Dolo eventual e culpa consciente nos homicídios no trânsito causados na embriaguez

12/11/2015 às 15:36
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PROBLEMÁTICA NO ENQUADRAMENTO DO FATO TÍPICO DE HOMICÍDIO NO TRÂNSITO QUANDO O CONDUTOR ESTIVER SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL

                                                                 

                                                                                     

Lista de abreviaturas e siglas

CTB    Código de Trânsito Brasileiro

CP       Código Penal

CPP     Código de Processo Penal

STF     Supremo Tribunal Federal

STJ      Superior Tribunal de Justiça

TJ        Tribunal de Justiça

HC      Habeas Corpus

Resumo

Propõe-se a presente pesquisa acadêmica em analisar os institutos do dolo eventual e da culpa consciente mostrando suas diferenças no âmbito dos homicídios causados por veículos automotores quando seus respectivos condutores estiverem embriagados. A priori enfatiza-se o dolo, delineando-se a sua definição, as teorias existentes e demais elementos necessários para a sua compreensão. Nesse mesmo diapasão, analisar-se-á a culpa, utilizando o mesmo molde do dolo. Na sequência tem-se o posicionamento da jurisprudência acerca do tema, e por derradeiro abordam-se as diferenças entre o dolo eventual e a culpa consciente nos homicídios no trânsito causados por embriaguez. Após minucioso exame dos institutos retro citados chega-se à conclusão de que o que irá determinar se o homicídio no trânsito em que o condutor esteja embriagado é doloso ou culposo será a esfera subjetiva do agente. Sendo que esta somente será desvendada a partir dos elementos materiais providos por cada caso concreto.

Palavras-Chave: Dolo eventual. Culpa consciente. Embriaguez. Homicídio.

Abstract

It is proposed to present academic research institutes to analyze the eventual intention of conscious guilt and showing their differences in the context of homicides caused by motor vehicles when their drivers are drunk . A priori it is emphasized deceit, delineating its definition , existing theories and other elements necessary for their understanding . In this same vein , it will analyze the fault , using the same mold intent. Following there is the positioning of the case law on the subject , and ultimate address the differences between the eventual intention and conscious guilt in homicides in traffic caused by drunkenness. After careful examination of the institutes retro cited one comes to the conclusion that what will determine whether the homicide in traffic when the driver is intoxicated is willful or grossly negligent is the subjective sphere of the agent . Being that this will only be unveiled from the material elements provided for each case.

Keywords: Dolo possible. Conscious guilt. Drunkenness. Homicide.

Sumário

1     Introdução...............................................................................................................10

2     Conceito analítico de crime....................................................................................11

2.1  Tipicidade dolosa e culposa ..................................................................................11

3     Dolo..........................................................................................................................13

3.1  Teorias sobre o dolo................................................................................................13

3.2  Espécies de dolo......................................................................................................14

3.3  Consumação e tentativa.........................................................................................15

1.Tipicidades culposa................................................................................................17

4.1 Modalidades de culpa..............................................................................................17

4.2Espécies de culpa....................................................................................................18

5Distinção entre Dolo eventual e culpa consciente................................................20

6Pesquisa jurisprudencial........................................................................................25

7Metodologia.............................................................................................................27

8Discussão.................................................................................................................28

9     Considerações finais...............................................................................................29

       Referências..............................................................................................................30

Introdução

Os crimes de homicídios na direção de veiculo automotor, sob a influência de álcool, segundo a mídia, têm aumentado e, consequentemente, gerando discussões sobre a sua adequação típica, seja à subordinação ao dolo eventual quanto à culpa consciente.

Dessa forma, o presente ensaio científico tem como escopo diferenciar Culpa Consciente e Dolo Eventual e discutir a sua tipificação em crimes de homicídios praticados no trânsito sob a influência de álcool.

O estudo iniciará a discussão do tema através da analise do conceito analítico de crime, tendo a conduta como premissa para o enfretamento do problema suscitado na pesquisa. Em um segundo momento, enfrentaremos a tipicidade dolosa e culposa que norteia nosso ordenamento jurídico, servindo para averiguar a ação do agente, analisando os conceitos requisitos, modalidades tentadas/consumadas.

Depois de sedimentado os conceitos e requisitos da tipicidade dolosa e culposa, passaremos a dissertar sobre a diferença entre dolo eventual e culpa consciente, colacionando da jurisprudência julgados sobre o tema para, ao final, concluirmos sobre a melhor adequação típica.

Salienta-se que a pesquisa será desenvolvida utilizando-se da revisão bibliográfica como metodologia e o método hipotético dedutivo para alcançar os fins proposto no presente trabalho científico.

2.1 Conceito analítico de crime

Ao passar dos anos, diversos doutrinadores procuraram ministrar um conceito de crime, contudo, existem alguns conceitos que se destacaram se não vejamos.

A doutrina penal brasileira, após a verificação de que não existia um conceito de crime fornecido pelo legislador, mas sim, uma distinção entre o crime e a contravenção penal, a procurou o conceito que mais traduzisse o crime com precisão. Não foram poucos os doutrinadores que, durante anos, tentaram fornecer esse conceito de delito. Esse, na verdade, é um conceito que veio evoluindo ao longo dos anos, sendo que várias teorias surgiram com a finalidade de explicá-lo.

No entanto, o Brasil adotou a Teoria Analítica do Crime, na qual procura como sua própria denominação sugere analisar os elementos ou características que integram a infração penal, permitindo ao intérprete, após a sua averiguação, concluir ou não pela sua prática.

