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Questões peculiares à percepção do benefício do salário-família:

filiação, oneração de despesas e maioridade trabalhista

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A EC nº 20/1998, a qual alterou a maioridade trabalhista para 16 anos, preservou a idade máxima de 14 anos de filho ou equiparado, com o fito exclusivo de minimizar encargos da Previdência Social, em nítida afronta à doutrina da proteção integral.

Resumo: Este artigo tem por objetivo geral analisar o benefício previdenciário intitulado salário-família à luz de algumas perspectivas sócio-jurídicas que atualmente envolvem sua percepção. Para isso, inicialmente, aborda a contingência social que fundamenta a respectiva cobertura previdenciária e sua importância perante as garantias constitucionais que tutelam a família, bem como a criança e o adolescente. Logo em seguida, dando aprofundamento a esse contexto, demonstra que a possibilidade de a filiação ser biológica, adotiva ou, inclusive, socioafetiva não deve influenciar no recebimento do mencionado benefício, tendo em vista que o mesmo decorre não da mera existência da descendência propriamente dita, mas sim dos encargos econômicos acrescidos ao orçamento familiar quando existem menores, para fins trabalhistas, compondo aquele lar. Por fim, destaca e critica a Emenda Constitucional número 20 de 1998, que, por inércia ou por fito exclusivo de minimizar encargos da Previdência Social, preservou a idade máxima do filho ou equiparado, para fins de percepção da parcela, em 14 anos de idade, mesmo tendo alterado expressamente a maioridade trabalhista para 16 anos. Utiliza o método dedutivo, analisando primeiramente as características primordiais do benefício em estudo, passando, em seguida, para as questões mais peculiares. O tipo de pesquisa adotado foi a qualitativa, por meio do procedimento bibliográfico de estudo.

Palavras-chave: Salário-Família; Filiação; Criança e Adolescente; Tutela; Idade.


INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem por objeto de estudo o benefício do salário-família, concedido pela Previdência Social, e algumas das repercussões jurídico-sociais que envolvem a sua percepção pelo segurado que dele faz jus. Estima-se que o pagamento do mencionado benefício beneficiou, em 2007, 8,2 milhões de crianças e adolescentes, compreendidos entre a faixa etária de 0 a 14 anos de idade; e que incrementou em 3,7% a renda média dos segurados beneficiários em todo País, chegando a alcançar o percentual de 4,6% em alguns Estados da nação[1].

Tendo em vista que a percepção do mencionado benefício vincula-se, dentre outros requisitos, à existência de filiação, atualmente, em virtude do crescimento demográfico progressivo, infere-se que um número ainda maior de indivíduos sejam diretamente beneficiados com a percepção do salário-família, podendo inclusive já ter ultrapassado a margem de 10 milhões de pessoas.

É sabido que a Previdência Social, parte integrante do gênero da Seguridade Social do Brasil, tem caráter de seguro contributivo, de forma que, apenas aqueles que efetivamente filiam-se e participam do sistema por meio de recolhimentos periódicos fazem jus à percepção dos benefícios por aquela concedidos. Ademais, frisa-se que, nesse sistema, é deixado a parte a ideia de distribuição de riquezas, redução de marginalização e promoção de justiça social, matéria esta mais afeita à espécie da Assistência Social.

Diversas celeumas jurídicas e sociais florescem em torno da mencionada prestação previdenciária, principalmente por conta deste caráter contributivo da previdência, bem como da sempre presente redução dos custos orçamentários da Previdência Social. A cada atualização legislativa, em regra, cinge-se parte da cobertura em prol desses argumentos.

O trabalho leva em consideração três questões relacionadas ao benefício do salário-família, as quais foram distribuídas nos capítulos que se seguem. Inicialmente, aborda-se o histórico da mencionada parcela, bem como sua razão de existir, destacando ainda duas hipóteses a serem contestadas: a natureza assistencial ou previdenciária do mencionado instituto. Aqui se leva em consideração, como referencial teórico, além dos argumentos da doutrina previdenciária, o princípio da solidariedade no sistema da Seguridade Social como um todo.

