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Uma inconstitucionalidade no Plenário Virtual do STF

26/09/2015 às 10:38
Leia nesta página:

É inconstitucional a previsão regimental da Corte Suprema (art. 323-A) que autoriza o julgamento de mérito de recursos extraordinários em seu plenário virtual.

Sabem todos que o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal foi concebido inicialmente com o objetivo de apreciar a cláusula de repercussão geral dos recursos extraordinários que chegam à Corte.

Não obstante, posteriormente, em dezembro de 2010, mediante alteração de seu Regimento Interno, promovida pela Emenda Regimental n. 42/2010, o Tribunal passou a admitir (art. 323-A) o julgamento eletrônico do mérito de recursos extraordinários que tenham repercussão geral reconhecida, isto é, o julgamento desses recursos sem presença física dos ministros, advogados, parquet e partes processuais, bem como sem simultaneidade das manifestações e votos respectivos.

Cumpre ressaltar que os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli votaram contra a mencionada alteração.

Esse é o tema objeto da reflexão abaixo.

Está bem caracterizado ser inconstitucional o julgamento de mérito de recursos extraordinários no plenário virtual do Supremo.

Isto porque a previsão regimental em questão desconsidera que aos litigantes em processo judicial deve ser garantido o devido processo legal, mediante contraditório e ampla defesa, especialmente com os respectivos MEIOS INERENTES (art. 5º, LIV e LV, CF):

Art. 5º (...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 Tais direitos constitucionais fundamentais, de caráter subjetivo, necessariamente envolvem a prerrogativa de a parte acompanhar presencialmente (pessoalmente ou por advogado) o ato processual consubstanciando na sessão de julgamento de seu recurso.

Aliás, sobre o direito de presença aos atos processuais, mutatis mutandis, o próprio Supremo Tribunal Federal já consignou que “São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. (...) O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do due process of law e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU (art. 14, n. 3, d) e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (art. 8º, § 2º, d e f). Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados” (HC 86.634, Rel. Min. Celso de Mello; no mesmo sentido: HC 111.567).

Da mesma forma, e já por imposição do art. 93, IX da Constituição Federal, a norma regimental do STF desconsidera que os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser públicos (a envolver a mencionada garantia de presença neste ato processual), somente a lei (e jamais uma norma regimental) podendo limitar a presença das partes (nunca dos advogados), desde que com o objetivo de preservar a intimidade do interessado e, ainda assim, apenas se não restar prejudicado o interesse público à informação:

Art. 93 (...)

IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Também aqui a própria Corte Suprema já assentou ser cogente a observância dos meios inerentes à garantia do art. 93, IX, a exemplo do direito à sustentação oral – quanto mais se trate, portanto, do mero direito fundamental de a parte se fazer presente no ato processual de julgamento:

"A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário, além da exigência constitucional de sua publicidade (CF, art. 93, IX), supõe, para efeito de sua válida efetivação, a observância do postulado que assegura ao réu a garantia da ampla defesa. A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração dessa prerrogativa qualifica-se como ato hostil ao ordenamento constitucional. O desrespeito estatal ao direito do réu à sustentação oral atua como causa geradora da própria invalidação formal dos julgamentos realizados pelos tribunais" (HC 71.551, Rel. Min. Celso de Mello).

Esse direito fundamental é materializado, inclusive, nos termos do art. 7º, X do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal 8.906/94), pela prerrogativa de o advogado, no exercício do direito/dever de defesa, usar a palavra, pela ordem, para de esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento – o que também resta inviabilizado pela norma regimental do Supremo:

Art. 7º São direitos do advogado: (…)

X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;

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Por outro lado, ainda que a legislação processual vigente (art. 557, CPC) autorize o julgamento monocrático de recursos (portanto, sem acompanhamento presencial) sobre jurisprudência consolidada, tais decisões são recorríveis aos órgãos colegiados que realizam sessões físicas de julgamento – propiciado, portanto, a presença da parte.

Acresce, já fora do campo estritamente jurídico, que sendo a repercussão geral uma cláusula ou requisito constitucional de certificação de que a questão posta no recurso extrapola o interesse das partes processuais, atinando a interesse público e coletivo, ante sua relevância jurídica, política, social ou econômica, bem como considerando que o resultado do julgamento é estendido a todo o Poder Judiciário brasileiro, constitui um contrassenso que tais matérias sejam julgadas fora de uma sessão plenária física e, portanto, sem a presença concomitante de todos julgadores do caso (inviabilizando os debates) e sem a presença dos advogados – como se tais processos fossem mais simples ou de menor importância por existir jurisprudência consolidada sobre o tema que envolvem.

Isso fica ainda mais evidente porque o julgamento virtual de mérito é adotado exclusivamente para reduzir a carga de trabalho do Supremo e calibrar a celeridade processual, ao mesmo tempo em que, entretanto, a supressão do debate entre os ministros e da participação dos advogados nas sessões não promoverá tais objetivos.

Por esses motivos é que se releva inconstitucional a previsão regimental da Corte Suprema (art. 323-A) que autoriza o julgamento de mérito de recursos extraordinários em seu plenário virtual.

Registre, por fim, que à mesma conclusão chegou o Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, em parecer da lavra da advogada Leila Maria Bittencourt da Silva (aprovado em sessão plenária de 23.01.13, indicação n. 148/2011), bem como a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, que em 09.3.15 aprovou parecer indicando ao Plenário do Conselho Federal a propositura de ADI contra a mencionada norma.

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Sobre o autor
Lucas Costa da Rosa

Advogado constitucionalista em Campo Grande/MS. Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Atualmente é membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MS. Foi assistente dos professores Sílvio Luís Ferreira da Rocha e Vidal Serrano Nunes Júnior no curso de Graduação da Faculdade de Direito da PUC/SP, respectivamente, nas áreas de Direito Administrativo e Constitucional. Graduado pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Lucas Costa. Uma inconstitucionalidade no Plenário Virtual do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4469, 26 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43005. Acesso em: 18 dez. 2024.

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