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Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual

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30/08/2015 às 11:11
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2. O JUÍZO COLEGIADO CRIMINAL TOGADO DE 1º GRAU

A instituição do Juízo Colegiado Criminal Togado de 1º grau constitui uma inovação bastante peculiar introduzida pelo Legislador Processual. É preciso aferir sua compatibilidade com o Ordenamento Constitucional, repleto de diversos princípios processuais cuja finalidade é informar e garantir os chamados direitos fundamentais presentes na nossa Carta Magna.

E aqui cabe salientar a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais:

Como salientado, a contemporaneidade dos direitos humanos é marcada justamente por sua positivação internacional, o que possibilita a conversão, em obrigações jurídicas, de pretensões e interesses fundados na formulação jusnatural da dignidade humana. (…)

Mesmo assim necessária a menção à já tradicional distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, de que faz exemplo a lição de Oscar Vilhena Vieira, para quem a estes designam “o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma ordem constitucional.

A respeito, professa Fábio Konder Comparato, ao tratar da obrigatoriedade dos  direitos fundamentais: “É aí que se põe a distinção, elaborada pela doutrina jurídica germânica, entre direitos humanos e direitos fundamentais (Grundrechte). Estes últimos são os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional: são os direitos humanos positivados nas Constituições, nas lei, nos tratados internacionais.

Daí por que muitos autores – e mesmo a Constituição Federal de 1988 – empregam “direitos fundamentais” em lugar de “direitos humanos”, sendo certo que ambas as denominações, embora referentes a um conjunto de direitos com conteúdos semelhantes, designam universos distintos. (WEIS, 2010, p. 23-24)

2.1 EXAME DA LEI Nº. 12.694/2012

A partir do momento em que a nova Lei nº. 12.694/2012 confere a possibilidade de formação de um colegiado criminal para os casos de crimes cometidos por organizações criminosas e o próprio delito que o caracteriza, dá-se um passo importante para repressão das suas atividades ilícitas. Um passo que não é a solução para todos os problemas, mas é um meio que, se bem trabalhado, poderá produzir resultados proveitosos.

Como bem lembram TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 269):

“providência similar já era adotada no âmbito do Ministério Público. Por ato do Procurador Geral de Justiça, eram designados outros membros para atuarem em conjunto em casos específicos, subscrevendo atos de atribuição ministerial, a exemplo de denúncias contra pessoas acusadas de delitos de maior gravidade ou em face da qualidade do agente, com o mesmo objetivo de tornar impessoal a atuação do Estado.”

A instituição do Juízo do Colegiado Criminal de 1º grau tem sua origem vinculada à proteção dos Magistrados. A pluralidade de juízes faz diminuir os riscos de retaliação em face de decisões que venham afetar réus com manifesto poder econômico, político ou social.

Ademais, os Códigos Penal e Processual Penal permaneceram por longo período sem atualização e desprovidos de instrumentos eficientes para repressão da criminalidade organizada, que evoluiu, diversificou e sofisticou o seu modus operandi.

Como bem assevera:

“já não são suficientes somente os métodos de investigação previstos no Código de Processo Penal de 1942 e, até que não seja revisto, mister a edição de leis especiais que possam suplementar as suas lacunas” (MENDRONI, 2012, p.7)

Mesmo que originada a partir da preocupação em garantir a incolumidade física dos magistrados, a Lei nº. 12.694/2012 trouxe importantes mudanças no âmbito penal e processual penal, cabendo transcrevê-la na íntegra, com destaque dos aspectos principais: 

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

§ 1o O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

§ 2o O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

§ 3o A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.

§ 4o As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

§ 5o A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.

§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

§ 7o Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Art. 3o Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:

I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;

II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;

III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

Art. 4o O art. 91 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o e 2o:

“Art. 91. ........................................................................

§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.

§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.” (NR)

Art. 5o O Decreto-Lei no  3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 144-A:

“Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

§ 1o O leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico.

§ 2o Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial.

§ 3o O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a União, Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à sua devolução ao acusado.

§ 4o Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial.

§ 5o No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.

§ 6o O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial.

§ 7o (VETADO).”

Art. 6o O art. 115 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar acrescido do seguinte § 7o:

“Art. 115. .....................................................................

..............................................................................................

§ 7º Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.” (NR)

Art. 7o O art. 6o da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XI:

“Art. 6o .........................................................................

..............................................................................................

