O federalismo cooperativo e a criação da força nacional de segurança pública

14/09/2015 às 11:33
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Este artigo trata da implementação da Força Nacional de Segurança Pública, programa de cooperação federativa criado pelo Governo Federal, traçando-se uma análise sobre a disposições legais e constitucionais que disciplinam o direito a segurança pública.

INTRODUÇÃO

            A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é tema em enfoque em todas as esferas da sociedade, pois atinge diretamente a vida dos cidadãos, onde seu objetivo fundamental é a preservação da ordem jurídica e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, conforme dispõe a Carta Magna de 1988 (art. 144 da CF/88). Consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicação de seus próprios direitos e a defesa de seus legítimos interesses. Polícia, assim, passa a significar a atividade administrativa tendente a assegurar a ordem, a paz interna, à harmonia e o órgão do Estado que zela pela segurança dos cidadãos, este último elencado entre os direitos fundamentais da sociedade (SILVA, 2006, p.82).

            Segundo preceitua Hans Kelsen:

A segurança coletiva visa à paz, pois a paz é ausência do emprego da força física. Determinando os pressupostos sob os quais deve recorrer-se ao emprego da força e os indivíduos pelos quais tal emprego deve ser efetivado, instituindo um monopólio da coerção por parte da comunidade, a ordem jurídica estabelece a paz nessa comunidade por ela mesma constituída (KELSEN, 1998, p.41).

DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS PÁTRIAS PARA A EFETIVAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

            O direito à segurança pública é direito fundamental que vem prescrito na Constituição Federal, de suma importância para o bem-estar e convívio da sociedade, aonde vem disposto: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art.144, CF/88). A Constituição estabelece ainda os órgãos responsáveis pela segurança pública: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as polícias civis estaduais, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares. Até a Constituição de 1988, não havia capítulo próprio, nem previsão constitucional mais detalhada, como agora se verifica. Por ter, detalhadamente, constitucionalizado a segurança pública, a Constituição de 1988 se individualiza ainda no direito comparado, em que também predominam referências pontuais.

            A constitucionalização traz importantes consequências para a legitimação da atuação estatal na formulação e na execução de políticas de segurança. As leis sobre segurança, nos três planos federativos de governo, devem estar em conformidade com a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações concretas das autoridades policiais. O fundamento último de uma diligência investigatória ou de uma ação de policiamento ostensivo é o que dispõe a Constituição. E o é não apenas no tocante ao art. 144, que concerne especificamente à segurança pública, mas também no que se refere ao todo do sistema constitucional.

            Como afirma Cinthia Robert e Danielle Marcial:

Evidentemente que a supremacia da Constituição constitui-se numa poderosa arma para a preservação dos Direitos e Garantias Fundamentais, pois “a Constituição é uma lei como as outras, é uma lei fundamental da nação” e, com efeito, é considerada “lei básica” por constituir verdadeiro fundamento de outras leis devendo “irradiar-se através das leis comuns do país” (ROBERT e MARCIAL, 1999, p.5).

            Devem ser especialmente observados os princípios constitucionais fundamentais – a república, a democracia, o estado de direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana –, bem como os direitos fundamentais – a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a propriedade. O art. 144 deve ser interpretado de acordo com o núcleo axiológico do sistema constitucional, em que se situam esses princípios fundamentais.

            A segurança pública vista como o “combate” contra a criminalidade, consiste na missão institucional das polícias em termos bélicos onde o seu papel é “combater” os criminosos, que são considerados “inimigos internos”. As favelas são “territórios hostis”, que precisam ser “ocupados” através da utilização do “poder militar”. Neste contexto, a política de segurança pública é formulada como “estratégia de guerra”. Elevado à condição de única alternativa eficaz no combate a violência, tem justificado violações sucessivas aos direitos humanos e às normas mais básicas que regem o convívio social.

            A concepção democrática estimula a participação popular na gestão da segurança pública, valoriza arranjos participativos e incrementa a transparência das instituições policiais. Nesta vertente, a função da atividade policial é gerar “coesão social”, não pronunciar antagonismos; é propiciar um contexto adequado à cooperação entre cidadãos livres e iguais. Como afirma acertadamente Jorge da Silva: “um sistema criminal desigual, injusto, funciona, paradoxalmente, como alimentador da criminalidade que pretende controlar. Ao invés de promover a justiça, acaba promovendo a injustiça” (SILVA, 2008, p.10-11).

