Tema que provoca acaloradas discussões na doutrina e na jurisprudência trata-se da realização de buscas em escritórios de advogados.
Dispõe o art. 7º, inciso II, da Lei 8.906 de 04.7.1994 (EOAB), com a redação que lhe deu a Lei n. 11.767 de 07.8.2008, que é direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
A regra, portanto, é a da inviolabilidade do escritório, materiais e instrumentos de trabalho do advogado, uma vez que indispensáveis ao exercício da ampla defesa, valor que possui raiz constitucional, e é “consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional”[1]. A inviolabilidade, pois, está ligada ao exercício da advocacia e à garantia da ampla defesa, e não à pessoa ou ao “grau” do advogado.
A inviolabilidade, todavia, não é – e nem poderia ser - absoluta, pois o que pretende a norma é resguardar a liberdade, o segredo e inviolabilidade profissional, o pleno exercício do direito de defesa, e não o acobertamento ou a prática de crimes.
Nesta esteira, prevê o § 6º, do art. 7º, do EOAB, que, sendo o advogado investigado, isto é, presentes indícios da autoria e materialidade de crime de sua autoria ou que tenha contado com a sua participação, poderá a autoridade judiciária competente decretar a quebra da inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, em decisão motivada, expedindo, para tanto, mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais documentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
A busca e apreensão em escritórios de advocacia, desde que recaiam os indícios sobre a pessoa do advogado, é admitida pela jurisprudência do STJ e do STF. A título de ilustração:
NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO EFETUADA EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA.
INVIOLABILIDADE RELATIVA. ART. 7º, § 6º, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTO DELITO COMETIDO PELO ADVOGADO. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE FORMAL NA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU A MEDIDA CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INDICAÇÃO DE PARTICULARIDADES DO CASO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. A inviolabilidade do escritório de advocacia não é absoluta, ideia inclusive consagrada na própria Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, inciso II, combinado com seu § 6º - este incluído com o advento da Lei nº 11.767/2008 -, de tal sorte que é permitido nele ingressar para cumprimento de mandado de busca e apreensão - específico e pormenorizado - determinado por Magistrado de forma fundamentada, desde que presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado.
2. Na hipótese dos autos, o Juiz monocrático fundamentou a decisão que determinou a busca e apreensão, indicando expressamente as hipóteses do art. 240, § 1º, do Código de Processo Penal que embasaram a providência, quais sejam, as previstas nas alíneas "c", "d" e "h" do referido preceito legal, apresentando as peculiaridades do caso concreto e especificando os endereços onde a medida deveria ser cumprida, concluindo pela necessidade da cautelar para a instrução criminal, imprescindível para a identificação das relações mantidas entre os supostos participantes da organização, tudo em conforme ao disposto no ordenamento processual penal vigente.
3. Recurso parcialmente prejudicado e, na parte remanescente, improvido.(RHC 21.455/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 13/12/2010)
“O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão, observando‑se os limites impostos pela autoridade judicial. Tratando‑se de local onde existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indispensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser executada sobre a esfera de direitos de não investigados. Equívoco quanto à indicação do escritório profissional do paciente, como seu endereço residencial, deve ser prontamente comunicado ao magistrado para adequação da ordem em relação às cautelas necessárias, sob pena de tornar nulas as provas oriundas da medida e todas as outras exclusivamente delas decorrentes. Ordem concedida para declarar a nulidade das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia do paciente, devendo o material colhido ser desentranhado dos autos do Inq 544 em curso no STJ e devolvido ao paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das informações oriundas da execução da medida, possam ser usadas em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado, nesta ou em outra investigação.” (HC 91.610, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 8‑6‑2010, Segunda Turma, DJE de 22‑10‑2010.)
Por constituir pressuposto para a sua efetivação, a ausência do representante da OAB ao ato – se em virtude de omissão da autoridade judiciária ou dos responsáveis pela execução da medida -, implica a ilegitimidade da prova colhida durante a diligência e, em consequência, a ilicitude daquelas dela decorrentes.
Entendemos que solução diversa, todavia, deve ser adotada em hipótese de a omissão não ser imputável ao poder público, mas à própria OAB em indicar o seu representante, ou deste em acompanhar a diligência.
Isto porque, em se tratando a busca e apreensão de medida de natureza cautelar, de caráter urgente e cuja finalidade precípua é a preservação da prova, seu cumprimento, adotadas as providências legalmente previstas pelo juízo e pelos agentes dela encarregados – isto é, observado estritamente o princípio da legalidade -, não pode restar sujeito à vontade discricionária de entidade ou pessoa estranha ao processo, cuja presença ao ato tem por único escopo a preservação das prerrogativas da advocacia, e não a “revisão”, por vias transversas, da conveniência e oportunidade da medida. Nestes casos, portanto, de omissão da OAB quanto à indicação ou de recusa do representante indicado a acompanhar a diligência, sustentamos que a busca e apreensão é dotada de legitimidade e a prova dela decorrente não padece de qualquer mácula.
A busca e apreensão, contudo, deverá cingir-se aos elementos relativos à pessoa do advogado – ou do coautor ou partícipe do crime -, não podendo recair sobre documentos de pessoas ou clientes estranhos à investigação.
Também possível a busca em escritórios de advocacia, conforme art. 243, § 2º, do CPP, para apreensão de documento que esteja em poder do defensor e que constitua elemento do corpo de delito.
É que, nesta hipótese, a retenção do “corpo de delito”, a par de não ser o advogado o investigado pela prática do crime, caracteriza um ato ilícito, afastado do exercício da ampla defesa, uma vez que pode, inclusive, caracterizar os crimes de receptação (art. 180, do Código Penal) ou favorecimento real (art. 349, do Código Penal).
Este, aliás, o ensinamento de Espínola Filho:
“Que a exceção, porém, não deva chegar ao ponto de subtrair ao poder de apreensão da justiça pública os corpos de delito é o que se justifica perfeitamente (...). Alíás, pelo fato de tratar-se de defensor do acusado, não ficam excluídas as figuras do crime de receptação (art. 80 do Código Penal: adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime...) e do favorecimento real (art. 349 do Código Penal: prestar ao criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime)”.[2]
Notas
[1] STF. ADIN n. 1127, j. 17.5.2006.
[2] Código de Processo Penal Anotado, v. III, p. 249.