INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar o regime de bens no casamento, bem como suas consequências jurídicas.
Abordaremos os tipos de regimes existentes, suas possibilidades e proibições.
Será feito também uma breve abordagem sobre o regime patrimonial na união estável e nas relações homoafetivas.
O presente artigo visa apresentar de forma simples e didática as peculiaridades de cada regime.
1. REGIME DE BENS – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O regime de bens está previsto no Título II (Do Direito Patrimonial), Subtítulo I (Do Regime de Bens entre os Cônjuges), nos artigos 1.639 usque 1.688 do Código Civil; e também é chamado de “estatuto patrimonial dos cônjuges”, que nada mais é do que um contrato que disciplina as relações econômicas durante o casamento, ou seja, o regime começará a vigorar a partir do casamento.
Os nubentes, conforme prevê o artigo 1.639 do Código Civil, podem livremente estipular o regime que regerá seu casamento. Não havendo escolha, ou sendo esta nula ou ineficaz, o regime adotado será o da comunhão parcial de bens (artigo 1.640 do CC).
Conforme previsto no Parágrafo único do art. 1.640 do CC, no processo de habilitação os cônjuges exercerão a faculdade de escolher o regime, sendo certo que o regime de comunhão parcial é reduzido a termo, sendo que para os demais regimes necessita do pacto antenupcial por escritura pública.
O regime de bens poderá ser alterado mediante autorização judicial através de manifestação motivada de vontade de ambos os cônjuges. (§2º, art. 1.639 do CC).
2. ESPÉCIES
O Código Civil prevê os seguintes regimes:
a) Comunhão parcial – arts. 1.658 usque 1.666;
b) Comunhão universal – arts. 1.667 usque 1.671;
c) Participação final nos aquestos – arts. 1.672 usque 1.686;
d) Separação de bens – arts. 1.687 e 1.688
Dissertaremos sobre cada espécie.
2.1. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL
Com a introdução da Lei do Divórcio (6.515/77) o regime de comunhão parcial de bens é o regime que vigora quando não há manifestação de vontade dos nubentes – chamado de regime legal (artigo 1.640 do CC).
Atualmente encontra-se previsto nos artigos 1.658 até 1.666 do Código Civil. Esse regime determina que se comunicam os bens adquiridos pelo casal na constância do casamento.
O regime de comunhão parcial faz surgir três massas distintas de bens:
a) bens particulares do marido;
b) bens particulares da esposa;
c) bens comuns do casal.
O que significa que todos os bens adquiridos individualmente antes do casamento permanecem exclusivamente ao adquirente, inclusive aqueles bens que tem por título uma causa anterior (exemplo herança).
A esse respeito o artigo 1.659 do Diploma Civil arrola os bens que são excluídos da comunhão, a saber:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Por sua vez os bens que entram na comunhão estão relacionados no artigo subsequente – 1.660 – vejamos:
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Quanto aos bens móveis, à lei presume que foram contraídos na constância do casamento se não for possível comprovar que a aquisição antecedeu as núpcias.
A administração dos bens comuns compete a ambos os cônjuges (inteligência do artigo 1.663 do CC).
Alguns autores denominam esse regime como comunhão dos aquestos ou de adquiridos.
2.2. REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL
Legalmente previsto nos artigos 1.667 a 1.671 do Código Civil. A opção por esse regime deve ser através de pacto antenupcial.
Por esse regime, todos os bens móveis ou imóveis adquiridos a qualquer tempo (antes ou depois do matrimônio) comunicam-se, mesmo que o bem esteja em nome de apenas um consorte. As dívidas também se comunicam nesse regime (artigo 1.667, parte final do CC).
Todavia, há bens excluídos da comunhão que estão arrolados no artigo 1.668 do mesmo Diploma Legal, vejamos:
Art. 1.668. São excluídos da comunhão:
I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;
IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
Cumpre lembrar que a cláusula de incomunicabilidade mencionada no inciso I do artigo citado anteriormente deve ser expressa e essa incomunicabilidade se estende aos bens sub-rogados no lugar daquele gravado com a mencionada cláusula.
É importante destacar que conforme disposto no artigo 499 do Código Civil é permitido a venda e compra entre cônjuges, com relação aos bens excluídos da comunhão.
Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.
Conforme expressamente determinado no artigo 1.669 do CC a incomunicabilidade dos bens não se estende aos frutos quando percebidos ou vencidos na constância do casamento.
Assim como na comunhão parcial, a administração dos bens compete a ambos os cônjuges.
2.3. REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
Trata-se de uma inovação do Código de 2002 e está previsto nos artigos 1.672 a 1.686 do CC.