Segundo a maioria dos doutrinadores, para que se possa em falar em crime é preciso que o agente tenha praticado uma ação típica, ilícita e culpável.

O fato típico, segundo a visão finalista, é composto pela conduta (dolosa ou culposa), pelo resultado, pelo nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a tipicidade (formal e conglobante).

A antijuridicidade seria a relação de contrariedade, de antagonismo, que se estabelece entra a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude ou a juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas de excludentes de ilicitude previstas no artigo 23 do Código Penal.

A culpabilidade sendo o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista por nós assumida: Imputabilidade; Potencial consciência sobre a ilicitude do fato e Exigibilidade de conduta diversa.

2.2 Tipicidade dolosa e culposa

            Como esse estudo é direcionado a trabalhar a diferença na aplicação dos institutos do Dolo Eventual e da Culpa Consciente em acidentes de trânsito, passaremos a partir de agora, a uma breve abordagem sobre as condutas humanas, podendo ser elas culposas ou dolosas.

A ação, ou conduta, de acordo com Rogério Greco “compreende qualquer comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou imperícia)”.

É deveras importante advertir que a conduta é diferente do ato, pois o primeiro é a manifestação da vontade do agente externada pelo conjunto de atos, que são os componentes formadores da conduta, ou seja, a conduta se constrói pela prática de um ou mais atos.

3 Dolo

Conforme dicção do Art. 18 do Código Penal, a conduta dolosa estaria adstrita às hipóteses em que o “agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, não sendo suficiente tal conceito para o estudo do Direito Penal, de maneira a recorrer-se à Doutrina e Jurisprudência para o melhor entendimento.

Assim sendo, segundo Greco (2009) o dolo é a pretensão livre e consciente de realizar a ação prevista no tipo penal incriminador. Ao seu turno, Nucci (2007, p. 186) afirma que o “dolo é a vontade consciente de praticar a conduta típica”.

Já Mirabete (2007, p. 130) conclui que “dolo como a consciência e a vontade na realização da conduta típica, ou a vontade da ação orientada para a realização do tipo”.

Indubitavelmente, extrai-se dos conceitos acima apresentados pelos diversos doutrinadores que não há discordância acerca da conceituação do dolo, referindo-se a todos à consciência e intenção do agente na prática do tipo penal.

3.1 Teorias sobre o dolo

Como ensinado por Mirabete (2007) e por Capez (2007), as teorias do dolo são a da vontade, do assentimento e da representação com os seguintes significados: Como explana brilhantemente Greco (2013, p. 61):

Na teoria da vontade, dolo seria tão somente a vontade livre e consciente de querer praticar a infração penal, isto é, querer levar a efeito a conduta prevista no tipo penal incriminador.

Já a teoria do assentimento diz que atua com dolo aquele que, antevendo como possível o resultado lesivo com a prática de sua conduta, mesmo não o querendo de forma direta, não se importa com sua ocorrência, assumindo o risco de vir a produzí-lo. Aqui o agente não quer o resultado diretamente, mas o entende como possível e o aceita.

Por fim, na teoria da representação, podemos falar em dolo toda vez que o agente vier tão somente a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decidir pela continuidade de sua conduta.

De acordo com Mirabete (2007, p. 129):

Para a teoria da vontade, age dolosamente quem pratica a ação consciente e voluntariamente. É necessário para sua existência, portanto, a consciência da conduta e do resultado e que o agente a pratique voluntariamente.

Para a teoria da representação, o dolo é a simples previsão do resultado. Embora não se negue a existência da vontade na ação, o que importa para essa posição é a consciência de que a conduta provocara o resultado. Argumenta-se, contudo, que a simples previsão do resultado, sem a vontade efetivamente exercida na ação, nada representa e que, além disso, quem tem vontade de causar o resultado evidentemente tem a representação deste. Nesses termos, a representação já estava prevista na teoria da vontade.

Para a teoria do assentimento (ou do consentimento) faz parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere não sendo necessário que ele o queira. Para a teoria em apreço, portanto, existe dolo simplesmente quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a conduta.

Conforme ensinamento de Capez (2007, p.202)

Teoria da vontade: dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.

Teoria da representação: dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, deseja-lo. Denomina-se teoria da representação, porque basta ao agente representar (prever) a possibilidade do resultado para a conduta ser qualificada como dolosa.

Teoria do assentimento/assunção: dolo é o assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado com a aceitação dos riscos de produzí-lo. Não basta, portanto, representar, é preciso aceitar como indiferente a produção do resultado.

Segundo a doutrina de Mirabete (2007, p. 12 e 131), o dolo de acordo com o Código Penal, se dá da seguinte forma:

Reza o Art. 18, inciso I, do CP: “Diz-se do crime: doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzí-lo”. Como resultado deve-se entender a lesão ou perigo de lesão de um bem jurídico.

Na primeira parte do dispositivo a lei refere-se ao agente que quer o resultado. É o que se denomina dolo direto: o agente realiza a conduta com o fim de obter o resultado. Assim, quer matar (art. 121), quer causar lesão corporal (art. 129), quer subtrair (art. 155).

Na segunda parte do inciso em estudo, a lei trata do dolo eventual. Nesta hipótese, a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não o detém e ele pratica a conduta, consentido no resultado. Há dolo eventual, portanto, quando o autor tem seriamente como possível a realização do tipo legal se praticar a conduta e se conforma com isso.

