Aspectos históricos da discriminação de gênero e da violência doméstica contra a mulher

05/10/2015 às 22:38

Resumo:


  • A violência doméstica contra mulheres é um problema histórico e persistente, influenciado por interpretações culturais e religiosas que perpetuam a submissão feminina.

  • A luta pela igualdade de gênero e o combate à violência doméstica têm avançado ao longo dos anos, com mulheres conquistando direitos e espaços na sociedade, mas ainda enfrentam resistência e violência.

  • Políticas públicas e leis específicas, como a Lei Maria da Penha, são importantes para proteger as mulheres, mas a prevenção e a mudança cultural são essenciais para erradicar a violência de gênero.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Um contexto histórico da discriminação do gênero feminino, violência doméstica e da conquista de vários direitos oriundos de muita luta durante anos visando um único fim: Igualdade de gêneros e direitos.

A violência doméstica é uma constante na natureza humana. Sabe-se que desde a antiguidade as mulheres são vítimas de maus-tratos e violência, seja ela de forma psicológica, física ou moral. Tal violência era admitida, pois até certo tempo, não muito longínquo, as mulheres eram consideradas submissas aos homens.

A escritura bíblica impõe uma condição secundária à mulher, e ainda, atribui-lhe a culpa pela quebra do encanto do paraíso. Fato é que esta é uma interpretação literal, e que teologicamente, não está correspondendo à verdadeira mensagem cristã. Porém, difundiu-se, a partir desta simples interpretação, a condição de submissão feminina, ante a ascendência do homem em todas as relações.

De acordo com Campos e Corrêa (2007, p. 99), pesquisas apontam que:

A primeira base de sustentação da ideologia de hierarquização masculina em relação à mulher, e sua consequente subordinação, possui cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) anos, através do filósofo helenista Filon de Alexandria, que propagou sua tese baseado nas concepções de Platão, que defendia a ideia de que a mulher pouco possuía capacidade de raciocínio, além de ter alma inferior à do homem. Ideias, estas, que transformaram a mulher na figura repleta de futilidades, vaidades, relacionada tão-somente aos aspectos carnais.

Com o exposto acima temos uma justificativa científica à superioridade masculina ao gênero feminino.

A despeito disso, ainda tomando por base Campos e Corrêa (2007, p.100):

Aristóteles também explanou algumas ideias acerca desse contexto. Ele posicionou o homem com superioridade e divindade em relação à mulher, já que esta se compunha como um ser emocional, desviado do tipo humano. Assim, a alma tem domínio sobre o corpo; a razão sobre a emoção; o masculino sobre o feminino.

Em meio à visão, um tanto quanto deturpada, desses dois grandes filósofos e pensadores, juntamente com a visão que a sociedade machista já tinha, ao longo dos séculos foi se mantendo uma cultura de subordinação da mulher ao sexo masculino, que mesmo com a grande força que a mulher tem nos dias de hoje, em alguns lugares essa visão deturpada ainda vigora.

Tendo por base o entendimento de Pinafi (2007), na Grécia Antiga não havia de que se falar de direitos jurídicos para as mulheres. Outro ponto que não dizia respeito a estas era a educação, vale ressaltar também que nem aparecer sozinhas em público elas poderiam. O homem além de possuir todos os direitos era também uma espécie de possuidor absoluto da mulher, tendo até a ideia de ter o direito sobre a vida de sua companheira.

No império romano a mulher levava o título de “rés”, ou seja, coisa. Para mostrar o seu autoritarismo, o homem usava da violência para com a mulher, atitude esta que era comum naquela época, não gerando nenhum tipo de reprovação perante a sociedade.

O próprio Direito Romano já retirava da mulher de capacidade jurídica. Por sua vez a religião era prerrogativa masculina da qual a mulher somente poderia participar com a breve autorização do pai ou marido.

Tomando por base o estudo de Chakorowski (2013), no Brasil colônia, a Igreja Católica Apostólica Romana deu início à educação, no entanto, a instrução ministrada pela igreja não incluía as mulheres. A igreja da época pregava que a mulher devia obediência total inicialmente ao pai e depois ao marido. Por sua vez a mulher vivia oprimida pelo mundo masculino, suas diversões eram no lar e na Igreja, valendo ressaltar também que assim como na Grécia Antiga, no Brasil colônia as mulheres também eram impedidas de estudar.