Clovis Couto e Silva, elaborador do Anteprojeto da parte de Direito de Família no Código Civil, explica que:
Sob a denominação de “regime de participação final nos aquestos”, para distingui-lo do regime de comunhão parcial, que implica aquela participação desde a celebração do casamento, prevê-se um novo regime de bens que poderá atender a situações especiais, tal como se verifica nas Nações que vão atingindo maior grau de desenvolvimento, sendo frequente o caso de ambos os cônjuges exercerem atividades empresariais distintas (BRASIL, 2006).
Para adoção desse regime os cônjuges devem valer-se do pacto antenupcial.
Como muito bem ensina Caio Mário da Silva Pereira
A característica fundamental do regime de participação final nos aquestos consiste em que, na constância do casamento, os cônjuges vivem sob o império da separação de bens, cada um deles com o seu patrimônio separado. Ocorrendo a dissolução da sociedade conjugal (pela morte de um dos cônjuges, pela separação judicial ou pelo divórcio), reconstitui-se contabilmente uma comunhão de aquestos. Nesta reconstituição nominal (não in natura), levanta-se o acréscimo patrimonial de cada um dos cônjuges no período de vigência do casamento. Efetua-se uma espécie de balanço, e aquele que se houver enriquecido menos terá direito à metade do saldo encontrado.
O novo regime se configura como um misto de comunhão e de separação. A comunhão de bens não se verifica na constância do casamento, mas terá efeito meramente contábil diferido para o momento da dissolução.
Conforme define o artigo 1.673 do CC o patrimônio próprio de cada cônjuge é composto pelos bens que ele possuía ao casar e os bens adquiridos a qualquer título na constância do casamento.
Cada cônjuge tem a exclusiva administração de seus bens durante a constância de casamento, podendo livremente dispor dos bens móveis e necessitando de anuência do outro consorte para os bens imóveis.
No caso da dissolução da sociedade conjugal (artigo 1.674 do CC) deve-se apurar o montante dos aquestos, excluindo da soma dos patrimônios próprios (i) os bens anteriores ao casamento e os bens a ele sub-rogados, (ii) os que vierem a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade e (iii) as dívidas relativas aos bens.
Caberá a cada cônjuge a metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso, na constância do casamento.
Por fim, o direito à meação, conforme disposto no artigo 1.682 do Código Civil “não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial.”. Trata-se um princípio de ordem pública que não ser contrariado pela vontade das partes.
2.4. REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS
O Código Civil prevê dois tipos de regime de separação de bens: a separação legal ou obrigatória, que decorre expressamente da lei e a convencional, que decorre da manifestação de vontade dos nubentes.
Vejamos cada uma das hipóteses.
2.4.1. Regime da separação legal
Os incisos do artigo 1.641 do Código Civil definem quais são as hipóteses em que é obrigatório o regime da separação de bens, são eles:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Por ser um regime obrigatório não é necessário celebrar o pacto antenupcial.
As causas suspensivas estão elencadas no artigo 1.523 do Diploma Civil. A restrição é eminentemente protetiva tanto para os maiores de 70 anos quanto para aqueles que dependem de suprimento judicial para casar, entenda-se os menores de 18 anos não emancipados, e objetivam evitar um casamento de interesse puramente material.
2.4.2. Regime da separação convencional
O regime de separação de bens convencional, como o próprio nome diz é aquele que decorre da manifestação de vontade dos nubentes e encontra-se previsto nos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil.
Para a adoção desse regime é necessário à celebração do pacto antenupcial.
Conforme previsto no artigo 1.687 do CC, a administração e a fruição dos bens permanecerá exclusivamente ao cônjuge, que poderá inclusive alienar ou gravar de ônus seus bens.
Nesse regime os cônjuges são obrigados a contribuir para a manutenção das despesas do casal na proporção dos seus rendimentos e de seus bens, podendo porém estipular de forma diferente no pacto antenupcial.
3. REGIME DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL
O Código Civil inseriu um título específico (III) para tratar da união estável, composto por 05 (cinco) artigos – 1.723 a 1.727.
O artigo 1.725 estipula expressamente que as relações patrimoniais dos companheiros seguirão as regras do regime de comunhão parcial de bens, se não estipulado de forma diversa em contrato escrito. Este contrato nada mais é que o contrato de convivência, que não é obrigatório.
Caio Mário da Silva Pereira, assim ensina:
Conclui-se que o Código Civil reconheceu aos companheiros o direito de pactuarem com maior liberdade os efeitos patrimoniais da União Estável. Adotado o regime da comunhão parcial de bens na União Estável, reporte-se aos arts. 1.559 e 1.660 do CC, admitindo-se o direito à meação quanto aos bens adquiridos a título oneroso, na constância da União Estável, salvo contrato escrito.
