1. Da proteção do consumidor nas relações contratuais de consumo
A autonomia da vontade com regra geral do Direito Civil pressupõe que as partes estão em pé de igualdade numa negociação, podendo estipular livremente as cláusulas contratuais e ficando obrigadas a cumprir o que constar do contrato, o que é denominado pelo brocardo latino pacta sunt servanda. No entanto, não se aplica às relação de consumo e aos contrato de adesão.
“No contrato de adesão não se discutem cláusulas e não há que falar em pacta sunt sevanda. É uma contradição falar pacta sunt servanda de adesão. Não há acerto prévio entre as partes, discussão de cláusulas e redação de comum acordo.” [1]
Nas relações de consumo há claro desequilibro entre as partes, podendo a parte que detém maior poder econômico facilmente impor sua vontade, trazendo desequilíbrio aos contratos.
“O desnível de poder econômico passou a exigir uma reação legislativa que restringisse a possibilidade de somente um dos contratantes estabelecer o conteúdo do contrato limitando, assim, a autonomia da vontade, como forma até mesmo de se tentar reduzir a uma injusta miséria da maioria, em prol da riqueza de poucos, minimizando ou impedindo revoltas e movimentos sociais de reflexos inimagináveis. O liberalismo na economia trazia consigo o voluntarismo no direito. Cabia agora à lei proteger a vontade criadora das partes e os efeitos pretendidos por elas quando da celebração do negócio jurídico.” [2]
Somando-se à atual prática de nossa sociedade de consumo e do consumo massificado de utilização de contratos de adesão, com imposição unilateral das cláusulas contratuais pelo fornecedor.
Neste cenário coube ao Estado intervir nestas relações, visando restabelecer o equilíbrio contratual, é o que ocorre com a edição do Código de Defesa do Consumidor que regula as relações de consumo e impõe diversas exigências de forma e conteúdo para validade de cláusulas contratuais, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito.
“O instrumento técnico de maior importância em matéria de proteção contratual do consumidor consagrado pelo CDC é a possibilidade de controle do conteúdo e regime de nulidade das cláusulas contratuais consideradas abusivas.” [3]
Sem olvidar, que nossa Constituição Federal, como lei maior prevê em seus artigos 5º XXXII e 170, V, a proteção do consumidor com direito fundamental, contudo, tais garantias só ganharam efetividade com a edição no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078 de 11 de Setembro de 1990).
2. Das cláusulas abusivas
As relações contratuais de adesão são feitas de maneira impessoal, isto é, direcionadas à um número indeterminado de pessoas sem levar em conta as peculiaridades de cada caso, procurando englobar o máximo de situações possíveis. Assim a interpretação das cláusulas contratuais se dá com base na boa-fé objetiva, e qualquer atitude ou interpretação que viole essa pretensa boa-fé objetiva pode ensejar a nulidade da cláusula
“... a presença de cláusula abusiva em contratos dessa espécie não ocasionará a nulidade do negócio por falta ou defeito de algum requisito formal do contrato ligado ao consentimento, mas sim por afronta ao princípio da boa-fé objetiva essencialmente e ao equilíbrio negocial.
(...)
Sobre a boa-fé objetiva, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor traz dois enunciados: art. 4º, III : “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da CF), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedores”; art. 51, IV: “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis coma boa-fé ou equidade”. [4]
Em todos os contratos há princípios basilares que devem ser respeitados como a confiança, a boa-fé e o equilíbrio contratual. O Código de Defesa do Consumidor vem a consagrar em seus artigos 4º, III e 51, a boa-fé objetiva como cláusula geral de todos os contratos que regulam relações de consumo.
“Já a boa fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, a grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.
(...)
A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standard, que não depende de forma alguma da verificação da má-fé subjetiva do fornecedor ou mesmo do consumidor.
Deste modo, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão à ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes.