Tal ignorância lhe era imposta de forma a mantê-la subjugada, assim desprovendo-a de conhecimentos que pudessem lhe fazer pensar em igualdade de direitos. As mulheres eram educadas para sentirem-se felizes como “mero objeto”, pois estas só possuíam obrigações.

Ainda corroborado com o entendimento de Pinafi (2007), o cristianismo retratava a mulher como uma pecadora e culpada pelo desterro do homem do paraíso, como já havia sido citado tal entendimento nada mais é que uma interpretação equivocada das escrituras bíblicas, devendo por isso ser um indivíduo somente de deveres e submissão ao homem.

Sabe-se que com o passar do tempo, as mulheres, mesmo que em passos extremamente lentos, foram começando a serem detentoras de alguns direitos.

Na última metade do século XIX, começaram a serem editados os primeiros jornais pelas mulheres, que defendiam os direitos femininos. Os textos desses jornais falavam da importância que era a educação para as mulheres, o que isso iria trazer em benefício destas e da sociedade, como também ilustravam claramente a posição inferior da mulher casada no Brasil. Também versavam sobre a ignorância dos poucos direitos a elas conferidos e por fim reivindicavam a emancipação política pelo direito de votarem e serem votadas.

No final do século XIX as mulheres começaram a usufruir os frutos de suas lutas, deixando a trabalho doméstico para trabalharem em indústrias brasileiras (especialmente nas têxteis) embora seus salários fossem muito inferiores aos dos homens que exerciam a mesma tarefa.

Tomando por base estudos feitos sobre a Advogada e Bióloga Bertha Lutz realizadas pelo CNPq (2014), em 1918, foi iniciado um movimento pela classe média brasileira reivindicando o direito da mulher ao voto. Bertha Lutz foi uma das mais importantes líderes sufragistas, que contribuiu para a aprovação do Código Eleitoral, assegurando à mulher o direito de voto e de se eleger, em 1932.

Em 1936, passados quatro anos da aprovação do Código Eleitoral, Bertha Lutz juntamente com a deputada Carlota Pereira de Queiroz, elaboraram o estatuto da mulher. As conquistas começaram a aparecer a partir de tal fato. Outro marco de extrema importância foi a consagração do princípio de igualdade entre os sexos no ano de 1934 em nossa Constituição.

Já no ano de 1949, ocorreu a fundação da Federação de Mulheres do Brasil, órgão este que servia para orientar várias associações de bairro. Ocorre que o sucesso foi tão grande que a circulação começou a ser nacional, circulando no jornal Momento Feminino, dirigido por Marcelina Mochel.

Em 1970 foi criado o movimento feminino pela Anistia e em 1975 foi instituído pela ONU o Ano Internacional da Mulher. Já no ano de 1977 houve a promulgação da lei de divórcio no Brasil, possibilitando assim às mulheres que sofriam algum tipo de violência de seus maridos, ou por outro motivo, não queriam mais viver em comunhão, colocarem fim na sociedade conjugal, assim adquirindo o direito de liberdade para contraírem novas núpcias.

Constituição Federal de 1988 veio assegurar direitos às mulheres como cidadãs e trabalhadoras, sendo no mesmo período criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Como se pode observar, a mulher conquistou no último século uma importante posição social e política por meio de suas lutas pela conquista de direitos os quais eram esquecidos para este gênero.

Hoje é comum mulheres exercerem atividades antes só realizadas por homens, ocuparem cargos públicos, e até mesmo terem filhos independentes de casamento, fato que tempos atrás seria considerado uma afronta moral à sociedade.

A Carta Democrática de 1988 e diversas leis posteriores preocupam-se com a violência intra familiar, e demonstram expressamente a necessidade de políticas públicas com o propósito de coibir e erradicar a violência doméstica, em especial aquela contra os integrantes mais fragilizados da estrutura familiar – idosos, mulheres e crianças.

Mesmo as mulheres tendo conquistado vários direitos com o passar dos anos e continuarem lutando para a conquista de mais direitos, como também na luta pela igualdade de gênero, sabe-se que na cabeça de muitos homens o gênero feminino nunca vai deixar de ser submissa ao gênero masculino, fato este que gera a violência doméstica, seja em sua forma física, psicológica e/ou moral.