Observa-se que o Código Penal Brasileiro (2010), quanto ao dolo direito seguiu-se a teoria da vontade, pelo qual o agente quer a ocorrência do resultado e faz com que o mesmo seja produzido.

Já em relação ao dolo eventual, o mesmo Ordenamento Jurídico adotou a teoria do assentimento, uma vez que o agente prevê, mas não quer o resultado, entretanto nada faz para evitá-lo.

3.2 Espécies de Dolo

Costuma-se distinguir o dolo em: direto e indireto. O dolo direto se biparte em: dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau. O dolo indireto, a seu turno, pode ser concebido como: dolo alternativo e dolo eventual. A alternativa do dolo pode ser: subjetiva (quando se referir à pessoa) e objetiva (quando disser respeito ao resultado).

Observa-se nitidamente a existência de várias classificações das espécies de dolo e um grande desentendimento entre os renomados autores, a respeito dessa divisão. Não distante dessa realidade, Mirabete (2007, p. 134), relaciona as espécies de dolo como sendo:

Distingue-se na doutrina o dolo direto ou determinado do dolo indireto ou indeterminado. No primeiro, o agente quer determinado resultado, como a morte da vítima, por exemplo, no homicídio. No segundo, o conteúdo do dolo não é preciso, definido. Neste caso, poderá existir o dolo alternativo, em que o agente quer, entre dois ou mais resultados (matar ou ferir, por exemplo), qualquer deles ou dolo eventual.

Corroborando com Mirabete, tem-se o glorioso Muñoz Conde, que leciona:

“No dolo eventual, o sujeito representa o resultado como de produção provável e, embora não queira produzí-lo, continua agindo e admitindo a sua eventual produção. O sujeito não quer p resultado, mas conta com ele, admite sua produção, assume o risco, etc..”

3.3 Consumação e tentativa

Questão extremamente complexa é a possibilidade de ser admitida a tentativa nas hipóteses do dolo eventual. Inversamente ao que se possa parecer, mesmo tratando-se de dolo (eventual), o raciocínio não flui de forma pacífica como acontece quando estamos diante do dolo por excelência, que é o dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo grau. Para ser ter noção, a doutrina espanhola, de forma majoritária, entende, no caso em epígrafe, ser perfeitamente admissível o conatus. Muñoz Conde, com o brilhantismo que lhe é peculiar, mesmo admitindo controvérsia sobre o tema, assevera que, “na medida em que o tipo do respectivo delito admita a comissão dolosa eventual, [...], caberá também a tentativa com esta forma de imputação subjetiva, ainda que o normal na tentativa seja o dolo direto, pelo menos de segundo grau”. José Cezero Mir, sem enfrentar o tema com profundidade, afirma que “a tentativa é compatível, segundo a opinião dominante, com o dolo eventual”. No Brasil, Frederico Marques também entende como perfeitamente aceitável a tentativa no dolo eventual.

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No mesmo sentido, aduz Fernando Galvão que “os crimes que se realizam com dolo eventual admitem tentativa. No plano objetivo, sendo possível fracionar a conduta, a tentativa é perfeitamente compatível com o dolo eventual. Se o dolo eventual é caracterizado pela postura subjetiva de assumir a ocorrência do resultado, o comportamento é tendencioso à realização de tal objetivo e pode haver a interrupção que autoriza uma responsabilidade diminuída”.

Ainda que a questão não encontre solução tranquila na doutrina, adotando-se como premissa a equiparação do dolo direto com o dolo eventual realizada pelo legislador ordinário, afigura-se compatível o delito tentado praticado com dolo eventual. Precedente (STJ, HC 147729/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 20/6/2012).

Ainda assim, com a força do pensamento dos mencionados autores, acredita-se se o dolo eventual completamente incompatível com a tentativa. Bustos Ramirez e Hormazábal Malarée não admitem essa hipótese, dizendo que “mão é possível a tentativa de dolo eventual, pois [...] o dolo eventual tem a estrutura de uma imprudência a que, por razões político-criminais, se aplica a pena do delito doloso”.

Independentemente do paralelo que se tente traçar entre o dolo eventual e a culpa consciente, o fato é que, nos casos concretos, o raciocínio da tentativa torna-se inviável, visto que a própria definição legal nos impede de reconhecê-la nos casos em que o agente atua no dolo eventual.

Quando o Código Penal, sem seu artigo 14, II, diz ser o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, nos está a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalística e diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos propostos pela teoria do assentimento. O art. 14, II, do Código Penal adotou, portanto, para fins de reconhecimento do dolo, tão somente, a teoria da vontade.

Crime de trânsito. Denúncia por homicídio tentado com dolo eventual. Decisão pronunciatória. Necessidade reforma. Impossibilidade lógica de admitir-se a tentativa no dolo eventual. Desclassificação do delito (TJRS, Rese 70028712321, Rel. Des. Manuel José Martinez Lucas, DJ 1º/7/2009).

4 Tipicidade culposa

Antes de abordar as modalidades de culpa, faz-se necessário o entendimento acerca dos elementos que compõem a culpa, sendo eles indispensáveis para a ocorrência do tipo, ou seja, sem eles não há como ser configurado o fato típico. São na verdade, as particularidades formadoras do crime ou do tipo penal, que no caso em epígrafe amolda-se a conduta como culposa. Com a ausência desses elementos, é impossível conseguir constatar a conduta como culposa.

Portanto, ao realizar um estudo sobre os elementos formadores do tipo culposo, podemos relacionar uma variação na classificação desses, em decorrência dos diversos posicionamentos doutrinários. Com isso, passaremos a mostrar essa diferença de ensinamentos a seguir.