Logo em seguida, a segunda parte do artigo enfatiza um dos requisitos para a percepção da parcela do salário-família, qual seja a existência da filiação compreendida entre a faixa etária de 0 a 14 anos. Questiona se esta deve compreender apenas os filhos biológicos e adotivos ou pode também abranger a filiação socioafetiva, qual seja aquela que privilegia a convivência e a construção de laços afetivos para o reconhecimento da filiação, em detrimento da formalidade do vínculo da descendência.

Por fim, em observância do fato de as alterações mais significantes do benefício em estudo terem sido regidas pela Emenda Constitucional número 20 de 1998, e, ainda, desta, apesar de majorar a intitulada maioridade trabalhista para 16 anos, não elevou a tal patamar o máximo etário para a percepção do benefício em estudo. Busca responder se de fato tal omissão se deu por inércia do legislador constituinte reformador ou se, intencionalmente, visava não majorar os custos do pagamento do salário-família nos cofres do Ministério da Previdência Social.

Adota o método dedutivo de pesquisa, analisando o benefício em estudo, inicialmente, de forma geral e, em seguida, partindo para as celeumas específicas que envolvem o pagamento do mesmo. O tipo de pesquisa adotado é o qualitativo, por meio do procedimento de pesquisa bibliográfica. A investigação é jurídico compreensiva, focalizando o objeto de estudo com base nos aspectos do conceito do instituto e das respostas jurídicas possíveis e compatíveis com o ordenamento jurídico em vigor.


1 HISTÓRICO E MOTIVAÇÕES DO BENEFÍCIO DO salário-família: ENCARGO PREVIDENCIÁRIO OU ASSISTENCIAL?

A Seguridade Social no Brasil, tal como definida no art. 194, caput da Constituição Federal de 1988, engloba um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade”, destinadas a assegurar o funcionamento das três partes que compõem o todo do sistema, quais sejam a saúde, a previdência e a assistência social. Diferentemente dos outros subsistemas, a Previdência Social destaca-se pelo seu caráter de proteção securitária contributiva. Isto porque, apenas faz jus à percepção das parcelas previstas pelo sistema, os segurados devidamente inscritos, filiados e que contribuem efetivamente para o sistema da forma indicada conforme sua categoria.

A Previdência Social, com essa característica de sistema securitário, visa atender determinadas contingências sociais que recaem, em regra, sobre a população economicamente ativa, tais como doença, seja comum ou relacionada às circunstâncias na qual o trabalho é desenvolvido; invalidez permanente; morte; idade avançada; prisão; gravidez e desemprego involuntário. Todas essas circunstâncias geralmente implicam no afastamento temporário ou definitivo do segurado previdenciário de suas atividades laborativas, e, em tal circunstância, acaso não houvesse a cobertura securitária, muito possivelmente haveria a perda da aferição de valores capazes de promover um padrão de vida mínimo do segurado.

Por outro lado, há benefícios a cargo da previdência que não se enquadram exatamente na função de substituição de renda salarial, mas sim de complementação de renda por fatores que o legislador considerou como relevantes. É o caso, por exemplo, do auxílio acidente e do salário-família, sendo este o objeto de estudo deste trabalho.

1.1.Surgimento do salário-família, requisitos para sua concessão e contingência social abrangida

O salário-família é benefício previdenciário previsto constitucionalmente nos arts. 7o, XII e 201, IV, mais precisamente nos Capítulos acerca dos direitos sociais e da seguridade social. Daí talvez surja um primeiro questionamento a respeito da natureza trabalhista ou previdenciária da mencionada parcela. A corrente minoritária defende a natureza trabalhista do instituto, fundando-se essencialmente no argumento da natureza alimentar da parcela, bem como na denominação do institutos, fundamentos estes de fácil refutação prática e teórica.

Em sentido contrário (DEMO, 2006) (CARRION, 2012), entende a corrente majoritária, seguida tradicionalmente pelos tribunais trabalhistas[2] e tribunais federais[3], pela natureza previdenciária do benefício. Apesar de fugir da função peculiar da Previdência Social de proteção de contingências que podem atingir diretamente a população segurada economicamente ativa, o benefício em estudo, além de ter seus encargos suportados pela Previdência Social, é considerado benefício previdenciário atípico ou extravagante que objetiva à tutela da família.