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Várias mulheres por falta de informação ou por desacreditarem na justiça, evitam denunciar seus agressores, ficando assim a deriva, presas em uma prisão sem grades, correndo risco de a qualquer momento perderem a vida nas mãos daqueles que não devia sequer agir com um mínimo de violência.

Costumeiramente tomamos conhecimento de casos de violência doméstica, não e difícil nos depararmos com tal situação. A maioria das mulheres que sofrem algum tipo de violência tem medo de denunciar o agressor por uma repressão ainda maior do que a sofrida ou por medo de não terem uma proteção maior e assim acabarem sofrendo as consequências de terem denunciado seus agressores.

De acordo com um estudo feito pela ONU no ano de 2012, no Brasil, apesar da grande maioria das vítimas de homicídios serem do sexo masculino (90%), destaca-se no relatório o número significativo de mulheres que são assassinadas pelos seus parceiros ou familiares. O relatório conclui que muito precisa ser feito para prover os Estados de capacidades para efetivamente prevenir, investigar, denunciar e punir a violência doméstica e todas as formas de violência contra a mulher. A China, Coreia do Norte e o Japão registram os maiores índice de morte de mulheres (cerca de 52% das vítimas).

Além das agressões físicas, o ordenamento jurídico também reconhece como agressões, a psicológica, moral, sexual e patrimonial, algumas dessas podem abalar a vítima mais até do que uma agressão física.

Com todo o exposto, conclui-se que a condição de submissão do gênero masculino sempre foi um produto ideológico das sociedades machistas, onde o homem é colocado como o centro da criação e a mulher, um produto derivado de sua constituição. Deve-se entender também que o combate a Violência contra Mulher não é função exclusiva do Estado, é dever da sociedade se conscientizar sobre sua responsabilidade, no sentido de não aceitar conviver com este tipo de violência e discriminação, pois, ao se omitir, ela contribui para a perpetuação da impunidade. Faz-se urgente a compreensão, por parte da sociedade, de que os Direitos das Mulheres são Direitos Humanos, e que a modificação da cultura de subordinação calcada em questões de gênero requer uma mobilização conjunta, já que a violência contra a mulher desencadeia desequilíbrio econômico, familiar e emocional.

Portanto, o ideal neste caso seria trabalhar tanto com ações específicas, como, por exemplo, com as políticas públicas, objetivando a igualdade entre homens e mulheres, buscando encontrar um norte na busca de um caminho que modifique o panorama da discriminação e da violência contra a mulher. A Secretaria da Mulher poderia desempenhar um papel de grande importância neste processo, articulando-se aos Conselhos ou Secretarias da Mulher em todos os Estados visando assim conscientizar, informar e erradicar tal problema que persiste por séculos. Tendo em vista que as políticas públicas do Estado no combate à violência contra a mulher têm sido contundentes, mas ineficazes; pois o Estado está mais presente na repressão — seja com a lei Maria da Penha ou Feminicídio —, e menos na prevenção. O número de casos de violência contra a mulher que levam a óbito tem crescido bastante mesmo tornando crime hediondo, ou quando o Estado, de certa forma, afasta o agressor do lar familiar. Ações públicas corretas combatem não só a violência contra a mulher, mas a violência no contexto geral. Afinal, no país, aparentemente, a violência tem-se tornado "cultura" e a cultura pode e deve ser mudada com passar do tempo.


CAMPOS, Amini Haddad e CORRÊA, Lindalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2007.

CHAKOROWSKI, Cecilia. Violência Contra a Mulher. Disponível em: https://www.docs.google.com/document/d/17bLYmLp15YyxP014C_6Jfp8oNvxLYOACFJotO1y_mMc/edit?pli=1. Acesso em: 02 outubro 2014

CNPQ: BERTHA LUTZ (1894 - 1976). Disponível em: http://www.cnpq.br/web/guest/pioneiras-view/-/journal_content/56_INSTANCE_a6MO/10157/902173 Acesso em: 11 de outubro 2014.

PINAFI, Tânia. Violência contra a mulher: políticas públicas e medidas protetivas na contemporaneidade. Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao21/materia03/. Acesso em: 10 outubro 2014.

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Sobre o autor
Higor Lira

Bacharel em Direito pela FIP (Faculdades Integradas de Patos), Pós-Graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil. Autor de vários trabalhos acerca da Violência Doméstica e Lei 11.340/2006. A três anos atuando no Departamento Jurídico da Marcos Inácio Advocacia, dando ênfase na atuação no Direito Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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