            Numa sociedade em que se exerce democracia plena, a segurança pública garante a proteção dos direitos individuais e assegura o pleno exercício da cidadania. Neste sentido a segurança não se contrapõe a liberdade e é condição para o seu exercício, fazendo parte de uma das inúmeras e complexas vias por onde trafega a qualidade de vida dos cidadãos.

            Como preceitua Ricardo Cunha Chimenti:

Basicamente a segurança pública (art.144 da CF/88) é prevista como um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e exercida com a finalidade de preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio (CHIMENTI, 2005, p.459).

            A segurança pública, enquanto atividade desenvolvida pelo Estado é responsável por empreender ações de repressão e oferecer estímulos ativos para que os cidadãos possam conviver, trabalhar, produzir e se divertir, protegendo-os dos riscos a que estão expostos. As instituições responsáveis por essa atividade atuam no sentido de inibir, neutralizar ou reprimir a prática de atos socialmente reprováveis, assegurando a proteção coletiva e, por extensão, dos bens e serviços. O Estado deve está amparado legalmente quando do uso da força para inibir atos socialmente nocivos ao bom convívio social.

            Como explicita Arthur Machado Paupério:

As normas do Estado devem ser necessárias e racionais. Assim, é preciso que o Direito justifique a força. Para isso, é preciso que o Estado não se esqueça do seu fim, o bem comum, com o qual se deve conformar e pelo qual deve trabalhar, sob pena de não justificar a legitimidade de sua força, ou melhor, de sua soberania (PAUPÉRIO, 1997, p.141).

            O poder de polícia que o Estado exerce pode incidir em duas áreas de atuação estatal: na administrativa e na judiciária. Fazem parte da polícia administrativa a Polícia Rodoviária Federal, as polícias militares e a Polícia Ferroviária Federal, enquanto que as que fazem parte da polícia judiciária são as polícias civis e a Polícia Federal. A principal diferença que se costuma apontar entre as duas está no caráter preventivo da polícia administrativa e no repressivo da polícia judiciária. A primeira terá por objetivo impedir as ações antissociais, e a segunda, punir os infratores da lei penal.

            O texto constitucional de 1988 faz referência a seis modalidades de atividade policial: polícia ostensiva, polícia de investigação, polícia judiciária, polícia de fronteiras, polícia marítima e polícia aeroportuária.

            A polícia ostensiva exerce as funções de prevenir e de reprimir de forma imediata a prática de delitos. O policiamento ostensivo é feito por policiais uniformizados, ou que possam ser imediatamente identificados por equipamento ou viatura. O objetivo é explicitar a presença policial nas ruas, criando a percepção de que a prática de delitos será prontamente reprimida, o que exerceria efeito preventivo. A atividade de polícia ostensiva é desempenhada, em geral, pelas polícias militares estaduais (CF, art. 144, §5º). Mas o patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais deve ser realizado, respectivamente, pela Polícia Rodoviária Federal (art. 144, §2º) e pela Polícia Ferroviária Federal (art.144, §3º). Observe-se, portanto, que o policiamento ostensivo não é exercido apenas por órgãos policiais militares. A Polícia Rodoviária Federal é civil, nada obstante também atue uniformizada. Assim também ocorrerá, quando da sua instituição efetiva, com a Polícia Ferroviária Federal.

            A polícia de investigação realiza o trabalho de investigação criminal. Para investigar a prática de delitos, pode ouvir testemunhas, requisitar documentos, realizar perícias, interceptar comunicações telefônicas, entre outras medidas. Em sua maioria, tais medidas dependem de autorização judicial. No Brasil, a função é confiada às polícias civis estaduais e à Polícia Federal, no que toca aos crimes comuns (art. 144, §1º, I, e §4º). As investigações de crimes militares são conduzidas pelas próprias corporações. Em qualquer hipótese devem ser respeitados os direitos fundamentais do investigado, facultando-se, inclusive, o acesso aos autos do inquérito a seu representante legal.