XI- os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. ......................................................................................” (NR)

Art. 8o A Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7o-A:

“Art. 7º-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição.

§ 1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa.

§ 2o O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança que poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança.

§ 3o O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei.

§ 4o A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm.

§ 5o As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.”

Art. 9o Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.

§ 1o A proteção pessoal será prestada de acordo com a avaliação realizada pela polícia judiciária e após a comunicação à autoridade judicial ou ao membro do Ministério Público, conforme o caso:

I - pela própria polícia judiciária;

II - pelos órgãos de segurança institucional;

III - por outras forças policiais;

IV - de forma conjunta pelos citados nos incisos I, II e III.

§ 2o Será prestada proteção pessoal imediata nos casos urgentes, sem prejuízo da adequação da medida, segundo a avaliação a que se referem o caput e o § 1o deste artigo.

§ 3o A prestação de proteção pessoal será comunicada ao Conselho Nacional de Justiça ou ao Conselho Nacional do Ministério Público, conforme o caso.

§ 4o Verificado o descumprimento dos procedimentos de segurança definidos pela polícia judiciária, esta encaminhará relatório ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ ou ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 24 de julho de 2012; 191o da Independência e 124o da República.

(grifo nosso)

Pela primeira vez, no âmbito penal, o ordenamento pátrio introduziu uma definição acerca de organização, de forma que tornou dispensável recorrer a fontes normativas externas, tratados internacionais, para tal definição. No campo processual, sem dúvidas, a mudança mais importante consiste na possibilidade de o magistrado deliberar pela formação de um juízo colegiado criminal e materializar sua atuação. Situação importante, porém não inédita, uma vez que a Lei Alagoana já havia previsto a formação do colegiado, consoante noticiado no tópico 2.2.2 desta obra.

A faculdade não é somente estendida à fase de conhecimento do processo, mas também, durante a fase policial, para os casos em que é prevista a cláusula ou princípio de reserva de jurisdição[13], ou seja nas hipóteses em que a atividade de investigação fica condicionada à preservação e desbloqueio em face de direitos e garantias fundamentais, por exemplo, para um pedido de interceptação telefônica, decretação de prisão temporária, e na fase de execução da pena, progressão ou regime da pena.

A recente Lei Federal nº 12.694/2012 autorizou o magistrado decidir conjuntamente com os seus pares como será instrumentalizada a composição do colegiado, estabelecendo critérios impessoais e objetivos para a escolha dos juízes, para fins de assegurar a observância do Princípio do Juiz Natural.

Outro importante aspecto, de cunho processual, constou do art. 5º da Lei mencionada, a qual modificou o Código de Processo Penal e acrescentou o art. 144-A, para tratar da alienação antecipada de bens das organizações criminosas, da decretação da perda do produto ou do proveito do crime quando estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior, além de medidas de segurança aos Magistrados e Membros do Ministério Público.

Em que pese o importante passo dado no efetivo combate a criminalidade organizada, somente a criação de uma lei conceituando o que seja organização criminosa e determinando certas medidas não significará a solução de todos os problemas. É preciso, antes de mais nada, treinar os serventuários do Poder Judiciário, equipar e manter uma rede interligada de informações entre as forças de repressão e combate ao crime organizado, não reduzir os esforços contra as organizações criminosas a mera atividade legislativa.

2.1.1 Conceito de Organizações Criminosas

Conforme visto em capítulo anterior, o legislador brasileiro demorou muito a se preocupar com o fenômeno da organização criminosa e os seus reflexos negativos na sociedade. Para a punição dos atos realizados pelas organizações criminosas:

“em suma, igualou crime organizado com o delito de quadrilha ou bando, solução inaceitável, pois os dados necessários para a caracterização de uma organização criminosa não se esgotam nos elementos que tipificam a quadrilha ou bando. Salientou Luiz Flávio Gomes que o legislador deu ao crime organizado 'o mínimo, que é o de quadrilha ou bando, e deixou por conta do intérprete a tarefa de fixar os restantes contornos da organização criminosa'”. (FERNANDES, 2009, p. 14) (grifo nosso)

Solução inaceitável por se tratar de medida irracional quando se utiliza os mesmos patamares de fixação de pena para membros do crime organizado, muito mais sofisticado e responsável por atividades mais danosas para a sociedade, e agentes que se reúnam eventualmente para o cometimento de crimes de menor ofensividade aos bens jurídicos de que os praticados pelas organizações criminosas.

