Tutela antecipada antecedente e sua estabilização no Código de Processo Civil de 2015

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15/11/2015 às 20:54
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3 ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

Apesar de novo na legislação pátria, tal instituto já existe em outros países, como na França e na Itália. No direito processual civil português, inclusive, existe previsão similar, instituída pelo Decreto-lei n. 108/2006 (PORTUGAL, 2006) em seu artigo 16º. Em estudo profundo sobre a tutela antecipada no direito comparado, a ilustre doutrinadora Ada Pellegrini Grinover (2005, p. 33) encontrou uma forma de tutela antecipada recorrente em diversos países, em que, não havendo oposição do réu a sua concessão, sequer é instaurado o procedimento ordinário. Aliás, trata-se de procedimento já existente aqui no Brasil desde o Código de 1973, presente na ação monitória. Senão, vejamos:

A forma mais difundida de tutela satisfativa antecipada encontrada nos países pesquisados consiste nos processos de estrutura monitória (grifo da autora). Em linhas gerais, pode-se afirmar que o processo monitório responde à exigência de tutelar prontamente o direito do credor desprovido de título executivo, acelerando sua formação, sem necessidade de processo de conhecimento. Chamado de procedimento ingiuntivo na Itália, de Mahneverfahen, na Alemanha e na Áustria, de injonction de payer na França e na Bélgica, o processo monitório é exclusivamente documental em alguns países (como na Itália, Bélgica e Brasil), conhecido em outros países a forma "pura", em que a emissão da ordem de pagamento não se lastreia necessariamente na existência de prova escrita do débito (França, Alemanha, Áustria). Mas o traço comum é o de que a cognição se limita à prova produzida pelo requerente e é normalmente caracterizada pela ausência de contraditório inicial. Somente se o devedor, após o decreto injuntivo, se opuser à ordem de pagamento é que se instaurará o procedimento comum, em contraditório pleno. (grifo meu) (GRINOVER, 2005, p. 33)

Em especial, na França, há uma experiência satisfatória com a criação da estabilização da tutela antecipada, chegando-se à conclusão de que, em vários casos, a decisão estabilizada já gera satisfação completa para as partes. É o que diz Antonio Cavalcanti Neto:

A França, com o référé, é o principal objeto de comparação quando o assunto é a previsão de processos satisfativos autônomos e abreviados. Os franceses, sobretudo a partir da prática, perceberam que a sumariedade do procedimento não é geradora de instabilidade, pelo contrário, muitas vezes a atribuição de estabilidade às decisões provisórias satisfaz completamente as partes no plano fático. (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 7)

Em alguns países, inclusive, a ausência de impugnação à tutela antecipada concedida gera a natureza de sentença com coisa julgada. Mais uma vez, Ada Pelegrini ensina que

Apesar do caráter de provisoriedade, que não dispensa o processo de conhecimento, comum a muitos ordenamentos em tema de tutela antecipada, em alguns países pode-se chegar à estabilização da antecipação da tutela, quando a ela não se opuser qualquer das partes, de forma a dispensar o processo de conhecimento e a sentença de mérito: é o caso do référé francês e belga e de algumas hipóteses específicas na Itália. Nesses casos, reconhece-se ao provimento antecipatório, não impugnado, o caráter de título executivo ou até mesmo a natureza de sentença coberta pela coisa julgada. (GRINOVER, 2005, p. 34)

Para começarmos a conceituar e compreender essa nova previsão, antes de tudo, é importante distinguir as estipulações dos art. 303 e 304 (BRASIL, 2015). Conforme leciona Antonio Cavalcanti,

Os arts. 303 e 304 do CPC não tratam da mesma figura e não permitem uma interpretação prejudicial ao autor que tenha o direito mais provável. O art. 303 trata da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Já o art. 304 versa sobre a estabilização da tutela antecipada, que pode acontecer ou não, a depender da apresentação de recurso pelo réu. Ou seja, a tutela satisfativa antecedente é um dos elementos do suporte fático da estabilização, mas não se confunde com esse instituto. (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 23)

Como já foi assinalado, o que poderá gerar bastantes discussões no meio acadêmico e no dia-a-dia forense será a previsão normativa da estabilização da tutela antecipada antecedente do art. 304[4] (BRASIL, 2015). Isso porque, neste ponto, o Novo CPC foi falho em não deixar claras as consequências de cada ação ou omissão das partes. Vejamos.