A boa-fé objetiva é uma espécie de pré-condição, abstrata de uma relação ideal. Toda vez que no caso concreto, por exemplo, o magistrado tiver de avaliar o caso para identificar algum tipo de abuso, deve levar em consideração essa condição ideal a priori, na qual as partes respeitam-se mutuamente, de forma adequada e justa.” [5]
O Código de Defesa do Consumidor trata das cláusulas abusivas em seus artigos 51 a 53, tratando-se o artigo 51 de uma perspectiva geral, com rol não taxativo e os artigos 52 e 53 tratam de casos específicos.
Importante ressaltar que a nulidade da cláusula é absoluta, sendo inválida desde o início da relação, podendo a qualquer tempo o consumidor socorrer-se do judiciário para discutir tal nulidade.
“... não há que falar em cláusula abusiva que se possa validar: ela sempre nasce nula, ou melhor dizendo, foi escrita e posta no contrato, mas é nula desde sempre.
Em função, então, desse caráter, não está obrigado o consumidor a cumprir qualquer obrigação que se lhe imponham mediante cláusula abusiva. Se a questão tiver de ser levada a juízo, isso poderá ser feito pelo consumidor, mediante ação diretamente proposta contra o fornecedor, ou poderá ser alegada em defesa: contestação ou embargos à execução. E, claro, pode ser arguida em reconvenção.
(...)
Não há, na Lei 8.078, nenhum prazo para o exercício do direito de pleitear em juízo a declaração da nulidade da cláusula abusiva.
O princípio é o de que a nulidade é absoluta da cláusula abusiva, de acordo com as disposições do CDC, cuja matéria é de ordem pública e interesse social (art. 1º). E, quer se considere a decisão judicial que reconheça a nulidade como “meramente declaratória”, que como “desconstitutiva”, a ação é imprescritível.” [6]
Ademais, os contratos também têm uma função social, devendo suas cláusulas especificarem a maneira como o serviço será prestado mantendo-se o objeto da prestação de serviços útil ao consumidor.
Assim, qualquer cláusula do contrato de adesão que viole a boa-fé objetiva, e afete o equilíbrio contratual ou até mesmo a utilidade do contrato deve ser tida como nula de pleno direito, podendo o consumidor socorrer-se do Poder Judiciário, a qualquer tempo para invalidá-la.
3. Dos contrato de Plano de Saúde e Seguro Saúde
A saúde é direito do cidadão e dever do Estado, conforme art. 196 da Constituição Federal.
“A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que promovem, protegem e recuperam.” [7]
“Como se sabe, a doutrina aponta a dupla vertente dos direitos sociais, especialmente no tocante à saúde, que ganha destaque, enquanto direito social, no texto de 1988: a) natureza negativa: o Estado ou terceiros devem abster-se de praticar atos que prejudiquem terceiros; b) natureza positiva: fomenta-se um Estado prestacionista para implementar o direito social.” [8]
Contudo, o Estado, permite que empresas particulares forneçam serviços ligados à Saúde, sem, contudo, ser desonerado de ter que oferecer tal serviço de forma indiscriminada e geral. Destacando o caráter essencial dos contratos de planos de assistência e seguro saúde ante a promoção do direito fundamental do cidadão à saúde, pelo assim chamado, sistema privado de saúde.
O consumidor recebe dupla e especial proteção nestes contratos não só pelo Código de Defesa do Consumidor, mas também pela Lei nº. 9.656/98, os quais se complementam mutuamente.
“O regime de proteção do consumidor em relação aos contratos de plano de saúde é dado pela aplicação convergente do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.656/98.
(...)
O CDC não deve ser aplicado apenas quando a Lei 9.656/98 não disponha sobre o tema em específico, senão que devem ambas as leis guardar coerência lógica, orientada pela finalidade de proteção do consumidor dos planos de assistência saúde.” [9]
Há que se ressaltar, ainda, que tal atividade , também sofre normatização, controle e fiscalização pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, criada pela Lei 9.961/2000.
Assim ante a peculiaridade do direito tratado, qual seja o direito à saúde, e possibilidade de privatização de tal assistência, há especial proteção ao consumidor, tratando-se de contratos de plano de saúde ou seguro saúde.