Após tentativas frustradas de conceituação de crime organizado por meio das Leis nºs. 9.034/95 e 10.217/2001, a solução encontrada pelo ordenamento jurídico brasileiro foi a conceituação estabelecida pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo.

Ratificada no Brasil através do Decreto Legislativo nº. 231/2003 e inserida em nosso sistema jurídico por mediante o Decreto nº. 5.015/2004, a Convenção de Palermo trouxe em seu art. 2º a definição de organização criminosa como:

Art. 2º – “Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.”

Ocorre, mesmo que ratificada por Decreto Legislativo, uma parte respeitável da doutrina entendia a não aplicação do conceito de crime organizado da Convenção de Palermo em decorrência da impossibilidade de Decreto Legislativo instituir crime.

Com relação a Convenção de Palermo, é importante considerar o posicionamento de alguns autores no sentindo da sua impossibilidade para definir crimes e penas no direito interno, pois como tratado internacional centrípeto (relações no plano interno ou regional) exigiria lei discutida e aprovada pelo nosso parlamento; a mencionada convenção trataria apenas da criminalidade organizada internacional, não detendo o ius puniendi para estabelecer tipos penais e sanções no Direito Penal brasileiro. Ademais, no Estado Democrático de Direito, a legalidade penal exigiria um prévio debate parlamentar e não apenas um referendo de um texto internacional. Assim, não poderia ter validade o crime e a pena não discutidos e estabelecidos pelo nosso parlamento, apenas referendado pela Convenção, sem qualquer debate ou possibilidade de alteração do seu conteúdo. (LEVORIN, 2009, p. 34)

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Deixando o tema ainda mais tormentoso, a jurisprudência pátria não firmou um entendimento pacífico acerca da aceitação ou não do conceito de crime organizado trazido pela Convenção de Palermo, horas decidindo contra, horas decidindo a favor, nestes termos:

“Identificação de uma Organização Criminosa, nos moldes do Art. 1º da Lei n. 9.034/95, com redação dada pela Lei n. 10.217/01, com a tipificação do Art. 288 do CP e Decreto Legislativo 231/03, que ratificou a Convenção de Palermo” (STJ, Rel. Min. Eliana Calmom, Ap. 460-RO, j. 6-6-2007, Corte Especial).

“Capitulação da conduta do inc. VII do art. 1º da Lei n. 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito de configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1º da Lei n. 9.034/95, com redação dada pela Lei n. 10.217/2001, c.c. Decreto Legislativo n. 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. (STJ, HC 777771, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 30-5-2008).

PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DEFINIDO NA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL (CONVENÇÃO DE PALERMO). DECRETO LEGISLATIVO Nº 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. INÉPCIA DA DENÚNCIA.

1. O conceito jurídico da expressão organização criminosa ficou estabelecida em nosso ordenamento jurídico com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 2. Nos termos do art. 2, "a", da referida Convenção, o conceito de organização criminosa ficou definido como sendo o "grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material". (STJ. HC 138.058-RJ. Rel. Min. Haroldo Rodrigues [Desembargador convocado do TJ-CE], 6ª Turma julgado em 22/3/2011, Dje 23/5/2011)(grifo nosso)

E ainda:

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06.

1. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades.

2. A sentença afastou a incidência da benesse pretendida sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento do paciente em organização criminosa.

3. A elevada quantidade de droga apreendida, a saber, quase um quilo de cocaína, distribuída em 83 cápsulas, ingeridas pelo paciente, o qual estava prestes a embarcar para a Holanda, é circunstância que impede o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime.

4. De se ver, que a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dada a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo.

5. Ordem denegada.

 (STJ. HABEAS CORPUS Nº 189.979 - SP (2010/0206492-4). Rel. Min. OG FERNANDES, 6ª Turma, unânime, julgado em 03/02/2011,  DJe: 21/02/2011)

No julgamento do Habeas Corpus (HC) nº. 96.007, o Min. Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal afirmou que:

“não é demasia salientar que, mesmo versasse a Convenção as balizas referentes à pena, não se poderia, repito, sem lei em sentindo formal e material como exigido pela Constituição Federal, cogitar-se a tipologia a ser observada no Brasil. A introdução da Convenção ocorreu por meio de simples decreto!”

Seguindo esta linha de raciocínio, comentou Luiz Flávio Gomes (GOMES apud LEVORIN, 2009, p. 35) que “a definição de crime organizado contida na Convenção de Palermo é muito ampla, genérica, e viola a garantia da taxatividade (ou de certeza), que é uma das garantias emanadas do princípio da legalidade.”

