Para escapar da acusação de que mentiu na CPI da Petrobras sobre não ser dono de contas, como sustenta a representação protocolada por PSOL e Rede, Cunha afirmará que os recursos estavam em nome de trusts, empresas em nome de terceiros, e que ele não era o titular. Por isso, não precisava declarar ou admitir isso.
Nas contas, Cunha aparece como beneficiário direto. Ele não informou esse dado à Receita Federal. O Banco Central orienta que investimentos no exterior devem ser informados.
Ora, se era beneficiário de dinheiro no exterior teria que declarar esses recursos à Receita Federal, quando da declaração do Imposto de Renda. Se não o fez, incidiu em crime de sonegação fiscal. Todo ano, ele, em crime continuado, estaria a cometer esse crime. Isso é quebra de decoro, aliás. Esses valores são renda, renda é tributada. Admitir esse crime é admitir que quebrou o decoro parlamentar. Mas para a sua defesa isso se reduziria a uma mera questão tributária. Poderá ter cometido o crime de evasão de divisas, crime permanente, e, como tal, estaria em flagrante delito. Mas ele não quer dizer que esse dinheiro é produto de lavagem de capitais, oriunda de crime de corrupção, que é ainda um crime permanente.
No dia 12 de março, Cunha depôs na CPI por iniciativa própria. Ao responder uma pergunta do deputado Delegado Waldir (PSDB-GO) se possuía conta no exterior, Cunha negou:
— Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda.
E os 1,3 milhões de francos suíços depositados em conta na Suíça pelo lobista João Henriques, delator que acusou o deputado de receber propina a partir de contratos da Petrobras? Ele deverá negar. Vai dizer que, quando o dinheiro entrou na conta da trust Orion, ele não sabia o que era. Só mais tarde teria ficado sabendo que o pagamento seria a quitação de uma dívida com ex-deputado Fernando Diniz, já falecido. Desse modo, para Cunha, não seria propina ligada à Petrobras.
Deverá negar tudo que os delatores disseram sobre a sua conduta no escândalo do Petrolão, do recebimento de propinas, embora o nexo causal esteja indicando sua participação nos fatos.
Não mentirás.
Kant avalia a mentira do criado como uma violação de um dever moral básico e não como uma infração jurídica, especificando inclusive que a punição adequada para ele é o remorso, não uma perseguição judicial. Esse conceito de mentira, sinônimo de um vício moral, pertence, portanto, à doutrina da virtude e não deve ser confundido com o conceito de mentira da doutrina do direito. O primeiro denota um crime contra a humanidade na própria pessoa, o segundo, contra os direitos de outras pessoas. A punição apropriada para a mentira tomada no sentido moral é o autodesprezo e o desprezo dos outros, atitudes baseadas no reconhecimento da dignidade humana revelada pelo chamamento do imperativo categórico e não-formulável em termos de uma lei de direito, quer racional quer positivo. Por outro lado, a punição da mentira no sentido jurídico consiste na compensação, em termos da lei do direito civil, de danos causados (Kant 1797c, p. 306; trad. pp. 76-7).
Kant(Fundamentação à metafísica dos costumes) distinguia imperativos morais(que são imperativos categóricos) de todos os outros imperativos(que são imperativos hipotéticos). O imperativo categórico comanda uma ação que é boa, em si mesma, boa incondicionalmente, isto é independentemente de qualquer fim que por ela se possa atingir. Assim quando digo: “Não deves mentir” , formulo um imperativo categórico, já que se me perguntas : “Por que não devo mentir?”, só posso responder: “Por que não deves mentir”.
Kant chamava de normas éticas os imperativos categóricos(visto que precisamente as normas morais impõem uma ação incondicionalmente).
Mas o direito é conduzido por normas técnicas, visto que tem como seu elemento essencial a sanção. A ação prescrita pela lei não é, portanto, boa em si mesma, não se impõe incondicionalmente, mas é boa e se impõe somente se se deseja evitar a sanção, enquanto a norma moral é categórica, porque desprovida de sanção.
Na Romênia, acusações de corrupção e .um incêndio numa boate, que faz lembrar o que aconteceu, recentemente no Brasil, levou a renúncia ao cargo do dirigente daquele país. No Japão, políticos envolvidos em corrupção já praticaram o suicídio. Mas aqui é outra cultura....
Ele será julgado pelos seus pares, em relação a seu decoro parlamentar. Seus pares são um retrato do povo brasileiro, fulcrado num modelo em que a ignorância, a esperteza do Macunaíma(o herói sem caráter) são seus vetores. Não podemos esperar muita coisa.