Nem descriminalização,nem punição: integração

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A descriminalização, por si só, traria benefícios à saúde pública e à população? Ou seria possível se levar “saúde à Justiça”, desenvolvendo-se ações integradas entre justiça, saúde e comunidade para tratamento e prevenção de usuários e familiares?

A descriminalização, por si só, traria benefícios à saúde pública e à população? Ou seria possível se levar “saúde à Justiça”, desenvolvendo-se ações integradas entre justiça, saúde e comunidade para tratamento e prevenção de usuários e familiares?

1. O uso de drogas não atinge somente o usuário, ao contrário do propagado. Na área da saúde, há o uso ocasional (no qual não há prejuízos ao usuário ou a terceiros); uso abusivo (já há certos danos); dependência química (consumo e prejuízos mais graves). São notórios os prejuízos a terceiros e à sociedade causados pelo usuário abusivo e pelo dependente, tamanhos os impactos no sistema de saúde, na segurança pública, nas mortes e acidentes no trânsito, na violência cotidiana. O desespero e a angústia tomam seus familiares, que não sabem como e a quem recorrer. 

Mas mesmo para os verdadeiros usuários ocasionais (muitos se consideram ocasionais, mas são dependentes ou abusivos), a descriminalização traria uma sensação de legalização,  o que fomentaria o uso. Este tópico necessitaria de mais espaço. Mas a título de exemplo, temos uma excelente política antitabagista, cujas restrições e limites ao livre arbítrio de fumantes criaram uma cultura de saúde na população, diminuindo-se o consumo e fomentando a busca de tratamento. Somos esquizofrênicos, então? Para o cigarro, aperto; para maconha, cocaína e crack, abertura?

2. Sabemos que o uso abusivo e a dependência são a verdaderia causa de milhares de processos cíveis e criminais em trâmite pelo país. Mesmo com a descriminalização, estes usuários continuarão figurando nestes processos. Sem um sistema integrado de tratamento, este usuário não tratado retroalimenta a violência em seu meio familiar e social e continua se envolvendo em outros conflitos, outros BOs, outros processos cíveis e criminais. O caminho é isolar ainda mais a Justiça, com sua clássica tarefa de “acusação, defesa e julgamento”?

3. O tema necessita de mais debate, sob pena de risco de sepultar boas práticas existentes no país, como o Projeto sobre Drogas coordenado pelo Ministério Público e pelo Judiciário em SJCampos/SP. O projeto desenvolveu ações integradas entre segurança, saúde, Justiça, universidades e recursos comunitários para se possibilitar ao familiar e ao usuário envolvido em um processo judicial a sua inserção a um programa de tratamento.

O projeto inicia-se com os órgãos de segurança, que encaminham familiares e usuários envolvidos em uma ocorrência policial a serviços de saúde. Neste local, em parceria com universidades, busca-se uma abordagem de reflexão, orientação e, se necessário, tratamento.

Em um segundo momento, dezenas de usuários e familiares comparecem a uma audiência judicial coletiva e assistem inicialmente a uma palestra. Familiares são atendidos e encaminhados a programas de apoio, se desejarem. Já os usuários são divididos em várias salas, onde histórias de vida, desafios e conquistas são compartilhados. Longe de uma mera sugestão, equipes multidisciplinares propiciam um ambiente para que o "réu" possa verdadeiramente pelo seu tratamento.

4. A pura e simples descriminalização das drogas causaria um vácuo, no qual não haveria nem Justiça nem saúde, na medida em que os serviços de saúde e de atenção às drogas ainda são desestruturados e insuficientes no país. Se pensarmos no coletivo e não somente no desejo individual de uso, ainda não estamos preparados para a descriminalização. Antes, necessitamos de uma política pública nacional que integre os diversos órgãos, serviços de saúde estruturados e uma justiça mais humana, apta a discutir os conflitos e suas causas com os jurisdicionados.

A dependência e o uso abusivo de drogas são um problema que atinge a todos, direta ou indiretamente. Chegamos a um estado de alerta no qual apenas criticar, cruzar os braços ou fechar os olhos já não é mais possível. Sem mecanismos integrados para cuidarmos da dependência, todos somos vítimas.

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Sobre os autores
Fabio Rodrigues Franco Lima

Promotor de justiça;Coordenador do Projeto Comarca Terapêutica em São José dos Campos/SP.

Flávio Fenoglio Guimarães

juiz de direito;coordenadordo Projeto Comarca Terapêutica em São José dos Campos/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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