Portanto, para os que defendiam a tese da não aceitação do conceito de crime organizado trazido pela Convenção de Palermo, alegavam que decreto legislativo não poderia estabelecer tipo penal, a isto apenas caberia a lei em sentido formal e material como implica o Princípio da Legalidade.

Esta discordância entre os julgadores e os doutrinadores causava uma insegurança jurídica, pois ao não se saber se determinada conduta estava ou não tipificada pelo ordenamento pátrio, julgamentos/decisões diferentes poderiam ser tomadas para casos similares, dependendo unicamente da convicção e corrente de entendimento a ser seguida pelo julgador do caso concreto, incertezas que acarretam uma grave ofensa a direitos e garantias individuas, especialmente quando se lida com a liberdade do indivíduo.

Colocando fim neste celeuma, a Lei nº. 12.694/2012 finalmente trouxe o conceito de crime organizado no Direito brasileiro e o definiu em seu art. 2º do seguinte modo:

Art. 2º  Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. 

Posteriormente, com a edição da Lei Federal nº 12.850/2013, o elemento normativo  objetivo sofreu restrição:

Art. 1o. Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o. Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Mais uma vez o legislador optou pela edição de norma de caráter interpretativo, deixando de tipificar o delito de organização criminosa. E assim, inevitavelmente, surgiram dúvidas quanto a aplicação do conceito de organização criminosa trazido pelas Leis nºs. 12.694/2012 e 12.850/2013, e o novo tipo penal “Associação Criminosa”, continuidade normativa típica de “Quadrilha ou Bando”, previstos na nova redação do art. 288 do Código Penal, conferida pelo primeiro diploma legal.

Além da superveniente diferença referente ao número de integrantes mínimos, inicialmente 3 (três) ou mais pessoas, e depois, 4 (quatro) ou mais pessoas, é possível observar outras características que servem para distinguir o conceito de organização criminosa e associação.         

O primeiro deles, e possivelmente o mais difícil de verificar na prática, é que organização criminosa possui uma estrutura organizada, divisão de tarefas entre os integrantes, enquanto na associação isto não se verifica, evidenciada pela simples reunião de pessoas. Como visto no tópico 2.1 da presente obra, não é em vão que os grupos são conhecidos como organizados, já que, de tão bem estruturados, uma organização empresarial é verificada. Tal característica não poderia passar despercebida pelo legislador. Diferente da “associação criminosa (art. 288 do CP) que é menos sofisticada, bastando três pessoas, não exigindo estrutura ordenada, nem divisão de tarefas, como também prescinde de um líder” (COUTINHO FILHO, 2013).  Nesta esteira, exemplifica MENDRONI (2012, p. 11):

“quatro pessoas se reúnem e combinam assaltar bancos. Acertam dia, local e horário em que se encontrarão para o assalto. Decidem funções de vigilância e execução entre eles e parte. Executam o crime em agência bancária eleita às vésperas. Repetem a operação em dias quaisquer subsequentes. Formaram bando ou quadrilha. Se, ao contrário, as pessoas reunidas planejam – de forma organizada – os assaltos, buscando informações privilegiadas preliminares – como mais dinheiro em caixa, a sua localização na agência, a estrutura da vigilância e dos alarmes, planejar rotas de fuga, infiltrar agentes de segurança, neutralizar as câmeras filmadoras internas etc. - esse grupo poderá ser caracterizado como uma organização criminosa voltada para a prática de roubos a bancos. Enquanto na primeira inexiste prévia organização para a prática, e os integrantes executam as suas ações de forma improvisada ou desorganizada, na segunda sempre haverá mínima atividade organizacional prévia de forma a tornar os resultados mais seguros. (grifo nosso)

Outra diferença marcante entre as duas espécies é que os membros de uma organização criminosa se reúnem com a finalidade de obter vantagens de qualquer tipo, seja ela de cunho patrimonial ou não. “Assim, pela definição legal, a organização criminosa pode ter outras finalidades que não apenas econômicas, como por exemplo, sexuais, segregacionistas, religiosas, políticas, entre outras.” (CAVALCANTE, 2012). Isto é, a vantagem pode ser indireta das condutas ilícitas. Já as ações dos membros de uma associação são caracterizadas unicamente pelo cometimento de crimes, pouco importando se houve ou não algum tipo de vantagem. A finalidade é cometer crimes, como nos mostra GRECO (2011, p. 810): “ Para a configuração do crime do art. 288 do Código Penal não se exige a efetiva prática dos crimes de quadrilha. O elemento subjetivo do tipo é a associação 'para o fim de cometer crimes' [...]”

