Tramitou na Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil uma solicitação (formulada pelo Vice-Presidente da Seccional Paraná, Cássio Lisandro Telles, a pedido de seu Colégio de Presidentes de Subseções) de parecer sobre a viabilidade de uma eventual proposta de emenda constitucional que estabeleça férias forenses anuais no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro.
Para o Vice-Presidente de Seção Paranaense, a extinção das férias forenses, efetivada pela Emenda Constitucional 45/2004, “em nada contribuiu para a agilização da Justiça, tendo ainda como consequência, prejudicado os advogados, na medida em que estes tinham naquele período, a única oportunidade para descanso e comunhão com a família. Além disso, referida vedação causou distorção nas férias forenses dos magistrados que passaram a gozar de 60 dias de férias e, ainda, usufruir de período de descanso adicional durante o recesso” de final de ano.
Esta é a questão objeto da reflexão abaixo.
Na qualidade de relator, manifestei-me positivamente pela constitucionalidade de PEC que restabeleça recesso forense anual.
Aliás, eventual medida nesse sentido promoverá valores constitucionais que infelizmente tiveram sua eficácia restringida com a Reforma do Poder Judiciário, efetivada pela EC 45/2004, na parte em que vedou férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau (art. 93, XII da CF[2]).
Isto porque, ao contrário do que se imaginou quando a mencionada vedação ainda tramitava no Congresso Nacional como mera proposta legislativa, sua efetivação não colaborou com a melhoria na celeridade e na produtividade da prestação jurisdicional.
Em primeiro lugar, a administração da justiça (da qual faz parte a advocacia, nos termos do art. 133 da Constituição Federal[3]), mesmo utilizando os mecanismos de substituição de julgadores na estrutura dos tribunais, tem enfrentado imensas dificuldades na manutenção do funcionamento regular dos órgãos colegiados, eis que constantemente os quóruns restam prejudicados em razão do gozo individual das férias dos magistrados – o que inviabiliza ou posterga o julgamento de feitos, especialmente nos casos de relatoria e revisão.
O mesmo se diga em relação à magistratura de primeiro grau, pois juízes em substituição geralmente decidem e despacham somente questões urgentes, deixando a demanda ordinária represada e aguardando o retorno dos juízes titulares dos ofícios – o que tem prejudicado sobremaneira a produtividade e a celeridade jurisdicional no país.
Em segundo lugar, os 60 dias de férias legais anuais a que têm direito os magistrados (art. 66 da Lei Complementar 35/79 – LOMAN[4]), somados ao recesso de fim de ano (normalmente fixado pelo tribunais de 20.12 a 06.01[5][6]), têm acarretado o afastamento de cada magistrado da jurisdição em média 78 dias por ano – o que prejudica a prestação jurisdicional com 18 (dezoito) dias a menos anualmente.
Em terceiro lugar, a advocacia privada – exercida pela grande maioria dos profissionais de maneira autônoma, sem vínculo trabalhista que lhes garanta os 30 dias de férias anuais – tem sido bastante penalizada, porque não tem reservado para si o período de necessário descanso a que obrigatoriamente todos os trabalhadores brasileiros têm direito.
Verifica-se, portanto, que vários inconvenientes são causados pela vedação das férias coletivas na magistratura, capítulo este que se mostrou bastante equivocado na Reforma do Judiciário (EC 45/04).
Daí que uma alteração constitucional que restabeleça o gozo coletivo das férias dos magistrados corrigirá tais anomalias, propiciando que 1- durante todo o período anual de expediente forense os órgãos judiciários funcionem com a composição total de seus membros, bem como 2- diminuindo 18 dias (em média) de afastamento anual dos magistrados das funções jurisdicionais (em prestígio da “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” art. 5º, LXXVIII da CF), ao mesmo tempo 3- concedendo aos advogados o necessário descanso anual (em fomento à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, ao bem-estar, à igualdade, aos direitos sociais à saúde, lazer e férias – artigos 1º, I e II, 3º, IV, 5º, caput, 6º e 7º, XVII da CF) – o que, sem dúvidas, otimizará a prestação jurisdicional, inclusive aumentado sua produtividade.