No entendimento de Greco (2009, p. 207 e 208) os elementos que compõem a culpa são: Conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; Inobservância de um dever objetivo de cuidado manifestado através de negligência, imprudência e imperícia; Resultado lesivo não querido, também não assumido, pelo agente; Previsibilidade; Nexo de causalidade entre a conduta do agente que agiu sem empregar o seu dever de cuidado e o resultado lesivo dela advindo e Tipicidade.

Pode-se notar do ensinamento que a conduta é a ação do agente, podendo ser comissiva ou omissiva. A inobservância do dever de cuidado objetivo decorre da imprudência, imperícia e negligência, cujo resultado é involuntário. Assim sendo, existindo a relação de causalidade e tipicidade da conduta caracterizar-se-ia a conduta penalmente relevante.

Presentes tais elementos no caso concreto, será averiguado se a conduta é mesmo culposa, para depois ser constatada qual a modalidade de culpa pode ser atribuída ao crime. Assim, faremos abaixo, um levantamento das espécies de culpa segundo as principais classificações doutrinárias.

4.1 Modalidades de culpa

Mais do que uma conceituação de crime culposo, o inciso II do art. 18 do Código Penal nos fornece as modalidades de condutas que fazem que o agente deixe de observar o seu exigível dever de cuidado. Esta falta de observância ao dever de cuidado pode ocorrer em virtude de imprudência, negligência ou imperícia do agente, as quais detalharemos a seguir.

Imprudente seria a conduta positiva praticada pelo agente que, por não observar seu dever de cuidado, causasse o resultado lesivo que lhe era previsível. Imprudente é o motorista que imprime velocidade excessiva ao seu veículo ou o que desrespeita o sinal vermelho do cruzamento etc.. A imprudência é, portanto, um fazer alguma coisa.

Negligência ao contrário, é um deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha. É o caso, por exemplo, do motorista que não conserta os freios já gastos de seu automóvel ou o do pai que deixa arma de fogo ao alcance de seus filhos menores.

Imperícia é a consequência de uma inaptidão, momentânea ou não, do agente para o exercício de arte, profissão ou ofício. Diz-se que a imperícia está ligada, basicamente, à atividade profissional do agente. Um farmacêutico/bioquímico durante um processo de manipulação pode praticar atos que, naquela situação específica, conduzam à imperícia.

4.2 Espécies de culpa

A grande maioria dos penalistas qualifica a culpa em consciente ou inconsciente, culpa própria ou imprópria. Vejamos abaixo alguns conceitos estabelecidos por esses doutrinadores, a saber:

Quando o agente prevê o resultado, tem-se a culpa consciente, pois existe a previsibilidade do evento, porém, o mesmo não o aceita, lado outro, quando não há previsão do fato, surge aí à culpa inconsciente. Segundo os ensinamentos de Greco (2009, p. 207) essas espécies de culpa se diferem do seguinte modo:

A culpa inconsciente distingue-se da culpa consciente justamente no que diz respeito à previsão do resultado; naquela, o resultado, embora previsível, não foi previsto pelo agente; naquela, o resultado, embora previsível, não foi previsto pelo agente; nesta, o resultado é previsto, mas o agente, confiando em sim mesmo, nas suas habilidades pessoais, acredita sinceramente que este não venha a ocorrer. A culpa inconsciente é a culpa sem previsão e a culpa consciente é a culpa com previsão.

Noutra vertente, tem-se a costumeira culpa própria, que acontece sem a vontade de gerar aquele resultado e igualmente, que o mesmo avocasse o risco de causá-lo, pois não foi prognosticado pelo agente, todavia fosse previsível. No tocante à culpa imprópria, Franco (2001, p. 195) conceitua a segunda como sendo:

Trata-se de uma conduta dolosa, cuja origem é a própria imprudência do agente. Exemplo: imaginando-se atacado por um desconhecido, o sujeito atira para matar, visando proteger-se. Após o fato, constata-se não ter havido agressão injusta. Houve dolo, pois o tiro foi dado com intenção de matar ou ferir, ainda que para garantir a defesa pessoal. Entretanto, a lei penal prevê que, neste caso, se o erro for escusável estará configurada a legítima defesa putativa (art. 20, §1º do CP), não havendo punição. Mas, caso seja inescusável, deve haver punição a título de culpa. Cuida-se exatamente da culpa imprópria, isto é, a culpa com previsão do resultado. Pensamos que, mesmo havendo culpa imprópria, não se acolhe a possibilidade de tentativa, uma vez que a lei penal dá a essa situação, o tratamento de culpa e esta não admite, em qualquer hipótese, tentava.

Partindo-se da exordial de que um dos focos do presente estudo é a culpa consciente, daremos evidência ao seu conceito, instituindo-se um juízo mais adequado ao uso dessa variação do tipo culposo na dosimetria da penalidade aplicada em procedimentos decorrentes de ocorrências de trânsito. Com esse fito, abordaremos a seguir, de maneira mais respaldada o conceito de culpa consciente.

5 Distinção entre dolo eventual e culpa consciente

A partir de agora, faremos um comparativo direto entre dolo eventual e culpa consciente, já destrinchados em tópicos anteriores. Não obstante, para fixar ainda mais a diferença entre as espécies dos tipos doloso e culposo, faremos uma remissão dos conceitos particulares já abordados, citando-os novamente:

Relembrando o disposto no item 2.2, quando em relação ao dolo eventual Bitencourt (2006, p. 338) nos transmitiu que no mesmo o agente prevê o resultado como imaginável, ou, ao menos, como provável, mas mesmo prevendo-o age abrigando em si o risco de produzí-lo.