Criado, originalmente, pela Lei 4.266, de 03 de outubro de 1963, o benefício do salário-família desde sua instituição não era incorporado, para qualquer efeito, às parcelas de natureza salarial e já estava vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o qual compensaria os repasses empresariais feitos a título do referido benefício com as contribuições periódicas dos empregadores. Vale ressaltar que, à época, era devido apenas aos empregados urbanos, ou seja, aqueles regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, que hoje, em regra, são aqueles denominados segurados empregados do RGPS.

Apenas em 10 de agosto de 1968, pela publicação da Lei 5.480, passou a ser devido também aos trabalhadores avulsos, que são aqueles que prestam serviços a variados empregadores de forma sempre intermediada por sindicato ou órgão gestor de mão de obra, sendo mais comuns em zonas portuárias legalmente sistematizadas.

A Constituição Federal de 1988, albergando o salário-família como benefício previdenciário, expressamente mencionou-o, como suprarreferido, como direito social e prestação previdenciária.

Atualmente, é regido principalmente pela Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, a qual dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social, e pelo Decreto 3.048, de 06 de maio de 1999, o qual aprova o regulamento da Previdência Social.

O benefício do salário-família é devido, mensalmente, ao segurado empregado e ao trabalhador avulso, bem como ao empregado doméstico, após a alteração constitucional instituída pela Emenda número 72, de 02 de abril de 2013; na proporção do número de filhos ou equiparados de até 14 anos de idade ou inválidos. Ressalta-se que, para estes últimos segurados, ainda carece de regulamentação legislativa infraconstitucional a percepção do benefício em estudo.

Seu pagamento é realizado, em regra, diretamente pelo empregador, o qual fará jus ao abatimento dos repasses realizados a título de adimplemento do benefício em sua Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP).

Vale ressaltar que os segurados empregado e avulso, aposentados por invalidez, em gozo de auxílio doença ou aposentados aos sessenta e cinco anos de idade, se do sexo masculino, ou sessenta anos, se do sexo feminino também fazem jus, atendidos os demais requisitos legais, ao mencionado benefício, o qual será pago diretamente pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).

Anteriormente, indiscriminadamente pago aos segurados na proporção do numero de filhos ou equiparados até 14 anos ou inválidos, passou a ser devido apenas aqueles de baixa renda, desde a alteração constitucional realizada pela Emenda 20, de 15 de dezembro de 1998, mais conhecida como reforma do sistema previdenciário. Tal conceito de segurado de baixa renda foi designado objetivamente pela referida emenda como sendo aquele que tenha renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) na data seguinte a publicação da reforma constitucional.

Hodiernamente, em conformidade com a Portaria Interministerial do Ministério da Previdência Social e Ministério da Fazenda de número 13, de 09 de janeiro de 2015, o valor do salário-família será de R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) por filho ou equiparado de até 14 anos ou inválido de qualquer idade para aqueles segurados que recebam remuneração de até R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) mensais. Já para o segurado que perceber entre R$ 725,03 (setecentos e vinte e cinco reais e três centavos) e R$ 1.089,72 (mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos), o valor do benefício diminui para R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos).

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Observa-se que aqui não se aplica a regra da renda mensal mínima em valor do salário mínimo, tendo em vista que a parcela em estudo não visa substituir o rendimento mensal do trabalho do segurado, mas apenas complementar renda no caso da existência de filiação que gere aumento de despesas do segurado.

Nesse sentido, é importante ressaltar que a finalidade do benefício em apreço é bem definida por Alfredo Ruprecht (1996, p. 274) como “a constituição ou o desenvolvimento normal da família, com o aporte de uma contribuição regular e permanente para a manutenção das pessoas cujo encargo é assumido pelo chefe de família”. Pode-se inferir que tal encargo, nos dias de hoje, é dividido entre aqueles que economicamente se encontram ativos naquele lar.

Talvez por isso, a própria legislação previdenciária prevê que, quando pai e mãe são segurados empregados ou trabalhadores avulsos, ambos têm direito ao salário-família, caso se enquadrem nos demais requisitos legais.

Vale ressaltar ainda que, desde a vigência da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, condiciona-se o pagamento do salário-família à apresentação da certidão de nascimento do filho ou documentação relativa ao equiparado previdenciário e à apresentação anual do atestado de vacinação obrigatória da descendência de até 6 anos de idade ou  à comprovação de frequência escolar no caso de filiação entre 6 e 14 anos de idade.

