A (des)necessidade de representação por parte da vítima na Lei Maria da Penha

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Analisamos a necessidade de representação por parte da vítima, no caso de lesão corporal leve, praticada pelo marido contra a mulher, em razão do direito desta à liberdade de não proceder à demanda contra seu cônjuge.

No Brasil, uma lei foi criada especificamente com o intuito de proteger a mulher contra a violência doméstica. Tal lei foi denominada Lei de proteção da violência doméstica e familiar contra a mulher e ficou mais conhecida como Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06).

A Lei Maria da Penha alterou o Código Penal pátrio no que tange a lesão corporal no âmbito da violência doméstica, no artigo 129, §9º, modificando assim a pena de detenção que antes era de 06 meses a 1 ano e que passa a ser de 03 meses a 3 anos, sem prestação de pena pecuniária e pagamento com cestas básicas. Também estipulou a autorização da prisão em flagrante do agressor ou a sua decretação de prisão preventiva.

Devido a tal mudança, a Lei Federal nº 11.340/06 (Maria da Penha) estipulou em seu artigo 41 que a lesão corporal praticada no âmbito familiar passou a ser de Ação Pública Incondicionada, assim vejamos:

São crimes de ação pública incondicionada, não havendo exigência de representação e nem possibilidade de renúncia ou desistência por parte da ofendida. Somente nas hipóteses em que o Código Penal condiciona a ação à representação é possível, antes do oferecimento da denúncia, a renúncia à representação.

Contrariamente, no art. 88 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), encontra-se expressa a exigibilidade de representação da vítima para o início da Ação Penal. Tal artigo não foi revogado nem derrogado. Porém, são muitos os pontos de vistas em relação à questão, conforme decisão abaixo:

132168674 JCP.129 JCP.129.9 JLJE.88 – PENAL – PROCESSO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI MARIA DA PENHA (11.340/06) – LESÃO CORPORAL LEVE – AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ – Segundo recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça - STJ, a ação penal para o crime de lesão corporal leve previsto no artigo 129, § 9º, do código penal é pública incondicionada. Entendeu-se que o artigo 88, da lei 9.099/95, o qual estabelece a necessidade de representação para os crimes de lesão corporal leve e lesão culposa, não se aplica quando o crime é cometido no âmbito de aplicação lei 11.340/06 – Ressalva do ponto de vista do relator, no sentido de que a ação continua dependente de representação da ofendida. - Recurso conhecido e provido para cassar a decisão que rejeitou a denúncia. (TJDFT – RSE 20071010119603 – 2ª T.Crim. – Rel. César Loyola – DJU 04.11.2008).

Conforme expresso na Declaração dos Direitos Humanos (resolução 217 A (III) de 1948), em seu artigo III diz que “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. E essa mesma liberdade vem estampada no caput do artigo 5º da Constituição Federal da República de 1988 que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à (...) à liberdade (...)“.

Tal liberdade referida também deve incluir a da mulher de ser livre para representar ou não contra seu marido agressor. Ela quem deve decidir se lhe interessa ou não ver o Estado processar e condenar criminalmente seu esposo que a agrediu. A interpretação literal da lei não deve, portanto, ser tão levada em conta nesse caso e sim deve ser interpretada em todo o seu contexto sistemático presente no ordenamento jurídico.

Nas palavras de Damásio de Jesus, a Lei Maria da Penha (11.340/06) não teve a pretensão de transformar a ação penal em pública incondicionada no crime de lesão corporal no âmbito da violência doméstica, pois público e incondicionado são os procedimentos da polícia e do processo. O intuito da Lei foi o de excluir a permissão da aplicação das penas alternativas, como a pecuniária e cestas básicas, já citadas anteriormente.

Assim diz o inciso I, do artigo 12 da referida Lei n° 11.340/06:

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada

Importante citar o HC o 113.608-MG que teve como relator o Ministro Celso Limongi, que se refere no tocante à representação do artigo 16 da Lei Maria da Penha, onde este considerou que se a vítima só pode se retratar da representação, ou seja, “retirar a queixa” perante o juiz, a ação é Pública Condicionada.

Conclui-se, portanto, que a lesão corporal leve praticada pelo marido contra a mulher, nos termos da Lei Federal n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), permanece sendo de Ação Penal Pública Condicionada à representação.

Deste modo, se houver a propositura de denúncia sem a representação deve ser rejeitada por falta de exigida condição para o exercício da ação penal, de acordo com o artigo 43, III do Código de Processo Penal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal

BRASIL. Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal (...). Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF,. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em> 29 ago. 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão nº 325.154. Relator: Desembargador César Loyola. 09 de outubro de 2008. Brasília, DF. Disponível em: < http://juris.tjdft.jus.br/docjur/324325/325154.doc>. Acesso em: 29 ago. 2010.

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GARCIA, Luis Gustavo Negri. Lesão corporal leve na Lei Maria da Penha e Ação. São Paulo: Rede de Ensino LFG, 2009. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1470163/lesao-corporal-leve-na-lei-maria-da-penha-e-acao-penal-luis-gustavo-negri-garcia>. Acesso em: 29 ago. 2010.

JESUS, Damásio E. de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei nº 11.340/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1670, 27 jan. 2008. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=10889>. Acesso em: 29 ago. 2010.

PARAÍBA, Fundação Escola Superior do Ministério Público da (Org.). Lesão corporal leve no âmbito da violência doméstica.: Lei Maria da Penha. Paraíba: Fesmip. Disponível em: <http://fesmippb.org.br/doutrina/Lei_Maria_da_Penha.doc>. Acesso em: 29 ago. 2010.

REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da necessidade de representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Castelo, Espírito Santo: Revista Jus Vigilantibus, 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/24966>. Acesso em: 29 ago. 2010.

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Sobre a autora
Cecília Cardoso Silva Magalhães Resende

Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba em 2009. Pós-graduada em Ciências Penais pela Uniderp/Anhanguera em 2012. Advogada militante em Uberaba/MG nas áreas: Criminal, Cível, Família e Previdenciária.<br>

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