Já no item 2.4, novamente os ensinamentos de dois juristas renomados, quais sejam Mirabete (2007, p. 135) e Muñoz Conde a respeito da ocorrência de culpa consciente, o autor noticia que essa espécie que também é cognominada de culpa com previsão, acontece quando o agente, deixando de notar a diligência a que ele não ocorra. Quando o agente, apesar de prever o resultado, crê verdadeiramente que este não ocorrerá, considera-se a conduta como de culpa consciente e não de dolo eventual.

Ao balizar a culpa consciente e o dolo eventual, leciona Greco (2008, p. 207, 208, 209 e 210) dizendo que:

Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzí-lo. Na culpa consciente, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa.

Com o mesmo desígnio de individualizar essas espécies de dolo e culpa, Bitencourt (2006) diz que a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente constitui uma das dificuldades mais temerosas da Teoria do Delito. Existe entre eles algo em comum, que é a previsão do resultado proibido.

Mas, enquanto no dolo eventual o agente concorda ao advento desse resultado, admitindo o risco de produzí-lo, em vez de abandonar à ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, convencido que este não ocorrerá.

Por fim, ao diferenciar o dolo eventual da culpa consciente, leciona Capez (2007, p. 170) dizendo que:

[...] a culpa consciente difere do dolo eventual porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (“se eu continuar dirigindo assim posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer tudo bem, eu vou prosseguir”). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (“se eu continuar dirigindo assim posso matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: é possível, mas não vai acontecer de forma alguma.

Como informado anteriormente, os delitos de trânsito a serem focados nesse trabalho, são aqueles ocasionados por alta velocidade e pelo consumo de álcool, tendo como consequência a morte.

Veremos a seguir que, tal como se torna muito complexo distinguir na teoria, o dolo eventual da culpa consciente, ao analisarmos alguns crimes de trânsito, observaremos novamente a dificuldade em efetuar a aplicação de um ou outro na prática.

Sobre a aplicação dessas espécies de dolo e culpa nos crimes de trânsito, leciona Araújo (2004, p. 23) que:

Pela teoria do consenso, do assentimento ou do consentimento, há a crítica à teoria da representação, afirmando-se que não basta a previsão da possibilidade ou probabilidade concreta, mas um quid pluris, devendo existir uma atitude interior de aprovação ou o consentimento em relação à concretização do resultado previsto como possível (aceitação do risco).

(...)

Nota-se, desta forma, a dificuldade em se caracterizar o dolo eventual nos crimes de trânsito. Numa situação normal o agente que conduz o veículo e provoca a morte de outra pessoa, por mais intensa reprovação social que exista, não se pode falar, a priori, que o mesmo assumiu o risco de causar a fatalidade.

Existe, assim, uma prevalência inicial da culpa (às vezes inconsciente) em detrimento do dolo eventual nos delitos de trânsito.

Baseando-se no posicionamento supracitado, só podemos dizer que tanto no dolo eventual quando na culpa consciente, existe a previsão do resultado, sendo que no primeiro o agente não se importa com as consequências enquanto no segundo acredita sinceramente que o resultado não será produzido.

Também vigilante à diferença entre dolo eventual e culpa consciente, com foco específico em homicídio proveniente de direção de veículo automotor, aglutinada com álcool e excesso de velocidade, Greco (2009, p. 218/220) instrui que:

A questão não é tão simples como se pensa. Essa fórmula criada, ou seja, embriaguez + velocidade excessiva= dolo eventual, não pode prosperar. Não se pode partir do princípio de que todos aqueles que dirigem embriagados e com velocidade excessiva não se importam em causar a morte ou mesmo lesões em outras pessoas. O dolo eventual, como visto, reside no fato de não se importar o agente com a ocorrência do resultado por ele antecipado mentalmente, ao contrário da culpa consciente, onde este mesmo agente, tendo a previsão de que poderia acontecer, acredita, sinceramente, que o resultado lesivo não venha a ocorrer. No dolo eventual, a gente se preocupa com a ocorrência do resultado por ele previsto porque o aceita. Para ele, tanto faz. Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer e nem assume o risco de produzir o resultado porque se importa com a sua ocorrência. O agente confia que, mesmo atuando, o resultado previsto será evitado.

Merece ser frisado, ainda, que o Código Penal, como vimos,  não adotou a teoria da representação, mas, sim, a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importando realmente com a sua ocorrência. Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que houver a fórmula embriaguez + velocidade excessiva haverá dolo eventual. Também não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese. Só a estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta.(...)

O clamor social no sentido de que os motoristas que dirigem embriagados e/ou em velocidade excessiva devem ser punidos severamente, quando tiram a vida ou causam lesões irreversíveis em pessoas inocentes, não pode ter o condão de modificar toda a nossa estrutura jurídico-penal. Não podemos, simplesmente, condenar o motorista por dolo eventual quando, na verdade, cometeu infração culposamente.(...)