4. Das principais cláusulas abusivas
Importante destacar, que mesmo havendo aprovação dos contratos pela ANS, não há nenhum impedimento de se discutir as cláusulas contratuais em juízo, ou seja, a aprovação de cláusula contratual por órgão estatual ou agência reguladora não impede a apreciação judicial da abusividade da cláusula.
Ademais, a nulidade deve ser analisada à luz do caso concreto, sendo importante, também analisar a forma de contratação e as informações dadas ao consumidor sobre as coberturas e exclusões. Sendo que o art. 54 do CDC traz condições específicas para cláusulas restritivas de direitos nos contratos de adesão e seu descumprimento por si só já caracteriza a nulidade da cláusula contratual.
Também é importante destacar, que geralmente a negativa de cobertura baseada em cláusula nula gera direito à indenização por danos morais ao consumidor que tem frustrada uma legítima expectativa.
Passamos então a tratar das principais cláusulas tidas como abusivas pela doutrina e jurisprudência, em contratos envolvendo planos de saúde e seguro saúde:
4.1. Limitação de prazo de internação
Tal prática era tão arraigada aos contratos de plano de Saúde havendo tantas demanda repetitivas, que o STJ editou a Súmula 302, com o seguinte teor:
“Súmula 302. É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.”
De fato afronta a boa-fé objetiva o equilíbrio contratual a exigência de limitação de tempo de internação hospitalar, chegando a afetar a função social e utilidade do contrato, sendo cláusula nula de pleno direito, devendo o consumidor permanecer internado por quanto tempo for necessário, até sua convalidação.
4.2. Exclusão de cobertura de prótese
Tratando-se de procedimento coberto pelo contrato de plano de saúde não pode haver negativa quanto à próteses, essenciais para o êxito de tal procedimento.
Deve se ressaltar que não é vedada a limitação na cobertura de próteses, desde que tal informação seja redigida de maneira expressa, clara e de fácil compreensão no contrato, contudo, tratando-se de prótese acessória a uma cirurgia, tida como procedimento principal, sendo esta coberta, a prótese também deve ser coberta, sedo vedada tal limitação.
O art. 10, II da Lei nº. 9.656/1988, aduz que pode haver limitação de cobertura no caso de procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses ou próteses com o mesmo fim.
Vale aqui citar súmula 112 do TJ do Rio de Janeiro em sintonia inclusive com atual jurisprudência do STJ:
“Súmula 112. É nula, por abusiva, a cláusula que exclui de cobertura a órtese que integre, necessariamente, cirurgia ou procedimento coberto por plano ou seguro de saúde, tais como "stent" e marcapasso.".
Assim, é importante observar se a obrigação principal, qual seja o procedimento cirúrgico está coberto, sendo, por corolário, cobertas todas as próteses essenciais à tal procedimento, como é o exemplo clássico de stent e marcapasso. Havendo permissivo legal de limitação apenas de procedimentos e próteses com fim estético.
4.3. Suspensão de atendimento por atraso de pagamento de parcela
Também se mostra abusiva a suspensão de atendimento pelo inadimplemento de apenas uma única parcela, sobretudo, porque já existe previsão de juros e multa sobre o atraso, podendo o consumidor purgar sua mora a qualquer tempo. Sendo desproporcional qualquer cláusula neste sentido, pois caso o consumidor pague, mesmo que tardiamente já terá perdido a contraprestação do fornecedor em relação aquele mês específico.
CIVIL. SEGURO-SAÚDE. ATRASO NO PAGAMENTO DA PRESTAÇAO MENSAL. A cláusula que suspende os efeitos do contrato de seguro-saúde pelo só atraso no pagamento de uma prestação mensal é abusiva. Recurso especial conhecido e provido."
(Resp 363.698/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 24/03/2003)
Seja por violar a boa-fé objetivo com desequilíbrio contratual, seja pela teoria do adimplemento substancial do contrato, não pode o fornecedor, punir o consumidor com a suspensão do atendimento, pelo inadimplemento de uma simples parcela contratual.
4.4. Exigência de novas carências pela mora do consumidor
Também vem entendendo a jurisprudência, serem nulas as cláusulas que preveem no caso de mora do consumidor no pagamento de parcela, seria devido novo prazo de carência, pois ferem inclusive a função social do contrato, mitigando o interesse útil do consumidor e continuar com o contrato que é de trato sucessivo.