Assim dispõe o Código de Processo Civil de 2015:

Art. 303.  Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

§ 1o Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:

I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;

[...] § 2o Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

[...] § 6o Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.

Art. 304.  A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1o No caso previsto no caput, o processo será extinto.

§ 2o Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

§ 3o A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2o.

§ 4o Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2o, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5o O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2o deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1o.

§ 6o A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo. (grifei) (BRASIL, 2015)

Em verdade, o Novo CPC rompe com o conceito costumeiramente adotado na ordem vigente de que uma decisão baseada em cognição sumária necessariamente deve ser substituída por outra decisão que tenha por fundamento uma cognição exauriente, motivo pelo qual o processo deve seguir até esse "final" (SCARPINELLA BUENO, 2014, p. 63).

Segundo a norma, a primeira interpretação que viria à mente seria: após o ajuizamento da ação com a devida indicação de pedido de tutela antecipada antecedente, o Magistrado o analisaria e, a partir de então, podem surgir várias possibilidades. Senão, vejamos:

HIPÓTESES DE ESTUDO DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

Havendo o deferimento, abre-se o prazo para o autor aditar a inicial em 15 (quinze) dias. Então, eis que surge a primeira problemática: o que acontecerá se o autor não aditá-la?

Conforme o parágrafo segundo do art. 303 (BRASIL, 2015), essa omissão por parte do autor importaria na extinção do processo sem resolução do mérito. Mas, nesse caso, a tutela antes deferida teria seus efeitos prolongados ou esses seriam revogados? Já estaria operada a estabilização da tutela antecipada?

Para o autor Antonio de Moura Cavalcanti Neto (2015, p. 19), não é possível determinar o que deve acontecer com apenas esse dado. Segundo ele, é necessário ainda saber se o réu interpôs recurso[5] daquela decisão.

Segundo o art. 304, caput, (BRASIL, 2015) estará operada a estabilização caso o réu não interponha seu recurso. Dessa forma, é preciso esperar findar o prazo do réu para recorrer para definir se está operada a estabilização da tutela ou não.

Para alguns autores, entretanto, não basta somente a interposição de recurso para evitar a incidência da estabilização, devendo haver também a contestação:

De início, merece encômios a orientação do novo Código de não permitir a formação da coisa julgada em razão da estabilização da tutela provisória. Todavia, ao contrário do que a redação do artigo sugere, parece-me que a estabilização não pode resultar simplesmente da não interposição de recurso contra a liminar concessiva do provimento antecipatório, mas também necessariamente do não oferecimento de contestação, no prazo a que se refere o artigo 304, § 1º, II. Com efeito, se, não recorrendo da liminar, o réu, citado, se defende, o direito à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos XXXV e LV, da Constituição), lhe asseguram a possibilidade de que a revogação seja determinada, caso acolhida a sua defesa. Por outro lado, se, concedida a tutela liminarmente, o autor aditar a petição inicial para “confirmar o pedido de tutela final”, e o réu não recorrer da liminar, nem contestar a ação, o processo será extinto (art. 305, § 1º), ficando prejudicado o pedido principal por falta de um provimento final, e estabilizada a decisão liminar sem coisa julgada. Se apesar da ausência de recurso, tiver o réu contestado a ação, o provimento provisório não se estabiliza, devendo sobrevir, em qualquer caso, sentença sobre o pedido de tutela final. Se este for julgado improcedente, a tutela antecipada estará automaticamente revogada, por aplicação analógica do disposto no artigo 310, III, independentemente de ação revocatória específica, exigida no artigo 305. (GRECO, 2014, p. 304-305) (grifei)

Inclusive, questiona-se sobre a existência de alguma vantagem para o réu em permanecer silente. Fredie Didier Jr. entende que sim, senão, vejamos:

A dúvida que surge é a seguinte: há vantagem para o réu em permanecer silente, no caso da estabilização da tutela antecipada? Sim, há: diminuição do custo do processo. Por não opor resistência, não pagará as custas processuais (aplicação analógica do disposto no 1º do art. 701 do CPC) e pagará apenas 5% de honorários advocatícios de sucumbência (art. 701, caput, CPC, também aplicado por analogia). (DIDIER JUNIOR, 2015a, p. 605)

[...] Essa interpretação da regra funciona como estímulo para o réu não reagir à decisão concessiva da tutela antecipada, já que, ainda que estabilizada, poderá ser revista, reformada ou invalidada por ação autônoma (art. 304, 2º, CPC). Permite-se que uma tutela estável acabe sendo oferecida de modo mais rápido e econômico. (DIDIER JUNIOR, 2015a, p. 607)

Ou seja, para o doutrinador, a vantagem para o réu consistiria em – sabendo este que provavelmente virá a sucumbir ao final da demanda ou concordando com sua propositura – teria seus gastos reduzidos, sendo dispensado do pagamento de custas processuais e condenado ao pagamento de apenas 5% de honorários advocatícios sucumbenciais.

