Trechos com dúvidas insolúveis da Constituição brasileira.

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Há trechos da Constituição insolúveis para qualquer princípio ou técnica hermenêutica?

Há trechos da Constituição insolúveis para qualquer princípio ou técnica hermenêutica?

"Notável saber jurídico" não é a mesma coisa que "notório saber jurídico". "Notável" é algo digno de ser notado; "notório" é algo que já foi notado, que é conhecido por todos. Só tem "notório saber jurídico" quem é famoso e a Constituição não exige que alguém seja famoso para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal. Como requisito para este cargo, a Constituição (esta, de 1988) refere-se expressamente a "notável saber jurídico". Vejamos:

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada." (Nossos grifos)

O grande problema é que o Constituinte, talvez não atentando ao léxico, usou o adjetivo "notório" para o nível de conhecimentos exigíveis para vários outros cargos, como Ministro do TCU (art. 73, §1º, III), Desembargador do quinto constitucional (art. 94, caput), etc. Vejamos:

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior." (Nossos grifos)

SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:

I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;

II - dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar." (Nossos grifos)

QUINTO CONSTITUCIONAL

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes." (Nossos grifos)

E agora, como fica? A fama é requisito para esses cargos? Claro que aqui seria "boa fama", em razão do outro requisito, de "reputação ilibada". Mas, o sujeito tem que ser famoso para ser indicado a esses cargos? Qual solução hermenêutica você daria a este problema?

Isso é só uma divagação, embora (eu acho!) tenha importância em si mesma, no sentido de que um texto constitucional merece mais atenção a detalhes. Fica a adequação textual para a próxima Constituinte ou, se alguém achar que vale o esforço, para uma Emenda Constitucional.

O fato é que, uma confusão linguística dessas, fosse em em matéria tributária, valeria bilhões!

Outra "esquisitice" da Constituição é que continua assim, mesmo após o regime de subsídios, a redação do § 3° do seu art. 73:

Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40." (Nossos grifos)

Mas, Ministros do STJ não mais recebem "vencimentos" e "vantagens", e sim "subsídios", conforme § 4º do art. 39 da Constituição, verbis:

Art. 39. ...

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI." 

O mais curioso é que a atual redação do § 3° do art. 73 da Constituição decorre da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, portanto, posterior, é claro, à Emenda Constitucional nº 19, também de 1998, que deu a atual redação (pasmem!) ao § 4º do art. 39 da Constituição Federal. E com uma diferença de cerca de seis meses entre uma Emenda Constitucional e outra, de modo que houve tempo para amadurecer a compreensão sobre o texto da EC 19.

E então, com base em qual técnica (ou princípio) de hermenêutica constitucional resolve-se um problema desses? A remuneração de Ministros do TCU é por subsídio, mesmo a EC 20/98, posterior à EC 19/98, referindo-se expressamente a "vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça", ou é mesmo por "vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça", mesmo que tais não existam, porque Ministro do STJ recebe por subsídio? Qual solução hermenêutica você daria a este problema?

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Diante dos exemplos acima e outros que possam ser colhidos, há trechos da Constituição Federal de 1988 para os quais seria impossível alcançar-se aplicação aceitável na vida prática porque seriam insolúveis as antinomias ou obscuridades diante de qualquer princípio ou técnica hermenêuticos que se queira adotar?

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Sobre o autor
Thiago Cássio D'Ávila Araújo

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (PGF/AGU) em Brasília/DF. Foi o Subprocurador Regional Federal da Primeira Região (PRF1). Ex-Diretor Substituto e Ex-Diretor Interino do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONT/PGF), com atuação no STF e Tribunais Superiores; Ex-Coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (NAEst/DEPCONT/PGF); Ex-Coordenador-Geral de Matéria Finalística (Direito Ambiental) e Ex-Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA); Ex-Consultor Jurídico Adjunto da Matéria Administrativa do Ministério da Educação (MEC); Ex-Assessor do Gabinete da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça. Desempenhou atividades de Procurador Federal junto ao Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dentre outras funções públicas. Foi também Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2001) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/2010). Em 2007, aos 29 anos, proferiu uma Aula Magna no Supremo Tribunal Federal (STF).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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