            O texto constitucional distingue as funções de polícia judiciária e de investigação criminal. O já mencionado §1º do art.144 atribui às polícias civis estaduais não só a função de “polícia judiciária”, mas também a de “apuração de infrações penais”. Em relação à Polícia Federal, a Constituição chega a prevê-la em preceitos distintos. No inciso I do §4º, encarrega a Polícia Federal de “apurar infrações penais”. Já no inciso IV, confere-lhe, “com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. Cabe-lhes, portanto, além de investigar delitos, executar as diligências solicitadas pelos órgãos judiciais.

            A polícia de fronteiras controla a entrada e a saída de pessoas e mercadorias do território nacional. A tarefa é atribuída à Polícia Federal. Compete-lhe, genericamente, “exercer as funções de polícia [...] de fronteiras” (art. 144, §1º, III), e em especial, “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho” (art. 144, §1º, II). No que se refere ao tráfico de entorpecentes, a Polícia Federal concentra-se na repressão ao que opera através das fronteiras do País: o tráfico internacional. O contrabando e o descaminho, como se sabe, caracterizam-se pelas ações de “importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria” (Código Penal, art. 334). Em ambos os casos, portanto, controla-se o fluxo de mercadorias pelas fronteiras nacionais.

            A polícia marítima, que também é exercida pela Polícia Federal, em grande parte se identifica com a polícia de fronteiras. Por atuar em portos, igualmente se presta ao controle da entrada e saída de pessoas e bens do País, concentrando-se, por exemplo, na repressão do tráfico de drogas e de armas. Além disso, contudo, a polícia marítima é responsável também pela repressão aos crimes praticados em detrimento da normalidade das navegações, em especial aos “atos de pirataria”. Na estrutura interna da Polícia Federal, foram criados os “Núcleos Especiais de Polícia Marítima”, responsáveis por essa atividade.

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            Por fim, a Constituição menciona ainda a atividade de polícia aeroportuária, atividade também exercida pela Polícia Federal, que se identifica, igualmente, com a de polícia de fronteiras. Não se trata de policiamento ostensivo do espaço aéreo, mas de controle do fluxo de pessoas e de bens que se dá através de aeroportos. A atividade distingue-se de polícia de fronteiras apenas quando o trânsito de pessoas e de bens por via aérea ocorre no interior do País. Como, em ambos os casos, a competência é da Polícia Federal, a distinção não possui maior relevância.

            Como se observa, tais atividades se distribuem entre diferentes órgãos policiais, que atuam ora no plano estadual, ora no plano federal.

Após esta exposição sobre os dispositivos constitucionais que buscam a efetivação do direito a segurança pública, passemos agora a analisar a questão do poder de polícia e a forma de exercer este poder respeitando os direitos humanos.

O PODER DE POLÍCIA E O RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

            Dentro de um Estado Democrático de Direito como o Brasil, é certo que qualquer tema atinente à limitação de direitos e liberdades individuais é sensível a considerações de toda ordem. A Administração Pública, em seu aspecto material, consiste na atividade exercida para atender as necessidades coletivas e abrange o fomento, a polícia administrativa, o serviço público e a intervenção administrativa. Assim é que o exercício de determinados direitos pelos cidadãos não é ilimitado e deve ser compatível com o bem-estar e o interesse da própria coletividade. É dessa forma que o poder público pode impor certas limitações ou deveres aos administrados de forma a garantir que o interesse coletivo seja preservado.

            Em essência, o poder de polícia consiste em uma série de limitações à propriedade e à liberdade em prol do coletivo, mas tal atividade não se confunde com restrições indevidas aos direitos individuais em si. Isso porque não há limitação ao direito propriamente dito, mas sua conformação de acordo com os contornos que as normas constitucionais e legislativas, e as administrativas como manifestação do poder de polícia, lhe conferem.

            Segundo Celso Spitzcovsky, “poder de polícia é definido, por nossa melhor doutrina, como aquele de que dispõe a Administração para condicionar, restringir e frenar atividades de particulares para a preservação dos interesses da coletividade” (SPITZCOVSKY, 2008, p.99).

            Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, adotando um conceito moderno, “o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (DI PIETRO, 2006, p.128).

            Pelas palavras de Hely Lopes Meirelles: “poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual” (MEIRELLES, 2001, p.123). O Estado exerce sobre o cidadão o Poder de Polícia, pois de um lado aquele quer exercer plenamente seus direitos, e de outro a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia.