Há de consignar, ainda, que, no Fórum Permanente de Processualistas Civis, entendeu-se ser incabível a estabilização da tutela cautelar, bem como da tutela antecipada em ação rescisória[6].

Outra questão é referente à decisão que defere parcialmente a antecipação da tutela, caso em que, da mesma forma, haverá estabilização parcial. Ou seja, a estabilização incidirá justamente sobre a parte da decisão em que se concedeu a antecipação da tutela final (DIDIER JUNIOR, 2015b, p. 97).

3.1 ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL E AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELO RÉU

Havendo, portanto, (a) deferimento do pedido de tutela antecipada antecedente, (b) aditamento da petição inicial por parte do autor e (c) ausência de interposição de recurso por parte do réu, certamente haverá a estabilização da tutela antecipada concedida. Todavia, o juiz não poderá extinguir o processo sem que antes intime[7] o requerente para dizer se possui interesse no prosseguimento do feito - para obter uma decisão que tenha o condão de fazer coisa julgada - ou se prefere contentar-se apenas com a estabilização da decisão (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 21).

Caso o autor opte pela continuação do processo, segundo Antonio Cavalcanti Neto (2015, p. 21-22), o juiz deverá extinguir o processo sem resolução do mérito quanto ao pedido deferido em tutela antecipada antecedente para que se observe o disposto no §1º do art. 304 do Código de Processo Civil de 2015 (BRASIL, 2015). Essa interpretação visa por em congruência o art. 303, §2º e o art. 304, §1º, ambos do mesmo diploma processual (BRASIL, 2015). O autor ainda explica:

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Suponha-se que, mesmo com o aditamento do autor, houvesse a extinção completa do feito. Mesmo assim, já no 16º dia, ele poderia propor a ação buscando revisitar a tutela antecipada e inserir todos aqueles pedidos indicados no aditamento (indenização por danos morais, materiais e revisão contratual). Haverá, nessa hipótese, ampliação objetiva da demanda inicialmente proposta. Nesse exemplo, parece claro que jamais seria vedada essa via ao requerente. Essa posição reforça a ideia aqui defendida de que a instalação do juízo de mérito não invalida automaticamente o juízo provisório formado, isso porque haveria a constatação natural de que os parágrafos 1º ao 5º do art. 303 seriam desnecessários. Se a lei prever um aditamento independentemente da conduta do réu, e diz expressamente que o autor fará uma confirmação do pedido de tutela final, não há como afastar todas essas previsões tão somente pela extinção prevista no art. 304, § 1º, do CPC. A única forma de compatibilizar os dispositivos, sem prejudicar a eficácia da estabilização, é aceitar que, no caso concreto, o juiz extinguirá apenas a parcela do processo que disser respeito à tutela antecipada antecedente (juízo provisório). (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 21-22)

O processo principal, portanto, terá seu curso normal e, havendo decisão final de mérito contrária à decisão anterior (já estabilizada), essa será revogada (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 22).

Já para Fredie Didier Jr. (2015a, p. 606-607), é pressuposto negativo para a estabilização da tutela antecipada antecedente a ausência de manifestação do autor no sentido de dar prosseguimento ao feito após a concessão da tutela antecipada. Para ele, é inadmissível que o autor faça essa opção na peça de aditamento da inicial, uma vez que o prazo para o aditamento (de, no mínimo, 15 dias) pode coincidir ou superar o prazo previsto para o recurso do réu - previsto no art. 1.003, §2º c/c art. 231, CPC (BRASIL, 2015). Dessa forma, havendo aditamento posterior ao término do prazo para o recurso, o réu restaria prejudicado por ter se mantido inerte (DIDIER JUNIOR, 2015a, p. 607).

3.2 AUSÊNCIA DE ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL PELO AUTOR E AUSÊNCIA DE RECURSO POR PARTE DO RÉU

Já em caso de (a) deferimento da tutela, (b) ausência de aditamento da inicial e (c) ausência de recurso, compreendemos que haverá a estabilização da tutela concedida, em razão do art. 304, caput, do CPC/2015 (BRASIL, 2015), citado anteriormente. Entretanto, isso não impede que o processo seja extinto sem resolução do mérito, para que seja dado cumprimento ao que dispõe o parágrafo segundo do art. 303 do mesmo diploma legal (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 20) (BRASIL, 2015).