Concluindo, embora em alguns casos raros seja possível cogitar de dolo eventual em crimes de trânsito, não é pela conjugação da embriaguez com a velocidade excessiva que se pode chegar a essa conclusão, mas, sim, considerando o seu elemento anímico. Se mesmo antevendo como possível a ocorrência do resultado como ele não se importava, atua com dolo eventual; se, representando-o mentalmente, confiava sinceramente na sua não-ocorrência, atua com culpa consciente. E, para arrematar, se ao final do processo pelo qual o motorista o motorista estava sendo processado por um crime doloso (como dolo eventual), houver dúvida com relação a este elemento subjetivo, deverá ser a infração penal desclassificada para aquele de natureza culposa, pois que indubio pro reo, e não, como querem alguns, in dubio pro societate.

Em decorrência do direcionamento dado à legislação de trânsito, no momento de sua elaboração e aprovação, ao ser pré estabelecido que a conduta só será culposa em acidentes dessa natureza, houve durante algum tempo, condenações que nunca alcançaram as finalidades de uma lei, que é a punição do infrator e principalmente, a tentativa de se evitar novos crimes.

A falta de punição adequada leva ao aumento de delitos em decorrência do sentimento de impunidade. Com isso, surge da sociedade o clamor pela mudança na legislação ou adequação da que já existe. A vontade é que se punam aqueles que já transgrediram as leis, para servirem de exemplo e se iniba a ocorrência de novos casos.

A restrição da lei de trânsito quanto ao tipo culposo, que acarreta punições mais brandas, gera insatisfação, não só dos leigos, mas também dos operadores do direito, que buscam melhores critérios para julgarem crimes dessa natureza.

Não é fácil distinguir dolo eventual de culpa consciente, pois ambos são parecidos, chegando a ter características em comum. Os doutrinadores podem até conceituar de forma mais clara, mas na prática, os juristas devem analisar não só um conceito didático, mas sim as circunstâncias que ladearam a conduta.

É nesse momento que aparecem as dúvidas sobre as espécies de dolo e culpa, objetos desse estudo. Os questionamentos são quanto ao tipo que deve ser adotado para aquela determinada situação.

Discernir sobre a aplicação dessas espécies de dolo e culpa, é saber diagnosticar qual tipo de conduta o agente teve ao praticar o delito. É fundamental conseguir provar que o autor atingiu com dolo eventual ou com culpa consciente, pois é isso que irá dosar a penalidade imposta. É de suma importância caracterizar a ação em dolosa ou culposa.

Nesse sentido, com foco no bom emprego dessas classes dos tipos doloso e culposo, devemos observar outros aspectos, assim, como leciona Mello (1996, s.p.) em julgamento de Habeas Corpus originário do estado do Rio Grande do Sul fornecendo o seguinte relato:

“A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, com seu veículo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em pela via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada- além de ensejar a possibilidade de reconhecimento de dolo eventual inerente a esse comportamento do agente- ainda justifica especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à atitude de quem , em assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e lesões corporais”. (HC 71.800-1 RS, um. T., rel. Celso de Mello, DJ20. 06.1995, RT733/478).

Ao examinarmos a posição de Nucci (2007, p. 188) em relação à súmula do Supremo Tribunal Federal, o doutrinador afirma que tem sido posição seguida atualmente, na jurisprudência pátria considerar a conduta do agente em determinados delitos cometidos no trânsito não mais como culpa consciente, e sim como dolo eventual.

As várias campanhas realizadas, apontando o risco da direção perigosa e manifestamente ousada, são satisfatórias para esclarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o racha, a direção em alta velocidade sob embriaguez, entre outras. Se mesmo, continua o condutor do veículo a agir dessa forma claramente arriscada, estará demonstrando seu desapego à incolumidade alheia, podendo responder por delito doloso.

Nessa mesma linha, após relatório de Gracie (2008, s.p.), o julgamento do Habeas Corpus número 91.159 oriundo de Minas Gerais, foi realizado pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal, sendo indeferido o pedido por unanimidade, constando no relatório o seguinte posicionamento.

Direito penal e processual penal. Habeas corpus. Crime de competência do tribunal do júri. “racha” automobilístico. Homicídio doloso. Dolo eventual. Nova valoração de elementos fático-jurídicos, e não reapreciação de material probatório. Denegação [...]              O dolo eventual compreende a hipótese em que sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível e provável (assume o risco da produção do resultado, na redação do artigo 18, I, in fine (ou assunção), consoante a qual o dolo exige que agente consista em causar o resultado, além de considerá-lo como possível [...] A questão central à distinção entre dolo eventual e culpa consciente que, como se sabe, apresentam aspecto comum: a previsão do resultado ilícito. No caso concreto,  a narração contida na denúncia dá conta de que o paciente e o co-réu conduziam seus respectivos veículos, realizando aquilo que coloquialmente se denominou “pega” ou “racha”, em alta velocidade, em plena rodovia, atingindo um terceiro veículo (onde estavam as vítimas) [...]. Para configuração de dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação as circunstâncias do evento. Faz-se imprescindível que o dolo que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente [...]. O dolo eventual não poderia ser descartado ou julgado inadmissível na face do iudicium accustationis [...].

Nota-se que o relator considerou a conduta do agente, como sendo caracterizada por dolo eventual, ao entender que o mesmo havia previsto o risco de produzir o resultado, não se importando com os danos e mesmo assim, dando continuidade à sua ação, assumindo assim, o risco de produzir os efeitos já previstos.

Sabe-se que para ser caracterizado o dolo eventual, o agente deve ter previsto o resultado, mas não tenha se importado com a ocorrência do mesmo, dando continuidade à sua conduta e acabando por ocasioná-lo.

Já na culpa consciente, embora o agente saiba do risco em praticar tal ação, pois também prevê suas consequências, acredita fielmente em suas habilidades e que confia que poderá evita-las.