            Segundo preceitua Pedro Lenza:

O fundamento do poder de polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração posição de supremacia sobre os administrados. [...] o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público (LENZA, 2007, p.643).

            No exercício do poder de polícia, o Estado administrador deveria gerar ordem e justiça. Contudo, sob este poder-dever de agir do Estado administrador subjazem muitas faces de natureza perversa, seja quando ele recorre ao livre arbítrio e extrapola, pelo abuso de seus agentes, os limites de sua competência, seja quando se omite abertamente de exercê-la. Em ambos os casos, geram-se tensões sociais de conseqüências calamitosas. De um lado, cria-se um clima de medo, quando os cidadãos percebem que o poder de polícia do Estado-administrador apenas serve para impedir que os direitos constitucionais sejam exercitados em sua plenitude pela maioria da população, através de ações caracterizadoras de livre arbítrio e, de outro lado, não menos amedrontador é o clima produzido pelo silêncio ou indiferença diante do socorro que lhe pedem as vítimas atingidas por sua omissão (PINHEIRO MADEIRA, 2000, p.06-07).

            Para Ruth Vasconcelos: “Se é verdade que as autoridades constituem modelos de referência para a sociedade, as práticas de violência no âmbito do próprio Estado produzem efeitos estimuladores de violência entre os segmentos sociais” (VASCONCELOS, 2005, p. 42).

            Muitas vezes a violência policial tem sido justificada como sendo uma violência exercida para finalidades legais, sendo este um exemplo clássico do uso da violência como meio para defender causas legais. É importante destacar que o monopólio legal da violência exercida pelo Estado não pode ser questionado pela sociedade, pois o próprio ato de contestação pode ser interpretado como um ato ilegal, já que esta violência está amparada numa legislação positiva (VASCONCELOS, 2005, p. 133).

           

            Segundo José Maria Pinheiro Madeira:

         Uma polícia que funcione inteligentemente, ou seja, desenvolvendo a investigação, poupará muitas vidas inocentes, solucionará crimes enigmáticos, respeitará o homem e fará com que a população, constituída predominantemente por pessoas de bem, a respeitem, em vez de temê-la. Não será a polícia ostensiva apenas que deverá estar empenhada na luta contra o crime, e, portanto, não será ela a única a responder pela preservação da ordem pública (PINHEIRO MADEIRA, 2000, p.101).

            O principal problema no exercício do poder de polícia é o desrespeito aos direitos inerentes a pessoa humana, cumpre ao Estado assegurar o respeito a esses direitos, principalmente à dignidade da pessoa humana, o que constitui no caso brasileiro um princípio fundamental da República. A efetivação dos Direitos Humanos cumpre ao Estado enquanto poder, órgão e função. Ao ser realizado qualquer ato em nome do Estado, devem ser observados os limites do poder de polícia que o agente detém e que a lei autoriza.

            Segundo Celso Fernandes Campilongo:

No Brasil a situação é diversa. O desrespeito aos direitos humanos é tão grande que, na verdade, atinge à maioria da população. Proteger as minorias, ainda que fundamental e indispensável, assume um papel secundário num contexto em que os direitos fundamentais são negados à própria maioria (CAMPILONGO, 2000, p.52).

            O uso do poder é prerrogativa da autoridade, mas o poder há que ser usado normalmente, sem abuso. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social exigir. O uso do poder é lícito, o abuso sempre ilícito

            Segundo Luiz Eduardo Soares:

Hoje, observando as experiências internacionais mais bem-sucedidas e analisando o que ocorreu no Brasil, onde o quadro de degradação das instituições policiais e de crescimento exponencial da criminalidade é fruto da hegemonia dos que defendem a brutalidade policial, conclui-se que o segredo do êxito, na segurança pública, depende exatamente da subordinação das polícias às leis (SOARES, 2003, p.4).

            Os direitos fundamentais representam a base de legitimação e justificação do Estado e do sistema jurídico nacional, na medida em que vinculam, como normas que são, toda atuação estatal, impondo-se lhe o dever sobranceiro de proteger a vida humana no seu nível atual de dignidade, buscando realizar, em última instância, a felicidade humana (CUNHA JÚNIOR, 2004, p.156).