Ainda nessa hipótese, como a estabilização da tutela não se confunde com a coisa julgada, ainda existe a possibilidade de o réu impedir a continuidade de seus efeitos através do ajuizamento de uma nova ação por parte dele – que se tornará requerente, agora. Ele deve fazê-lo no prazo de 2 (dois) anos perante o Juízo em que foi proposta a primeira ação, o qual se torna prevento para julgá-la (art. 304, §§ 3º, 4º, 5º e 6º, do Novo CPC) (DIDIER JUNIOR, 2015a, p. 612) (BRASIL, 2015).

Inclusive, para Rogéria Dotti, nessa nova ação ajuizada pelo réu da ação anterior, o ônus da prova será invertido, ou seja, o autor originário - da primeira ação, portanto - deverá realizar a produção probatória. A autora assim se posiciona:

Quanto à estabilidade, dois pontos merecem destaque: a nova ação deverá ter o ônus probatório invertido (o ônus da prova deve permanecer com o autor originário, o qual agora será réu) e a estabilização poderá ser objeto de negociação entre as partes, conforme Enunciado nº 32 da Carta de Belo Horizonte (Forum Permanente de Processualistas Civis)[8]: "Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência satisfativa antecedente" (DOTTI, 2015)

Aliás, esse questionamento já era realizado por Mirna Cianci desde 2013 em estudo acerca dos Projetos de lei n. 6.025/05 (BRASIL, 2005) e n. 8.046/10 (BRASIL, 2010). Em seu artigo, a autora tece algumas críticas à previsão da estabilização, iniciando justamente pelo caso vertente, em que discute sobre o ônus probatório da segunda ação.

[...] concedida a tutela antecipada, e contra ela não tendo sido tirado recurso, aperfeiçoa-se a tutela, que, ainda quando não aditada a inicial e julgado extinto o processo, permanecendo em vigor e podendo ser debatida pelas partes em ação própria, no prazo legal.

Essa sistemática, a pretexto de abreviar o rito, na verdade, revela-se causadora de inúmeros percalços e resulta na multiplicação de recursos. A primeira dificuldade fica por conta do ônus da prova: se o réu assumir a condição de autor, terá a seu cargo a reversão desse ônus, passando a ter que se desincumbir daquilo que originalmente seria a contraprova a respeito do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito, contrariando o artigo 380, II do projeto? (CIACI, 2013)

A autora abre uma discussão também acerca da coisa julgada: se passado o prazo de ajuizamento da segunda ação já mencionada (dois anos), a decisão estabilizada faria coisa julgada? Para ela, "[...] Na redação anterior do Projeto, havia dispositivo a respeito, que foi retirado da atual versão, levando a crer que não surtiria essa imutabilidade após o biênio" (CIACI, 2013).

Logo, a mudança no teor dos projetos indica que não haveria a incidência da coisa julgada na decisão estabilizada, cujo prazo para ajuizar outra ação já se findou. Ademais, "[...] a doutrina considera que a coisa julgada não guarda compatibilidade com a provisoriedade da tutela antecipada, ainda que estabilizada" (CIACI, 2013).

O doutrinador Fredie Didier Jr. assim esclarece:

[...] após os dois anos para a propositura da ação para reformar, rever ou invalidar a decisão que concedeu a tutela provisória, os efeitos se tornam estáveis. Esses efeitos são estabilizados, mas apenas eles - a coisa julgada, por sua vez, recai sobre o conteúdo da decisão, não sobre seus efeitos; é o conteúdo, não a eficácia, que se torna indiscutível com a coisa julgada. (DIDIER JUNIOR, 2015a, p. 612)

Ou seja, decorridos dois anos, os efeitos da decisão se tornarão estáveis, entretanto, isso não deve ser confundido com coisa julgada, pois a coisa julgada recairia sobre o conteúdo da decisão e não sobre seus efeitos.

Continuando, sendo proferida sentença de procedência na segunda ação – e sendo essa favorável ao “réu” daquela primeira, evidentemente –, a tutela concedida perderá sua estabilidade e seus efeitos serão paralisados.