Outra diferença, esta de caráter objetivo, consiste no número de crimes passíveis a serem praticados pela organização criminosa e pela associação. Por definição legal, somente para a prática dos crimes com pena máxima igual ou superior a quatro anos poderá se aplicar o conceito de organização criminosa ou para aqueles crimes cometidos de caráter transnacional, ou seja, aqueles que se iniciem ou que terminem em outro País. Referente aos crimes praticados por associações criminosas, não há esta distinção, todo e qualquer crime previsto no ordenamento nacional é passível de enquadramento no tipo penal das associações criminosas.

Percebe-se que o legislador, ao disciplinar o tema organização criminosa, procurou utilizar conceito de modo a evitar a banalização a ponto de que qualquer delito praticado através do concurso de agentes pudesse ser enquadrado como uma atividade de organização criminosa.[14] 

Antes de tudo, vale ressaltar, que é algo de extrema dificuldade conceituar o que vem a ser crime organizado, não existindo uma definição que possa ser considerada certa ou errada e passível de ser empregada em todas as legislações. Muito desta dificuldade é decorrente da facilidade de adaptação dos grupos organizados para manterem sua estrutura operacional com capacidade para empregar em atividades lícitas o produto auferido com a prática delitiva com o objetivo de gerar mais riquezas e poder para seus membros, além do espaço geográfico em que se desenvolveram.

Sendo assim, se por um lado a Lei nº. 12.694/2012 e a Lei nº 12.850/2013 restringiram os contornos da definição de crimes organizado, ao ressaltar os traços de uma atividade estruturadamente, por outro lado, andou por bem em não querer elencar expressamente quais os tipos de crimes praticados por tais organizações. As organizações criminosas evoluíram ao longo do tempo, alcançaram novos métodos para a prática das suas atividades ilícitas e a seletividade quanto aos crimes por elas praticadas, poderiam engessar o Estado de Direito no seu combate e repressão. 

Outra vez, concluindo com os ensinamentos de MENDRONI (2012, p.19):

“Na verdade, não se pode definir com absoluta exatidão o que seja organização criminosa através de conceitos estritos ou mesmo de exemplos de condutas criminosas, como sugerido. Isso porque não se pode engessar este conceito, restringindo-o esta ou àquela infração penal, pois elas, as organizações criminosas, detêm incrível poder de variante. Elas podem alternar as suas atividades criminosas, buscando aquela atividade que se torne mais lucrativa, para tentar escapar da persecução criminal ou para acompanhar a evolução mundial tecnológica e com tal rapidez, que, quando o legislador pretender alterar a Lei para amoldá-la a realidade – aos anseios da sociedade -, já estará alguns anos em atraso. E assim ocorrerá sucessivamente. Daí resultou uma definição em tipo aberto na Lei nº. 12.694/2012, para que a situação jurídica seja submetida ao crivo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que deverão interpretá-la a ponto de decidirem sobre a sua configuração.”

2.2. ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA E PROCEDIMENTAL DO JUÍZO COLEGIADO CRIMINAL TOGADO DE 1º GRAU

Além da importante inovação ao permitir a formação do juízo colegiado de 1º grau nos crimes praticados por organizações criminosas, a Lei nº. 12.694/2012 se preocupou também em  disciplinar como deverá ser a estruturação orgânica e procedimental destes juízos, não deixando a cargo dos Estados e dos seus respectivos Tribunais de Justiça estabelecer como deveria ser esta implementação.

Logo em seu art. 1º e incisos, a nova lei menciona alguns atos processuais em que será permito ao magistrado instaurar o colegiado, vejamos:

Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

Os incisos do art. 1º elencam algumas hipóteses permissivas dos atos jurisdicionais de competência do Órgão Colegiado. No entanto, não se trata de um rol taxativo, ou seja, outros atos não elencados no artigo também poderão ser passíveis de atuação do colegiado. Tal conclusão pode ser retirada da própria letra de lei ao informar que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente”, embora forneça exemplos daqueles mais relevantes, segundo a conclusão defendida pelo juiz federal Márcio André Lopes Cavalcante:

“O colegiado de juízes poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento relacionado com crimes praticados por organizações criminosas, seja antes, durante, ou mesmo depois da ação penal.