            Segundo Dirley da Cunha Júnior:

Os direitos humanos são „um conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigências de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, lãs cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nível nacional e internacional‟. Os direitos humanos compreendem, assim, todas as prerrogativas e instituições que conferem a todos, universalmente, o poder de existência digna, livre e igual (CUNHA JÚNIOR, 2004, p.149).

            Para os teóricos da Declaração Universal de 1948, os direitos do homem constituem um “ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”, o que vem a refletir uma visão otimista do progresso e da história como marcha em sentido determinado. Assim, antes de serem direitos positivados, os direitos humanos fundamentais são direitos morais decorrentes da própria condição humana. E como tais, ainda que não positivados, devem ser observados e respeitados, por exigência de uma consciência ética coletiva, consistente na convicção generalizada da comunidade de que o homem só vive, convive e desenvolve suas virtualidades se alcançar um estágio ideal de dignidade (CUNHA JÚNIOR, 2004, p.217).

FEDERALISMO COOPERATIVO: A CRIAÇÃO DA FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

            Os Estados membros brasileiros sofrem graves problemas em suas polícias, polícia militar e polícia civil, pela falta de preparo e de treinamento adequados, pois os governos não se preocupam em capacitar os componentes da segurança pública em sua esfera, situação alarmante. Isto porque a falta de investimentos por parte dos Estados agrava ainda mais a situação, pois a falta de equipamentos adequados, policiais bem preparados e de políticas públicas bem tramadas, direcionadas a segurança pública, gera uma insegurança na sociedade. Para Augusto Zimmermann: “Precisamos urgentemente adotar políticas plausíveis de segurança pública, no sentido da tomada de providências que são de ordem legal e judiciária” (ZIMMERMANN, 2004, p.635).

Como preconiza José Afonso da Silva:

Os esforços isolados desenvolvidos no Brasil e nos Estados da federação contra a criminalidade e a violência têm sido desencontrados, ao sabor das tais “ondas” de violência, sem a articulação ordenada, inteligente e orientada para objetivos viáveis, racionalmente preestabelecidos (SILVA, 1999, p.53).

            Tem-se, então, no Federalismo Cooperativo, previsto no ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no princípio da solidariedade federativa entre os entes da federação brasileira, uma forma de amenizar essas dificuldades ou até proporcionar soluções eficientes para tais problemas, pois todos os Estados e o Governo Federal unem-se, cooperativamente, para auxiliar e dar suporte àqueles Estados que estejam passando por um momento de crise na sua segurança pública.

            O federalismo cooperativo consiste na união de todos os Estados da federação para fomentar aquele que está sofrendo uma grave crise em sua segurança pública, dando-lhe suporte e ajudando-o a conter e principalmente a resolver tal situação perigosa à estabilidade da tranquilidade social.

            Como salienta Augusto Zimmermann:

Dominante no cenário político, o federalismo cooperativo não dispõe de fronteiras claramente definidas na questão da distribuição das competências dentre os níveis autônomos de poder. O objetivo explícito é, em síntese, a promoção de uma livre cooperação da União com as unidades federadas (ZIMMERMANN, 1999, p.57).

            Há duas distintas modalidades de federalismo cooperativo: o autoritário e o democrático. O primeiro passou a ser estruturado exclusivamente pela força do poder central; o segundo, por outro lado, que se dá em virtude do consentimento legitimamente edificado pelas partes formadoras do pacto federativo (ZIMMERMANN, 1999, p.58).

            O federalismo cooperativo democrático, por sua vez, é aquele formado no consentimento e não através da imposição. Nele, o poder é estabelecido em correlação com os valores democráticos de governo, onde o cidadão pode efetivamente exercitar, em distintos graus e esferas, o seu direito fundamental de participação e controle do poder político, Através dele, inclusive, os grupos minoritários ficam mais bem protegidos, conferindo-lhes a proteção constitucional e todas as garantias da cooperação federativa (ZIMMERMANN, 1999, p.59).

            A juridicidade do relacionamento do poder federal com os poderes estaduais, sob a égide da Constituição Federal, elimina o autoritarismo, fazendo a confiança e solidez do sistema na consciência dos governados. Não há, portanto, federalismo cooperativo sem o primado da Constituição. Das disposições da lei suprema, brota a solidariedade dos entes constitutivos, única alternativa segura para uma integração consentida, que jamais se obteria com o federalismo cooperativo de natureza autoritária (ZIMMERMANN, 1999, p.59).

