Introdução
Com o avanço da tecnologia, os crimes eletrônicos cometidos especialmente no âmbito das instituições financeiras tem aumentado gradativamente. Criminosos patrimoniais tem se especializado cada vez mais com o intuito de expandir o arcabouço de técnicas e instrumentos capazes de lesionar o patrimônio de terceiros.
Não é mais segredo para ninguém que criminosos especialistas do mundo da informática, sistemas digitais e programas tem gerado grandes transtornos aos bancos e, principalmente, à muitos clientes de bancos vitimados por terem suas contas fraudadas e valores subtraídos.
Há diversas formas já conhecidas que são utilizadas por criminosos com o objetivo de praticarem subtrações em contas bancárias de terceiros. Duas formas de fraudar terceiros correntistas se apresentam como as mais corriqueiras: (a) invasão de contas bancárias através de aplicativos celulares ou computadores (praticados pelos chamados crackers) e, (b) através de links enviados por e-mail à clientes de instituições financeiras, com pedido de atualização de dados bancários, direcionando os respectivos clientes para sítios eletrônicos praticamente idênticos aos sites de bancos.
No segundo caso acima mencionado, uma mensagem é enviada para a vítima avisando que a mesma precisa atualizar seus dados bancários sob pena de travamento da conta corrente. Ao clicar no link apresentado no corpo do e-mail, a vítima é direcionada para site falso com as mesmas características do site verdadeiro de seu banco. Ao informar os dados para atualização, a vítima é induzida a colocar todas as senhas que possui, momento em que os sites falsos gravam as respectivas senhas, possibilitando com que os criminosos por trás de tal artifício fraudulento consigam subtrair valores das contas das vítimas sem maiores dificuldades. Criminosos dessa natureza são conhecidos por fisherman (pescador).
Independente dos detalhes em que a fraude é feita, a conduta praticada pelos agentes criminosos amoldam-se ao artigo 151, §4º, inciso II (segunda parte), do Código Penal – o chamado furto mediante fraude, in verbis:
“Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
[...]
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
[...]
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza”.
A natureza da responsabilidade dos bancos e eventual dever de indenizar
Primordialmente, importante se faz esclarecer se há responsabilidade sobre o banco perante os clientes vitimados, bem como, em caso positivo, qual seria a natureza de tal responsabilidade diante de eventual dever indenizatório.
Nesse diapasão, cumpre asseverar que a relação jurídica sub examine é regida pela Lei nº 8.078/90, por se tratar de relação consumerista à vista dos conceitos operacionais contidos nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, o cliente vitimado possui relação contratual com a instituição financeira, firmada no momento da abertura de conta bancária e/ou caderneta de poupança. Além de diversos atrativos, as instituições bancárias vendem segurança aos consumidores. Ora, não há como negar que, diante da vulnerabilidade da segurança de instituições bancárias (segurança essa onerosamente prometida aos clientes), frágil o suficiente para viabilizar fraudes, as instituições financeiras deixam de cumprir com a obrigação de segurança que lhes recaem.
Sendo assim, eventual pretensão indenizatória encontra insofismável guarida no artigo 389 do Código Civil:
"Art. 389 do CC. Não cumprindo a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".
A obrigação de indenizar observada no tema em tela é aquela decorrente de convenção preestabelecida e pactuada em contrato, portanto, o fundamento legal acima destacado ajusta-se perfeitamente à situações de fraudes. Nesse sentido, vale citar as lições de Silvio Rodrigues:
"Na hipótese de responsabilidade contratual, antes da obrigação de indenizar emergir, existe entre o inadimplente e seu co-contratante um vínculo jurídico derivado de convenção; na hipótese da responsabilidade aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima, até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar".[1]
Além disso, não é sob a ótica da responsabilidade aquiliana que os estabelecimentos bancários respondem pelos atos de seus prepostos, uma vez que, como já dissemos, a culpa no caso é tipicamente contratual, pois tem origem num contrato de depósito em conta corrente cujo embasamento jurídico encontra-se no art. 119 do Código Comercial.
Ademais, "comprovada a infração cometida por estes dentro do estabelecimento bancário, é quanto basta para serem responsabilizados pelo dano. Se seus funcionários cometeram o deslize por mero descuido, negligentemente ou por qualquer outra razão não importa."[2]
Importante lembrar que, por se tratar de uma relação consumerista, o ônus da prova em regra recairá sobre as instituições financeiras por força do art. 6º, inciso VIII, do CDC.