6 Pesquisa jurisprudencial

Sobre a adequação típica aos crimes de homicídio praticados na direção de veiculo automotor sobre a influência de álcool, há dois posicionamentos jurisprudenciais, sendo o primeiro pela caracterização do dolo eventual e o segundo pela tipicidade culposa em sua modalidade culpa consciente.

Entendendo como que no crime de homicídio praticado por condutor embriagado seria o dolo eventual a sua adequação típica, o Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa se extrai:

“Agravo regimental no recurso especial. Penal. Crime de homicídio qualificado. Condução de veículo automotor sob a influência de álcool e acima da velocidade permitida. Pleito de exclusão do dolo eventual. Pretensão que demanda análise do conjunto fático-probatório. Impossibilidade. Compatibilidade entre tentativa e dolo eventual. Agravo regimental desprovido. 1. As circunstâncias delineadas na pronúncia podem caracterizar o dolo eventual, já que é possível que o agente tenha assumido o risco de produzir o resultado morte, ainda que sem intenção de provocar o dano, mas com ele consentindo. 2. Nesse contexto, mostra-se inviável examinar o conjunto fático-probatório dos autos para avaliar se o elemento subjetivo caracterizador do dolo eventual estaria presente na conduta do agente. Incidência do óbice da Súmula n.º 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Esta Corte Superior de Justiça já se posicionou no sentido da compatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado. Precedentes. 4. Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido." (STJ, 5.ª Turma, AgRg no REsp 1199947/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, v.u., j. 11.12.2012; pub. DJe de 17.12.2012).”

Alias, nesse sentido não destoa NUCCI (2003. p. 140) que afirma que atualmente, na jurisprudência pátria, considerar a atuação do agente em determinados delitos cometidos no trânsito não mais como culpa consciente, e sim como dolo eventual, tendo em vista inúmeras campanhas realizadas, demonstrando o perigo da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes para esclarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o racha, a direção em alta velocidade, sob embriaguez, entre outras.

Assim sendo, ciente das consequências dos efeitos do álcool e, apesar disso, conduz um veiculo passa a agir de forma nitidamente arriscada, demonstrando seu desapego à incolumidade alheia, podendo responder por delito doloso.

Noutra senda, entendendo não ser possível a imposição de dolo eventual uma vez que não configurada a condição essencial dolosa da ação a admitir a competência para julgamento popular, impõe-se, por conseguinte, impondo-se a desclassificação para o tipo do art. 302 do CTB, submetendo-se o agente ao julgamento pelo Juízo singular, extrai-se o seguinte julgado:

Recurso em sentido estrito - Decisão de pronúncia - Acidente de trânsito - Nexo causal entre a conduta do réu e o resultado produzido - Dolo eventual - Inocorrência in casu - Culpa consciente - Desclassificação do delito - Homicídio culposo - Provimento do recurso. - Sendo constatado nexo causal entre a conduta do acusado e o resultado danoso produzido, mostra-se inviável a sua despronúncia. - Não se deve reconhecer o dolo eventual na conduta do agente de uma maneira apriorística e absoluta, sem considerar as peculiaridades de cada caso. – “Há a possibilidade de ter o agente atuado com culpa consciente, quando, embora prevendo que sua conduta possa levar a um resultado lesivo, acredita, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação para impedir o resultado lesão" (RSE n.º 1.0512.02.001680-8/002 - 2ª Câmara Criminal - Rel.ª Des.ª Beatriz Pinheiro Caires - j. 09/10/2008 - p. 05/11/2008).

7 Metodologia

Para se chegar aos objetivos do trabalho foi realizada uma pesquisa básica teórica a fim de aprofundar os conhecimentos acerca da matéria. Quanto à forma de abordagem foi realizada uma pesquisa qualitativa interpretando e analisando o assunto, e mais, focando nesse, suas características principais, tais como semelhanças e diferenças.

Do ponto de vista dos objetivos da pesquisa foi realizada uma pesquisa explanatória visando proporcionar uma maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito e a construir as hipóteses.

Quanto aos procedimentos técnicos, realizou-se uma pesquisa bibliográfica constituída principalmente de artigos, livros, jurisprudências e alguns materiais disponibilizados na internet, todos devidamente citados e referenciados ao longo da pesquisa.

8 Discussão

Muito se tem ouvido dizer no Brasil sobre motoristas que após ingerirem bebida alcoólica, por motivos desconhecidos assumem a direção de um determinado veículo e envolvem-se em acidentes e ceifam a vida de pessoas que trafegavam por aquela via.

Pois bem, o presente trabalho visa mergulhar nos bastidores da culpa consciente e do dolo eventual, a fim de mostras o conceito de cada um, bem como suas semelhanças e diferenças, além de trazer à baila o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre os homicídios no trânsito causados por embriaguez.

Nota-se que tanto no dolo eventual como na culpa consciente existe-se a figura da previsibilidade, no entanto, na culpa consciente essa previsibilidade é calhada de uma autoconfiança do condutor que se sente perito o suficiente para que, mesmo tendo ingerido substância alcoólica, possa evitar algum acidente, já o dolo eventual o agente sabe da possibilidade de ocorrência do sinistro, porém, não se importa com o mesmo.

A problemática toda está na análise da conduta acima descrita e o enquadramento da figura típica. A pergunta que não cala é: o condutor que ingere bebida alcoólica, vindo posteriormente ceifar a vida de outrem, assume o risco de produzir tal resultado ou não?