Outrossim, não se desconhece que o novo CPC[7], sancionado pela Presidência da República no último dia 16 de março[8], estabelece a suspensão dos prazos processuais de 20 de dezembro a 20 de janeiro[9].
Ocorre que tal sistemática, já experimentada[10] no final do ano passado (2014) e início deste (2015), também prejudica a advocacia, pois, durante esse seu período de descanso, magistrados e demais servidores continuam trabalhando e exercendo regularmente suas atribuições, acarretando aos advogados, portanto, uma grande sobrecarga de trabalho de trinta dias quando do retorno da fruição dos prazos processuais. Em outras palavras, a medida é inócua, eis que a carga de trabalho equivalente ao período de descanso de um mês é meramente postergada para os 15 dias seguintes (maior prazo processual na nova legislação adjetiva civil brasileira[11]).
Desse modo, tendo a comunidade jurídica verificado ao longo dos últimos 10 anos, desde a reforma do Poder Judiciário, que o gozo individual de férias na magistratura está prejudicando o funcionamento regular dos órgão judiciais, é de bom grado que eventual proposta de emenda constitucional, sem constitucionalizar os 60 dias de férias anuais, estabeleça que enquanto a legislação infraconstitucional os prever, deverão ser gozados coletivamente, em dois períodos anuais, de 20 de dezembro a 18 de janeiro e de 2 a 31 de julho – conforme já previa o art. 66, §1º da LOMAN[12] (LC 35/79), revogado pela Emenda Constitucional 45/04.
Por essas razões, opinei que merece ser apresentada (por algum agente político legitimado – art. 60, I, II e III da CF[13]), debatida e aprovada, pelo Congresso Nacional, uma proposta de emenda constitucional que restabeleça recesso forense anual, mediante o gozo coletivo das férias anuais da magistratura.
Finalizei apresentando a minuta de PEC que segue abaixo, servindo as razões acima como justificativa legislativa, no intuito de contribuir com o debate, que se revela essencial ao aprimoramento da prestação jurisdicional brasileira.
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2015
Altera o art. 93, para prever o gozo coletivo das férias anuais da magistratura.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 93, da Constituição Federal, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 93.......................................................................
....................................................................................
XII - atividade jurisdicional ininterrupta em todos os graus de jurisdição, devendo funcionar juízes em plantão permanente durante todos os dias, inclusive nos períodos de férias coletivas dos magistrados e em que não houver expediente forense normal;
XII-A – o direito a férias anuais dos magistrados, acaso superior a 30 dias, nos termos da lei, será usufruído coletivamente em dois períodos, de 20 de dezembro a 18 de janeiro e de 2 a 31 de julho, esgotando-se obrigatoriamente o primeiro.
.......................................................................................”(NR)
Art. 2º Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.
Notas
[2] Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (…) XII- a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[3] Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
[4] Art. 66 - Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta dias, coletivas ou individuais.
[5] A justiça federal, o que inclui os Tribunais Superiores, segue o art. 62, I da Lei Federal 5.010/66: Art. 62. Além dos fixados em lei, serão feriados na Justiça Federal, inclusive nos Tribunais Superiores: I - os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro, inclusive.
[6] A justiça estadual, em geral, segue seus Códigos de Organização e Divisão Judiciária, a exemplo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul: art. 268 da Lei Estadual 1.511/94: Art. 268. É considerado feriado na Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul o período compreendido entre os dias 20 de dezembro e 6 de janeiro, inclusive os domingos, os dias de festa nacional e ainda os que forem especialmente decretados.
[7] Redação final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado no 166, de 2010 (no 8.046, de 2010, naquela Casa): http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/160741.pdf
[8] http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm
[9] Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive.
§1º Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período previsto no caput.
§ 2º Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento.
[10] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/30394-tribunais-tem-autonomia-para-suspender-prazos-processuais-decide-cnj
[11] Novo CPC: Art. 1.003 (…) § 5o Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias.
[12] Art. 66 (…) §1º- Os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regionais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho. Os Juízes de primeiro grau gozarão de férias coletivas ou individuais, conforme dispuser a lei.
[13] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.