Audiência de custódia, delegado de polícia e o cumprimento do art. 7° “5” do Pacto de San José da Costa Rica

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Audiência de custódia, a panaceia do cumprimento do pacto de San José da Costa Rica.

 

 

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.[1]

 

 

“O Delegado de Polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça”[2]

 


[1] §4° do art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[2] Ministro Celso de Mello, STF, em voto proferido no HC 84548/SP. Rel. Ministro Marco Aurélio. Julgado em 21/6/2012.

 

 

 

 

RESUMO:

 

No dia 06/02/2015, foi lançado pelo Conselho Nacional de Justiça o projeto de Audiência de Custódia que consiste em firmar convênios com os Tribunais e Governos Estaduais a fim de convergir esforços e recursos que almejem a apresentação do indivíduo preso em até 24 (vinte e quatro) horas a um juiz a fim de que este possa decidir sobre o flagrante lavrado, bem como a necessidade da custódia preventiva ou medida cautelar diversa da prisão, tudo em uma audiência específica para tal fim. A justificativa para vultoso investimento em recursos necessários a implementação do projeto seria da necessidade de cumprimento do pacto de San José da Costa Rica ao qual o Brasil ratificou desde 25/09/1992. Apontaremos a desnecessidade do projeto, dado ao fato de que o nosso sistema pré-processual prevê a apresentação do preso a Autoridade Policial a quem cabe deliberar sobre a lavratura do flagrante e o envio do procedimento ao magistrado, consistindo ao final, no mesmo fim do citado projeto.

PALAVRAS-CHAVES:

Audiência de Custódia. Delegado de Polícia. Juiz de Direito. Pacto de San José da Costa Rica.

1.DELEGADO DE POLÍCIA, BREVE HISTÓRICO

 

No ano de 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, foi criada a Intendência Geral de Polícia, chefiada por um Desembargador ao qual era nomeado Intendente Geral de Polícia possuindo status de Ministro de Estado.

Ocorre, que dado a extensão territorial do Brasil, o Intendente Geral de Polícia poderia “delegar” suas funções para seus representantes nas províncias, surgindo assim o “delegado” com funções de Autoridade policial e judicial.

A lei n.° 261 de 03 de dezembro de 1841, determinava em seu art. 2° que os Chefes de Polícia fossem escolhidos entre Desembargadores e Juízes de Direito enquanto os Delegados entre quaisquer Juízes e cidadãos, frisando a obrigatoriedade em aceitar a nomeação, in verbis.

Art. 2º Os Chefes de Policia serão escolhidos d'entre os Desembargadores, e Juizes de Direito: os Delegados e Subdelegados d'entre quaesquer Juizes e Cidadãos: serão todos amoviveis, e obrigados a acceitar.

O regulamento n.° 120, de 31 de janeiro de 1842, formalizou a distinção entre as atribuições de Polícia Administrativa e a Judiciária, conferindo a esta última até mesmo a expedição de mandados de busca e apreensão, sendo este importante ferramenta de investigação criminal.

A legislação vigente confere ao Delegado de Polícia a atribuição de representar diretamente ao Magistrado e no interesse da investigação, pela concessão de mandados de prisão e busca e apreensão entre outras cautelares diversas da prisão, o legislador primou por uma investigação isenta, visto que, reportando-se o Delegado de Polícia diretamente ao Juiz de Direito e não sendo parte na Ação Penal, figura de modo isento na apuração do crime, de modo que estabelece entre o início das investigações e o fim do processo uma relação de continuidade que na alusão de Achilles Benedito de Oliveira pode ser representado por uma corrida de revezamento, em que um atleta passa ao outro o bastão, sem interferência de um no espaço de atuação do outro[2].

Isto posto, a atividade de Polícia Judiciária surgiu como desdobramento da atividade judicante, a fim de separar as funções de Policia e de Justiça, contudo, incumbiu ao Delegado de Polícia atribuições para determinar a lavratura do auto de prisão em flagrante, com o conseqüente encarceramento do indivíduo que lhe seja conduzido nesta situação, a concessão de liberdade provisória com o arbitramento de fiança e a análise técnico-jurídica dos elementos informativos apresentados contra o preso.

O Delegado de Polícia, cargo privativo de bacharel em Direito, com função de natureza jurídica, essencial e exclusiva do estado[3], exerce cargo de autoridade[4],nos dizeres de Hélio Bastos Tornarghi em seu artigo sobre o conceito de autoridade policial[5], “a autoridade dentro de sua esfera de atribuições não pede, manda”. Autoridades “exercem em nome próprio o poder do estado. Tomam decisões, impõem regras, dão ordens, restringem bens jurídicos e direitos individuais, tudo dentro dos limites traçados por lei”.

2.O ART. 7° “5” DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA)

 

A Convenção Americana de Direitos Humanos, denominada de Pacto de San José da Costa Rica, é um tratado internacional entre os países americanos membros da Organização dos Estados Americanos, tendo sido promulgado no Brasil por intermédio do Decreto n.° 678 de 6 de novembro de 1992.

Com efeito o art. 7° “5” do Pacto de San José da Costa Rica estabelece como direito à liberdade pessoal que o preso, detido, retido ou conduzido deve ser apresentado sem demora a presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer as funções judiciais, in verbis.