A jurisprudência pátria, não tem ainda uma decisão unânime ou unificada, tem-se em nível de Tribunais de Justiça (TJ) um certo equilíbrio nas decisões, como sendo o dolo eventual, no Superior Tribunais de Justiça (STJ) tem-se tido decisões em ambos os sentido, e no Supremo Tribunal Federal (STF) também, tem-se decisões  em que se contempla as duas correntes. A única pacificidade nesse Órgão é no que diz respeito aos famosos “rachas” em que os motoristas bebem e disputam corrida entre si, não se importando com o que possa vir a acontecer.

Nesse sentido, tem entendido a referida Corte que o referido motorista agiu com dolo eventual, ou seja, quando bebeu e dirigiu, este assumiu o risco de produção do resultado, neste caso, a morte.

Ademais, cabe com base nas provas, declarações e informações devidamente colhidas, a Autoridade Policial e/ou Judicial, observar cada caso em espécie, para depois enquadrá-lo no tipo penal adequado.

9 Considerações finais

O dolo eventual, por apresentar tênue liame com a culpa consciente, que é a previsibilidade do resultado, algumas vezes, em especial em delitos de trânsito, vem sendo com ela identificada, todavia, não se pode esquecer que, no dolo eventual, o agente dá a sua aquiescência ao resultado lesivo, ao passo que, na culpa consciente, não há qualquer adesão.

Malgrado haja, em ambos, a previsibilidade do resultado ilícito, no dolo eventual o agente não se importa em produzi-lo, enquanto, na culpa consciente, há, no mínimo, a esperança de que ele não ocorra.

Entende-se que não se pode partir do princípio de que todos aqueles que dirigem embriagados e não se importam em causar a morte e mesmo lesões em outras pessoas. O dolo eventual, como visto, reside no fato de não se importar o agente com a ocorrência do resultado por ele antecipado mentalmente, ao contrário da culpa consciente, onde este mesmo agente, tendo a previsão de que poderia acontecer, acredita, sinceramente, que o resultado lesivo não venha a ocorrer.

No dolo eventual, o agente não se preocupa com o resultado por ele previsto porque o aceita. Para ele tanto faz. Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer e nem assume o risco de produzir o resultado porque se importa com a sua ocorrência. O agente confia que, mesmo atuando, o resultado previsto será evitado.

O clamor social no sentido de que os motoristas que dirigem embriagados e/ou em velocidade excessiva devem ser punidos severamente, quando tiram a vida ou causam lesões irreversíveis em pessoas inocentes, não pode ter o condão de modificar toda a estrutura jurídico-penal.

Não podemos, simplesmente, condenar o motorista com dolo eventual quando, na verdade, cometeu a infração culposamente.

Assim, não me parece possível à imposição de dolo eventual sem que se possam declinar condições fáticas a justificar a qualificação do crime de trânsito desta forma, com o devido respeito ao entendimento em contrário, não nos traz dados firmes sobre uma vontade do agente em provocar o terrível resultado.

Referências

BRASIL. Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1.940. Ed. Saraiva/São Paulo, 2007.

BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503, de 23 de setembro de 1.997, Ed. Saraiva/ São Paulo, 2007.

CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, parte geral, vol. 1, 12 Ed. Saraiva, 2008 p. 115

GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, parte geral, vol. 1, 10 Ed. Impetus, Niterói, Rio de Janeiro, 2008, p. 135 a p. 197

GRECO, Rogério, Código Penal Comentado, volume único, 7 Ed. Impetus, Niterói, Rio de Janeiro, 2013, p. 29

NUCCI, Guilherme Souza, Código Penal Comentado, 6 Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo/SP, 2008, p. 135

GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios, Direito Penal Esquematizado, Ed. Saraiva, São Paulo/SP, 2011, p. 135.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentindo Estrito n.º 1.0512.02.001680-8/002. 2ª Câmara Criminal. Rel.ª Des.ª Beatriz Pinheiro Caires. Data de Julgamento 09/10/2008 - Publicação 05/11/2008. Teófilo Otoni/MG, 12 de Novembro de 2013. Disponível em: WWW.tjmg.jus.br. Acesso em: 08 set. 2013.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentindo Estrito n.º 70028712321. 2ª Câmara Criminal. Rel.ª Des. Manuel José Martinez Lucas. Data de Julgamento 19/06/2009 - Publicação 1º/07/2009 Teófilo Otoni/MG, 12 de Novembro de 2013. Disponível em: WWW.tjrs.jus.br. Acesso em: 09 set. 2013.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 71.800-1 RS, um T.. Rel. Celso de Mello. Data de Julgamento 20/06/1995 -Teófilo Otoni/MG, 12 de Novembro de 2013. Disponível em: WWW.stf.gov.br. Acesso em: 20 out. 2013.

DISTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 1199947/DF. 5ª Turma. Rel.ª Min. Laurita Vaz. Data de Julgamento 11/12/2012 - Publicação 17/12/2012 Teófilo Otoni/MG, 12 de Novembro de 2013. Disponível em: WWW.stj.gov.br. Acesso em: 09 set. 2013.

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Sobre o autor
Edu Pereira de Sousa

Sou Bacharel em Direito, recém formado, trabalho na área e busco a cada dia mais paerfeiçoar aquilo que aprendi durante meus 05 (cinco) anos de academia e inovar.<br>Estou sempre aberto a discussões e debates buscando um melhor entendimento jurídico.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador:Fábio Marinho dos Santos.

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