1.2.Natureza assistencial ou previdenciária?

A contingência social que enseja a percepção do salário-família, como se vê, não exige um comprometimento da capacidade laboral do segurado para que venha este a perceber o benefício. Ademais, há um certo caráter de distribuição de riquezas na intenção de complementar a renda do beneficiário segurado em virtude de seus compromissos familiares atribuídos à existência da filiação.

Tais argumentos podem levar a uma falsa ideia de que o benefício em estudo trata-se de parcela de caráter mais assistencial que previdenciário. Contudo, afasta-se tal posicionamento em virtude, principalmente, da repercussão do princípio da solidariedade no sistema geral previdenciário vigente. Isto porque, os contribuintes do sistema recolhem seus encargos em prol de todos e não especificamente para seus próprios riscos, tal como em regra se dá nos regimes privados de previdência.

Importante posicionamento neste sentido é o de Leda de Oliveira Pinho (2007, p. 69):

A solidariedade financeira é sem dúvida um dos pressupostos básicos da solidariedade social, uma vez que os recursos financeiros devem preceder os correspondentes encargos financeiros, seja por uma questão de lógica, seja por ordem constitucional. No caso da previdência social esses recursos são carreados por alguns, os segurados, em benefício também de alguns, os segurados e seus dependentes. Em síntese, na previdência social impera a regra do alguns por alguns. É o conteúdo normativo do princípio da solidariedade que “fundamenta a concessão de prestações da Previdência Social em valores totais superiores aos recolhidos pelo segurado, a título de contribuição previdenciária”.

Nesse sentido, infere-se que, apesar de vincular-se a uma contingência social atípica, qual seja a elevação da renda do segurado de baixa renda que possua filho ou equiparado de até 14 anos ou inválido, o benefício do salário-família não perde sua natureza previdenciária por ser suportado pelos próprios segurados do sistema, fundando-se no princípio da solidariedade entre os participantes do sistema vigente, quais sejam os próprios segurados da Previdência Social.


2 REQUISITO OBJETIVO PARA PERCEPÇÃO: EXISTÊNCIA DE DESCENDÊNCIA OU ONERAÇÃO DOS ENCARGOS FAMILIARES PELO MENOR?

Ante à proteção constitucional designada à família, bem como à criança e ao adolescente, a contingência social abrangida pelo benefício do salário-família coaduna-se com a tutela da instituição da família, bem como com a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, contudo, claro, não está imune a críticas.

            2.1 A “democratização” da família à luz da constitucionalização do direito privado

A evolução social, em regra, é a mola propulsora das transformações do direito. As mudanças sociais exigem que o ordenamento jurídico se adeque e preserve-se atualizado, sob pena de ensejar problemas jurídicos, tal como as lacunas ontológicas. A instituição da família como esfera patriarcal, baseada na formalidade matrimonial, ao longo do Século XX, começou-se a transmudar-se exigindo uma nova perspectiva de abrangência jurídica e funcional que se coadune com a alteração do próprio sentido semântico da palavra.

Os ordenamentos jurídicos necessitaram evoluir no mesmo sentido da progressão social que englobava as relações de afeto e parentesco, surgindo o que Maria Celina Bodin de Moraes intitula de “democratização” das famílias (MORAIS, 2010, p. 209):

(...) na maior parte dos países ocidentais, inclusive, no Brasil, o poder marital desapareceu, tendo havido, em seguida e em consequência, a supressão da figura do chefe de família. Além disso, do ponto de vista estrutural, diversos fenômenos sócio-demográficos contribuíram para a alteração radical da vida familiar. Quanto ao casamento, numerosos foram os casais que passaram a coabitar, independentemente de qualquer vínculo formal; tantos outros se divorciaram; inúmeras as crianças nascidas de pais não-casados e que, até recentemente, seriam consideradas ilegítimas. Concomitantemente, mais mulheres começaram a trabalhar fora e a compartilhar encargos econômicos da família. Para tanto, adiaram o inicio da vida conjugal em prol de uma trajetória profissional, passando a ter filhos cada vez mais tarde, quando já dotadas de alguma independência financeira. Este processo foi acompanhado de perto pela legislação e pela jurisprudência brasileiras, que tiveram nas duas ultimas décadas, inegavelmente, um papel promocional na construção do novo modelo familiar. Tal modelo vem sendo chamado, por alguns especialistas em sociologia, de “democrático”, correspondente, em termos históricos, a uma significativa novidade, em decorrência da inserção, no ambiente familiar, de princípios tais como a igualdade e a liberdade.