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Encontra-se em tramitação o Projeto de Lei do Senado 554/2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, ao qual visa assegurar a toda pessoa presa em flagrante o direito de ser apresentada em 24 (vinte e quatro) horas ao juiz para que este analise a necessidade da manutenção da prisão.

Antecipando-se a aprovação do Projeto de Lei do Senado 554/2011, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) celebrou um termo de cooperação com o TJSP, projeto piloto ainda sem regulamentação, com a finalidade de implementação das “Audiências de Custódia” em todo país.

A legislação brasileira estabelece um leque de garantias para o indivíduo conduzido. Com efeito, o Decreto-Lei n.° 3689/41 (Código de Processo Penal) em seu art. 306 e parágrafos, estabelece garantias ao conduzido e a necessária informação e cópias ao Magistrado afim de decidir sobre a situação jurídica do preso em flagrante, in verbis.

Art. 306.  A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

§ 1o  Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

§ 2o  No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. grifei

Como se observa, após a prisão em flagrante do conduzido, a cópia do auto é encaminhada em até 24 (vinte e quatro) horas ao Juiz de Direito e este deve decidir sobre a conversão da prisão em flagrante em preventiva, conceder a liberdade ou impor cautelares diversas da prisão ao conduzido, in verbis.

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

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III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Parágrafo único.  Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

O art. 301 do Código de Processo Penal estabelece que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, portanto, a atribuição da Autoridade Policial em decidir sobre a prisão em flagrante, sendo esta espécie de prisão cautelar e portanto de natureza judicial se amolda com precisão ao quanto pactuado no art. 7° “5” do Pacto de San José da Costa Rica.

Convém ressaltar que o Brasil, no que se refere às relações internacionais, rege-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos e também pelo princípio da auto-determinação dos povos[6], respeitando a soberania alheia e mais ainda a própria soberania.

3. CONCLUSÃO

 

O Deputado Federal Laerte Bessa asseverou[7] que “uma lei obrigando a apresentação de todos os presos perante o Poder Judiciário exigiria a organização de volumosas pautas de audiência com juiz, Ministério Público e Defensoria Pública diariamente, e não apenas nos dias úteis durante o horário de expediente, sob pena de marcante incoerência. Se pensarmos nos milhares de municípios existentes no Brasil, a proposta de audiência de custódia se mostra totalmente impraticável, visto que em sua grande maioria conta apenas com um delegado de polícia, sendo esta muitas vezes a única autoridade a menos de 200 km de distância que, por dever de ofício, vai até onde se encontra o cidadão detido para analisar a legalidade de sua prisão, postura que dificilmente se verá por parte de uma comissão de audiência de custódia, visto que hoje nem mesmo um defensor público é disponibilizado para acompanhar um simples auto de prisão em flagrante. Não é preciso grande esforço para perceber que uma lei com tais imposições não seria observada, criando mais uma causa de nulidade processual da prisão, que resultaria inevitavelmente no relaxamento de prisões em massa, trazendo intranqüilidade social e depreciação à imagem do Poder Judiciário”.

Diante do exposto, vê-se claramente que o projeto de “audiência de custódia” em que o Conselho Nacional de Justiça busca implantar em todos os estados do Brasil, se afigura desnecessário e ausente de regulamentação, notadamente quando encontra-se ainda em tramitação no Senado federal o Projeto de Lei n.° 554/2011 onde são discutidos além da necessidade, as implicações e gastos decorrentes da “Audiência de Custódia”. Entre as barreiras levantadas a implantação das “Audiências de Custódia”, destaque-se para as atribuições do Delegado de Polícia já responsável pela análise jurídica da lavratura da prisão em flagrante e de sua comunicação ao Magistrado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ, TJSP e Ministério da Justiça lançam Projeto Audiência de Custódia (2015) Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62389-cnj-tjsp-e-ministerio-da-justica-lancam. Acesso em: 02/08/2015.

 

CONJUR. Delegados apresentam ADI no Supremo contra audiência de custódia (2015) Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/delegados-entram-adi-audiencia-custodia. Acesso em: 02/08/2015.

COSTA RICA. Tratado internacional: Pacto de San José da Costa Rica (1969) Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm Acesso em: 02/08/2015.

 


[

[2] OLIVEIRA, Achilles Benedito de. Ministério Público e Polícia. In: Revista de Polícia do Estado de São Paulo. São Paulo, ano 17 – n. 22. pp. 70-74, Dezembro/1996.

[3] art. 2° da Lei 12.830/13.

[4] § 1° do art. 2° da Lei 12.830/13.

[5] https://blogdodelegado.wordpress.com/conceito-de-autoridade-policial-na-legislacao-processual-penal-brasileira/ acessado em 02/08/2015.

[6] Art. 4°, II e III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[7]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=96BE924CF4BC76AC0FC747EF5FEDF08F.proposicoesWeb2?codteor=1303512&filename=PL+470/2015, em 02/08/2015.

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Sobre o autor
Antônio Álvaro Ramos Santana Schramm

Delegado da Polícia Civil no estado da Bahia; Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Maurício de Nassau.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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