            O texto constitucional exige lei complementar que fixe normas para a cooperação entres as entidades componentes da Federação. As normas estabelecidas na lei complementar é que vão decidir a natureza e a extensão da cooperação, mas a regra constitucional já indica seu objeto geral – ou seja: visa o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (SILVA, 2006, p.275).

            A União, por força do que dispõe a Lei nº 10.277/01, está autorizada a firmar convênio com os Estados membros, em caráter emergencial e provisório, para que estes utilizem servidores públicos federais, ocupantes de cargos congêneres e de formação técnica compatível, como o fim de executar atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A lei também autoriza convênios entre os Estados, para os mesmos fins (CHIMENTI, 2005, p. 459).

            Como salienta Andreas Krell:

Em lugar de cooperação federativa, há, no Brasil, uma espécie de federalismo em que as esferas pactuam espontaneamente a fim de superar as dificuldades inerentes ao sistema vigente da separação administrativa. O problema é que essa colaboração não tem seu fundamento numa parceria equilibrada, mas num relacionamento de verdadeira subordinação, sujeito à instabilidade e “jogos políticos” (KRELL, 2004, p.96).

            O ordenamento jurídico brasileiro prevê a cooperação entre os Estados membros, onde foi editado o Decreto nº 5.289, de 29.11.2004, que, disciplinando a organização e o funcionamento da Administração Pública Federal, desenvolveu um programa de cooperação federativa, denominado Força Nacional de Segurança Pública, em atenção ao princípio da solidariedade federativa (arts. 144 e 241 da CF/88) (LENZA, 2007, p. 644).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O Federalismo Cooperativo ajuda a restabelecer a ordem naqueles Estados que solicitam a cooperação dos entes federados, mas é algo passageiro, o que se necessita na verdade é de um compromisso maior do Estado para com a população, visando não apenas reprimir, mas também prevenir, com políticas sociais voltadas para o desenvolvimento social e o bem-estar da população.

            O programa de cooperação federativa criado pelo Governo Federal baseado na solidariedade federativa foi um grande avanço, mas há muito que se fazer para reverter o quadro de violência e pobreza que se encontra atualmente.

            A falta de políticas públicas bem traçadas a longo prazo, contribui e muito para o alastramento da criminalidade, pois o Estado se encontra atualmente quase que num estágio de ausência, pois além da falta de investimentos em equipamentos e capacitação profissional nas polícias dos Estados brasileiros, há também a despreocupação em acabar com as desigualdades sociais que são como uma ferida infeccionada cravada no seio da sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia: prefácio de José Eduardo Faria. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

CHIMENTI, Ricardo Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição. – São Paulo: Saraiva, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. - São Paulo: Atlas, 2006.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.

KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. - São Paulo: Método, 2007.

PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3ª ed. – Rio de janeiro: Forense Universitária, 1997.

PINHEIRO MADEIRA, José Maria. Reconceituando o poder de polícia. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

ROBERT, Cinthia; MARCIAL, Danielle. Direitos Humanos Teoria e Prática. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.

SILVA, Jorge da. Controle da criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. - São Paulo: Malheiros, 2006.

SOARES, Luiz Eduardo. Novas Políticas de Segurança Pública. Vol.17. n.7. – São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, abril/2003.

SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. - São Paulo: Método, 2008.

VASCONCELOS, Ruth. O reverso da moeda: a rede de movimentos sociais contra a violência em Alagoas. – Maceió: Edufal, 2006.

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. - Rio de janeiro: Lumen Juris, 2004.

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Sobre o autor
Luis Gonzaga da Silva Neto

Embaixador de Cristo. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins. Especialista em CIÊNCIAS CRIMINAIS NA ATUALIDADE pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. Graduação em BACHARELADO EM DIREITO pela Universidade Estácio de Sá. Professor da Graduação e Pós-graduação da Faculdade Católica Dom Orione. Professor e Coach da AdVerum. Ex-colunista da Seção "Concursos Públicos" do Jornal Diário da Amazônia. Membro do Instituto de Ciências Penais - ICP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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