Washington Luiz Gaiotto Filho, também explica:
Graças à adoção desse regime de bens, volta-se a equiparar união estável com casamento civil, pois se aplica uma regra própria destinada ao casamento, conforme explica em sua obra Rodrigo Pereira da Cunha.
4. REGIME DE BENS NA UNIÃO HOMOAFETIVA
O Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo.
Assim, superada essa questão, o artigo 1.723 do Código Civil deve ser interpretado conforme a Constituição Federal, no sentido de excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Diante disso, as regras previstas para a união estável devem ser aplicadas a qualquer tipo de relação (homossexual ou heterossexual).
Com isso, tem-se que as relações patrimoniais homoafetivas seguem as normas do regime de comunhão de bens, se não estipulado de forma diversa pelos conviventes, devendo essa estipulação ser realizada através de contrato escrito.
Carolina Valença Ferraz, esclarece que:
Quanto à questão patrimonial, o casamento igualitário é regulado pela mesma sistemática de regime de bens, ou seja, a depender da escolha dos consortes, haverá solidariedade patrimonial (comunhão total, comunhão parcial e participação final dos aquestos) ou não (separação total). Os consortes homossexuais assumem os mesmos deveres de cooperação para o sustento da família e educação dos filhos, nos moldes do art. 1.568 do CC.
5. POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS
De forma inovadora o Código Civil de 2002 no parágrafo segundo do artigo 1.639 passou a permitir expressamente a alteração do regime de bens, desde que preenchidos os seguintes requisitos: (i) autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, (ii) apuração da procedência das razões invocadas e (iii) ressalvados os direitos de terceiros.
Vemos, portanto, que o pedido de alteração deve ser elaborado por ambos os cônjuges, não sendo permitida a solicitação unilateral.
Sobre a mutabilidade do regime de bens, ensina o professor Agostinho Alvim (página 109),
Foi acolhido o princípio da mutabilidade relativa, controlada ou limitada do regime de bens. Preferimos a adjetivação “relativa” porque, via de regra, o regime de bens não é escolhido para ser alterado. Somente havendo necessidade é que a mudança encontra lugar, de modo que podemos dizer que o regime de bens se submete à cláusula rebus sic stantibus.
CONCLUSÃO
Verifica-se com o presente artigo que excetuando as hipóteses de obrigatoriedade do regime patrimonial, os nubentes e também conviventes podem livremente adotar o regime que lhe convier.
Lembrando que para os regimes de separação consensual (ou convencional), participação final nos aquestos e comunhão universal de bens é necessário a celebração do pacto antenupcial, que como já informado deve ser feito por escritura pública.
No tocante a possibilidade de mutabilidade do regime de bens, deverá observar os requisitos específicos para a alteração e por tratar-se de inovação legislativa o tema com certeza será objeto de diversas discussões.
Este artigo não tem a intenção de esgotar o tema, todavia, por tratar-se de assunto presente no dia a dia, destina-se a explicar de forma simples as peculiaridades de cada regime e fornecer subsídios para o aprofundamento deste tema.
REFERÊNCIAS
• Braganholo, Beatriz Helena. ‘Casamento Civil: regime de bens e seus reflexos patrimoniais e sucessórios’. Disponível em <https://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/725/905> Acesso em 15/10/2015.
• BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Coleção Professor Agostinho Alvim - Regime de Bens no Novo Código Civil, 2ª edição. Saraiva, 2008. VitalBook file.
• Cielo, Patrícia Fortes Lopes Donzele; Alves, Cybelle Cardoso. ‘O regime de participação final nos aquestos’. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/25823/o-regime-de-participacao-final-nos-aquestos#ixzz3XDoehpYe> Acesso em 15/04/2015.
• FERRAZ, Carolina Valença. Série IDP - Manual do direito homoafetivo, 1ª Edição.. Saraiva, 2013. VitalBook file.
• Gaiotto Filho, Washington Luiz. ‘Partilha de bens na União Estável’. Disponível em <http://washingtongaiotto.jusbrasil.com.br/artigos/111680600/partilha-de-bens-na-uniao-estavel> Acesso em 15/04/2015.
• GONÇALVES, Carlos Roberto. Coleção Sinopses Jurídicas 2 - Direito de Família, 16ª edição. Saraiva, 2011. VitalBook file.
• IVANOV, Simone Orodeschi. União estável: regime patrimonial e direito intertemporal, 2ª edição. Atlas, 2007. VitalBook file.
• Oliveira, Jane Resina F. de. ‘Regime de separação de bens e suas peculiaridades’. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI196355,81042-Regime+de+separacao+de+bens+e+suas+peculiaridades> Acesso em 15/04/2015.
• PEREIRA, Caio Mário da Silva. Atual. Tânia da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil - Vol. V - Direito de Família, 23ª edição. Forense, 2015. VitalBook file.