Isso se dá em razão do tipo de cognição que é exercida por ocasião da sentença. Nessa, faz-se cognição exauriente, ou seja, o Magistrado tem condições de analisar a lide com maior profundidade. De forma diversa ocorre quando da prolação da "decisão liminar", em que se exerce cognição tão somente sumária, considerando que ainda não possui muitos elementos para, literalmente, "conhecer" a causa posta em discussão.

3.3 ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL PELO AUTOR E INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELO RÉU

Passando para uma nova hipótese, podemos supor que ocorra também a seguinte situação: (a) o juiz defere o pedido de tutela antecipada antecedente, (b) o autor adita a inicial e (c) o réu interpõe recurso. Esse caso não demanda maiores discussões, sendo claro que os efeitos da decisão não permanecerão somente se for dado efeito suspensivo ao recurso e, no que refere à estabilização da tutela, essa não ocorrerá (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 22).

Após o julgamento do recurso, mesmo sendo negado o provimento, como houve sua interposição, não se operará a estabilização. Assim, o processo terá continuidade normalmente e os efeitos da tutela – que, mais uma vez, não se confundem com sua estabilização – continuarão existentes (CAVALCANTI NETO, 2015, p. 22-23).

3.4 AUSÊNCIA DE ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR PARTE DO AUTOR E INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELO RÉU

É também possível que (a) o juiz defira o pedido de tutela antecipada antecedente, (b) o autor não adite a inicial e (c) o réu recorra. Esse caso também é de difícil interpretação no que concerne às suas consequências.

Entende-se que, nessa última hipótese, não se operará a estabilização – tendo em vista o disposto no caput do art. 304 do CPC/2015 (BRASIL, 2015) – e os efeitos da tutela ficarão condicionados ao provimento do agravo. Porém, não sendo dado provimento ao recurso, o que aconteceria?

Poder-se-ia responder que, como é ônus do autor aditar o pedido – cuja consequência prevista pela lei é a extinção do processo sem resolução do mérito –, os efeitos da tutela concedida cairiam por terra no momento em que fosse prolatada a sentença de extinção. Entretanto, esse pensamento nos parece contraditório com o antes exposto na hipótese de ausência de aditamento e de recurso. Ora, se naquela ocasião foi dito que ainda assim a tutela teria seus efeitos continuados, por que agora se afirma que esses serão extintos? Compreendemos que a consequência da omissão do autor é realmente essa, todavia, o fundamento para a extinção dos efeitos está na ausência de estabilização e não no ônus do autor de emendar a inicial.

No mesmo sentido, Antonio Cavalcanti ensina que:

No caso, não haverá estabilização, apenas sobreviveria a tutela antecipada, mas, sem a manifestação do autor no sentido de aditar o seu pedido inicial, não há porque manter a decisão provisória, que é extinta junto com o processo antecedente. (2015, p. 22)

De forma diversa, Cassio Scarpinella Bueno aduz que “o aditamento da inicial só será necessário se o réu não interpuser agravo de instrumento da decisão concessiva da tutela antecipada. É que, nesta hipótese, tem incidência o caput do art. 304 e a estabilização da tutela antecipada" (BUENO, 2015, p. 224).

3.5 JUIZ INDEFERE O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

Por fim, veremos o que acontecerá quando houver indeferimento do pedido de tutela de urgência pelo magistrado. Para tanto, leiamos novamente o parágrafo sexto do art. 303 do CPC/2015:

Art. 303, § 6º. Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito. (BRASIL, 2015) (grifei)

Conforme descrito na norma, em vez do anterior prazo de 15 (quinze) dias, o autor agora terá no máximo 5 (cinco) dias para emendar a inicial, indicando novos argumentos para a defesa do direito pleiteado e juntando novos documentos necessários para a instrução do processo para o julgamento do pedido principal. Obviamente não haverá a estabilização da tutela, havendo aditamento ou não, uma vez que essa sequer foi concedida.

Há de se destacar, por fim, a previsão de indenização à parte adversa. Assim dispõe o art. 302 do Novo CPC (BRASIL, 2015):

Art. 302.  Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

I - a sentença lhe for desfavorável;

II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Portanto, será possível condenar uma das partes ao pagamento de indenização em caso de (I) posterior sentença desfavorável, (II) não serem fornecidos, em 5 dias, os meios necessários para realizar a citação do requerido, (III) a medida perder sua eficácia ou de (IV) restar verificada a decadência ou a prescrição da pretensão autoral.

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Sobre a autora
Kadija Roncete

Graduada em Direito pela FDV<br>Pós-Graduada pela FDV<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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