Em outras palavras, o colegiado pode ser instaurado antes de proposta a denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase de execução.

Exemplo de instauração antes da ação penal: colegiado para que seja decidido um pedido de interceptação telefônica requerido no bojo do inquérito policial.

Exemplo de instauração durante a ação penal: colegiado para a prolação da sentença.

Exemplo de instauração após a ação penal: colegiado para decidir quanto à regressão de regime prisional.

O colegiado pode ser instaurado para atuar no processo principal (ação penal) ou em processo incidente (ex: decidir incidente de falsidade). (CAVALCANTE, 2012, p. 02)

No art. 1º, §1º, estão os motivos ensejadores ao magistrado instaurar o órgão colegiado:

Art. 1º, § 1o O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

Para que o colegiado seja instaurado, será necessário que o magistrado invoque e demonstre as circunstâncias ou motivos reais de risco a sua integridade física, que pode ser estendida aos seus familiares. Respeitando o Princípio das Decisões Motivadas, insculpida no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal[15], obriga o juiz de 1º grau a fundamentar a sua decisão de formar o juízo colegiado.

Apesar da Lei exigir que a decisão de instauração seja fundamentada, não se pode impor ao magistrado que apresente fatos cabais ou efetivas provas de que há risco à sua integridade física, considerando que ainda não se está julgando os agentes envolvidos na suposta organização criminosa.

Ex: se o processo refere-se a um grupo de extermínio acusado da prática de vários homicídios, inclusive de autoridades, ainda que não tenha havido uma ameaça real à integridade física do magistrado, este, diante das circunstâncias que envolvem tais investigados/acusados, poderá concluir que há risco pessoal na condução singular do processo e, então, decidir pela instauração do colegiado. (CAVALCANTE, 2012)

Continua no §2º, art. 1º que:

O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

Quanto a este dispositivo, registre-se a utilização de critérios objetivos, impessoais e apriorísticos estabelecidos pela Lei, respeitando o Princípio do Juiz Natural, ao informar que os outros juízes serão escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau. Logo, não é necessário que o magistrado seja da mesma comarca, podendo ser de circunscrição diversa, como uma forma de viabilizar a formação do colegiado. Limitar ao sorteio magistrados da mesma comarca, inviabilizaria a própria Lei, já que na maioria das comarcas pelos rincões do Brasil, não há 03 (três) juízes atuando. Como veremos adiante no tópico 4.1 deste trabalho acadêmico, ao examinarmos a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.414, de relatoria do Min. Luiz Fux, o leading case que emergiu da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.414, de relatoria do Min. Luiz Fux, que examinou a Lei Alagoana nº. 6.806/2007), estava prevista a convocação de juízes por critérios meramente pessoais para compor o órgão colegiado, pois quem escolhia os magistrados a se juntarem ao juiz da causa e formarem o Colegiado era o Presidente do Tribunal de Justiça Alagoano, motivo pelo qual, neste ponto, a referida lei estadual foi considerada inconstitucional:

O princípio do Juiz natural obsta qualquer escolha do juiz ou colegiado a que as causas são confiadas, de modo a se afastar o perigo de prejudiciais condicionamentos dos processos através da designação hierárquica dos magistrados competentes para apreciá-los (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 545), devendo-se condicionar a nomeação do juiz substituto, nos casos de afastamento do titular, por designação do Presidente do Tribunal de Justiça, à observância de critérios impessoais, objetivos e apriorísticos. Doutrina (LLOBREGAT, José Garberí. Constitución y Derecho Procesal ? Los fundamentos constitucionales del Derecho Procesal. Navarra: Civitas/Thomson Reuters, 2009. p. 65-66). (FUX, 2011)

Justamente para viabilizar a formação do colegiado, permite no art. 1º, §5º, a audiência via eletrônica, cabendo aos Tribunais de Justiça regulamentar como estas reuniões /sessões deverão ser feitas, art. 1º, §7º.

Diferente da Lei Nacional em estudo, a Lei nº 6.806/2007 de Alagoas previa um colegiado composto por 05 (cinco) juízes, os quais estes seriam escolhidos por ato do Presidente do Tribunal de Justiça do respectivo Estado entre todos os magistrados de piso, independente de estarem exercendo ou não a competência criminal. O ato discricionário de escolher quais os magistrados deveriam compor o colegiado por meio de critérios subjetivos, inclusive com repercussão financeira para os escolhidos[16][17], configura uma grave violação ao Princípio da Impessoalidade, que serve de orientação para a Administração Pública.