Com maior força exsurge o direito das vítimas, ora consumidoras, à pleitearem indenização, baseando-se nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, que tratam da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviço. De acordo com a regra, todo aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços têm o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa.
Nessa esteira, é objetiva a responsabilidade dos bancos decorrente de defeito do serviço consistente na falta de segurança, caso não demonstradas as excludentes previstas no art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, caso o banco não prove que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I) ou quando o ato lesivo decorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (inciso II).
O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviço (leia-se: bancos). Baseia-se na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer qualquer atividade na esfera de fornecimento de bens e serviços possui o dever de responder pelos vícios e fatos resultantes do empreendimento independentemente de culpa.
Sendo assim, por se tratar de relação consumerista, importante suscitar o art. 14, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido”.
Clarividente a intenção do legislador em garantir maior proteção ao consumidor ao prever a Responsabilidade Objetiva sobre o fornecedor, por se tratar a parte mais forte da relação jurídica.
Não nos custa nenhum pouco perceber o porquê do nosso Código Consumerista ser utilizado através do direito comparado por outros inúmeros países, em especial da América Latina, uma vez que o legislador deixou claro que nestas relações, o consumidor quando não presente a inversão do ônus da prova, apenas recebe o ônus de provar que houve um dano. Isso se deve ao fato da Responsabilidade que recai sobre o fornecedor ser objetiva, ou seja, não depende de prova produzida pelo consumidor no sentido de que o fornecedor teria agido com dolo, negligência, imprudência ou imperícia.
Sobre o tema, o E. Superior Tribunal de Justiça sedimentou o mesmo entendimento através da Súmula nº 479, in verbis:
Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Logo, diante de fraudes bancárias em que clientes são vitimados por terem valores subtraídos por terceiros diante da fragilidade da segurança fornecida pela instituição financeira (ou não comprovada as hipótese previstas no art. 14, § 3º, incisos I e II, do CDC), haverá o dever dos bancos de indenizarem as vítimas, ressarcindo-as com os respectivos montantes equivalentes aos valores subtraídos, devidamente corrigidos e atualizados.
Não obstante, há também de se cogitar da possibilidade de caracterização do dano moral, especialmente diante de possíveis transtornos e constrangimentos decorrentes da subtração fraudulenta na qual o consumidor é vítima diante a vulnerabilidade da segurança vendida pelas instituições financeiras.
Nesse sentido, tem os Tribunais Superiores decidido, valendo citar ementa de julgado proferida pelo E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cite-se:
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - TRANSAÇÕES BANCÁRIAS VIA INTERNET - SUBSTRAÇÃO DE VALOR DA CONTA DA AUTORA - INCERTEZA QUANTO À AUTORIA - RESPONSABILIDADE DO BANCO PELOS DANOS ADVINDOS DA FRAUDE - INDENIZAÇÃO DEVIDA - RECURSO IMPROVIDO. É objetiva a responsabilidade do apelante pelo fato do serviço, por ele fornecido, ter apresentado falhas, conforme dispõe o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Cabia ao apelante comprovar que não houve falhas no seu sistema bankline ou que a culpa no caso foi da autora, que teria agido negligentemente no acesso, ou de terceiro, no caso um hacker. Entretanto, tal prova não foi realizada de maneira satisfatória. No caso, entendo restar caracterizado o dano moral pelo simples fato de que a consumidora foi privada de uma quantia que lhe supriria as necessidades, o que aborrece e angustia qualquer indivíduo”.
(TJ-MG 100240757046920011 MG 1.0024.07.570469-2/001(1), Relator: HILDA TEIXEIRA DA COSTA, Data de Julgamento: 18/12/2008, Data de Publicação: 10/03/2009).
Portanto, não paira dúvida de que a responsabilidade que recai sobre as instituições bancárias é objetiva, da mesma forma não há como negar a possibilidade de condenação dos bancos a indenizarem os consumidores, dependendo, é claro, das peculiaridades do caso concreto.
Referências Bibliográficas
RODRIGUES, Silvio . In Direito Civil, vol. 4, Ed. Saraiva, 1995.
SANTOS, Ulderico Pires dos. A Responsabilidade Civil na Doutrina e na Jurisprudência, Ed. Forense, 1984.
[1] RODRIGUES, Silvio. In Direito Civil, vol. 4, pág. 9, Ed. Saraiva, 1995
[2] SANTOS, Ulderico Pires dos. A Responsabilidade Civil na Doutrina e na Jurisprudência, Ed. Forense, 1984, pág. 284.