“A noção de interesse útil dos contratantes em relação à prestação contratual é de grande valia para a interpretação dos contratos de assistência e seguro saúde. Neste sentido, se a alteração unilateral do contrato pelo fornecedor já é em si suficiente para caracterizar a abusividade, tal característica se agrava quando se percebe que o conteúdo da alteração em foco, resulta da diminuição ou comprometimento do interesse do consumidor com a prestação contratual. É o que ocorre quando a operadora do plano de saúde altera de modo unilateral o contrato para prever a possibilidade do consumidor utilizar serviços de hospital não credenciado no plano tem a restituição das despesas limitadas por tabela fixada pelo fornecedor, ou, do mesmo modo, quando havendo mora do consumidor no pagamento da mensalidade, automaticamente prevê-se a suspensão do contrato e renovação do prazo de carência por novo período após a purgação da mora. “ [10]
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CLÁUSULA ABUSIVA. DANO MORAL. 1. Nos contratos de trato sucessivo, em que são contratantes um fornecedor e um consumidor, destinatário final dos serviços prestados, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor. 2. A suspensão do atendimento do plano de saúde em razão do simples atraso da prestação mensal, ainda que restabelecido o pagamento, com os respectivos acréscimos, configura-se, por si só, ato abusivo. Precedentes do STJ. 3. Indevida a cláusula contratual que impõe o cumprimento de novo prazo de carência, equivalente ao período em que o consumidor restou inadimplente, para o restabelecimento do atendimento. 4. Tendo a empresa-ré negado ilegalmente a cobertura das despesas médico-hospitalares, causando constrangimento e dor psicológica, consistente no receio em relação ao restabelecimento da saúde do filho, agravado pela demora no atendimento, e no temor quanto à impossibilidade de proporcionar o tratamento necessário a sua recuperação, deve-se reconhecer o direito do autor ao ressarcimento dos danos morais, os quais devem ser fixados de forma a compensar adequadamente o lesado, sem proporcionar enriquecimento sem causa. Recurso especial de GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA não provido. Recurso especial de CUSTÓDIO OLIVEIRA FILHO provido
(STJ - REsp: 285618 SP 2000/0112252-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/12/2008, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2009)
Deve ser preservado o interesse útil do consumidor, em utilizar o plano de saúde, sendo nulas as cláusulas que põe o consumidor e excessiva desvantagem.
4.5. Restrição ao custeio de procedimento de transplante
Também é tida com nula cláusula que limita o tratamento do consumidor em relação à doença coberta, excluindo tão somente a possibilidade extrema de tratamento por transplante, pois tal limitação vai contra a própria função social do contrato de plano de saúde ou seguro saúde e afronta a boa-fé objetiva. Neste sentido:
Direito civil. Contrato de seguro em grupo de assistência médico-hospitalar, individual e familiar. Transplante de órgãos. Rejeição do primeiro órgão. Novo transplante. Cláusula excludente. Invalidade. - O objetivo do contrato de seguro de assistência médico-hospitalar é o de garantir a saúde do segurado contra evento futuro e incerto, desde que esteja prevista contratualmente a cobertura referente à determinada patologia; a seguradora se obriga a indenizar o segurado pelos custos com o tratamento adequado desde que sobrevenha a doença, sendo esta a finalidade fundamental do seguro-saúde. - Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor. - Além de ferir o fim primordial do contrato de seguro-saúde, a cláusula restritiva de cobertura de transplante de órgãos acarreta desvantagem exagerada ao segurado, que celebra o pacto justamente ante a imprevisibilidade da doença que poderá acometê-lo e, por recear não ter acesso ao procedimento médico necessário para curar-se, assegura-se contra tais riscos. - Cercear o limite da evolução de uma doença é o mesmo que afrontara natureza e ferir, de morte, a pessoa que imaginou estar segura com seu contrato de “seguro-saúde”; se a ninguém é dado prever se um dia será acometido de grave enfermidade, muito menos é permitido saber se a doença, já instalada e galopante, deixará de avançar para o momento em que se tornar necessário procedimento médico ou cirúrgico que não é coberto pelo seguro médico-hospitalar contratado. - A negativa de cobertura de transplante – apontado pelos médicos como essencial para salvar a vida do paciente –, sob alegação de estar previamente excluído do contrato, deixa o segurado à mercê da onerosidade excessiva perpetrada pela seguradora, por meio de abusividade em cláusula contratual (...)
(STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 17/12/2009, T3 - TERCEIRA TURMA)
Embora, haja discussão sobre a possibilidade de restrição expressa de tal direito nas condições gerais, desde que tal cláusula cumpra a exigência do art. 54 do CDC.
“Ainda, é possível que, em contrato de plano ou seguro-saúde, sejam consideradas lícitas determinadas cláusulas limitativas de cobertura. Consta do art. 54 do diploma consumerista o permissivo legal genérico, viabilizando a confecção de restrição a direitos do consumidor. Contudo, para que a cláusula restritiva não venha assumir também o caráter de abusiva, é imperioso analisar como a cláusula está inserida no contrato, qual o grau de informação do consumidor sobre o seu conteúdo, de maneira que a limitação imposta não desconfigure o equilíbrio contratual e as expectativas geradas no usuário do sistema de saúde privada.” [11]
Assim por ferir a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, tratando-se de tratamento de doença coberta pelo contrato, não se pode limitar a cobertura do tratamento somente em relação ao caso extremo da necessidade de transplante.
4.6. Vedação de utilização de material importado
É vedada exclusão de utilização de material importado, essencial para o êxito de procedimento cirúrgico, havendo inexistência de material similar nacional.
PLANO DE SAÚDE - CIRURGIA DE ANEURISMA CEREBRAL. UTILIZAÇÃO DE MATERIAL IMPORTADO, QUANDO INEXISTENTE SIMILAR NACIONAL. POSSIBILIDADE. - É abusiva a cláusula contratual que exclui de cobertura securitária a utilização de material importado, quando este é necessário ao bom êxito do procedimento cirúrgico coberto pelo plano de saúde e não existente similar nacional
(STJ - REsp: 952144 SP 2006/0266313-8, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 17/03/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2008 LEXSTJ vol. 227 p. 187)
Novamente tratando-se de cláusula que põe o consumidor em exagerada desvantagem, deve ser tida como nula, uma vez estando o procedimento cirúrgico coberto, todo o material essencial para tal procedimento também deve estar coberto.
4.7. Reajuste por mudança de faixa etária
Deve se esclarecer que a fiscalização inclusive dos preços cobrados pelos planos de saúde é realizada pela ANS. E que a lei nº 9.656/1988 prevê três hipóteses que autorizam o reajuste de preços dos planos de saúde, quais sejam: pela variação dos custos assistenciais, por necessidade de reavaliação do plano e pela mudança de faixa etária, devendo a operado informar o consumidor nas faturas o motivo do reajuste e o percentual.
Trataremos aqui especificamente da abusividade em relação à clausulas que tenham por base, tão somente reajuste pela mudança de faixa etária. Tais cláusulas violam o Estatuto do Idoso que veda qualquer discriminação ao idoso.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o reajuste por mudança de faixa etária é vedado, inclusive nos contratos vigentes anteriormente ao Estatuto do Idoso.
Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação revisional de contrato de plano de saúde. Reajuste em decorrência de mudança de faixa etária. Estatuto do idoso. Vedada a discriminação em razão da idade. - O Estatuto do Idoso veda a discriminação da pessoa idosa com a cobrança de valores diferenciados em razão da idade (art. 15, § 3º). - Se o implemento da idade, que confere à pessoa a condição jurídica de idosa, realizou-se sob a égide do Estatuto do Idoso, não estará o consumidor usuário do plano de saúde sujeito ao reajuste estipulado no contrato, por mudança de faixa etária. - A previsão de reajuste contida na cláusula depende de um elemento básico prescrito na lei e o contrato só poderá operar seus efeitos no tocante à majoração das mensalidades do plano de saúde, quando satisfeita a condição contratual e legal, qual seja, o implemento da idade de 60 anos. - Enquanto o contratante não atinge o patamar etário preestabelecido, os efeitos da cláusula permanecem condicionados a evento futuro e incerto, não se caracterizando o ato jurídico perfeito, tampouco se configurando o direito adquirido da empresa seguradora, qual seja, de receber os valores de acordo com o reajuste predefinido. - Apenas como reforço argumentativo, porquanto não prequestionada a matéria jurídica, ressalte-se que o art. 15 da Lei n.º 9.656/98 faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos. - E mesmo para os contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei n.º 9.656/98, qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de 60 anos de idade está sujeita à autorização prévia da ANS (art. 35-E da Lei n.º 9.656/98). - Sob tal encadeamento lógico, o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente no alçar da idade de 60 anos, pela própria proteção oferecida pela Lei dos Planos de Saúde e, ainda, por efeito reflexo da Constituição Federal que estabelece norma de defesa do idoso no art. 230 (...)
(STJ - REsp: 809329 RJ 2006/0003783-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/03/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/04/2008 RDDP vol. 64 p. 135)
Assim, após os 60 anos não é permitido aos planos de saúde realizar o reajuste das mensalidades por mudança de faixa etária, sob pena de violação do Estatuto do Idoso e nulidade de tal cláusula e/ou aumento.
4.8. Reajuste unilateral de índice de preços pelo fornecedor
A possibilidade de escolha do índice de reajuste de forma unilateral pela operadora, bem como qualquer alteração nos preços deve ter a participação do consumidor, havendo tendência doutrinária e jurisprudencial pela nulidade de tais cláusulas.
“... será abusiva a cláusula contratual que deixa ao arbítrio do fornecedor a estipulação do índice de reajuste que lhe seja mais vantajoso, dentre alternativas estabelecidas no contrato. A noção de interesse útil dos contratantes em relação à prestação contratual é de grande valia para a interpretação dos contratos de assistência e seguro saúde. Neste sentido, se a alteração unilateral do contrato pelo fornecedor já é em si suficiente para caracterizar a abusividade, tal característica se agrava quando se percebe que o conteúdo da alteração em foco, resulta da diminuição ou comprometimento do interesse do consumidor com a prestação contratual. É o que ocorre quando a operadora do plano de saúde altera de modo unilateral o contrato para prever a possibilidade do consumidor utilizar serviços de hospital não credenciado no plano tem a restituição das despesas limitadas por tabela fixada pelo fornecedor...” [12]
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REAJUSTE COMPLEMENTAR DE PLANO DE SAÚDE. APLICAÇÃO DE ÍNDICE UNILATERALMENTE ESCOLHIDO. VEDAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. - É abusivo o reajuste de plano de saúde pelo índice que melhor atende aos interesses do fornecedor, sem que se acorde ou se dê ao consumidor qualquer informação a respeito do critério adotado. Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no Ag: 1087391 SP 2008/0179964-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 16/04/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2009)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL NÃO CONVENIADO. CDC. BOA-FÉ OBJETIVA. 1. A operadora do plano de saúde está obrigada ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe os deveres de informação, cooperação e cuidado com o consumidor/segurado. 2. No caso, a empresa de saúde realizou a alteração contratual sem a participação do consumidor, por isso é nula a modificação que determinou que a assistência médico hospitalar fosse prestada apenas por estabelecimento credenciado ou, caso o consumidor escolhesse hospital não credenciado, que o ressarcimento das despesas estaria limitado à determinada tabela. Violação dos arts. 46 e 51, IV e § 1º do CDC. 3. Por esse motivo, prejudicadas as demais questões propostas no especial. 4. Recurso especial provido
(STJ, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 10/03/2009, T4 - QUARTA TURMA)
Assim, não pode a operadora escolher o índice de reajuste ou alterar as tabelas de reembolso ao seu bel prazer, trazendo desvantagem excessiva ao consumidor.
4.9. Rescisão unilateral do contrato
Também não pode o contrato prever hipótese de rescisão unilateral do contrato pela operado do plano de saúde.
CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. NULIDADE. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA. LEI 9.656/98. É nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, a cláusula inserida em contrato de plano de saúde que permite a sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avença. Recurso provido.
(STJ - REsp: 602397 RS 2003/0191895-6, Relator: Ministro CASTRO FILHO, Data de Julgamento: 21/06/2005, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.08.2005 p. 443)
Tal tipo de cláusula é nula vez que traz exagerado desiquilíbrio ao contrato, quebrando-se a boa-fé objetiva.
4.10. Exclusão de tratamento de doenças infectocontagiosas
Também é nula clausula do plano de saúde que exclua o tratamento de doenças infectocontagiosas, conforme precedentes do STJ:
Plano de Saúde. Cláusula de exclusão. AIDS. I - A cláusula de contrato de seguro-saúde excludente de tratamento de doenças infecto-contagiosas, caso da AIDS, é nula porque abusiva. II - Nos contratos de trato sucessivo aplicam-se as disposições do CDC, ainda mais quando a adesão da consumidora ocorreu já em sua vigência. III - Recurso especial conhecido e provido.
(STJ - REsp: 244847 SP 2000/0001419-2, Relator: Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Data de Julgamento: 19/05/2005, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.06.2005 p. 263REVJUR vol. 333 p. 113RSTJ vol. 198 p. 268)
Tratando-se de cláusula discriminatória, extremamente desfavorável ao consumidor não há como considera-la válida.
5. Considerações finais
Assim, concluímos esta breve análise sobre os contratos de plano de saúde e seguro saúde, e a possibilidade de anular cláusulas abusivas neles inseridas, com a exposição de entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito dos temas mais corriqueiros.
Não se pretende aqui esgotar a possibilidade de existência de cláusulas nulas nos contratos de planos de saúde e seguro saúde, devendo se analisar o caso concreto à luz dos princípios protetivos do Código de Defesa do Consumidor e dos termos da Lei nº. 9.656/98, bem como das Instruções Normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS.
Devendo também atentar pela forma de contratação e dever de informação das empresas ao consumidor com a ciência prévia dos termos contratuais, principalmente das cláusulas restritivas de cobertura, que devem ser claras, expressas e destacadas, devendo, também, cumprir os demais requisitos do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor
[1] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 673
[2]SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas Abusivas nas Relações de Consumo- 3 ed. – São Paulo: RT, 2010, p.58
[3]MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor – 2 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 226
[4]SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas Abusivas nas Relações de Consumo- 3 ed. – São Paulo: RT, 2010, p.p. 58 e 109
[5]NUNES, Luis Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 177
[6]NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor – 6ª ed. – São Paulo: Saraiva, p.p. 657 e 661
[7]DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo – 15 ed. – São Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 796
[8]LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado – 14 ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 839
[9]SCHMITT, Cristiano Heineck; MARQUES, Claudia Lima. Visões sobre os planos de saúde privada e o Código de Defesa do Consumidor. In: MARQUES, Claudia Lima; SCHMIT, Cristiano Heineck; LOPES, José Reinaldo de Lima; PFEIFER, Roberto Augusto (Coord.). Saúde e responsabilidade 2. A nova assistência privada à saúde – São Paulo: RT, 2008, pp. 138-174
[10]MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor – 2 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 226
[11]SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas Abusivas nas Relações de Consumo- 3 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 238
[12]MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor – 2 ed. – São Paulo: RT, 2010, p. 226
BIBLIOGRAFIA
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo – 15 ed. – São Paulo: Editora Malheiros, 1998;
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado – 14 ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2010;
MARQUES, Claudia Lima; SCHMIT, Cristiano Heineck; LOPES, José Reinaldo de Lima; PFEIFER, Roberto Augusto (Coord.). Saúde e responsabilidade 2. A nova assistência privada à saúde – São Paulo: RT, 2008
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor – 2 ed. – São Paulo: RT, 2010
NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor – 6ª ed. – São Paulo: Saraiva
NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011
SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas Abusivas nas Relações de Consumo- 3 ed. – São Paulo: RT, 2010