Outro importante ponto de estruturação orgânica e procedimental do Juízo Colegiado Criminal Togado de 1º Grau está disposto no art. 1º, §3º, que limita o colegiado à prática de ato determinado, não podendo a sua formação se estender para ato que não foi previsto em decisão, senão vejamos: Art. 1º, §3º - A Competência do colegiado limita-se para o ato ao qual foi convocado.

Como comentado no caput do art. 1º e incisos, o juiz terá discricionariedade para decidir em quais atos decidirá pela formação do colegiado, sendo aconselhado a instaurá-lo quando do acontecimento de determinados acontecimentos processuais. Todavia, esta faculdade conferida ao julgador da causa deverá ser mantida somente para aquele ato em que ele decidiu pela formação do colegiado criminal. Por exemplo, caso o juiz decida por instaurar o colegiado para analisar um pedido de uma prisão preventiva, o colegiado não poderá ser mantido até a prolação da sentença. Por ventura, no caso hipotético, o magistrado achar por bem julgar o processo criminal em colegiado, ele deverá, novamente, fundamentar a sua decisão a partir de motivos e circunstâncias reais e não simplesmente manter o colegiado desde a decisão que decreta ou não a prisão preventiva até o julgamento da causa.

Desse modo, na decisão do magistrado que determinar a instauração deverá ser mencionado expressamente o(s) ato(s) para o(s) qual(is) o colegiado foi convocado. Importante esclarecer que a lei não determina que o colegiado seja instaurado para a prática de apenas um ato processual. Assim, é possível que o colegiado seja convocado para a prática de uma série de atos referentes a um único processo. (CAVALCANTE, 2012)

Um dos pontos mais questionáveis da Lei nº. 12.694/2012 está estampado no art. 1º, §§ 4º e 6º, em que dispõe sobre a limitação da publicidade dos atos processuais, senão vejamos:

§ 4o As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

As normas tiveram por objetivo garantir a efetividade da Lei na repressão ao crime organizado. A Lei nº. 12.694/2012 foi criada com o objetivo principal de proteger os magistrados e por consequência representar nova forma de combate ao crime organizado. Sendo a publicidade um fator de risco para integridade física do magistrado, existirá um desvio na finalidade da Lei, afinal de contas, na prática o magistrado continuará desprotegido. Mesma lógica se aplica as decisões do colegiado, já que o voto divergente especificará, individualizará o magistrado e a sua decisão para o caso em concreto, sendo um fator de risco para o mesmo.

Outra questão importante que emerge da disciplina legal respeita à proibição de que, na publicação das decisões, haja referência a eventual voto divergente de qualquer dos membros do colegiado (art. 1.º, § 6.º, 2.ª parte). A partir desta regra, conclui-se que a decisão externada pelo órgão julgador será apenas aquela que representar o entendimento da maioria dos juízes, muito embora, repita-se, deva estar firmada por todos os integrantes, inclusive pelo autor do voto divergente. Com este regramento, mais uma vez objetivou o legislador impedir a influência de organizações criminosas sobre os membros do colegiado, evitando que se tornem alvo de ameaças  ou de pressões de qualquer natureza.  (AVENA, 2012, p.11)

A Lei nº. 12.694/2012 trouxe importantes inovações de aspectos material e processual a fim de, primeiramente, garantir uma maior proteção aos magistrados nos procedimentos que envolvam organizações criminosas e viabilizar um novo modelo de instrumento para o combate ao crime organizado. Leis que buscam a proteção de juízes, promotores de justiça, advogados, serventuários da Justiça serão sempre bem vindas, uma maneira de tornar o Judiciário mais independente. No entanto, esta independência deve respeitar as garantias e os direitos mínimos ao cidadão, principalmente quando se trata de réu em um processo penal. Por mais que se busque proteger os juízes, esta proteção não deve desrespeitar Princípios consagrados no Processo Penal, como o devido Processo Legal, Ampla Defesa, Contraditório.

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Sobre o autor
Rafael Eloy

Advogado, membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELOY, Rafael. Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4442, 30 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41676. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

A presente obra foi escrita para o Trabalho de Conclusão de Curso - TCC do curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe, a fim de se obter a Graduação do mencionado curso.

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