Esta superação do modelo patriarcal de família, com a divisão dos encargos familiares entre os entes que a compõem e têm capacidade de assim contribuir, encontra, como visto, abrigo na própria evolução do ordenamento jurídico interno, principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988. Valores centrais do direito constitucional pátrio, tais como a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a solidariedade, passaram a vigorar em todos os ramos do direito, no fenômeno conhecido como a constitucionalização do direito privado.

A importância dessas modificações para o estudo em questão é determinante para inferir-se que a circunstância social que dá ensejo à percepção do benefício previdenciário em estudo não pode vincular-se ao conceito retrógado de famílias, tal como laço matrimonial indissolúvel e tutela de filiação exclusiva advinda desse vínculo conjugal. Deve abranger as relações de afeto e comprometimento em larga escala que delas decorram a existência de menores na faixa etária fixada, desde que atendidos os demais requisitos legais.

            2.2 A tutela efetiva do acréscimo de encargos familiares

É importante delimitar um requisito objetivo que enseja a percepção do salário-família, qual seja a oneração dos encargos familiares advindos da existência de menores no lar do segurado beneficiário de baixa renda. Não se pode inferir que tal condição se vincule apenas a existência da filiação propriamente dita, até pela própria dicção legal que transmite a mens legis, tal como o art. 87 do Decreto 3.058/99:

Art. 87. Tendo havido divórcio, separação judicial ou de fato dos pais, ou em caso de abandono legalmente caracterizado ou perda do pátrio-poder, o salário-família passará a ser pago diretamente àquele a cujo cargo ficar o sustento do menor, ou a outra pessoa, se houver determinação judicial nesse sentido.

A hermenêutica teleológica mais apropriada deste dispositivo remete ao entendimento de que o encargo gerado pelo menor é que dá azo ao recebimento do benefício. A perda do poder familiar, por exemplo, é circunstância que enseja a cessação do pagamento, pois o segurado, em tese, não tem mais o ônus de sustento e responsabilização por aquele menor.

De tal compreensão infere-se também que não só os encargos com filhos ou equiparados para a Previdência Social deviam ensejar o pagamento da parcela, tendo em vista que a existência de um menor convivendo naquela família, na faixa etária compreendida, gera o mesmo acréscimo de despesas que um filho biológico, adotivo ou enteado. O mesmo se dá com a intitulada filiação socioafetiva e famílias eudemonistas, sendo aquelas em que os laços de afetividade são os motivos justificadores da existência desse núcleo em detrimento do vínculo biológico ou outro jurídico formal[4].

Tudo isso fundamentado também na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente que rege tanto microssistema jurídico voltado à tutelas desses indivíduos, qual seja a Lei 8.069/90, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como o disciplinamento constitucional vigente. Ora se a interpretação jurídica do ordenamento prevê a tutela prioritária dessas pessoas em desenvolvimento, tal diretriz deve ser observada na interpretação de outros microssistemas que envolvam a participação de crianças e adolescentes, tal como, nesse caso, os reflexos positivos para pessoa em desenvolvimento com esse acréscimo de renda familiar, ainda que de pequena monta.

Nesse sentido, sugere-se que os requerimentos do salário-família que envolvam vínculo eudemonistas ou situações não abrangidas pelos termos compreendidos pela normatização previdenciária como “filhos ou equiparados”, mas que se enquadrem em situações que envolvam a responsabilização por menores na faixa etária compreendida na lei, devem ser sim abrangidas como contingência social ensejadora da percepção do beneficio.

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Sobre a autora
Brena Késsia Simplicio do Bonfim

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza e em Direito e Processo Penal pela Faculdade Entre Rios do Piauí. Advogada. Professora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Brena Késsia Simplicio. Questões peculiares à percepção do benefício do salário-família:: filiação, oneração de despesas e maioridade trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4434, 22 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41964. Acesso em: 5 mai. 2024.

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