.

Vale dizer: é  permitida  a  capitalização  de  juros  com  periodicidade  inferior  a  um  ano  em  contratos bancários celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000 (atual MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. [5]No REsp 973827 RS, a Segunda Seção do STJ, decidiu o seguinte: “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. Para isso, basta que, no contrato, esteja prevista a taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal. Os bancos não precisam dizer expressamente no contrato que estão adotando a “capitalização de juros”, bastando explicitar com clareza as taxas cobradas.”

Na prática, isso significa que os bancos não precisam incluir nos contratos cláusula com redação que expresse o termo “capitalização de juros” para cobrar a taxa efetiva contratada, bastando explicitar com clareza as taxas cobradas. A cláusula com o termo “capitalização de juros” será necessária apenas para que, após vencida a prestação sem o devido pagamento, o valor dos juros não pagos seja incorporado ao capital para o efeito de incidência de novos juros.  [6]


3. capitalização de juros nos contratos celebrados no SFH

Para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), até a entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de usura (art. 4º do Dec. 22.626/1933). Assim, para tais contratos não seria válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida apenas a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa.[7]

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A possibilidade de capitalização de juros, em periodicidade inferior à anual, nos contratos celebrados no SFH, veio com a Lei n. 11.977/2009, que acrescentou o art. 15-A na Lei n. 4.380/64 (Lei do SFH) . Assim, só é possível capitalizar juros nos contratos posteriores à Lei n. 11.977/2009.


4. capitalização de juros nas indenizações por ato ilícito

A Súmula 186 do STJ estabelece o seguinte: “Nas indenizações por ato ilicito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime”. O que este verbete sumular está afirmando é que, nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos são devidos apenas quando o ilícito civil de que emana a obrigação indenizatória seja qualificável também como crime.

Ressalte-se que os juros compostos possuem caráter de punição, por isso só deve ser aplicado a criminosos, como tal reconhecidos em sentença criminal. [8]  Além disso, a incidência dos juros compostos apenas é possível quando já houver trânsito em julgado da sentença penal condenatória, que daí, irão retroagir ao tempo em que o ato ilícito fora praticado.[9]

Sobre a matéria, o eminente Ministro Castro Filho[10] no REsp 390050 SP (DJ 26/04/2004) destacou o seguinte: “Considerando que a indenização por ato ilícito, tipificado em direito penal, deve ser integral e completa, ocorrendo da forma mais ampla, nela devem ser incluídos os juros compostos, desde a data do crime, nos termos do que dispõe o art. 1.544 do CC/16, sem correspondente no novel código em vigor: “Além dos juros ordinários, contados proporcionalmente ao valor do dano, e desde o tempo do crime, a satisfação compreende os juros compostos.”  

Tendo em vista que o artigo 1.544 do Código Civil de 1916 não possui correspondente no Código Civil de 2002, existem entendimentos no sentido de que teria ocorrido a supressão dos juros compostos no cálculo da indenização pela prática de ato ilícito. A despeito de respeitáveis opiniões em sentido contrário, entendemos que o verbete permanece aplicável. Registre-se também que o verbete permaneceu sendo aplicado após o advento do Código Civil de 2002. [11]


CONCLUSÃO

O art. 4º da Lei de Usura só admite a capitalização de juros em periodicidade anual, sendo proibida a capitalização de juros em período inferior ao anual. Contudo, excepcionando esta regra, a jurisprudência sempre permitiu a capitalização de juros em período inferior ao anual nos casos autorizados em lei, a saber:

  1. Em cédulas de crédito rural, comercial e industrial, de acordo com a Súmula nº 93 do STJ.
  2. Nos contratos bancários regidos pelo SFN celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da MP nº 1.963-17/00 (atual MP nº 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. Desse modo, os bancos podem fazer a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, desde que seja pactuada de forma expressa e clara.
  3. Nos contratos celebrados no âmbito do SFH, desde que posteriores à edição da Lei nº 11.977/09.
  4. Na indenização por ato ilícito, os juros compostos são devidos apenas quando o ilícito civil de que emana a obrigação indenizatória seja qualificável também como crime. Neste caso, os juros compostos só deve ser aplicado àquele que praticou o crime. Este entendimento foi fixado na Súmula STJ nº 186, cuja aplicação pressupõe a existência de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 

REFERÊNCIAS 

DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol. II, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 867

MATTOS E SILVA, Bruno. Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: www.direitobancario.com.br, 01/07/2001.

PILÃO, Nivaldo E.; HUMMEL, Paulo R. V. Matemática financeira e engenharia econômica: a teoria e a prática da análise de projetos de investimentos. São Paulo: Thomson, 2004, p. 20.

SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Algumas breves reflexões sobre juros à luz do Código Civil de 2002. Revista Forense. V. 381. out/2005.

SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 1981.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, parte geral das obrigações. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002.


NOTAS

[1] Cf. SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Algumas breves reflexões sobre juros à luz do Código Civil de 2002. Revista Forense. V. 381. out/2005.

[2] Cf., sobre a matéria, a doutrina de: Cf. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, parte geral das obrigações. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 257; SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, V 2, 1981, p. 110.

[3] Cf., na mesma linha: MATTOS E SILVA, Bruno. Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: www.direitobancario.com.br, 01/07/2001.

[4] Cf. PILÃO, Nivaldo E.; HUMMEL, Paulo R. V. Matemática financeira e engenharia econômica: a teoria e a prática da análise de projetos de investimentos. São Paulo: Thomson, 2004, p. 20.

[5] Neste sentido, confira: STJ - AgRg no REsp 631555 RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJe 06/12/2010; REsp 1112879 PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2ª Seção, DJe 19/05/2010

[6] Cf. STJ - Voto da Ministra Maria Isabel Gallotti no REsp 973.827-RS, 2ª Seção, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/6/2012.

[7] Cf. STJ - REsp 1095852 PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, DJe 19/03/2012.

[8] Cf., na mesma linha: DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol. II, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 867

[9] Cf., nessa linha: STJ - REsp 390050 SP, Rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, DJ 26/04/2004

[10] Idem.

[11] Cf., dentre outros: STJ - REsp 240.094/RS 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 22/08/2005, REsp 72515 SP, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 27/05/2002.

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Sobre a autora
Alice Saldanha Villar

Advogada, colunista e articulistas de diversas revistas jurídicas e periódicos. Autora dos livros “Direito Sumular - STF”, “Direito Sumular - STJ” e "Direito Bancário" - Editora JHMIZUNO, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILLAR, Alice Saldanha. Capitalização de juros no direito brasileiro:: quando é admitida? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4433, 21 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41577. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado originalmente na Revista Consulex - ano XIX - nº 439 - 1º de maio/2015

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